Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/08/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002611-75.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002611-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : ALEXANDRE MULLER
ADVOGADO : SP278899 BRUNO SANTICIOLI DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00026117520064036181 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FRAUDE NA OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO. ARTIGO 19 DA LEI N. 7.492/83. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO NÃO SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADOS. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1.Réu denunciado e condenado pela prática do delito previsto no artigo 19 da Lei n. 7.492/83, por ter fraudado financiamento de veículo junto a BV Financeira.
2. Materialidade demonstrada. O legislador elegeu como objeto material do delito a modalidade "financiamento" alcançada por meio de fraude. a operação consistiu em alienação fiduciária para aquisição de veículo, havendo, portanto, destinação específica da aplicação do recurso obtido, enquadrando-se tal hipótese à modalidade financiamento descrita no tipo do artigo 19 da Lei n. 7.492/83. A caracterização do delito independente do número de operações realizadas e de seu valor, bastando a ocorrência de apenas uma operação de financiamento fraudulenta e comtempla instituições públicas e privadas, bem como recursos públicos e privados. O crime previsto no artigo 19 da Lei n. 7.492/83 trata-se de delito comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa que obtenha financiamento mediante fraude, não se restringindo às pessoas enumeradas como responsáveis no artigo 25 da lei, nem mesmo exige coautoria por parte destas. Precedentes desta Corte Regional.
3. Autoria e culpabilidade. Não é inverossímil que o tomador do empréstimo possa ter apresentado documentos falsos a funcionária da empresa do acusado e esta, sem perceber tal fato, tenha encaminhado a proposta de crédito a instituição financeira, a qual competia atestar a veracidade das informações constantes do cadastro. Outro dado relevante é que, após o ocorrido, segundo informações constantes dos autos e confirmada pela própria BV Financeira, o acusado foi contratado como funcionário celetista, em 01/09/2003 e, quando do seu interrogatório, realizado em 18/04/2013 (fl. 828), ou seja, quase dez anos depois, ainda figurava nos quadros da BV Financeira como funcionário. Seria ilógico que a instituição financeira mantivesse nos seus quadros de funcionário alguém que pudesse ter simulado financiamentos prejudicando a própria empresa e sua imagem. Destaco que o acusado foi convidado a integrar os quadros da empresa e galgou cargo de gerente de equipe, mesmo com a repercussão do fato na esfera judicial, com a Ação de Declaratória de Inexistência de Débito proposta pelo verdadeiro WALMIR PIAS (fato que originou as investigações), bem como na esfera administrativa perante o BACEN que cobrou providencias da instituição em relação a seus controles. Inexistência de prova segura da autoria e dolo a ensejar a aplicação do princípio in dubio pro reo e a reforma do decreto condenatório. Precedente
4. Sentença condenatória reformada.
5. Recurso provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação para absolver ALEXANDRE MULLER, nos termos do artigo 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, sendo que o Des. Fed. Wilson Zauhy acompanhava o Relator por fundamentação diversa.


São Paulo, 06 de agosto de 2019.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002611-75.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002611-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : ALEXANDRE MULLER
ADVOGADO : SP278899 BRUNO SANTICIOLI DE OLIVEIRA e outro(a)
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanho o Relator quanto à absolvição do acusado, mas por fundamento diverso.


Isto porque a conduta em questão se encontra desprovida de potencialidade lesiva ao Sistema Financeiro Nacional.


É o que se extrai do fato de ter a instituição financeira uma série de aparatos ao seu alcance para a proteção do Sistema Financeiro Nacional, aí incluídos não apenas a criteriosa análise documental empreendida pelos prepostos da instituição, como a própria garantia que a financiadora mantém sobre o bem financiado, o que lhe permite lançar mão de diversos institutos jurídicos de caráter possessório para reaver a coisa e evitar ou, ao menos, mitigar seu decréscimo patrimonial decorrente de eventual inadimplemento do arrendatário, mesmo na hipótese em que o contrato tenha sido celebrado mediante fraude.


Ademais, para fins da tutela penal conferida pelo art. 19 da Lei n° 7.492/86, há que se considerar como "financiamento" a concessão de crédito facilitada por política estatal, com vistas a concretizar determinado propósito macroeconômico. É o que ocorre, por exemplo, com a concessão de financiamento agrícola no âmbito do PROAGRO, financiamento estudantil por meio do FIES), hipóteses em que há interesses de natureza macroeconômica a ensejar a política estatal de facilitação da concessão de crédito.


Não é o caso, no entanto, de mera concessão de crédito denominado "Crédito Direto ao Consumidor - CDC", na qual não se vislumbra, sequer em tese, qualquer violação à higidez do Sistema Financeiro Nacional.


Neste sentido tem se posicionado a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal:


