Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/04/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005153-24.2011.4.03.6106/SP
2011.61.06.005153-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCELO ARTUR PAUNGARTNER
ADVOGADO : SP208174 WELINGTON FLAVIO BARZI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00051532420114036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA. MANTIDA A PENA BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. MONTANTE ELEVADO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. APTIDÃO PARA AUMENTO DA PENA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. ARTIGO 12 DA LEI N. 8.137 NÃO APLICADO. OBSERVÂNCIA PRINCÍPIO NON BIS IN IDEM. REDIMENSIONAMENTO DO QUANTUM DO VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA E DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA ACUSAÇÃO DESPROVIDO.
1. Réu condenado pela prática do delito previsto no artigo 1º, incisos I e II, da Lei n.º 8.137/90, por ter, na qualidade de responsável de pessoa jurídica, omitido informações e prestado informações inverídicas à autoridade fazendária, acarretando a supressão de valores referentes a IRRF, IRPJ e CSLL.
3. Materialidade. Incólume a legitimidade do lançamento efetuado, no valor total, excluídos os consectários civis, de R$ 1.537.053,93 (um milhão, quinhentos e trinta e sete mil, cinquenta e três reais e noventa e três centavos). Autoria comprovada. Dolo. O crime do artigo 1º da Lei nº 8.137/90 exige apenas o dolo genérico, sendo desnecessária a comprovação de dolo específico ou especial fim de agir. Precedentes do superior Tribunal de Justiça. Erro de tipo e/ou proibição não demonstrados.
4. Decreto condenatório mantido.
5. Dosimetria. Mantida a pena-base acima do mínimo legal. Valor do tributo sonegado pode ser sopesado na primeira fase de dosimetria da pena, como consequência desfavorável do delito, ou na terceira fase, com a incidência da causa de aumento prevista no artigo 12 da Lei n.º 8.137 /90, porém nunca de modo concomitante, em observância ao princípio do non bis in idem. Precedentes da Corte Superior e desta Primeira Turma. Não incidência do artigo 12 da Lei n. 8.137/90, pois o montante do crédito apurado foi considerado na primeira fase da dosimetria da pena.
6. Valor unitário do dia-multa e prestação pecuniária substituta ligeiramente reduzidos. Embora não existam nos autos informações atualizadas sobre a situação financeira do réu, este não ostenta mais a condição de empresário atuante na área de exportação de couros. Mantidos o regime inicial de cumprimento de pena no aberto e a substituição do artigo 44 do CP.
7. Recurso da defesa parcialmente provido e da acusação, desprovido.
8. Observo, por fim, que o E. STF, em recente decisão (RE 1.161.548/SC, Rel. Min. Edson Fachin, j. 14.02.19), reafirmou o entendimento de ser possível a execução provisória de sanção decorrente de decisão condenatória mesmo nos casos de penas restritivas de direito, reformando decisão anterior do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da acusação e dar parcial provimento ao recurso da defesa, apenas, para reduzir os valores do dia-multa e da prestação pecuniária substitutiva, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Determinou, ainda, a expedição das guias de execução para imediato início do cumprimento das penas restritivas de direito.

São Paulo, 26 de março de 2019.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005153-24.2011.4.03.6106/SP
2011.61.06.005153-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCELO ARTUR PAUNGARTNER
ADVOGADO : SP208174 WELINGTON FLAVIO BARZI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00051532420114036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Trata-se de Apelações Criminais interpostas por MARCELO ARTUR PAUNGARTNER e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra a sentença de fls. 488/491, proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP que o condenou à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 01 (um) salário mínimo, pela prática do delito previsto no artigo 1º , I e II, da Lei n. 8.137 /90.

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 30 (trinta) salários mínimos, em favor da União, e prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, a ser definida pelo Juízo da Execução, pelo mesmo prazo da pena corporal.

Consta da denúncia (fls. 265/266):

(...) Conforme restou apurado em regular procedimento administrativo fiscal instaurado na Delegacia da Receita Federal do Brasil de São José do Rio Preto/SP, MARCELO ARTHUR PAUGARTNER, na qualidade de administrador de fato e de direito da empresa "AMBAR LEDER INDUSTRIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA.", sediada na Rua Bernardino de Campos, 3180, sala 811, centro, em São José do Rio Preto/SP, através da contabilização de notas fiscais inidôneas relacionadas a supostas aquisições de matérias primas, reduziu indevidamente o lucro real da referida empresa e, consequentemente, no período de março a dezembro de 2003, o valor devido a título de IRPJ e CSLL, bem como sonegou o IRRF vinculado a tais operações.
Com efeito, não obstante o acusado tenha contabilizado notas fiscais de aquisições de insumos, não logrou comprovar o recebimento do pagamento dos mesmos aos supostos vendedores, ao contrário, foi verificado pela fiscalização que muitas das emitentes das notas fiscais contabilizadas eram empresas inaptas, inativas ou inexistentes de fato no período de emissão das respectivas notas fiscais, consoante se infere do relatório de auditoria fiscal de fls. 333/348. Após regular processo administrativo de 16004.001492/2008-16, a Receita Federal do Brasil apurou os valores suprimidos mediante referida conduta, e definitivamente constituídos em 29/05/2009 (fls. 380, Volume II do apenso I) sendo R$ 2.786.659,32 (dois milhões setecentos e oitenta e seis mil, seiscentos e cinquenta e nove reais e trinta e dois centavos) a título de IRRF; R$ 1.586.530,81 (um milhão, quinhentos e oitenta e seis mil, quinhentos e trinta reais e oitenta e um centavos) a título de IRPJ e R$ 576.944,20 (quinhentos e setenta e seis mil, novecentos e quarenta e quatro reais e vinte centavos) a título de CSLL; totalizando um prejuízo de R$ 4.950.134,33 (quatro milhões, novecentos e cinquenta mil, centro e trinta e quatro reais e trina e três centavos) aos cofres públicos, conforme Demonstrativo Consolidado do Crédito tributário, folha 06, do Apenso I, Volume I.
Segundo se infere da ficha cadastral de folhas 165/166 e dos depoimentos de folhas 41/43 e 49/50, a gestão da empresa em questão era de fato e de direito exercida pelo denunciado.
Agindo conforme acima exposto, o denunciado MARCELO ARTUR PAUGARTNER, na qualidade de administrador da empresa "AMBAR LEDER INDUSTRIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA." reduziu os tributos e contribuição acima citados mediante contabilização de notas fiscais inidôneas e o não pagamento dos tributos devidos. (...)

