D.E. Publicado em 13/12/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Por maioria, determinar a imediata expedição da guia de execução, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por ROBERTO SUZUKI FONSECA, contra a r. sentença de fls.354/360-v, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Araçatuba/SP que o condenou pela prática do delito previsto no artigo 18 da Lei n. 10.826/2003, à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.
A pena corporal foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, em entidade beneficente a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais e na proibição de frequentar áreas fronteiriças do país com o Paraguai, pelo período de cumprimento da reprimenda.
Narra a denúncia (fls. 135/136) que, em 12 de novembro de 2007, por volta das 9:30H, na Rodovia Assis Chateaubriand, km 296, no município de Penápolis, que ROBERTO SUZUKI foi flagrado, por policias militares rodoviários em fiscalização de rotina, transportando no interior de um ônibus, de linha da empresa Cantelletur, 149 (cento e quarenta e nove) munições para arma de fogo calibres .22 e .38, sem autorização em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Ainda segundo a acusação, ROBERTO:
À fl. 128, foi acolhida promoção de arquivamento em relação ao delito de descaminho.
A denúncia foi recebida em 24/05/2010 (fls. 137/138) e a sentença, publicada em 21/05/2013 (fl. 362).
Em razões de fls. 393/407, a defesa pugna pela reforma da sentença, alegando, em síntese, que:
a) a condenação foi baseada exclusivamente em confissão extrajudicial;
b) que as munições foram adquiridas em território nacional, na cidade de Umuarama/PR e, portanto, não caracterizada a internacionalidade do delito, fato, segundo a defesa, reconhecido pelo próprio Ministério Público Federal;
c) a conduta é atípica em razão da abolitio criminis temporária, decorrente da Medida Provisória n. 417, de 31/01/2008, que alterou o prazo para entrega das armas, previsto no artigo 32 da Lei n. 10.826/03;
d) atipicidade pela ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado, pois o réu apenas estava na posse de munição sem arma de fogo capaz de efetivar disparos;
e) fragilidade do conjunto probatório e necessária aplicação do princípio "in dubio pro reo"; e
f) subsidiariamente, que deve ser a conduta desclassificada para a prevista no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003.
Às fls. 364 e 409, apela o Ministério Público Federal pleiteando a absolvição do acusado, ao argumento de que os depoimentos dos policias referem-se à confissão informal, devendo incidir o artigo 155 do CPP e que "não há nenhuma prova inquisitorial cautelar, irrepetível ou antecipada de importação de munições" (fls. 409). À fl. 426, foi juntado termo de renúncia ao direito ao recurso assinado pelo réu.
Não foram apresentadas contrarrazões.
A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante, Dra. Eugênia Augusta Gonzaga, opinou pela manutenção da sentença condenatória (fls. 427/430-v).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
ROBERTO SUZUKI FONSECA foi flagrado transportando, em 12/11/2007, no interior do ônibus da empresa Cantelletur, que fazia a linha Umuarama/PR - Uberlândia/MG, munições clibres .22 e .38, as primeiras de origem estrangeira e as últimas, de fabricação nacional destinadas à exportação, razão pela qual restou denunciado como incurso nas penas do artigo 18 da Lei nº 10.826/2003.
Passo à análise da matéria devolvida, destacando que as razões ministeriais de fls. 409, que foram "agragadas" às razoes de apelo anteriores, não serão conhecidas, em razão da preclusão consumativa.
Por primeiro, cumpre discorrer acerca da tipicidade ou não da conduta de posse de arma de fogo pelo acusado, em razão das normas que incentivaram, na época, o desarmamento.