INQUÉRITO POLICIAL. SUPOSTO CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. FRAUDE NA OBTENÇÃO DE CREDITO DIRETO AO CONSUMIDOR. DIRECIONAMENTO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. INOCORRÊNCIA DO DELITO DO ARTIGO 19 DA LEI Nº 7.492/86. CRIME DE ESTELIONATO. AQUISIÇÃO DE BEM QUE É DADO EM GARANTIA DO CREDITO CONCEDIDO. CONFLITO DE ATRIBUIÇÃO. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL PARA A PERSECUÇÃO DO ESTELIONATO.
1. Trata-se de Inquérito Policial instaurado para apurar possível prática do crime previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86, consistente na obtenção de financiamento fraudulento para aquisição de veículo.
2. Inquérito inicialmente instaurado no âmbito da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo. Manifestação do Ministério Público Estadual no sentido da incompetência da Justiça Estadual, com subsequente remessa dos autos à Justiça Federal.
3. Manifestação do MPF no sentido de que conduta noticiada, relativa a operação financeira na modalidade crédito direto ao consumidor, não caracteriza o tipo penal do artigo 19 da Lei n. 7492/86.
4. Os crimes definidos na Lei 7492/86 objetivam a proteção da higidez e integridade do sistema financeiro, considerados os objetivos expressos no artigo 192 da CF (promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade), não imediatamente o patrimônio particular de alguma instituição financeira dele integrante. O tipo penal do artigo 19 da Lei n. 7492/86, consiste em obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira.
5. Recente entendimento firmado pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão nos autos do Procedimento MPF nº 1.00.000.008428/2017- 00 (683ª Sessão de Revisão, de 31/7/2017) a respeito do tema. Edição da Orientação nº 31, que estabelece: "A contratação de operação de crédito com garantia de alienação fiduciária de veículo automotor, escolhido e indicado pelo particular, perante instituição financeira, em nome de terceiro, sem o conhecimento deste e com a utilização de documentos falsos, é conduta que lesiona exclusivamente o patrimônio da instituição financeira e se ajusta, em tese, ao tipo penal de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal, não afetando o Sistema Financeiro Nacional. Não será da atribuição do Ministério Público Federal a persecução criminal se a instituição financeira prejudicada tiver natureza privada" (Orientação aprovada na 140ª Sessão de Coordenação, de 23 de outubro de 2017).
6. Homologação, por esta 2ª CCR, do declínio de atribuições ao Parquet Estadual para persecução do crime supracitado. Caracterização de conflito de atribuições entre o MPF e o MPE, a ser dirimido pela Procuradora-Geral da República, conforme preconizado na Tese nº 7 da Edição nº 1 do Informativo de Teses Jurídicas da PGR e em precedentes do STF (ACO nºs 1585,1672,1678, 1717 e 2225).
7. Encaminhamento dos autos à Exma. Sra. Procuradora-Geral da República.
(MPF, Procedimento n° 0014350-59.2017.4.03.6181, 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, Rel. Subprocurador-Geral da República Franklin Rodrigues da Costa, julgamento em 12/01/2018) (destaquei).

Assim, o certo é que a conduta de obter crédito denominado "crédito direto ao consumidor - CDC" com a finalidade de aquisição de veículo automotor, quando não efetuada em valores significativos nem de forma sistêmica, tampouco sem impactar política estatal de concessão de crédito, não traz em si qualquer ofensa direta ao Sistema Financeiro Nacional, de sorte que não se justifica a aplicação da sanção penal em comento.


Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação de ALEXANDRE MULLER para absolvê-lo da acusação de cometimento do crime previsto no art. 19, caput, da Lei n° 7.492/1986, com fundamento no art. 386, III do Código de Processo Penal, divergindo do voto do E. Relator quanto à fundamentação.


WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002611-75.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002611-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : ALEXANDRE MULLER
ADVOGADO : SP278899 BRUNO SANTICIOLI DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
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RELATÓRIO

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):

Trata-se de Apelação Criminal interposta por ALEXANDRE MULLER contra sentença de fls. 900/905, proferida pelo Juízo da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo - especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Lavagem de Dinheiro, que o condenou à pena de 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e pagamento de 27 (vinte e sete) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito previsto no artigo 19 da Lei n. 7.492/86.

Consta da denúncia (fls. 622/626):

(...) ALEXANDRE MULLER era funcionário da empresa BV Financeira, em Santa Catarina, sendo responsável pela operação de contratos de alienação fiduciária.
Em 08/04/03, o denunciado formalizou, enquanto funcionário da BV Financeira, um contrato de alienação fiduciária relativo ao veículo camioneta GM, modelo S 2.8 D4x4, ano 2002, placas CZI - 8886, com a princípio - WILMAR ANTONIO PIAS, por intermédio da loja SILVAMULLER COMERCIAL LTDA-ME, localizada em Tijucas, Santa Catarina.
O valor do bem era de R$ 58.000,00 (cinquenta e oito mil reais), tendo sido financiados, na data da celebração do contrato, R$ 23.485.08 (vinte e três mil, quatrocentos e oitenta e cinco reais e oito centavos), parcelados em 48 (quarenta e oito) vezes, vindo a primeira prestação a vencer em 08/05/03.
As parcelas não forma pagas e a dívida foi protestada, o que ocasionou o registro do nome de WILMAR no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).
Após encaminhar proposta de crédito, em abril de 2004, para aquisição de veículo e ser surpreendido com a recusa em virtude de existência de financiamento inadimplido junto a BV Financeira, WILMAR ANTONIO PIAS ingressou com ação declaratória de inexistência de débito com pedido de indenização por danos morais contra a BV Financeira, sob fundamento de que alguém havia se passado por ele na ocasião da celebração do contrato.
A ação foi julgada parcialmente procedente, pelo MM. Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Ijuí, no Rio Grande do Sul, para declarara a inexistência de qualquer débito, uma vez que o contrato fora celebrado por alguém que se fizera passar por WILMAR (fls. 81/82).
Assim, revelou-se que o financiamento feito em nome de WILMAR foi realizado com base em documentos falsos, consistindo em uma fraude.
A partir de investigações em sede de inquérito policial, restou comprovado que ALEXANDRE, além de ser funcionário da BV Financeira, era também, à época dos fatos, sócio da revendedora de veículos SILVAMULLER (fls. 559/562).
Ao formalizar o financiamento ALEXANDRE fez constar no contrato que o valor financiado deveria ser creditado não à BV Financeira mas à empresa JOEMIL IND. COM. REPRES. LTDA (CNPJ n 80.999.071/0001-89) cujos sócios eram JAMIR JOSÉ DA SILVA e ROSANA MARIA DA SILVA e tinha como objeto social a prestação de serviços em marcenaria.
JAMIR JOSDÉ DA SILVA, administrador da JOELMIR IND, COM. E REPRESENTAÇÃO LTDA. admitiu, em suas declarações (fls. 312/313), ser tio da esposa do denunciado e afirmou que este tinha acesso à conta bancária da empresa. Informou que ALEXANDRE já havia, inclusive, utilizado algumas vezes tal conta para transações comerciais.
Com base em documentos do veículo objeto do contrato fraudulento, foram ouvidas pessoas que haviam sido suas proprietárias e foi possível saber que, quando dos fatos, a caminhoneta pertencia à revendedora de veículos TOCA VEÍCULOS LTDA.
A empresa TOCA VEÍCULOS, localizada na cidade de Angatuba em são Paulo, comprou o veículo em 07/04/03, de Jesus Martins, conforme documento de fl. 194.
Por sua vez, a TOCA VEÍCULOS revendeu a camioneta a ENEIDA ZACARIAS RODRIGUES, 14/04/03 (fls. 196/197).
Posteriormente, em 12/06/2003, ENEIDA revendeu o veículo a CARLOS ALBERTO MATHEUS DA LUZ, de acordo com documento à fl. 197.
Assim, nota-se que o veículo em questão não estava, à época da celebração do contrato de alienação fiduciária, na posse da loja que consta como revendedora, a SILVAMULLER.
Para corroborar as conclusões fundadas em tais fatos, temos que ALEXANDRE não apresentou notas fiscais de entrada e saída da loja SILVAMULLER, nas quais deveriam constar registros do veículo em questão.
Dessa forma, o veículo objeto do contrato foi financiado sem que nunca estivesse na propriedade e/ou posse da loja que o "vendeu", além de ter sido celebrado em nome de pessoa que sequer sabia de sua existência.
Em outras palavras, o denunciado simulou a venda de um veículo pela SILVAMULLER, loja revendedora de veículos da qual era sócio, a WILMAR ANTONIO PIAS e um contrato de alienação fiduciária junto à BV Financeira, que deveria creditar o valor do financiamento junto à empresa JOELMIR IND. COM. E REPRES. LTDA., cujo sócio era seu parente por afinidade.
O fato de os valores a serem pagos pela BV Financeira serem creditados em nome de JOELMIR IND. COM. E REPRES. LTDA. nenhum obstáculo significava para o denunciado, uma vez que ele tinha acesso à conta bancária da empresa, de acordo com as declarações de JAMIR JOSÉ DA SILVA.
O acusado realizou contrato de forma fraudulenta, utilizando para tanto documentos falsos, aproveitando-se de ser, a um só tempo proprietário de revendedora de veículos e funcionário da BV Financeira.
Assim, ALEXADRE MULLER, ao obter, mediante fraude, financiamento junto à BV Financeira, incorreu no artigo 19, caput, da lei n. 7.492/86.(...)