A denúncia foi recebida em 12/08/2011 (fls. 268/268-v) e a sentença condenatória, publicada em 07/03/2014 (fl. 492).

Às fls. 505/508, o Ministério Público Federal insurge-se contra a dosimetria da pena, alegando que não foi considerado na fixação da pena-base o maior grau de reprovabilidade da conduta em decorrência "das múltiplas condutas perpetradas pelo acusado", bem como sustenta ser aplicável a causa de aumento prevista no artigo 12 da Lei n. 8.137/90, tendo em vista a sonegação do valor de R$ 4.950.134,33 (quatro milhões, novecentos e cinquenta mil, centro e trinta e quatro reais e trinta e três centavos).

Em razões de fls. 521/545, apresentadas em segunda instância, a Defesa de MARCELO ARTUR PAUGARTNER pretende a absolvição, alegando, em síntese:

a) a atipicidade material da conduta sob argumento de que houve efetivamente compra de matéria prima e que as empresas fornecedoras estavam em situação "plenamente regular perante o fisco" no ano 2003;

b) insuficiência de provas; e

c) inexistência de dolo específico;

d) erro sobre a ilicitude do fato;

e) a fixação da pena-base não atendeu aos critérios legais no aumento estabelecido;

f) hipossuficiência financeira e necessária redução do valor da pena de multa e da prestação pecuniária substitutiva.

As contrarrazões da defesa foram apresentadas no bojo de suas razões recursais.

Em manifestação ministerial de fls. 516/516-v, a Procuradoria Regional da República requereu o retorno dos autos ao Juízo de origem a fim de que o membro do Ministério Público Federal oficiante no feito apresentasse suas contrarrazões, o que foi indeferido por decisão do então Relator, o Exmo. Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, que entendeu que não havia sentido lógico em remeter os autos novamente à primeira instância e que tal providência caberia ao próprio Ministério Público se a pretensão fosse preservar os critérios de divisão de atribuições, não obstante a sua indivisibilidade.

Desta decisão, a Procuradoria Regional da República interpôs Agravo Regimental, o qual foi negado por decisão proferida, por maioria, pela então Primeira Turma, em sessão ocorrida dia 16/09/2014, cujo acórdão restou assim ementado:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CRIMINAL. APELAÇÃO DA DEFESA. REQUERIMENTO DE APRESENTAÇÃO DE RAZÕES DE APELAÇÃO NO TRIBUNAL. POSTERIOR REQUERIMENTO DA PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA DE BAIXA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM PARA APRESENTAÇÃO DE CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO. PROVIDÊNCIA QUE CABE AO PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO IMPROVIDO.
1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que indeferiu pedido de baixa dos autos à primeira instância para o que o Procurador da República lá oficiante apresentasse as contrarrazões de apelação.
2. Dispõe o artigo 600, §4º, do Código de Processo Penal, que "se o apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor a apelação, que deseja arrazoar na superior instância serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial".
3. Embora comungue-se do entendimento de que o órgão do Ministério Público oficiante no segundo grau de jurisdição atue na função de custos legis, não há como extrair a conclusão pretendida. O entendimento sustentado pela Procuradoria Regional da República implicaria em negar vigência ao disposto no artigo 600, §4º do CPP.
4. A interpretação pretendida leva a um paradoxo. Não há sentido lógico em remeter-se os autos à superior instância, para que aí a Defesa apresente suas razões, como requerido, para em seguir determinar novamente a baixa dos autos ao primeiro grau, para colher-se as contrarrazões do órgão do Ministério Público lá oficiante.
5. Por outro lado, o dispositivo em questão apenas determina que a abertura de vista às partes se dê no Tribunal ad quem. Se a pretensão é preservar os critérios de divisão de atribuições do Ministério Público, não obstante a indivisibilidade, nada impede que a própria instituição, querendo, manifeste-se através dos órgãos atuantes em primeiro e segundo graus. Tal providência, contudo, cabe ao próprio Ministério Público, posto que a norma em questão prevê expressamente que a vista dos autos se dará no Tribunal.
6. No precedente citado (HC 242352 do Superior Tribunal de Justiça) a nulidade foi reconhecida em razão de ter o Procurador Regional da República oferecido contrarrazões e parecer em uma única peça processual, o que corrobora o entendimento já manifestado, ou seja, de que o órgão do Ministério Público oficiante no segundo grau de jurisdição atua na função de custos legis, e não de parte.
7. Agravo regimental improvido.

