D.E. Publicado em 06/09/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, por maioria, dar parcial provimento ao recuso da defesa, no sentido de manter a condenação do réu ao cumprimento da pena de 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 2 (dois) dias de reclusão e 850 (oitocentos e cinquenta) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo, porém com aplicação da detração e fixação do regime semiaberto para início de cumprimento de pena, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Trata-se de apelação criminal interposta contra a sentença de fls. 699/710, que absolveu ALEXSANDRO VIDEIRA PEIXOTO da prática do crime do art. 35, caput, c/c art. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06, com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, bem como o condenou pelo delito do art. 33, caput c/c art. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06, com fixação de pena privativa de liberdade definitiva de 8 anos, 6 meses e 2 dias de reclusão e 850 dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, com regime inicial fechado e manutenção da prisão preventiva.
Em suas razões recursais de fls. 741/787, a defesa sustenta a incompetência da justiça federal, haja vista a inexistência de prova da transnacionalidade do delito. Aduz, ainda, a absolvição do réu por insuficiência de prova, já que a acusação não se desincumbiu do ônus que lhe competia. Também pleiteia a fixação da pena-base no mínimo legal, o afastamento da agravante do art. 62, inciso I, do Código Penal, a exclusão da causa de aumento referente à transnacionalidade e a aplicação da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006. Ao final, pede a alteração do regime inicial de cumprimento de pena, inclusive com apreciação da detração, bem como a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Contrarrazões da acusação às fls. 789/798.
Em parecer de fls. 800/804, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do apelo e a imediata execução provisória da pena.
Em sessão de julgamento realizada em 19 de fevereiro de 2018, o e. Relator Des. Fed. Paulo Fontes rejeitou a preliminar e deu provimento ao recurso da defesa para absolver Alexsandro de Videira Peixoto.
É o relatório.
Pedi vista dos autos para melhor reflexão sobre o tema.
Na espécie, divirjo do voto apresentado em parte.
Acompanho o i. Relator quanto à rejeição da preliminar de incompetência da justiça federal.
De fato, conforme interrogatório policial de Carlos Renan Marques Nunes, ele foi contratado para trazer a droga da cidade de Pedro Juan Caballero (PY) até a cidade de Marília/SP. Em juízo, ele confirmou que foi contratado por uma pessoa de nome "Felipe" para trazer a droga até a cidade de Marília.
Observo que a droga foi apreendida no Posto Fiscal de Capey, na cidade de Ponta Porã/MS, que faz fronteira com o Paraguai e corrobora a tese da internacionalidade do entorpecente.
Note-se, ainda, que para a comprovação da transnacionalidade do tráfico de drogas basta que sejam colhidos indícios seguros da proveniência estrangeira da substância entorpecente ou psicotrópica, como ocorre no presente caso.
A região em que foi apanhada a droga é notadamente conhecida por ser usada como porta de entrada de drogas produzidas em países vizinhos, especialmente de cocaína, fabricada em países que tradicionalmente cultivam a folha de coca, como a Colômbia, o Peru e a Bolívia.
Confirma-se, portanto, a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito, nos termos do art. 109, V, da Constituição Federal.
No entanto, divirjo do i. Relator quanto à absolvição do réu por insuficiência de provas da autoria delitiva.
A materialidade não foi objeto de impugnação das partes e restou devidamente comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 23/24) e Laudos Periciais do veículo apreendido (fls. 26/30), do entorpecente (30verso/32) e de informática (fls. 34/39), além de cópia dos autos da interceptação telefônica n. 0008217-65.2013.8.12.0002 e dos autos das investigações referente a Carlos Renan (apenso).
A autoria do crime também está amplamente comprovada pelos demais elementos de prova.