As investigações foram iniciadas junto à 2ª Promotoria de Justiça da Capital, sendo remetidos ao Ministério Público Federal em 25/08/2005 (fl.97).

Em decisão acostada às fls. 335/338, o Juízo da 6ª Vara Especializada em Crimes contra o Sistema Financeira Nacional e Lavagem de Dinheiro, frente à representação da autoridade policial federal objetivando declinar a competência à Justiça Estadual de Santa Catarina, entendeu pela competência da Justiça Federal de SP e remessa dos autos ao Ministério Público Federal.

A denúncia foi recebida em 16/03/2011 (fls. 627/628) e a sentença condenatória, publicada em 01/10/2013 (fl. 906).

Em razões recursais de fls. 934/971, a Defesa de ALEXANDRE MULLER pretende a absolvição e alega, em suma, que:

- não há subsunção ao tipo penal pelo qual o acusado foi denunciado e falta de justa causa para ação penal;

-a situação imputada ao acusado, "única ocorrência delituosa", envolvendo uma formalização de apenas uma cédula de crédito e financiamento de apenas um veículo, refere-se a um "hipotético estelionato" e não pode ser enquadrada em crime que atente a bens coletivos do Sistema Financeiro Nacional, sendo necessária sua desclassificação e remessa dos autos ao Juízo competente (Juízo Estadual de Santa Catarina);

- não demonstrado impacto na rigidez da instituição financeira nem ao Sistema Financeiro Nacional;

- inexistência de correlação com qualquer fonte de recurso estatal;

- o financiamento a que se refere o artigo 19 da Lei n. 7.492/86 deve possuir finalidade específica,

-denunciado não era funcionário da instituição financeira, nem exercia cargo de gerência ou de comando e, portanto, não se enquadra na previsão do artigo 25 da Lei n. 7.492/86;

- não se trata de instituição financeira oficial, mas privada, bem como não houve declaração de prejuízo por parte da BV Financeira, devendo se afastada a causa de aumento descrita no parágrafo único do art. 19 da lei n. 7.492/86 e, consequentemente, declarada extinta a punibilidade em virtude da prescrição da pretensão punitiva retroativa.

Contrarrazões da acusação às fls. 1.002/1.010.

A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Zélia Luiza Pierdoná, às fls. 1.011/1.015, opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

À revisão.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002611-75.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002611-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : ALEXANDRE MULLER
ADVOGADO : SP278899 BRUNO SANTICIOLI DE OLIVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00026117520064036181 6P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O acusado ALEXANDRE MULLER foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 19, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão, a ser descontada em regime aberto, mais o pagamento de 27 (vinte e sete) dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

Em suma, restou o apelante condenado pois, na condição de funcionário terceirizado da BV Financeira e sócio da empresa SILVAMULLER COMERCIAL LTDA - ME, teria simulado financiamento de um veículo, no valor de R$ 23.485,08, tendo como financeira a primeira empresa e a "vendedora" do bem a segunda, sendo que o veículo nunca esteve em posse da empresa SILVAMULLER e o valor foi creditado em favor de uma terceira empresa, a Joelmir Indústria e Comércio Ltda., esta de propriedade do tio da esposa do acusado.

Contra a sentença condenatória insurgiu-se o acusado.

Passo a matéria devolvida.

Com exceção da prescrição da pretensão punitiva retroativa, em decorrência da eventual redução de pena aventada em razões de recurso, a qual será, eventualmente, verificada após a dosimetria, as preliminares suscitadas confundem-se com o mérito e serão assim analisadas.

Vejamos.

No que tange à materialidade, aduz a defesa que a conduta imputada ao acusado não atinge a higidez do Sistema Financeiro Nacional, à medida que:

(i) o suposto crime estaria representado pela formalização de uma única cédula de crédito comercial, para financiamento de um único veículo destinado a mero consumo;
(ii) o valor do referido empréstimo teria sido de R$23.000,00;
(iii)a conduta supostamente delituosa não teria se repetido;
(iv) não há demonstração nos autos de que o ocorrido tenha impactado, ou mesmo tivesse a capacidade de impactar a higidez da instituição financeira vítima, de outras instituições financeiras, muito menos de todo o sistema financeiro nacional;
(v)não há ligação entre o crédito obtido e qualquer fonte estatal de recursos, não houve repasse de divida pública ou financiamento destinado a finalidades especiais (financiamento de habitação, agronegócio,...);
(vi) o denunciado não era funcionário da instituição financeira vítima, não era demais, pessoa que exercesse funções de gerência ou comando em instituição financeira de forma que pudesse ser considerado criminoso de "colarinho branco";(...)