Da decisão no agravo regimento não houve manejo de algum recurso por parte do MPF, pelo que o decisum tornou-se definitivo.

Às fls. 773/777, a Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante, Dra. Adriana Scordomaglia, apresentou apenas o parecer, no qual opinou pelo desprovimento de ambos os recursos, da acusação e da defesa, ressaltando que órgão oficiante em segundo grau não tem atribuição ordinária para oferecimento de contrarrazões e, ainda, consignou:

(...) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL de segunda instância manifestar-se-á oferecendo somente, parecer, deixando claro, no entanto, que faltam, ao processo, as contrarrazões de apelação, com a visão do órgão ministerial oficiante em primeiro grau, durante toda a instrução contraditória do feito. (...)

É o relatório.

À revisão.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005153-24.2011.4.03.6106/SP
2011.61.06.005153-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : MARCELO ARTUR PAUNGARTNER
ADVOGADO : SP208174 WELINGTON FLAVIO BARZI e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
No. ORIG. : 00051532420114036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

MARCELO ARTUR PAUGARTNER, na qualidade de administrador da empresa "AMBAR LEDER INDUSTRIAL IMPORTADORA E EXPORTADORA LTDA." foi denunciado pela prática do delito previsto no artigo 1º, incisos I e II, da Lei n. 8.137/90 por reduzir tributos e contribuições sociais mediante a contabilização de notas fiscais inidôneas em supostas aquisições de matéria prima, entre abril e dezembro de 2003, o que acarretou a lavratura de Autos de Infração de fls. 358/362 (IRRF), fls. 369/371 (IRPJ) e fls. 374/376 (CSLL), no valor total, incluídos juros e multa, de R$ 4.950.134,33 (quatro milhões, novecentos e cinquenta mil, cento e trinta e quatro reais e trinta e três centavos).

Após regular tramitação, sobreveio sentença, publicada em 07/03/2014 (fl. 492), o que ensejou a interposição dos presentes recursos, os quais passo a examinar.

A materialidade delitiva restou amplamente demonstrada nos autos, pelo procedimento administrativo fiscal nº 16004.001492/2008-16 (Apenso I, Vols. I e II), pelas cópias da Representação Fiscal para Fins Penais n. 16004.001492/2008-16 (fls. 01/380), do qual constam os Autos de Infração de fls. 358/362 (IRRF), fls. 369/371 (IRPJ) e fls. 374/376 (CSLL), lavrados em 06/11/2008.

Os créditos tributários restaram definitivamente constituídos nos valores principais, excluídos os consectários civis, de (fl. 47):

- IRRF - R$ 863.117,44 (oitocentos e sessenta e três mil, cento e dezessete reais e quarenta e quatro centavos - fl. 358);

- IRPJ - R$ 494.227,70 (quatrocentos e noventa e quatro mil, duzentos e vinte e sete reais e setenta centavos);

- CSLL - R$ 179.708,79 (cento e setenta e nove mil, setecentos e oito reais e setenta e nove centavos).

Os débitos estão inscritos em Dívida Ativa da União, não havendo notícia de parcelamento ou pagamento do valor devido (fls. 73/76).

No ponto, a defesa sustenta que as operações comerciais, ao contrário do que identificaram os auditores, foram efetivamente realizadas e que as empresas, das quais a contribuinte autuada comprou matéria prima, estavam regulares, segundo consulta ao cadastro SINTEGRA (Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços), inexistindo sonegação fiscal.

A fim de comprovar o alegado, a defesa juntou os documentos de fls. 546/752, os mesmos apresentados no procedimento administrativo fiscal e constantes às fls. 106/282 do apenso.

Contudo, mesmo diante da documentação juntada, os auditores da Receita Federal concluíram que muitos pagamentos feitos pela empresa AMBAR e atribuídos pela mesma às operações de compra de matéria prima, não foram comprovados, seja por que os beneficiários não restaram identificados, seja por tratarem os fornecedores de empresa inaptas, inativas ou mesmo inexistentes ou, ainda, por falta de comprovação da efetiva entrega da mercadoria adquirida.