No inquérito policial nº 509/2013-4, os policiais responsáveis pelo flagrante de Carlos Renan, Sr. Saulo Bravim Tito de Paula e Vandir Dasan Benito Junior confirmaram que estavam no posto policial Capey no dia 15 de agosto de 2013, ocasião em que abordaram o veículo Fiat/Uno de placa HSJ-9379, conduzido por Carlos. Diante do nervosismo do condutor, os policiais realizaram vistoria no veículo, momento em que encontraram ocultos no painel do veículo diversos tabletes envoltos em fita adesiva, os quais continham substância com característica de cocaína. Também relataram que Carlos teria confessado ter sido contratado para realizar o transporte de entorpecente até a cidade de Marília, bem como que havia apanhado o carro na cidade de Pedro Juan Caballero/PY. Por fim, informaram que Carlos mencionou ter sido contratado por Felipe, porém não soube mencionar outros dados sobre esta pessoa (fls. 178/180)
Na polícia, Carlos Renan afirmou ser proprietário de um lava jato na cidade de Dourados/MS e que um conhecido de nome Felipe havia lhe contratado pelo valor de R$ 10.000,00 para transportar entorpecente da cidade de Pedro Juan Caballero/PY até a cidade de Marília/SP. Disse, ainda, que quando chegou ao local apanhou o veículo Fiat/Uno nas proximidades de um supermercado na cidade de Pedro Juan Caballero e que o automóvel já estava estava carregado com entorpecente. Declarou que seguiria viagem até a cidade de Dourados/MS, local em que receberia novas instruções via telefone de Felipe sobre o trajeto até a cidade de Marília. Afirmou, também, que conhece Felipe do seu lava jato, uma vez que o mesmo leva carros. Por fim, não soube informar a qualificação completa ou o local em que Felipe poderia ser encontrado (fl. 181).
Na audiência de instrução desta demanda, Carlos Renan declarou não conhecer o réu. Disse que os fatos da denúncia não são verdadeiros, já que quem o contratou para levar a droga até a cidade de Marília foi o Felipe, pela quantia de dez mil reais. Afirmou que o veiculo Fiat/Uno é do Felipe, bem como que o pegou na cidade de Ponta Porã/MS, na frente de uma casa. Mencionou que o Felipe é alto, branco, olhos verdes, magro e tem uma tatuagem no braço, bem como que encontrou com ele umas duas ou três vezes no lava rápido. Disse que não manteve contato com ele por qualquer meio de comunicação. Afirmou que na época dos fatos tinha celular, mas não lembra o número. Negou as conversas telefônicas suspostamente tidas com o réu. Afirmou que já ouviu falar de uma pessoa de nome Sandro ou Sandrão. Era uma pessoa que levava os carros no lava rápido. Ressaltou que na época dos fatos denunciados não tinha namorada e que Andressa é uma ex-namorada, com quem não tinha contado em 2013. Por fim, informou ter recebido a assistência de um advogado no momento da prisão, o qual foi contratado por seu pai. Declarou que seu pai foi com dois advogados e que ele ficou com um só, que não era o Wilson, mas um de nome Neto (fl. 327).
O réu Alexsandro também negou ter contratado Carlos Renan para transportar o entorpecente, afirmando não ter qualquer envolvimento com os fatos ocorridos em 15.08.2013.
Em seu interrogatório, o réu disse que conhecia Carlos Renan, já que levava carros para ele lavar em seu lavar rápido. Negou que o veículo encontrado com Carlos era seu, além de declarar que na época dos fatos a esposa de Carlos (conhecida por "Ju") o procurou para saber se ele conhecia algum advogado para lhe indicar. Afirmou que indicou a ela o Dr. Wilson. Negou que o nome da esposa de Carlos fosse Andressa, pessoa que também não conhecia. Também negou a existência de qualquer conversa entre ele e a pessoa de nome Andressa. Afirmou que conversou com Carlos por telefone, mas somente de assuntos relacionados a carros. Questionado sobre um diálogo em que ele e Renan combinam de ir até a cidade de Ponta Porã, disse que na verdade pediu a Carlos para ir ao Detran, a fim de regularizar a documentação de um veículo. Declarou não se recordar ter ido até a cidade de Ponta Porã no dia 14 de agosto, mas que ia até este local algumas vezes para tratar sobre a venda de carros. Relatou que as conversas que teve com Carlos no dia 15 se referem a lavagem dos carros e esclareceu que "Gauchinho" é o nome de uma das pessoas que trabalham no lava rápido. Negou que tenha ajudado Carlos a pagar o advogado, mencionado que só deu o cartão para a Juliana. Declarou que soube da prisão de Carlos por meio de "Gauchinho" e que ficou com medo de alguém pensar que ele havia indicado o advogado. Afirmou que realmente conversou com o advogado Wilson e pediu para ele não falar nada sobre ele, uma vez que já havia tido problemas com o transporte de cigarros. Negou ter contratado o advogado e que tampouco recebeu ligações da namorada ou esposa de Carlos para saber sobre o advogado. Disse que não conhece a pessoa com apelido de "Junior Jacaré". Por fim, mencionou que a grande movimentação de valores na sua conta bancária ocorre por conta da venda dos carros. Também confirmou ter trabalhado para Wilson por nove anos, mas não sabia do envolvimento deste último com drogas (fl. 346).