Curial anotar, de início, que a conduta imputada ao acusado subsume-se perfeitamente ao tipo descrito no artigo 19 da Lei n. 7.492/86, cujo enunciado transcrevo, por oportuno:

Art. 19 da Lei n. 7.492/83: Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento.

Frise-se que o legislador elegeu como objeto material do delito a modalidade "financiamento" alcançada por meio de fraude.

Destaco, no ponto, conforme bem registrado pela acusação em contrarrazões, que o Banco Central do Brasil distingue o denominado financiamento da modalidade empréstimo, definindo-os na Carta Circular n. 1.273/87 como:

2 - As operações de crédito distribuem-se segundo as seguintes modalidades:
Empréstimos - são operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação de recursos. São exemplos os empréstimos para capital de giro, os empréstimos pessoais e os aditamentos a depositantes;
(...)
Financiamentos -são operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos. São exemplos de financiamentos de parques industriais, máquinas e equipamentos, bem de consuma durável, rurais e imobiliárias. (...)

No caso dos autos, conforme a cédula de crédito aposta à fl. 212, a operação consistiu em alienação fiduciária para aquisição de veículo, havendo, portanto, destinação específica da aplicação do recurso obtido, enquadrando-se tal hipótese à modalidade financiamento descrita no tipo do artigo 19 da Lei n. 7.492/83.

Nesse sentido, firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, NA MODALIDADE DE LEASING FINANCEIRO, JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, MEDIANTE FRAUDE, PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ESPECÍFICO. ADEQUAÇÃO TÍPICA. ART. 19 DA LEI 7.492/86. PRECEDENTES DA 3ª SEÇÃO DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, VI, DA CF/88 E ART. 26 DA LEI 7.492/86.
I. De acordo com a jurisprudência da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, não obstante o contrato de leasing financeiro tenha suas peculiaridades, não há como negar que essa modalidade de arrendamento mercantil envolve financiamento, para aquisição de bem específico, e instituição financeira, consoante definição do art. 1º da Lei 7.492/86, o que atrai o tipo penal previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, quando obtido mediante fraude.
II. Com efeito, "na esteira de julgados da Terceira Seção desta Corte, o tipo penal do art. 19 da Lei 7.492/86 exige para o financiamento vinculação certa, distinguindo-se do empréstimo que possui destinação livre. No caso, conforme apurado, os contratos celebrados mediante fraude envolviam valores com finalidade certa, qual seja a aquisição de veículos automotores. A conduta em apreço, ao menos em tese, se subsume ao tipo previsto no art. 19 da Lei n° 7.492/86, que, a teor do art. 26 do mencionado diploma, deverá ser processado perante a Justiça Federal" (STJ, CC 112.244/SP, Rel.
Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 16/09/2010).
III. No caso concreto, competente é a Justiça Federal, em face da adequação típica ao art. 19 da Lei 7.492/86, eis que a conduta em apuração, no Inquérito Policial, refere-se a contrato de arrendamento mercantil, na modalidade de leasing financeiro, (e não de empréstimo pessoal, em que não há vinculação quanto ao objeto), com a BV Financeira (instituição financeira, nos termos do art. 1º da Lei 7.492/86), para a aquisição do veículo específico, mediante a apresentação de documentos pessoais falsos, com domicílio e condição profissional do contratante igualmente falsos. Precedentes da Terceira Seção (STJ, CC 113.434/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 16/06/2011; CC 112.244/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, DJe de 16/09/2010; CC 111.477/SP, Rel. p/ acórdão Ministro CELSO LIMONGI (Desembargador Convocado do TJ/SP), DJe de 11/04/2011; CC 114.322/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 01/08/2011).
IV. Conflito conhecido, para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara da Subseção Judiciária de Santos/SP, o suscitado.
(CC 123.967/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 19/04/2013)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO JUNTO A INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MEDIANTE FRAUDE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Na esteira de julgados da Terceira Seção desta Corte, o tipo penal do art. 19 da Lei 7.492/86 exige para o financiamento vinculação certa, distinguindo-se do empréstimo que possui destinação livre.
2. No caso, conforme apurado, os contratos celebrados mediante fraude envolviam valores com finalidade certa, qual seja a aquisição de veículos automotores. A conduta em apreço, ao menos em tese, se subsume ao tipo previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/86, que, a teor do art. 26 do mencionado diploma, deverá ser processado perante a Justiça Federal.
3. Conflito de competência conhecido para determinar competente o suscitado, Juízo Federal da 2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de São Paulo.
(CC 112.244/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 16/09/2010)

Outrossim, não prevalece a alegação de que o fato de ter havido apenas uma operação financeira em montante inexpressivo (segundo a defesa) descaracterizaria o tipo em comento.

A caracterização do delito independente do número de operações realizadas e de seu valor, bastando a ocorrência de apenas uma operação de financiamento fraudulenta, não exigindo o tipo penal a habitualidade.

Do mesmo modo, o tipo não exige, como se nota da simples leitura do dispositivo, que os recursos sejam públicos ou concedidos por instituição pública.

De fato, a própria lei explicita em seu artigo 1º que considera instituição financeira "a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros (Vetado) de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários".

Equiparando a esta, ainda:

(...) I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros;
II - a pessoa natural que exerça quaisquer das atividades referidas neste artigo, ainda que de forma eventual.

Portanto, o delito de obtenção fraudulenta de financiamento contempla instituições públicas e privadas, bem como recursos públicos e privados.