No Relatório da Auditoria Fiscal de fls. 332/348, consta o seguinte:

(...) foram efetuados procedimentos fiscais com vistas a determinar a regularidade dos valores pleiteados em diversos processos a título de "Crédito Presumido de IPI", no período e abril/2003 a dezembro/2003, e, por ação reflexiva verificamos diversas irregularidades sujeitando a fiscalizada às autuações de IRPJ, CSLL e IRRF(...).
Conforme declarado à fl. 09, a interessada é uma empresa comercial equiparada a industrial nas operações que adquire couros bovinos salgados e os remetes a curtumes para industrialização e transformação em couro "Wet Blue" e posteriormente os comercializa destinando-os ao mercado interno ou ao exterior.
Regularmente intimada a apresentar entre outros o "Demonstrativo de Cálculo de Apurações do Crédito Presumido' e a relação de insumos utilizados na fabricação de produtos exportados, conforme Termo de Início de Fiscalização de 20/11/2007 (15 dias) e 17/01/2008 (45 dias), e ainda que tenhamos prorrogado prazo por mais 30 (trinta) dias, conforme Termo de Constatação Fiscal de 27/03/2008, não apresentou nenhum dos elementos supra, alegando apenas verbalmente ter "perdido os arquivos", sendo impossível a reconstituição dos cálculos, ainda que tenha sido alertada dos riscos (...)

Quanto ao IRRF os auditores concluem (fls. 342/343):

(...)1.5- RESUMO DAS AQUISIÇÕES DE INSUMOS NÃO COMPROVADAS
(...) Finalmente da análise deste documentos, muitos pagamento efetuados pela contribuinte, atribuídos à operações de aquisição de matéria -prima (couro) e serviços diversos, não tiveram seus beneficiários perfeitamente identificados.
Outros pagamentos, apesar de serem identificados os beneficiários, a contribuinte não conseguiu comprovar a operação ou a causa que resultou na transferência de recursos de contas bancárias da fiscalizada.
Restou comprovado tratarem-se de empresas inaptas, inexistentes de fato e inativas em 2003, bem como não apresentarem conhecimento de frete, comprovações de pagamento de mercadoria e /ou frete, conforme quadro resumo abaixo:
Empresa - Situação emp. - Declaração em 2003 - Comprovantes de pagto.(valor/doc.) - Conhecimento transporte - Pagto frete
ABM Braga ind. e Com. - INAPTA - INATIVA -PARCIAL /espelhos e TED - incluso na NF - NÃO
Comercial Couros Boa Esperança Ltda.. - INEXISTENTE DE FATO - INATIVA -PARCIAL /cópias cheques, espelhos e TED - não apresentado - NÃO
Carlos Eduardo Schiavon - EPP - INEXISTENTE DE FATO - INATIVA -PARCIAL / espelhos e TED - não apresentado - NÃO
Andrale Comércio de Couros Ltda. - ATIVA - SIMPLES -TOTAL/ espelhos de cheque - não apresentado - NÃO
Razões pelas quais será apurado o IRRF à alíquota de 35% ( trinta e cinco por cento), com consequente reajustamento do respectivo rendimento bruto, nos termos do artigo 61 e parágrafos da lei n. 8.981 de 20 de janeiro de 1995 e artigos 74, §2º da lei n. 8.383/91.
Assim, considerando as notas fiscais inidôneas, sem a devida comprovação de pagamento e/ou operação realizada, resultando em pagamentos a beneficiários não identificados ou por falta de comprovação da operação ou causa que justificasse a transferência de recursos. (...)

Quanto ao IRPJ e CSLL, as mesmas conclusões alcançaram os auditores fiscais (fls. 343/344):

(...) Verificamos ao longo do presente Termo que a contribuinte não comprovou por documentos hábeis (cheques TED), os pagamentos da maioria das aquisições de matérias primas, também não identificou os beneficiários ou restou comprovado tratarem-se de terceiros na maioria das operações, e ainda, não comprovou as entradas da maioria das mercadorias. Por ausência de conhecimento de transporte.
Não bastassem esses fatos, restou comprovado tratarem-se em sua maioria de empresas INAPTAS e/ou INEXISTENTES DE FATO, cujas declarações consta como INATIVAS no ano calendário de 2003.(...)

Portanto, não prospera a tese da atipicidade da conduta em razão da regularidade das compras efetuadas pela empresa contribuinte.

Curial destacar, que a defesa alega que a regularidade das empresas fornecedoras comprovar-se-ia pela consulta ao cadastro nacional denominado SINTEGRA, contudo, da simples leitura da cópia da tela de consulta juntada à fl. 547, verifica-se que há no campo "Observação", orientação, expressa e clara, de que tais consultas "Não valem como certidão de sua efetiva existência de fato e de direito, não são oponíveis contra à Fazenda e nem excluem a responsabilidade tributária derivada de operações com eles ajustadas".

Quanto ao argumento de que o crédito apurado em Procedimento Administrativo Fiscal consistiu "presunção do fisco", anoto que eventual inconformismo quanto à regularidade formal ou material do crédito tributário, deveria ser formulado na via administrativa adequada ou perante o Juízo Cível.

Deste modo, não há nada nos autos nada que retire a legitimidade do lançamento efetuado, no valor total, excluídos os consectários civis, de R$ 1.537.053,93 (um milhão, quinhentos e trinta e sete mil, cinquenta e três reais e noventa e três centavos), restando incólume e bem comprovada a materialidade delitiva, inexistindo, como dito, notícia de pagamento ou parcelamento do crédito, que já restou definitivamente constituído.

A autoria e o dolo também são incontestes.

Conforme se extrai do interrogatório judicial do apelante (mídia fl. 468) e dos demais elementos de prova, é certo que o codenunciado exercia, efetivamente, a administração da empresa à época dos fatos descritos na denúncia.

