Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008358-93.2012.4.03.6181/SP
2012.61.81.008358-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : A S
ADVOGADO : SP252987 PRISCILA QUEREN CARIGNATI RODRIGUES
APELADO(A) : J P
No. ORIG. : 00083589320124036181 1P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA. DOLO GENÉRICO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INAPLICABILIDADE. VALOR DO TRIBUTO SONEGADO: CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. DESTINAÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1. Apelação interposta pela Defesa contra sentença que condenou a ré como incursa no artigo 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, c/c o artigo 71 do Código Penal.
2. Em recente julgamento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade dos artigos 5º e 6º da LC 105/2001 à luz dos incisos X e XII do artigo 5º da CF, que permitem à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial, não restando configurado quebra de sigilo bancário, mas mera transferência de sigilo da órbita bancário para fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros. (STF, Pleno, ADI 2390, ADI 2386, ADI 2397, ADI 2859, RE 601314, j. 24/02/2016, Informativo STF nº 815). Decidiu ainda que a Lei nº 10.174/01 tem caráter de norma tributária de natureza procedimental, a teor do disposto no artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional. Impende observar, ainda, que o STF reconheceu no RE 601.314/SP (Pleno, Rel. Mn. Edson Fachin - Repercussão Geral - DJe 16.09.16) a possibilidade de compartilhamento pelo Fisco dos dados para fins de instrução criminal. Precedente dessa E. Corte.
3. A materialidade delitiva está comprovada nos autos no Procedimento Administrativo Fiscal nº 19.515.004075/2010-78, relativo ao mandado de Procedimento Fiscal - MPF n. 08.1.90.00.2010-00949-2, em especial pelo auto de infração de fls. 74, 85, 96, 107, e planilha de fl. 65, no qual se apurou que o contribuinte omitiu receitas tributáveis relativos a créditos bancários não declarados ao fisco nos anos-calendário 2006 e 2007, cujas origens não foram comprovadas.
4. O tipo penal do artigo 1º da Lei 8.137/90 se caracteriza pela supressão ou redução de tributo, mediante a omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias; ou ainda mediante fraude à fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal.
5. No caso em tela, foi constatado que a empresa administrada pela acusada omitiu informações do fisco, o que ensejou a supressão de diversos tributos federais devidos nos anos-calendários de 2006 e 2007.
6. O crime do artigo 1º, da Lei nº 8.137/90, exige apenas o dolo genérico, sendo desnecessária a comprovação de dolo específico ou especial fim de agir. Precedentes.
7. Não se revela crível a alegação de que a acusada desconhecia da ilicitude da compra de mais de 1500 talões de tíquetes por mês, movimentando mais de 13 milhões de reais em dois anos, quando seu açougue vendia apenas 15 mil reais por mês. Destarte, a acusada frequentou faculdade de ciências contábeis e tinha o açougue desde 1993, não havendo que se falar que não tinha conhecimento das responsabilidades tributário-fiscais de todo estabelecimento comercial, em especial da necessidade de apresentação da DIPJ.
8. Incabível o reconhecimento da tese inexigibilidade de conduta diversa no crime contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137 /90, porque praticado mediante fraude, no caso mediante prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias, deixando de apresentar a Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) e causado embaraço à fiscalização ao deixar de exibir os livros e documento obrigatórios, referente aos anos-calendários de 2006 e 2007, incorrendo na infração de omissão de receitas. Precedentes.
9. Dificuldades financeiras não comprovadas. As dificuldades financeiras acarretadoras de estado de necessidade (excludente de antijuridicidade) ou de inexigibilidade de conduta diversa (excludente de culpabilidade) devem ser de tal monta que ponham em risco a própria sobrevivência da empresa. Competia à defesa a demonstração da situação econômica da empresa (art.156 do CPP). E no caso em tela, não foi produzida nenhuma prova documental da alegada dificuldade da empresa ou ainda que o acusado tivesse injetado recursos para tentar salvar a empresa.
10. Dosimetria da pena. Não há imposição legal de qualquer critério matemático que estabeleça patamares fixos para o quantum de aumento da pena-base não ficando o magistrado adstrito ao número de circunstâncias judicias judiciais desfavoráveis, mas à intensidade com que de cada uma delas é valorada. Precedentes.
11. Pena-base mantida. A conseqüência do delito perpetrado apresenta-se de grande monta, justificando a majoração da pena-base. A jurisprudência do STJ firmou entendimento no quanto à possibilidade de consideração do elevado valor do tributo sonegado como consequências do crime.
12. A acusada admitiu em Juízo os fatos a ela irrogados, mesmo que apresentando versão exculpante, a admissão foi utilizada pelo Juízo sentenciante e por este Relator para manter o decreto condenatório, devendo ser mantida circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do CP). Ainda que a admissão dos fatos pela ré venha acompanhada de alegação de escusas, a circunstância atenuante deve ser considerada. Precedentes.
13. A multa é sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser portanto aplicada. Questões envolvendo a alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada.
14. A aplicação da pena de multa deve seguir os mesmos parâmetros de fixação da pena privativa. E o artigo 8º da Lei n. 8.137/90 dispõe que "nos crimes definidos nos arts. 1° a 3° desta lei, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime".
15. Quanto ao valor de cada dia-multa, anoto que o índice do Bônus do Tesouro Nacional - BTN fixado na sentença foi extinto pelo artigo 3º da Lei nº 8.177/91, devendo ser aplicado ao caso o disposto nos artigos 49, §1º, e 60 do Código Penal e artigo 10 da Lei 8.137/90.
16. A aplicação da pena de multa enseja a imposição de um valor pecuniário de caráter penal bastante para a censura do comportamento praticado, sendo que, para a estipulação do valor da pena de multa, deve ser observada a situação do réu, conforme o artigo 60 Código Penal.
17. Prestação pecuniária fixada em patamar condizente com a retribuição e prevenção da sanção penal e consideradas as circunstâncias em que o delito foi praticado.
18. A pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.
19. Preliminar rejeitada. Apelação parcialmente provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar, dar parcial provimento ao apelo da defesa para reconhecer a atenuante da confissão espontânea e, de ofício, alterar a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União. O relator Des. Fed. Hélio Nogueira fixou a pena definitiva em 02 anos e 11 meses de reclusão, além do pagamento de 16 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, devidamente corrigido, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que dava parcial provimento ao apelo da defesa em maior extensão e fixava a pena definitiva em 02 anos e 04 meses de reclusão. A turma, por maioria, determinou a expedição de carta de guia para o início imediato do cumprimento das penas restritivas de direito aplicadas à ré, conforme entendimento recente do STF (HC 126.292; ADCs 43 e 44), nos termos do voto do relator Des. Fed. Hélio Nogueira, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que deixava de determinar a expedição de guia de execução ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP. Declarará voto o Des. Fed. Wilson Zauhy. Por fim, a turma, diante do resultado não unânime do julgamento, determinou a suspensão do imediato cumprimento do julgado até o esgotamento dos recursos ordinários.


São Paulo, 18 de setembro de 2018.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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