Por fim, destaco que o crime previsto no artigo 19 da Lei n. 7.492/83 trata-se de delito comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa que obtenha financiamento mediante fraude, não se restringindo às pessoas enumeradas como responsáveis no artigo 25 da lei, nem mesmo exige coautoria por parte destas. Assim já se pronunciou esta C. Corte Regional, inclusive esta Primeira Turma:

PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE. ART. 19 DA LEI 7.492/86. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. CRIME COMUM, DOLO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE REDUZIDA POR CONTRARIEDADE À SÚMULA Nº 444, DO E. STJ. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. ERRO MATERIAL.
1. Não houve ofensa ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, conforme entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de ação penal pública incondicionada, o Ministério Público não está obrigado a denunciar todos os indiciados, podendo propor ação penal em relação àqueles que existam indícios suficientes para tanto, prosseguindo as investigações e, posteriormente, oferecer nova denúncia ou aditar a primeira.
2. A alegação de atipicidade da conduta deve ser afastada, vez que a operação de "leasing" (arrendamento mercantil) também configura o núcleo do tipo penal descrito no artigo 19, da Lei nº 7.492/86.
3. Materialidade e autoria comprovadas pela prova documental, pericial e pelo depoimento das testemunhas, em consonância com os demais elementos dos autos.
4. É pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o crime previsto no artigo 19, da Lei nº 7.492/86, é comum, ou seja, não é próprio de controlador, administrador, diretor ou gerente de instituição financeira, podendo ser cometido por qualquer pessoa,
5. A obtenção de financiamento mediante fraude ultrapassa o âmbito das relações privadas, já que alcança o interesse público, pois visa à preservação e a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional como um todo, relegando a segundo plano a instituição financeira lesada. Assim, ainda que os acusados tenham pago o financiamento ou novado a dívida, tal fato não tem o condão de afastar o crime, eis que não existe previsão legal nesse sentido, bastando para a sua configuração a obtenção do financiamento mediante fraude.
6. O dolo do crime tipificado no artigo 19 da Lei nº 7.492/86 é o dolo genérico, caracterizado pela vontade livre e consciente de obter financiamento mediante fraude.
(...)
11. Preliminar rejeitada. Correção, de ofício, de erro material na dosimetria da pena do Paulo Bezerra de Câmara. Apelações dos réus Almir Vespa Junior, Giovanni Salvatore di Chiara, Paulo Bezerra de Câmara e José Moysés Deiab parcialmente providas. Apelos de Arno da Silva e Paulo Roberto de Almeida desprovidos. Redução, de ofício, da pena de multa a que foram condenados os réus Arno da Silva e Paulo Roberto de Almeida.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 38766 - 0002614-74.1999.4.03.6181, Rel. JUIZ CONVOCADO WILSON ZAUHY, julgado em 15/12/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/12/2015 )
PENAL. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULOS FRAUDULENTO. PRELIMINARES AFASTADAS. TIPICIDADE DA CONDUTA RECONHECIDA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. FRAUDE DEMONSTRADA. DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO COMPROVADAS. ART. 19, DA LEI 7492/86. CRIME COMUM. ART. 25, DA LEI Nº 7492/86, QUE NÃO SE APLICA. DOLO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA DA PENA. NULIDADE INOCORRENTE. PENA-BASE REDUZIDA POR CONTRARIEDADE À SÚMULA Nº 444, DO STJ. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. REDUÇÃO DO PERCENTUAL PARA O MÍNIMO LEGAL. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE EX OFFICIO.
1. A reunião de ações conexas e o consequente julgamento simultâneo é uma faculdade do magistrado, segundo critério de conveniência (art. 80, CPP), ainda que tramitem perante o mesmo Juízo em razão da prevenção.
2. O princípio da indivisibilidade tem previsão expressa tão-somente em sede de ação penal privada (art. 48, CPP). De toda sorte, não houve, no presente caso, ofensa ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, vez que o Ministério Público Federal não está obrigado a oferecer denúncia em face de terceiros, quando ausentes indícios suficientes de co-autoria ou participação na prática dos fatos. Eventual participação de funcionários da instituição financeira na empreitada criminosa, não só não estava evidente no momento do oferecimento da denúncia, como também não restou demonstrada no curso da ação penal, conforme se verá adiante. Ademais, em caso contrário, seria perfeitamente admissível o aditamento da denúncia pelo Ministério Público Federal para a inclusão de outros corréus ou, até mesmo, o oferecimento de nova denúncia em face destes, processando-se, por conveniência, em apartado.
3. A alegação de atipicidade da conduta deve ser afastada, vez que a operação de "leasing" (arrendamento mercantil) também configura o núcleo do tipo penal descrito no artigo 19, da Lei nº 7492/86.
4. Materialidade e autoria comprovadas pela prova documental, pericial e pelo depoimento das testemunhas, em consonância com os demais elementos dos autos.
5. Não há, nos autos, indícios de que qualquer funcionário do banco tenha participado do esquema de fraude, restando evidente que a instituição financeira foi ludibriada pelos réus para que efetivasse a concessão dos financiamentos. De toda sorte, eventual concorrência de alguns funcionários do banco na obtenção dos financiamentos não excluiria a fraude em face da instituição financeira, que teria sido ludibriada também por seus próprios funcionários, em co-autoria ou participação com os réus.
6. A defesa não se desincumbiu do ônus de provar, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal, que as dificuldades financeiras vivenciadas pela empresa tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco. Inaceitável a transferência do risco próprio da atividade empresarial a terceiros, mormente em se tratando de instituições financeiras, com atuação alavancada, sob pena de risco e prejuízo ao Sistema Financeiro Nacional em proporções elevadíssimas.
7. O crime previsto no artigo 19, da Lei nº 7492/86, é comum, podendo ser praticado por qualquer indivíduo que obtém o financiamento mediante fraude. Também não se trata de crime plurissubjetivo ou de concurso necessário, sendo prescindível a concorrência do administrador da instituição financeira para que o indivíduo seja responsabilizado pelo delito, podendo haver, eventualmente, concurso de agentes. Assim, não se aplica o disposto no artigo 25, da referida norma. Aliás, no crime em comento, a própria instituição financeira é ludibriada pela fraude.
8. O dolo também está demonstrado, vez que os réus agiram com consciência e vontade de ofender o Sistema Financeiro Nacional ao obterem créditos na instituição financeira de maneira fraudulenta, colocando em risco o investidor e a estabilidade do mercado financeiro.
(...)
(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 39285 - 0004736-60.1999.4.03.6181, Rel. JUIZ CONVOCADO ALESSANDRO DIAFERIA, julgado em 30/11/2010, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/12/2010 PÁGINA: 701)

Ressalte-se, outrossim, que o chamado princípio da insignificância não se aplica ao delito em tela, "uma vez que a existência ou não de prejuízo é aqui irrelevante, já que o bem protegido pela norma não pode ser medido em determinado valor econômico (...)" (in "Crimes Federais ", Jósé Paulo Baltazar Júnior, 10a. ed., Saraiva, p. 692).