Impende sublinhar que o nome do réu figurava como sócio administrador da empresa AMBAR, como se verifica da ficha cadastral de fls. 165/166 e contrato social de fls. 97/159, o acusado MARCELO foi o único a ser beneficiado com a fraude detectada pela Receita Federal, suprimindo os tributos devidos.

Interrogado, em Juízo (fl. 1.018-v/1.019-v), MARCELO negou veementemente os fatos narrados na inicial. Sustentou que a empresa era de sua propriedade e de sua esposa que a fundaram. Alegou que ia pessoalmente às empresas fornecedoras comprar couro, que acompanhava os carregamentos e que se certificava da existência das mesmas via cadastro SINTEGRA, conforme foi orientado pelo advogado à época da fundação da empresa. Alegou que todas as operações foram efetivamente realizadas, que havia notas fiscais e que no procedimento administrativo a não entrega no prazo da documentação requisitada pelos auditores ocorreu porque os documentos solicitados ao banco demoraram 63 (sessenta e três) dias a serem apresentados.

A testemunha de acusação Adriano de Souza Marinho (mídia - fl. 443), ex-funcionário da empresa AMBAR, à época dos fatos, asseverou que as mercadorias eram comercializadas e que vinham acompanhadas da documentação adequada, a qual era remetida ao escritório de contabilidade. Disse que o couro cru, após aquisição, passava pela empresa para ser industrializado e posteriormente exportado.

Ainda em relação à prova oral, destaca-se o depoimento do auditor fiscal responsável pela autuação da empresa, Cícero de Oliveira Júnior.

Ouvido à fl. 443 (mídia digital), a referida testemunha de acusação discorreu sobre as diligências fiscais e informou que ao se dirigir ao endereço da empresa encontrou apenas um escritório, situado no centro da cidade, onde não foi encontrado nenhum documento. Disse que a fiscalização foi exercida através da documentação recolhida no escritório de contabilidade. Asseverou que o sistema SINTEGRA não é um cadastro que faz prova da existência física da empresa, nem da regularidade da empresa consultada. Revelou ainda que as empresas fornecedoras da AMBAR já haviam sido objetos de fiscalizações anteriores, quando constatadas irregularidades.

A testemunha arrolada pela defesa, Flávio João (mídia fl. 468), apenas afirmou que a empresa possuía um escritório no cento da cidade de Rio Preto e um galpão de estocagem perto do "tiro de guerra" daquela cidade, nada mais acrescentou sobre os fatos imputados ao réu.

Wellington Farah (mídia fl. 449) do mesmo modo, confirmou que o acusado MARCELO possuía um depósito e um escritório no centro da cidade, mas não soube precisar por quanto tempo este depósito funcionou. Informou que fez negócios com couro com o acusado por aproximadamente quatro anos, quando possuía um curtume no estado do Maranhão. Por fim, confirmou que quem administrava a empresa e negociava era o próprio MARCELO.

Nesta esteira, ainda, a esvaziar o argumento sobre a inexistência de dolo, exsurge o fato de que MARCELO administrava sozinho a empresa e, portanto, tinha absoluto controle sobre as operações realizadas. Inverossímil, também, que na qualidade de comerciante e exportador de couro não consultasse sequer a situação do CNPJ das empresas fornecedoras, cingindo-se, tão somente, ao cadastro SINTEGRA.

Tenho como inequívoco, portanto, o dolo do acusado, que de forma livre e consciente, suprimiu o pagamento de tributos.

Anoto, por oportuno, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o crime do artigo 1º, da Lei nº 8.137/90 exige apenas o dolo genérico, sendo desnecessária a comprovação de dolo específico ou especial fim de agir.