Verifica-se dos depoimentos que Alexsandro nega ter contratado Carlos para realizar o transporte de cocaína da cidade de San Juan Caballero/PY até a cidade de Marília, fato este confirmado por Carlos, que afirma ter sido contratado por uma pessoa de nome Felipe.
No entanto, referida versão dos fatos mostra-se frágil diante das contradições entre as versões apresentadas e das escutas telefônicas captadas nos autos nº 0008217-65.2013.8.12.0002.
Deveras, em seu depoimento Carlos disse que mal conhecia a pessoa de apelido Sandro ou Sandrão, uma vez que este apenas levava veículos em seu lava rápido. O réu, por sua vez, mostrou ter um contato bem maior com Carlos, tanto que supostamente lhe pedia favores como ir até o DETRAN, sabia o nome de sua esposa (Juliana) e, inclusive, o nome das pessoas que trabalhavam para ele no lava rápido, como o Gauchinho.
Outra contradição que mostra a fragilidade dos depoimentos é que Carlos negou ter contratado o advogado de nome Wilson, sendo que a procuração de fl. 10 indica que ele foi efetivamente patrocinado por Wilson Pereira de Assis em 16/08/2013. Ademais, o réu Alexsandro foi enfático ao dizer que indicou o Dr. Wilson para a esposa de Carlos, tanto que afirmou ter conversado com este sobre a prisão, alegando que ficou com medo de envolverem seu nome nos acontecimentos simplesmente por ter indicado o advogado.
Não bastassem as contradições entre as versões, nos autos nº 0008217-65.2013.8.12.0002 (fls. 99/171), instaurado para apurar a existência de organização criminosa voltada para a prática de crimes de financiamento do tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, as transcrições das interceptações telefônicas revelam o envolvimento entre Alexsandro e Carlos Renan.
Confiram-se os seguintes trechos que constituem fortes indícios de que foi o réu Alexsandro (usuário da linha 67 - 9623-8436) que contratou Carlos Renan (usuário da linha 67 - 9664-8283, número confirmado por ele em sede de inquérito policial) para fazer o transporte de entorpecentes que culminou no flagrante realizado no dia 15 de agosto de 2013:
O teor das conversas travadas pelo réu com Carlos Renan, sua namorada e o advogado é claramente indiciária da prática do crime de tráfico de drogas.
Com efeito, verifica-se que Carlos e Alexsandro combinaram a saída para buscar a droga, tanto que em 14/08/2013 ambos estavam em Ponta Porã/MS. Além disso, resta evidente a preocupação do réu em auxiliar Carlos Renan com a contratação de um advogado, a fim de impedir que ele mencione seu nome nos fatos ocorridos.
Logo, os trechos acima reproduzidos somados às contradições dos depoimentos, não deixam dúvidas de que Alexsandro em comunhão de esforços e unidade de desígnios com Carlos Renan, importou do Paraguai e transportou para o Brasil, sem autorização legal ou regulamentar, 9.300 gramas de cocaína.
Desta feita, mantenho a condenação de Alexsandro de Videira Peixoto pela prática do crime do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.
A defesa ainda se insurge quanto à dosimetria da pena, pleiteando a fixação da pena-base no mínimo legal e o afastamento da agravante do art. 62, inciso I, do Código Penal, assim como a exclusão da majoração referente à transnacionalidade do crime, a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006, com a consequente alteração do regime inicial de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Neste ponto, destaco que o Magistrado de primeiro grau aplicou as penas com a seguinte fundamentação:
De início, a defesa pede o afastamento da quantidade da droga para majoração da pena-base.
Neste ponto, destaco que na primeira fase da dosimetria da pena, a natureza e a quantidade da droga, bem como a personalidade e a conduta social do agente devem ser consideradas com preponderância sobre o artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas.