Deste modo, considero caracterizado o tipo do artigo 19 da Lei n. 7.492/83, cuja materialidade restou comprovada nos autos pelos seguintes elementos de prova, além da prova oral produzida:

- Cópia parcial dos autos da ação declaratória de inexistência de débito formulada por Wilmar Antonio Pias contra a BV Financeira - fls. 06/86;

- Cópia da documentação utilizada no contrato de financiamento como sendo pertencente a Wilmar Antonio Pias - fls. 138/142

- Cópias dos documentos pessoais apresentadas por Wilmar Antonio Pias à autoridade policial - fls. 154/156;

- Cópias dos Certificados de Registro de Veículo e notas fiscais - fls. 193/208, fl. 238, fls. 255/267;

- Contrato de Financiamento apresentado pela BV Financeira incluindo o formulário "autorização para Crédito em conta Corrente" onde consta como favorecida a empresa JOELMIR IND. COM. REPRESENTAÇÃO . LTDA, concessionária solicitante a empresa SILVAMULLER e representante ALEXANDRE MULLER- fls. 212/221;

- Contratos e Alterações Sociais das empresas SILVAMULLER e JOELMIR COMERCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA. ME - fls. 499/525;

Portanto, irrefutável a materialidade delitiva do tipo descrito no artigo 19 da lei n. 7.492/83, descabida a pretendida desclassificação para o delito do artigo 171 do CP, até porque o tipo penal não reclama prejuízo para que se perfaça e considerando ainda o princípio da especialidade.

Prossigo analisando a autoria e culpabilidade.

Em Juízo (interrogatórios gravados nas mídias digitais às fls. 800 e 829), ALEXANDRE MULLER corroborou o quanto afirmado na fase extrajudicial, negando a autoria dos fatos descritos na inicial. Aduziu que à época possuía uma empresa "promotora de créditos", que tinha por função captar clientes e enviar a documentação a BV Financeira.

Asseverou que não se lembrava especificamente da fisionomia do requerente do financiamento, Wilmar Antonio Pias, mas que a empresa foi procurada por uma pessoa que portava os documentos originais em nome de Wilmar. Disse que a pessoa que se identificou como Wilmar Antonio Pias foi atendida pela sua funcionária chamada Gisele, que teria confeccionado o cadastro, verificada a documentação apresentada e enviado a BV Financeira.

Perguntado sobre a sua empresa SILVAMULLER, revelou que, na qualidade de promotora de crédito, esta não formalizava nem aprovava os créditos, o que ficava a cargo da "mesa de crédito" da própria financeira que conferia os dados, sendo que a SILVAMULLER apenas confeccionava o cadastro de potenciais clientes e a finalizava o processo com o pagamento.

Perguntado sobre a exigência de vistoria no veículo, revelou que a BV Financeira não exigia a vistoria do mesmo, apenas, a apresentação do documento original do certificado, com firma reconhecida após aprovação do crédito.

Quanto às contas creditadas, informou que o cliente indicava a conta a ser creditada.

Indagado especificamente sobre o fato de ter sido creditado o valor do financiamento na conta corrente da empresa JOELMIR, de propriedade do tio de sua esposa, disse que nos casos em que o cliente não possuía conta corrente o valor podia ser creditado em nome de terceiro indicado em formulário próprio e com ciência e autorização da BV Financeira.

6:31 - fl. 829: (...) eu fazia a gestão da empresa dele e coo na realidade alguns cientes não tinham conta a gente recebia o crédito, aí eu não poderia receber No nome da SILVAMULLER, né... aí nesse momento ele emprestou...na realidade pra fazer um crédito, né, e automaticamente a gente sacou o dinheiro, esse valor, esse dinheiro entrou, a BV financeira depositou, sacamos o dinheiro e repassamos pro senhor WALMIR ANTONIO PIAS, ele veio buscar, o crédito... é que eu tinha que repassar o crédito, o banco tem que pagar o crédito na conta de um favorecido e esse seu WILMAR provavelmente não ele tinha conta, aí a gente recebeu o crédito e repassou o valor em espécie pra ele.. tanto é que o valor foi sacado na conta da JOELMIR no mesmo dia que a BV fez o crédito... (Juíza: a BV tinha conhecimento que este valor do financiamento ia ser creditado na conta de um terceiro desse JOELMIR e posteriormente ser sacado por WILMAR ANTONIO PIAS?) sim...sim...era uma prática natural (...) a BV financeira tinha um documento na época que o depósito poderia ser feito para qualquer um que fosse indicado... uma prática legal dentro da empresa poderia ser pago ao comprador, a um terceiro indicado... (...) autorizado pela empresa... todas as operações de crédito a gente fazia só com documentação original...(...) nós não tinha nenhuma interferência, fazia apenas a captação(...)

A testemunha de defesa Jader da Silva (mídia fl. 800), filho do dono da empresa JOELMIR IND. COM. E REPRESENTAÇÃO LTDA., confirmou que ALEXANDRE gerenciava a conta da empresa e que os créditos efetuados pela BV Financeira na conta corrente da primeira eram destinados aos financiados.

A testemunha de acusação JESUS MARTINS (mídia fl. 743), confirmou ter sido proprietário do veículo GM/SD, 2002, placas CZI-8886, e ter efetuado a venda do mesmo em 04/2003, através de um corretor chamado "Araquem" e que não se recordava do nome do adquirente e nem conhecia ALEXANDRE MULLER.