Nesse sentido, colaciono os precedentes seguintes:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, INC. II, DA LEI N. 8.137 /90. DOLO. COMPENSAÇÃO. DISCUSSÃO NO CÍVEL. TRANCAMENTO. SUSPENSÃO OU EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. NÃO-CABIMENTO.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.
2. Os delitos tipificados no art. 1º da Lei n. 8.137 /90 são materiais, dependendo, para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, não necessitando, porém, para sua caracterização, da presença do dolo especifico.
3. Orienta-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que a pendência de discussão acerca da extinção do crédito tributário, perante o Judiciário, ainda que por compensação, não impossibilita a instauração da ação penal cabível, dada a independência das esferas cível e criminal.
4. O mero ajuizamento de ação de compensação não é causa de extinção da punibilidade, trancamento ou suspensão da ação penal.
5. Nos termos do que dispõe o art. 93 do CPP, a suspensão do curso da ação penal constitui faculdade do magistrado, para aqueles casos em que a solução depende do deslinde no cível para a sua conclusão.
6. Habeas corpus não conhecido.
(HC 43.724/MT, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 19/12/2014)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. VINCULAÇÃO DO ÓRGÃO JULGADOR À MANIFESTAÇÃO DO CUSTUS LEGIS FAVORÁVEL AO RÉU. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE NÃO CONFIGURADO. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1.º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137 /90. SONEGAÇÃO FISCAL. AÇÃO PENAL INICIADA COM O LANÇAMENTO DEFINITIVO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO. IRREGULARIDADES NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL DE LANÇAMENTO. INVIABILIDADE DE VERIFICAÇÃO NO JUÍZO CRIMINAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO LASTREADA EM PROVAS TESTEMUNHAIS E NOS DOCUMENTOS CONSTANTES DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL FINDO E SUBMETIDAS AO CONTRADITÓRIO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. LEGALIDADE. ART. 1.º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137 /90. DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE. DOLO GENÉRICO DE OMISSÃO VOLUNTÁRIA DO RECOLHIMENTO. PRECEDENTES. DOSIMETRIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE RECORRER. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não configura constrangimento ilegal (a) manifestação discordante entre membros do Ministério Público, atuantes como órgão de acusação e custus legis, em face do exercício pleno e independente das sua atribuições; bem como (b) não vinculação do órgão julgador à manifestação ministerial favorável do réu, em face da liberdade de decidir do magistrado, de acordo com seu livre convencimento.
Precedentes.
2. A teor do art. 557, caput, do Código de Processo Civil, c.c. o art. 3.º do Código de Processo Penal, é possível ao Relator apreciar o mérito do recurso, com fundamento na jurisprudência dominante, de forma monocrática, não ofendendo, assim, o princípio da colegialidade. Questão, ademais, superada com o julgamento do agravo regimental. Precedentes.
3. Segundo entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, "O juízo criminal não é sede própria para se proclamarem nulidades em procedimento administrativo-fiscal que, uma vez verificadas, são capazes de fulminar o lançamento tributário em prejuízo da Fazenda Nacional. Consequentemente, não deve o juízo criminal estender sua jurisdição sobre matéria que não lhe compete (cível, no caso dos autos)" (AgRg no REsp 1169532/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 13/06/2013).
4. Não há ilegalidade, capaz de ensejar a ofensa ao art. 155 do Código de Processo Penal, a condenação lastreada em provas inicialmente produzidas na esfera administrativo-fiscal e, depois, reexaminadas na instrução criminal, com observância do contraditório e da ampla defesa, sem a constatação da suposta "inversão" do ônus da prova.
5. O tipo penal descrito no art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.137 /90, prescinde de dolo específico, sendo suficiente, para sua caracterização, a presença do dolo genérico, consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, do valor devido aos cofres públicos. Precedentes.
6. Carece de interesse de recorrer o Agravante no que concerne a pretensão de fixação da pena-base no mínimo legal, na medida que acolhida na decisão ora agravada.
7. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1283767/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25/03/2014, DJe 31/03/2014)

Assim sendo, diferentemente do erro de tipo e erro de proibição aventados pela Defesa, restou devidamente comprovado nos autos que o apelante voluntária e conscientemente, praticou as condutas que lhe foram imputadas na inicial

Impende consignar que somente ocorre erro de tipo quando o agente, ao praticar a conduta, possui uma falsa percepção da realidade acerca de circunstância elementar do tipo e que, por sua vez, o erro de proibição, hipótese do erro que recai sobre a ilicitude do fato, somente aproveita àquele que não tinha condições de conhecer a ilicitude da conduta, ambas situações não configuradas nos autos, pelos motivos anteriormente declinados.

Logo, comprovadas autoria e materialidade delitivas é de rigor a manutenção do decreto condenatório.

Passo à dosimetria da pena.

Aduz a defesa: que a fixação da pena base não atendeu os critérios legais do artigo 59 do Código Penal, bem como que a condição financeira do réu não lhe permite honrar o pagamento das penas de multa e da prestação pecuniária substitutiva, devendo, todas, serem estabelecidas nos seus respectivos mínimos legais.

A acusação, por seu turno, pretende a aumento da pena-base sustentando não ter sido considero o maior grau de reprovabilidade da conduta, diante da multiplicidade de atos delituosos praticados (omitir informações e prestar informações falsas); b) ser aplicável a causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, tendo em vista os graves danos provocados à coletividade devido a cifra milionária reduzida a título de tributos.

Vejamos.

Na primeira fase da pena, verifico que a MM.ª Juíza a quo fixou a pena base acima do mínimo legal, em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa, com fundamento nas graves consequências do delito representadas pelo vultoso valor dos tributos sonegados.

Irretorquível o apontamento da magistrada sentenciante quando da analise dos embargos de declaração opostos, em relação à culpabilidade: (...) No tocante à aferição de culpabilidade, embora tenha sido reconhecida a prática pelo réu, de mais de uma conduta delitiva (omitir informações e prestar informações falsas), verifiquei que ambas as condutas incidiam no mesmo Juízo de reprovabilidade, tanto que possuem previsão no próprio inciso I do art. 1º da lei n. 8.137/90, sendo este o motivo pelo qual não houve a valoração negativa desta circunstância (...).

Por outro lado, tenho que montante do crédito tributário, excluídos juros e multa, R$ 1.537.053,93 (um milhão, quinhentos e trinta e sete mil, cinquenta e três reais e noventa e três centavos) é apto a ensejar recrudescimento da pena-base nos exatos limites da sentença.

Quanto ao ponto, cumpre registrar, ainda, que o valor do tributo sonegado poderá ser sopesado na primeira fase de dosimetria da pena, como consequência desfavorável do delito, ou na terceira fase, com a incidência da causa de aumento prevista no artigo 12 da Lei n.º 8.137 /90, porém nunca de modo concomitante, em observância ao princípio do non bis in idem.