No caso dos autos, verifica-se que o magistrado majorou a pena com fundamento na grande quantidade de entorpecente.
Neste ponto, destaco que a apreensão de significativa quantidade de entorpecente de alto custo, demasiadamente nociva e viciante (9,3 Kg de cocaína) justificaria, a meu ver, a exasperação da pena-base na fração de 1/3 (um terço) acima do mínimo legal.
No entanto, em observância ao princípio da non reformatio in pejus, mantenho a fração adotada pelo magistrado de ¼ (um quarto), haja vista a apreciação favorável das demais circunstâncias judiciais.
Assim, na primeira fase de dosimetria da pena, apreciando somente a natureza e quantidade da droga de forma desfavorável, fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão e 625 (seiscentos e vinte e cinco) dias-multa.
Prosseguindo, sem razão a defesa quanto ao pedido de afastamento da agravante do art. 62, inciso I, do Código Penal, aplicada na fração de 1/6 (um sexto) .
De fato, o conjunto probatório demonstra que o réu foi o responsável pela organização da ação criminosa, contratando terceiros para o transporte do entorpecente mediante o pagamento de valores.
Portanto, na segunda fase da dosimetria, preservo a agravante daquele que "promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes", motivo pelo qual aumento a pena em 1/6 (um sexto), do que resulta o total de 07 (sete) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 729 (setecentos e vinte e nove) dias-multa.
No tocante à terceira fase da dosimetria, a defesa requer o afastamento da causa de aumento relativa à transnacionalidade do delito, assim como a incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
Verifico que a transnacionalidade do delito foi comprovada pelas circunstâncias em que se deram os fatos (apreensão da droga em Ponta Porã/MS - cidade que faz fronteira com o Paraguai), com destaque para as declarações de Carlos Renan, em que ele confirma ter sido contratado para trazer a droga da cidade de Pedro Juan Caballero (PY) até a cidade de Marília/SP (fls. 178/181).
Conquanto em juízo ele tenha dito que pegou a droga na cidade de Ponta Porã/MS, os demais elementos indicam que ele sabia a respeito da transnacionalidade do entorpecente.
Por derradeiro, ressalto que consoante a novel Súmula nº 607 do STJ: "A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras".
Desta feita, considerando que o artigo 40 da Lei nº 11.343/06 estabelece 7 (sete) causas de aumento de pena e fixa o parâmetro da exasperação de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), denota-se razoável que a pena seja elevada no patamar mínimo diante da incidência de uma circunstância apenas.
Com relação à aplicação da causa de diminuição de pena, o §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 prevê a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 666.334/AM, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, em caso de condenação por tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração tão somente em uma das fases da dosimetria da pena, vedada a sua aplicação cumulativa, que acarretaria bis in idem (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, RE com Agravo nº 666.334/AM, j. 03/04/2014).
Com efeito, não é possível que a natureza e a quantidade de droga sejam duplamente valoradas na primeira e na terceira fases da dosimetria.
Contudo, o magistrado de primeira instância motivou a não aplicação da causa de diminuição somente no fato de que, pelas circunstâncias do delito, Alexsandro de Videira Peixoto integrava organização criminosa.
De fato, a despeito de o apelante não possuir antecedentes criminais, há evidências de que ele se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa.
Aqui, destaco o próprio teor das conversas telefônicas oriundas do processo nº 0008217-65.20138120002, cuja investigação visava exatamente a apuração de atividades criminosas relacionadas ao tráfico de drogas praticados por quadrilhas, o qual indica que o envolvimento do réu com o tráfico de drogas não se dava de maneira ocasional, mas vinha ocorrendo de maneira contumaz. De fato, algumas das pessoas mencionadas nas conversas já foram envolvidas com atividades ligadas ao tráfico de drogas, o próprio réu afirmou em seu interrogatório que estava preso por responder a outro processo por suposto envolvimento com o tráfico de drogas.
Além disso, cuida-se de pessoa que agia no comando de terceiros, inclusive combinando previamente o pagamento e a forma como seria feito o transporte internacional de quantidade considerável de entorpecente, o que indica se tratar de pessoa que integra organização criminosa ou que ao menos se dedica a atividades voltadas para o crime.