A Lei n. 10.826/03 na sua redação original previa, em seu artigo 30, o prazo de 180 (cento e oitenta dias), contados da publicação da lei, para que proprietários e possuidores de armas de fogo solicitassem o seu registro. Confira-se:
A Lei n. 11.118/05, de 19 de maio de 2005 prorrogou o termo final do prazo para regularização até 23 de junho 2005:
Por sua vez, a Lei n. 11.191/05, de 10 de novembro 2005, prorrogou o referido prazo, apenas, para aqueles residentes em áreas rurais:
Em seguida, a Medida Provisória n. 417, de 31 de janeiro de 2008, convertida na Lei n. 11.706/08, alterou a redação do artigo 30 da Lei n. 10.826/03, fixandoa data de 31 de dezembro de 2008 o termo final para a solicitação do registro de armas de fogo de uso permito, in verbis:
Extrai-se, portanto, das datas de entrada em vigor da legislação supracitada e os termos por elas estabelecidos, que, para os não residentes em áreas rurais, no período compreendido entre 23/06/2005 (prazo final estabelecido pela Lei n. 11.118/05) e 31/01/2008 (data da publicação da Medida Provisória n. 417), não havia possibilidade de regularização da propriedade ou posse irregular de armas de fogo ou munição.
A partir disso, instaurou-se a contenda acerca da possibilidade ou não da Medida Provisória n. 417 retroagir para atingir os fatos posteriores a 23/06/2005 até a sua entrada em vigor, extinguindo a punibilidade dos delitos de posse irregular de arma de fogo e munição ocorridos neste período.
Tal matéria foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 768494, no qual a Corte Suprema firmou entendimento acerca da irretroatividade da Medida Provisória n. 417, porquanto inexistente abolitio criminis temporária, mas sim "um período de vacatio legis para que os possuidores de armas de fogo de uso permitido pudessem proceder à sua regularização ou à sua entrega mediante indenização". O referido aresto restou assim ementado:
Na mesma linha o entendimento do E. STJ, que editou a Súmula n. 513: "A 'abolitio criminis' temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005. (Súmula 513, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/06/2014, DJe 16/06/2014).
Assim, de acordo com a explanação supra, à época dos fatos descritos na inicial, em 12/11/2007, típica a conduta prevista no artigo 18 da Lei n. 10.826/03.
Portanto, não há que se falar em abolitio criminis temporária como pretende a defesa.
Prossigo.
A materialidade, a internacionalidade e a autoria delitiva são incontestes.
Destacam-se as seguintes provas documentais:
- Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/05);
- Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 06/08;
- Laudo de Exame em Munição (fls. 52/56), nos quais os peritos apontaram que que os cartuchos "encontravam-se em perfeitas condições de uso" e que 'os cartuchos submetidos a exame de calibre .22 são de fabricação estrangeira e os de calibre .38 são de fabricação brasileira, mas destinados a comercialização e uso no exterior".
No ponto, curial destacar que o fato das munições estarem em perfeitas condições de uso afasta a ausência de lesividade da conduta, alegada pela defesa, uma vez que o tipo penal em questão tem como objetivos a proteção à segurança da coletividade, à incolumidade pública e à paz social. Não há que se falar em ausência de lesividade pelo fato do réu não portar arma de fogo, já que atingida a objetividade jurídica com o simples trazer conssigo as munições. Nessa senda:
Outrossim, a internacionalidade dessume-se do contexto fático, bem como da prova oral coligida, mormente pelas declarações dos policiais que efetivaram a apreensão, ratificadas em Juízo (mídia fl. 247), quando asseveraram que o réu admitiu, durante a apreensão, ter adquirido as munições no Paraguai, conforme, acertadamente, anotou o magistrado de primeiro grau.
Quanto ao ponto, cumpre anotar que a jurisprudência pátria, mormente do Colendo Superior Tribunal de Justiça, é assente no sentido de que os depoimentos de policiais detêm elevado valor probatório e constituem prova idônea, portanto, aptos à formação da convicção do juiz.
Por oportuno, transcrevo julgado seguinte:
In casu, o testemunho dos policiais estão em consonância com todos os demais elementos de prova coligidos, como será retomado na sequência, inexistindo razão para desqualificá-los.
Portanto, não há dúvidas sobre a competência absoluta da Justiça Federal, nos termos do disposto no artigo 109, V, da Constituição da República.
A autoria e dolo também são incontestes.