Por oportuno, colaciono julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre a possibilidade da valoração negativa o valor do crédito tributário na primeira fase de dosimetria da pena:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/1990. DOSIMETRIA.
PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. VALOR SONEGADO.
FUNDAMENTO IDÔNEO. FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA. FRAÇÃO DEFINIDA COM BASE NA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO RÉU. REVISÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 7 E 568/STJ.
1. Na linha da jurisprudência iterativa desta Corte Superior, é admissível a valoração negativa das consequências do crime de sonegação fiscal quando expressivo o valor do crédito tributário suprimido ou reduzido na forma do art. 1º da Lei 8.137 /1990.
Incidência da Súmula 568/STJ.
2. No tocante à pena de multa, observa-se que a instância ordinária, entre outros aspectos, levou em consideração a situação econômica do réu para estabelecer o valor de cada dia-multa, conforme autoriza o art. 60 do CP. Assim, rever o acórdão neste ponto demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que, em sede de recurso especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 1062447/AP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 31/05/2017)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, II E III, DA LEI 8.137 /1990. CRIME MATERIAL. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. CONSUMAÇÃO. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DOSIMETRIA. PENA-BASE.
EXASPERAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. SONEGAÇÃO FISCAL EM ELEVADA ESCALA. FUNDAMENTO IDÔNEO. DIVERGÊNCIA. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o crime de sonegação fiscal é crime material, exigindo para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico, consistente em dano ao Erário. Sujeitam-se, pois, ao enunciado 24 da Súmula Vinculante do Pretório Excelso (Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137 /1990, antes do lançamento definitivo do tributo).
2. Com efeito, na linha da jurisprudência iterativa desta Corte Superior, é admissível a valoração negativa das consequências do crime de sonegação fiscal quando expressivo o valor do crédito tributário suprimido ou reduzido na forma do art. 1º da Lei 8.137 /1990.
3. Para aferir a absoluta similitude fática entre o caso concreto objeto do acórdão paradigma e o do acórdão recorrido, imprescindível seria o aprofundamento sobre o conjunto probatório constante dos autos, pois o julgado, em tese, divergente, além de fazer menção ao valor suprimido, considerou ainda o porte da empresa na qual o réu daquele processo exercia a função de administrador. Incidência da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 648.434/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 11/05/2016)

Sobre tal matéria, no mesmo sentido, já se posicionou esta C. Primeira Turma:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA. DOSIMETRIA. PENA-BASE MANTIDA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. ELEVADO VALOR DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. SONEGAÇÃO IRPJ, PIS, COFINS E CSLL. CRIME ÚNICO. CONCURSO FORMAL AFASTADO. VALOR UNITÁRIO DO DIA-MULTA MODIFICADO. BTN. ÍNDICE EXTINTO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Réus condenados pela prática do delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137 /90 por terem omitido rendimentos tributáveis da autoridade fazendária, na qualidade de responsáveis legais de pessoa jurídica, entre janeiro de 2005 a dezembro 2005. Movimentação bancária injustificada.
2. Materialidade e autoria comprovadas.
3. Dolo. Inexigibilidade de conduta diversa não demonstrada. As provas documentais colacionadas não são irrefragáveis, nem amplamente comprobatórias de graves e contundentes dificuldades financeiras supostamente experimentadas pela empresa, no período indicado na denúncia. Não foram acostados aos autos documentos atinentes à falência da empresa que pudessem, eventualmente, atestar que a respectiva "quebra" decorreu de fato de dificuldades financeiras intransponíveis. Dificuldades financeiras não comprovadas. Ademais, incabível a tese de exclusão de culpabilidade nos casos envolvendo sonegação fiscal, prevista no art. 1º da Lei nº 8.137 /90. Precedente.
4. Decreto condenatório mantido.
5. Dosimetria. Pena-base. Afastada a circunstância judicial desfavorável em relação aos maus antecedentes. Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. Mantida a pena base acima do mínimo legal em razão do elevado valor do crédito tributário (R$ 11.436.137,47 - onze milhões, quatrocentos e trinta e seis mil, cento e trinta e sete reais e quarenta e sete centavos).
5. Sonegação de quatro tributos: IRPJ, PIS, COFINS e CSLL. Situação fática narrada na denúncia e esclarecida pela leitura dos autos de infrações é que os réus, mediante uma única conduta, omitiram do conhecimento do Fisco um único fato econômico - receita evidenciada pela movimentação financeira não justificada - que, por sua vez, dá origem ao fato gerador de vários tributos. Crime único. Concurso formal afastado. Precedentes desta Corte Regional.
6. A fixação pena de multa deve seguir o mesmo critério da pena privativa de liberdade. O índice do Bônus do Tesouro Nacional - BTN fixado na sentença foi extinto pelo artigo 3º da Lei nº 8.177/91. Aplicação ao caso o disposto nos artigos 49, §1º, e 60 do Código Penal.
7. Fixados regime inicial de cumprimento de pena no aberto e substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, embora existente uma circunstância judicial desfavorável aos réus, por serem pertinentes e suficientes à prevenção e repressão do delito.
8. Recuso da defesa provido em parte.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 54846 - 0001917-67.2010.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 31/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/11/2017)
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEFINITIVAMENTE CONSTITUÍDO. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA COMPROVADA. DESNECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO. DOSIMETRIA. PENA-BASE REDUZIDA. APLICÁVEL A ATENUANTE DA CONFISSÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELA RETRITIVA DE DIREITOS.
1. Os denunciados, na qualidade de sócios-gerentes da empresa, deixaram de repassar aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na época própria, consciente e voluntariamente e de forma continuada, as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados.
2. Imputado à parte ré a prática de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A, §1º, I, do CP.
3. Inviável conhecer do "aditamento da apelação" constante da petição de fls. 607/619. Isso porque, com a interposição do recurso de apelação às fls. 532 operou-se a preclusão consumativa.
4. Às fls. 451/452, consta informação prestada pela Procuradoria da Fazenda Nacional onde se verifica que o crédito tributário em questão foi inscrito em dívida ativa em 23/04/2009. Ou seja, tal crédito encontrava-se devidamente constituído antes do oferecimento da denúncia.
5. Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
6. Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
7. É assente no Superior Tribunal de Justiça, conforme definido no julgamento do EREsp 1.296.631/RN, relatora Ministra LAURITA VAZ (DJe 17.09.2013), o entendimento de que o delito de apropriação indébita previdenciária se consuma com a mera omissão de recolhimento da contribuição previdenciária dentro do prazo e das formas legais, prescindindo, portanto, do dolo específico.
8. No caso dos autos, ficou constatado o não repasse à previdência pela parte ré dos valores relativos à contribuição social, caracterizando o dolo genérico do crime de apropriação indébita previdenciária.
9. O valor total das contribuições previdenciárias não repassadas ao Órgão Previdenciário permite a majoração da pena-base em razão da grave Consequência do crime. Assim, entendo que a pena-base deve ser majorada em 1/6.
(...)
16. Aditamento da apelação não conhecido. Apelação desprovida. Reformadas as dosimetrias de ofício.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 52292 - 0001674-52.2009.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, julgado em 30/08/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/09/2016 )