Por conseguinte, mantenho a rejeição quanto à incidência do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
Desta feita, na terceira fase da dosimetria da pena, aplicada a causa de aumento de pena relativa à transnacionalidade no patamar de 1/6 (um sexto) e à míngua de outras causas de aumento e diminuição, fixo a pena em 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 2 (dois) dias de reclusão e 850 (oitocentos e cinquenta) dias-multa, mantidos estes últimos no valor de 1/30 do salário mínimo, que torno definitiva.
A defesa ainda sustenta a necessidade de detração do tempo de prisão provisória, com a consequente fixação de um regime inicial de cumprimento da pena menos rigoroso.
O §2º do artigo 387 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 12.736/12, estabelece que o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade.
No que se refere ao cômputo de prisão provisória na fixação do regime de cumprimento da pena, observo que a aplicação do benefício previsto no dispositivo acima citado consubstancia direito dos acusados em geral.
Considero, no entanto, que a detração penal deve ser computada na data da prolação da sentença, notadamente nas hipóteses em que o juiz de primeiro grau de jurisdição determina, após a sentença condenatória, a expedição de guia de recolhimento para início da execução provisória da pena.
Isto porque, embora o instituto da detração penal não guarde identidade com o da progressão de regime de cumprimento de pena, para a aplicação desde último, nas hipóteses de execução provisória, o Estado deverá de computar o tempo de prisão provisória cumprido pelo réu entre a prolação de sentença e a posterior decisão proferida em grau de recurso.
Na hipótese sub judice, o acusado foi preso preventivamente em 24.07.2014 (fl. 14 do apenso) e assim permaneceu durante toda a instrução criminal. A sentença foi prolatada em 19.08.2016.
Descontado o tempo de prisão provisória (2 anos e 26 dias) da pena concretamente aplicada (8 anos, 6 meses e 2 dias de reclusão), restam 6 (seis) anos, 5 (cinco) meses e 6 (seis) dias de reclusão, fato que autoriza a modificação do regime de início de cumprimento de pena.
Com efeito, para a fixação do regime, devem ser observados os seguintes fatores: a) modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); b) quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas a, b e c, CP); c) caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas b e c, CP) e d) circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do CP).
A exasperação da pena-base com fundamento na natureza e quantidade do entorpecente não impede a fixação de regime prisional mais benéfico, se as circunstâncias subjetivas forem favoráveis.
Aqui, considerando que as circunstâncias judiciais subjetivas do réu (antecedentes, conduta social, personalidade e motivo do crime) não foram valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto.
No particular, a pena concretamente aplicada (6 anos, 5 meses e 6 dias de reclusão) e as circunstâncias judiciais autorizam a fixação do regime semiaberto, nos termos do artigo 33, §2º, b, do Código Penal.
No entanto, resta inviável o pleito defensivo de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista a quantidade de pena aplicada, nos termos do art. 44, I, do Código Penal.
Sem alteração nos demais termos da sentença condenatória.
Por fim, destaco que a Procuradoria Regional da República, em parecer, pleiteou fosse determinado o imediato início da execução da pena, nos termos do entendimento consagrado no Recurso Extraordinário nº 964242/SP.
Tal pedido não merece prosperar, uma vez que o juízo a quo já havia determinado a expedição da Guia de Recolhimento Provisório para fins de início da execução da pena, conforme se verifica dos documentos de fls. 727/728.
Ante o exposto, acompanho o i. Relator quanto à rejeição da preliminar de incompetência absoluta, porém divirjo para dar parcial provimento ao recurso defensivo, no sentido de manter a condenação do réu ao cumprimento da pena de 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 2 (dois) dias de reclusão e 850 (oitocentos e cinquenta) dias-multa no valor de de 1/30 do salário mínimo, mas com aplicação da detração e fixação do regime semiaberto para início de cumprimento de pena.
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VOTO-VISTA
Ante o exposto, rejeito a preliminar de incompetência absoluta (acompanho o Relator) e, no mérito, nego provimento ao recurso do réu, no sentido de manter a sua condenação ao cumprimento da pena de 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 2 (dois) dias de reclusão e 850 (oitocentos e cinquenta) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo, aplicando-se a detração e fixando-se o regime inicial semiaberto de cumprimento de pena (divirjo do Relator).