Embora o acusado tenha preferido manter silêncio perante a autoridade policial, em juízo, admitiu ter sido flagrado transportando as munições apreendias nos autos, no entanto, asseverou tê-las comprado na cidade de Umuarama/PR de uma pessoa chamada Émerson, a qual, segundo ele, já teria falecido. Revelou ter informado que adquiriu as munições no Paraguai quando da abordagem por receio de envolver outras pessoas:
Como sobredito, as testemunhas de acusação ouvidas em Juízo (mídia fl. 247), policiais militares rodoviários, corroboraram o quanto declararam na fase inquisitiva, discorrendo sobre a diligência efetuada e sobre como encontraram as munições apreendidas em poder do denunciado. Reafirmaram, ainda, que ROBERTO informalmente revelou que as munições teriam sido adquiridas no Paraguai e seriam ofertadas como presente para o seu sogro.
A testemunha de defesa e a informante (esposa) ouvidas em Juízo, às fls. 293/294, nada acrescentaram sobre os fatos.
As circunstâncias que envolvem os fatos, bem como o conjunto probatório convergem no sentido de que o apelante adquiriu munições no Paraguai, internando-as dolosamente em território nacional, sem a devida autorização.
Sobreleva anotar que o próprio acusado, em Juízo, sobre a aquisição das munições, acabou por confirmar que, quando da abordagem policial, disse tê-las comprado no Paraguai.
Nesta esteira, o fato do denunciado ter mudado sua versão em Juízo afirmando que não ingressou em território paraguaio, não lhe favorece. Ao contrário, indica que estava ciente da transnacionalidade de sua conduta e que a negativa constitui apenas tentativa de amenizar a reprimenda penal.
Curial destacar, também, que a cidade de Umuarama/PR fica apenas 135 km da cidade paraguaia de Salto Del Guairá/PY e a 297 km de Cidade Del Leste, também no país vizinho.
De outro turno, ainda que se admita que o apelante comprou as munições em Umuarama, cidade na qual residia à época dos fatos, a figura típica do artigo 18 da Lei n. 10.826/03 mantém sua completude, uma vez que o tipo é multinuclear e prevê, também, a figura de "favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente".
Ademais, como bem ressaltou a Procuradoria Regional da República:
Impende ressaltar que os demais bens apreendidos em poder do acusado, no momento da sua abordagem, possuíam características de produtos de origem estrangeira (auto de apreensão, fls. 06/07 - itens 03 a 13)que se não serviram para deflagrar açãopor delito de descaminho - ante a incidência do princípio da insignificância - não podem ser olvidados para concluir que o increpado esteve sim no país vizinho adquirindo produtos.
Por fim e pelos motivos até aqui expostos, descabida a pretensa desclassificação do delito pelo qual o réu foi condenado para o tipo do artigo 16 da Lei n. 10.826/03, eis que todos os elementos do tipo penal descrito no artigo 18 da referida lei encontram-se presentes. Nesse sentido:
Deste modo, mantenho a condenação pela prática dos delito capitulado no artigo 18 da Lei nº 10.826/2003.
Passo à dosimetria da pena.
Do exame dos autos, verifico que o MM. Juiz a quo fixou a pena base no mínimo legal, em 04 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, o que não merece reparo.
Na segunda fase, reconheceu, de modo escorreito, a presença da atenuante prevista no artigo 65, III, "d" do Código Penal, mas deixou de aplicá-la a teor da Súmula n. 231 do STJ.
Ausentes causas de aumento ou diminuição, o MM Juiz a quo tornou definitiva a pena de 04 (quatro) anos e 10 (dez) dias-multa, o que fica mantido.
Mantenho o valor unitário do dia multa em seu mínimo legal.
Irretorquíveis a afixação do regime inicial de cumprimento de pena no aberto, a teor do artigo 33, §2º, "c", do CP, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços a comunidade ou entidades, a ser definida pelo Juízo da Execução e proibição de frequentar regiões fronteiriças, pelo período de cumprimento da reprimenda.
Mantidos os demais termos da sentença.
Por esses fundamentos, nego provimento aos recursos da Defesa e da acusação.
Nos termos do entendimento firmado pelo STF no HC 126.292 e ADcs 43 e 44, expeça-se guia de execução em nome do réu para imediato cumprimento das penas restritivas de direito, encaminhando-a ao Juízo da Execução.
É o voto.
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