No mesmo sentido o depoimento da testemunha de acusação Eneida Zacarias Rodrigues (fl. 730), que também foi proprietária do referido veículo no ano de 2003,e asseverou tê-lo comprado da revenda "Toca Veículos" , na cidade de Angatuba/SP, bem como desconhecer o acusado e a empresa SILVAMULLER.

A testemunha de defesa Claudio Miguel Nascimento (mídia de fl.815), ex- funcionário da BV Financeira, confirmou que ALEXANDRE funcionava como terceirizado à época dos fatos e que o acusado não aprovava crédito. Confirmou que ALEXANDRE foi contrato como funcionário da empresa pela idoneidade e pelo bom trabalho desenvolvido. Confirmou, ainda, a possibilidade de pagamento pela BV Financeira a terceiro indicado.

Às fls. 526/527, por meio do Ofício n. 31.827/2010, a BV Financeira, respondendo aos quesitos formulados pela autoridade policial, esclareceu que:

- empresa Silva Muller Comercial Ltda. Me, inscrita no CNPJ. 03.524.883/0001-27, prestou serviços a BV Financeira, no período de 11 de outubro de 2001 a 30 de agosto de 2003;

- ALEXANDRE MULLER no período acima citado prestou serviços na qualidade de sócio da empresa referida, sendo que em 01 de setembro de 2003 foi contratado como funcionário da BV Financeira, ocupando, à época das informações prestadas, o cargo de Gerente de Equipe;

- a liberação dos financiamentos é realizada pelo setor de formalização dos contratos, não pelos lojistas ou gerentes de relacionamento;

- para que o depósito seja feito em conta bancária de terceiro estranho a compra e venda deve haver a anuência do lojista/representante no formulário "Autorização para crédito em Conta Corrente"- fl. 569;

- a garantia da operação para a BV Financeira é o gravame de alienação fiduciária a favor da BV Financeira e da responsabilidade da loja pela evicção dos veículos vendidos.

Do cotejo das provas coligias nos autos, embora inconteste a materialidade, entendo que a autoria e a culpabilidade não restaram cabalmente demonstradas.

Curial destacar que ALEXANDRE MULLER quando dos fatos funcionava como "promotor de crédito" para a BV financeira, vale dizer, captava potenciais clientes, encaminhando a documentação dos mesmos à instituição, a qual era responsável por fazer a análise do crédito e verificar a veracidade das informações contidas no cadastro, no caso dos autos, elaborado por uma funcionária da empresa Silvamuller.

Deste modo, não é inverossímil que o tomador do empréstimo possa ter apresentado documentos falsos a funcionária da empresa SILVAMULLER, Gisele, e esta sem desconfiar de tal fato tenha encaminhado a proposta de crédito a instituição.

Note-se que ficava a cargo da instituição verificar a veracidade das informações constantes do cadastro. Estas informações foram corroboradas pela própria BV Financeira, conforme acima destacado.

Outro dado relevante é que, após o ocorrido, segundo informações constantes dos autos e confirmada pela própria BV Financeira, ALEXANDRE MULLER foi contratado como funcionário celetista, em 01/09/2003 e, quando do seu interrogatório, realizado em 18/04/2013 (fl. 828), ou seja, quase dez anos depois, ainda figurava nos quadros da BV Financeira como funcionário.

Seria ilógico que a instituição financeira mantivesse nos seus quadros de funcionário alguém que pudesse ter simulado financiamentos prejudicando a própria empresa e sua imagem. Destaco que ALEXANDRE MULLER foi convidado a integrar os quadros da empresa e galgou cargo de gerente de equipe, mesmo com a repercussão do fato na esfera judicial, com a Ação de Declaratória de Inexistência de Débito proposta pelo verdadeiro WALMIR PIAS (fato que originou as investigações), bem como na esfera administrativa perante o BACEN que cobrou providencias da instituição em relação a seus controles, conforme se verifica do documento acostado à fl. 763/765, datado de 22/02/2012.

Por oportuno, destaco os seguintes excertos do documento confeccionado pelo BACEN supracitado:

(...) A BV Financeira, em sua réplica, esclareceu que o processo de cadastramento de correspondentes segue manual de normas internas, que relata os documentos exigidos, as exceções e alçadas, sendo as responsabilidade atribuídas segregadamente às áreas comercial (identifica a loja e colhe documentação), de crédito (verifica restrições da loja e dos sócios de acordo com a política internas de crédito), de processamento (confere documentação e cadastra parceiro no sistema) e jurídica (efetua cadastro Unicad - informações sobre entidades de interesse do Banco Central).
No que se refere às notas fiscais dos veículos, a financeira informou que só são exigidas as notas fiscais de venda para o caso de veículos novos, uma vez que para veículos seminovos exige-se o CRV (Certificado de Registro de Veículo) d devidamente preenchido e assinado. Neste casos cabe ao gerente de relacionamento conferir a documentação original e checar a existência do veículo in loco, podendo a falta destes procedimentos acarretara desde a advertência até a demissão do colaborador.
Ademais a BV Financeira informou que atual política interna veda qualquer pagamento a terceiros sem vínculo com a operação, ou seja, que não o vendedor do bem, o cliente ou a loja. Exceções sã o permitidas apenas sob alçada de sua Gerência de Processamento conforme situações abaixo elencada:
financiamento a clientes que não possuam conta bancária para recebimento e indicam um de seus familiares para receber o crédito;
(ii). Operações de refinanciamento (...)
financiamento de veículos não disponíveis na loja parceira, porém encomendados a essa pelos clientes. Assim, para atender o clientes, a loja realiza a compra dos mesmos em concessionárias ligadas às montadoras e, por conseguinte, o pagamento do financiamento [é feito diretamente à montadora, emissora da nota fiscal de venda do bem, mediante solicitação expressa da loja parceira.
Casos semelhantes ao do item anterior, sendo que o emissor da nota fiscal é outro lojista revendedor de veículos e não uma montadora.
(...)
No caso de BV Balcão, o pagamento só é liberado para o financiado ou para ou para o proprietário anterior do bem, neste caso, com autorização do financiado. Exceções só são permitidas com autorização da gerência de processamento, cujo quadro de alçadas encontra-se anexo à política. Não obstante requistamos à IF, através do ofício n. 0255/2011-BCB/DESUP/GTSPI/Cosup-03, que aprimore sua política de modo a discriminar claramente suas exceções passíveis de autorização, para liberação de pagamento em conta de terceiro.
A instituição financeira encaminhou-nos sua política reformulada, na qual forma extintas as exceções, constando apenas a lista de situações em que é permitido o pagamento a terceiros.
Ainda destacamos existir, na BV Financeira, equipe (inspetoria) dedicada à detecção de fraudes e à atuação preventiva para mitigação destes casos.
Adicionalmente é importante esclarecer que, no segmento, financiamento a veículos, é prática de mercado, que não encontra impedimento em norma emanada pelo Conselho monetário nacional, o estabelecimento de parceria entre as instituições financeira e os lojistas concessionários para que esses últimos representem como correspondentes bancários.
Isto posto, concluímos que o contrato em questão foi encerrado, as cobranças suspensas e o nome do cidadão reabilitado nos órgãos de proteção ao crédito e que a instituição já aprimorou sua política de modo a discriminar claramente as situações em que pode ser efetuado o pagamento em conta de terceiro. (...)