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Criminal interposta por ALEXSANDRO VIDEIRA PEIXOTO, contra sentença de fls. 699/710, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Ponta Porã/MS, que o condenou pela prática do delito do artigo 33, caput, c/c artigo 40, I, da Lei nº 11.343/06, à pena privativa de liberdade de 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 2 (dois) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 850 (oitocentos e cinqüenta) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Em sede de razões recursais (fls. 741/787), a defesa sustenta:
a) preliminarmente, suscita a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, vez que não restou demonstrada a origem estrangeira da droga e a transnacionalidade do tráfico, o que impediria a caracterização da conduta descrita no artigo 40, I, da Lei de Drogas;
b) quanto ao mérito, requer a absolvição de Alexsandro, por insuficiência de provas;
c) caso mantida a condenação, requer a fixação da pena no mínimo legal. Argumenta que a quantidade de droga não pode ser fundamento para a majoração da pena-base, tampouco poderia incidir majoração da pena em razão de suposta condição de organizador da prática criminosa;
d) exclusão da majoração referente à transnacionalidade do crime;
e) incidência da redução pelo "tráfico privilegiado", previsto pelo artigo 33, §4º, da Lei 11.343/2006;
f) reduzida a pena, requer fixação de regime inicial de cumprimento de pena mais branda, inclusive em razão da detração e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
As contrarrazões da acusação foram apresentadas às fls. 789/798.
O Parquet, representado pela Exma. Procuradora Regional da República Denise Neves Abade, opinou pelo desprovimento do recurso. Requereu expressamente a imediata execução provisória da pena (fls. 800/804).
É o Relatório.
À Revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
Do caso dos autos. Narra a denúncia (fls. 189/198), em síntese, que:
A denúncia foi recebida em 18.11.2014 (fl. 280).
Após regular instrução processual, sobreveio sentença condenatória de fls. 699/710, publicada em 19.08.2016 (fl. 711).
Preliminar.
Preliminarmente, a defesa suscita a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, vez que não restou demonstrada a transnacionalidade do delito.
Materialidade.
A materialidade não foi objeto de recurso e restou devidamente comprovada pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 23/24) e Laudos Periciais do veículo apreendido (fls. 26/30), da cocaína apreendida (30verso/32) e de informática (fls. 34/39), além de cópia dos autos da interceptação telefônica n. 0008217-65.2013.8.12.0002 e dos autos das investigações referente a Carlos Renan (apenso).
Autoria.
A defesa alega insuficiência de provas.
Carlos Renan Marques Nunes foi preso em flagrante, quando conduzia automóvel em cujo interior estavam armazenadas 9.300g (nove mil e trezentos gramas) de cocaína. Paralelamente já ocorria investigação "em que se apurava a existência de uma organização criminosa atuante na cidade de Dourados/MS", com interceptações telefônicas devidamente autorizadas. Por essas investigações foi possível verificar que, dois dias antes do crime, o réu Alexsandro ligou para Carlos Renan "com a finalidade de marcar um encontro pessoal" (fl. 192).
As mesmas interceptações telefônicas demonstraram, de acordo com o concluído pelo GAECO, que logo após a prisão de Carlos Renan, a namorada (sic-fl.193) deste teria telefonado a Alexsandro, que "contratou um advogado para se inteirar dos termos do auto de prisão em flagrante" (fl. 194).
O réu Alexsandro Videira Peixoto nega os fatos narrados na denúncia. Ele e Carlos Renan também refutam qualquer relação entre eles e o tráfico de drogas.
Os policiais responsáveis pela prisão em flagrante, Miguel Moacir dos Santos Petersen e Vandir Dasan Benito Junior, foram ouvidos como testemunhas, na fase inquisitorial (fl. 204v/205 e 205v/206)
Os policiais narraram que, em fiscalização de rotina na rodovia BR 463, KM68, no posto policial Capey, quando por volta das 13:00hs, deram ordem de parada ao veículo FIAT/Uno, que trafegava no sentido Ponta Porã/Dourados, conduzido por Carlos Renan, que demonstrou muito nervosismo durante a abordagem. Revista minuciosa revelou tabletes de cocaína ocultos no painel do carro.