Desta feita, mantenho a pena-base do réu MARCELO em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa.

Inexistentes circunstâncias agravantes e atenuantes, e na terceira fase, não incide a causa de aumento prevista no artigo 12, I, da Lei n. 8.137/90, como pretende a acusação, porquanto o montante dos tributos já foi considerado na primeira fase da dosimetria da pena, conforme explanação supra.

Desta feita, resta definitiva a pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 11 (onze) dias-multa.

Quanto ao valor unitário do dia-multa, embora não existam nos autos informações atualizadas sobre a situação financeira do réu, este não ostenta mais a condição de empresário atuante na área de exportação de couros, razão pela qual acolho parcialmente o pleito da defesa e reduzo ligeiramente o quantum do dia-multa de 01 (um) salário- mínimo para a fração de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, a ser corrigido monetariamente.

Em que pese existir uma circunstância desfavorável ao réu, entendo pertinentes a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no aberto e a substituição da sanção corporal por penas restritivas de direitos.

Por fim, pelos mesmos motivos acima declinados, reduzo o valor da prestação pecuniária substitutiva de 30 (trinta) salários mínimos, para 10 (dez) salários mínimos, conforme precedentes desta Primeira Turma.

Mantidos os demais termos da sentença.

Por esses fundamentos, nego provimento ao recurso da acusação e dou parcial provimento ao recurso da defesa, apenas para reduzir os valores do dia multa e da prestação pecuniária substitutiva.

Nos termos do entendimento firmado pelo STF no HC 126.292 e ADCs 43 e 44, expeçam-se guias de execução para imediato início de cumprimento das penas restritivas de direito, encaminhando-as ao Juízo da Execução.

Observo, por fim, que o E. STF, em recente decisão (RE 1.161.548/SC, Rel. Min. Edson Fachin, j. 14.02.19), reafirmou o entendimento de ser possível a execução provisória de sanção decorrente de decisão condenatória mesmo nos casos de penas restritivas de direito, reformando decisão do STJ. Ainda nessa linha anterior precedente da Suprema Corte, que colaciono:

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em julgamento de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal (HC 126.292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe 17.5.2016). Ressalva de entendimento desta Relatora. 2. Orientação reafirmada por este Supremo Tribunal Federal, ao indeferir as medidas cautelares requeridas nas ADC's 43 e 44, em que pretendida, ao argumento da inconstitucionalidade do art. 283 do CPP, a suspensão das execuções provisórias da condenação confirmada em 2º grau. 3. Ratificação da jurisprudência da Casa, ao julgamento do ARE 964.246-RG/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário Virtual, DJe 25.11.2016, sob a sistemática da repercussão geral, nos seguintes termos: a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 4. O entendimento firmado não se restringiu aos réus condenados a penas privativas de liberdade, alcançando também aqueles cujas penas corporais tenham sido substituídas por restritivas de direitos. Precedentes. 5. Agravo regimental conhecido e não provido.
(HC 143041 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/11/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 14-11-2018 PUBLIC 16-11-2018)

É o voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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