Infere-se do transcrito, a existência de vários pontos de fragilidade no controle dos procedimentos de concessão de financiamentos da BV Financeira, em especial quanto à checagem do bem a ser financiado e quanto à liberação da operação, o que, incontestavelmente, facilitava a atuação de fraudadores.

Não se olvide que o depósito efetivado na conta corrente da empresa JOELMIR causa no mínimo estranheza, pois era empresa de propriedade do tio da esposa de ALEXANDRE, por outro lado, à época, era permitido que o valor financiado fosse creditado em conta de terceiro estranho a compra e venda, o que poderia ocorrer caso o tomador do empréstimo não possuísse conta corrente, como aventado pelo acusado e constante na transcrição acima.

Além disso, é plausível que o tomador do empréstimo que apresentou documentos falsos não pudesse indicar conta corrente em seu nome pois inexistente ou preferisse que o valor lhe fosse entregue em espécie facilitando a fraude.

Note-se ainda que todos os verdadeiros proprietários do veículo em questão afirmaram peremptoriamente desconhecer o acusado e que o financiamento em questão foi realizado na mesma época em que o veículo foi comercializado pelos verdadeiros proprietários.

Deste modo, entendo que não há prova segura da autoria e dolo por parte de ALEXANDRE MULLER, o que esvazia a acusação contra o mesmo, a ensejar a aplicação do princípio in dubio pro reo e a reforma do decreto condenatório.

Logo, absolvo ALEXANDRE MULLER da prática do delito previsto no artigo 19 da Lei n. 7.492/83, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. Nessa trilha:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI N. 7.492/1986, ARTIGOS 19 E 20. CONTRATAÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE. DOCUMENTAÇÃO FALSA. EM DETRIMENTO DA CAIXA ECONOMICA FEDERAL. E APLICAÇÃO DO CRÉDITO OBJETO DE FINANCIAMENTO EM FINALIDADE DIVERSA DA PACTUADA. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE. DELITOS AUTÔNOMOS E INDEPENDENTES. A APLICAÇÃO EM FINALIDADE DIVERSA PRESCINDE DA REGULARIDADE DO FINANCIAMENTO. ARTIGO 19, DA LEI N. 7.492/1986. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DE AUTORIA. ABSOLVIÇÃO. ARTIGO 20. PROVAS SUFICIENTES DE AUTORIA. CONDENAÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. PARCIAL PROVIMENTO. RECURSO DE APELAÇÃO DO RÉU. NÃO PROVIMENTO. 1. O delito do artigo 19, da Lei n. 7.492/1986, por tratar-se de crime formal, consuma-se simplesmente com a celebração, mediante fraude, de contrato de financiamento com instituição financeira, de modo que qualquer outra consequência superveniente à consumação será considerada exaurimento, exceto se constituir fato criminalmente tipificado - o que ocorre in casu. 2. O ato de contrair financiamento fraudulentamente não constitui instrumento-meio para a consumação do delito de aplicar crédito objeto de financiamento em finalidade diversa da pactuada ou legalmente estabelecida, eis que autônomos e independentes entre si, porquanto, o primeiro, tipifica a circunstância pela qual se adquiriu o financiamento, e, o segundo, a finalidade para a qual se adotou o crédito contratado, de modo que eventual concurso material não incidiria bis in idem. 3. A lesão ocasionada pelo tipo do artigo 19, da Lei n. 7.492/1986, afeta muito mais a credibilidade da instituição financeira - por ser falha na análise do perfil de solvibilidade do mutuário - do que os próprios investidores, ao passo que a infração do artigo 20, contrariamente, lesa sobremaneira os investidores - e a instituição em segundo plano -, porquanto tiveram parcela de seus investimentos frustrados pela desonestidade do mutuário. 4. Para a consumação do delito disposto no artigo 20, da Lei n. 7.492/1986, a prévia regularidade ou legalidade do contrato de financiamento não é pressuposto, haja vista que, embora esteja o negócio eivado de nulidade pela falsificação de algum documento essencial, ainda será possível a aplicação do crédito objeto do contrato na finalidade pactuada, porque tal negócio continuará produzindo seus efeitos jurídicos até o momento em que for declarado nulo. 5. Com base nas provas dos autos, não foi possível delinear a autoria do delito previsto no artigo 19, da Lei n. 7.492/1986, tendo-se em vista que, em sede judicial, as provas documentais e os depoimentos testemunhais não proporcionaram uma certeza concreta e incontroversa, restando fundada dúvida quanto ao real responsável pelo ilícito, motivo pelo qual não resta opção outra senão a absolvição, em observância ao princípio in dubio pro reo. 6. Recurso de Apelação do réu não provido. Apelo do Ministério Público Federal parcialmente provido.

(TRF1 - ACR 0045223-37.2012.401.3800 - Rel. Desemb. Federal Mário César Ribeiro - e-DJF1 -o9/06/16).

Por esses fundamentos, dou provimento à apelação para absolver ALEXANDRE MULLER, nos termos do artigo 386, inc. VII, do Código de Processo Penal.

É o voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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