De acordo com os policiais, Carlos informou ter sido contratado por "Felipe", para retirar o carro, com a droga, no Supermercado Popey, em Pedro Juan Caballero/PY. Receberia R$10.000,00 pelo transporte.
Carlos Renan, por ocasião de sua prisão em flagrante e também nas declarações dadas em juízo, como testemunha da acusação (mídia de fls. 327), reafirmou ter sido contratado por "Felipe" para o transporte da droga. Não soube dar mais informações sobre Felipe, apenas o descreveu como moreno, magro, olhos verdes e com tatuagem no braço.
Em suas declarações em juízo, Carlos, inicialmente, negou conhecer Alexsandro. Esclarecido sobre o codinome de Alexsandro de "Sandro" ou "Sandrão", Carlos admitiu que o conhecia por ser cliente do lava-jato, mas negou qualquer outra relação.
Questionado, Carlos disse que Andressa já não era sua namorada à época da prisão e, inclusive por ser casada, não teria motivos para preocupar-se com sua situação, tampouco contataria Alexsandro para pedir ajuda a respeito.
Quanto ao advogado que supostamente teria sido indicado por Alexsandro, Carlos Renan declarou que, logo após a prisão em flagrante, "apareceu um (advogado) lá, mas eu fiquei com o outro". Segundo ele, ambos os advogados teriam sido levados por seu pai, que também foi o responsável pela contratação.
O réu Alexsandro Videira Peixoto disse que conhecia Carlos Renan de um lava-rápido, cujos serviços eram por ele utilizados para "gariba" dos automóveis que comercializava. Alexsandro possuía uma revenda de carros e, quando adquiria os automóveis, os desmontava e levava para Carlos fazer limpeza, polimento pressurizado, etc (mídia de fls. 346).
Narrou que, por ocasião da prisão de Carlos, foi procurado pela namorada/esposa (os dois termos foram utilizados) deste para indicação de um advogado. Esclareceu não ter contratado o advogado para Carlos, apenas o indicou. Acrescentou que, até aquele momento, sequer sabia tratar-se de tráfico de drogas.
Indagado, disse conhecer a esposa de Carlos pelo codinome de "Ju" e negou ter mantido a conversa captada pela interceptação telefônica, com Andressa Cristina Andrelo Dias, a quem disse desconhecer.
Com relação ao telefonema mantido com o advogado Wilson, a respeito da prisão em flagrante de Carlos, Alexsandro alegou ter ficado apreensivo porque acreditou que "eles poderiam enrolar meu nome" por ter indicado o advogado. Justificou: "já tive problema com cigarro (...) fiquei nervoso (...) pra não vir este problema em mim, porque sem eu ter nada a ver, olha o problema que já está dando".
Alexsandro refere-se a um processo criminal anterior, por contrabando de cigarros.
A conversa mencionada entre ele e o advogado que supostamente assistiu a Carlos Renan durante a prisão em flagrante, tem o seguinte teor:
Alexsandro justificou este diálogo e a advertência de "não dá sopa aí não", ao fato de ser o primeiro contato dele com o advogado, que, portanto, ainda não sabia se havia ou não algum envolvimento dele no caso.
Justificou todas as conversas captadas, entre ele e Carlos, nas interceptações telefônicas, como referentes aos serviços de lava-rápido contratados.
Entre Carlos Renan e Alexsandro de Videira Peixoto as conversas captadas foram "vai lá no teu lava, quero falar com você" "fica de boa aí que daqui a pouco nóis vai"; "desliga e liga o celular pô, tá sem torre" (fl.192/193)
Quanto aos valores movimentados em sua conta corrente disse ser "tudo declarado" e decorrente da compra e venda de automóveis.
Da prova oral colhida não é possível concluir a relação entre ambos.
Os indícios mais palpáveis, que vinculam Alexsandro a estes autos são as interceptações telefônicas. Mas isso não é suficiente para atribuir-lhe, imune de dúvida, a responsabilidade pela contratação de Renan para o transporte da droga apreendida, tampouco para atribuir-lhe o cometimento do crime de tráfico internacional, especialmente após a análise do teor das conversas captadas.
Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida e dou provimento ao recurso da defesa, para absolver Alexsandro Videira Peixoto da imputação da prática do crime previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, ambos da Lei 11.343/06.
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