Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011872-54.2013.4.03.6105/SP
2013.61.05.011872-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
APELANTE : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP076921 JOAO DACIO DE SOUZA PEREIRA ROLIM e outro(a)
APELANTE : Agencia Nacional de Energia Eletrica ANEEL
ADVOGADO : SP232477 FELIPE TOJEIRO
APELADO(A) : PREFEITURA MUNICIPAL DA ESTANCIA DE SOCORRO SP
ADVOGADO : SP235911 RODRIGO FRANCISCO CABRAL TEVES e outro(a)
No. ORIG. : 00118725420134036105 6 Vr CAMPINAS/SP

EMENTA

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. DUPLA APELAÇÃO. REMESSA OFICIAL. TRANSFERÊNCIA DE ATIVOS DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA AOS MUNICÍPIOS. RESOLUÇÃO NORMATIVA 414/2010 DA ANEEL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO. RECURSOS DESPROVIDOS.
1. É cediço na doutrina e na jurisprudência que as agências reguladoras estão adstritas aos poderes que lhe são atribuídos por lei. Isso importa dizer que só podem reger conteúdo não disposto em lei prévia se assim lhes for permitido pelas competências que receberam legalmente, e nos estritos limites que lhes forem impostos, conforme voto da Min. Eliana Calmon, relatora do REsp 1.386.994, publicado no DJe de 13/11/2013: "Prevê a Constituição Federal que somente a lei pode estabelecer obrigação de fazer ou não fazer. No caso, entretanto, o próprio legislador ordinário delegou à agência reguladora competência para a edição de normas e regulamentos sobre pontos específicos".
2. Caso em que se faz necessário que se delineiem os limites da atuação regulamentar da ANEEL, reconhecendo que não há dispositivo legal que expressamente lhe permita gerar obrigações a entes públicos, dentre as competências que lhe foram atribuídas por força do art. 3º da Lei 9.427/1996.
3. Contudo, deve-se ter em vista que a obrigação do Município para com o serviço de iluminação pública independe da ANEEL, já que detém assento constitucional, inclusive com previsão específica para a forma de custeio (art. 149-A). Assim, de se afastar o argumento de que a Resolução 414/2010 da ANEEL está atribuindo tal obrigação a despeito de não deter força de lei. A agência está devidamente alinhada à suas atribuições, por exemplo, de "gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e a prestação dos serviços de energia elétrica" (art. 3º, IV, Lei 9.427/1996).
4. Não obstante, a análise da situação concreta revela que, neste caso, a atuação da ANEEL importa, materialmente, na própria regência do patrimônio do Município, uma vez que lhe atribui a propriedade dos "Ativos Imobilizados em Serviço-AIS", até então de titularidade da distribuidora, de maneira cogente. No que pese ser claro que a ANEEL não detém competência expressa para tanto, devem ser destacados os pontos a seguir.
5. Em primeiro lugar, na medida em que a ANEEL detém, sem dúvida, competência para "regular o serviço concedido, permitido e autorizado e fiscalizar permanentemente sua prestação" (art. 3º, XIX, Lei 9.427/1996) e gerir os contratos de concessão de serviços públicos de energia elétrica, e que tais contratos, por definição, importam em obrigações mútuas entre os contratantes, não há como não se derivar que a ANEEL pode estabelecer regulamentações que impliquem em alteração das obrigações contratuais originalmente firmadas, ou tradicionalmente cumpridas, criando-as ou extinguindo-as. Negar a naturalidade desta consequência acabaria por esvaziar a própria função da agência, na medida em que orientada ao satisfatório oferecimento do serviço público, devendo, sempre que necessário, intervir nas relações entre concedente e concessionária em favor do interesse público (art. 29, III, Lei 8.987/1995, função do poder concedente delegada à ANEEL por força da Lei 9.427/1996).
6. Em segundo lugar, no específico caso da concessão de distribuição elétrica outorgada à Elektro Eletricidade e Serviços S/A, a União, poder concedente, atua por intermédio da ANEEL, em conformidade com o já referido art. 3º, IV, da Lei 9.427/1996. Portanto, como a Agência Nacional de Energia Elétrica representa a União, de modo a poder impor, também por estas circunstâncias, obrigações ao Município, advindas de alterações contratuais.
7. No entanto, a despeito de todo o arrazoado até aqui, deve-se sopesar que também dentre as competências da ANEEL consta "zelar pela boa qualidade do serviço (...)" (art. 29, VII, Lei 8.987/1995) e "estabelecer, para cumprimento por parte de cada concessionária e permissionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, as metas a serem periodicamente alcançadas, visando a universalização do uso da energia elétrica;" (art. 3º, XII, Lei 9.427/1996). Ou seja, até por ser o seu propósito, deve a ANEEL visar à boa qualidade do serviço público prestado, buscando seu aperfeiçoamento. Assim, sua atuação na gerência contratual deve ser orientada às políticas e diretrizes do governo federal (art. 3º, I, Lei 9.427/1996), objetivando estabelecer metas e critérios de desempenho, de modo a atender satisfatoriamente a população, enquanto destinatária do serviço.
8. Nem se diga que a ANEEL não deve regular o serviço de iluminação pública, já que de competência municipal. Isto porque até o presente momento este serviço é prestado, tradicionalmente e de boa-fé, como obrigação acessória em contrato de concessão (o que já atrairia sua competência), em que a União atua por intermédio da agência. E mesmo se o munícipio resolver prestar o serviço por meio de concessão, quer se considere isso atividade acessória ao contrato firmado com a União ou contrato independente, cabe legalmente à ANEEL gerir tal serviço, uma vez que as competências constantes do art. 3º da Lei 9.427/1996 não distinguem o âmbito federativo do serviço concessionado, muito embora a ANEEL deva respeito à autonomia municipal, neste caso. Tanto assim é que o inciso IV do referido artigo inclusive aventa a possibilidade de fiscalização mediante convênio com órgãos estaduais.
9. Não há qualquer evidência concreta nos autos de que o município de Socorro esteja apto a gerir os AIS que lhe seriam transferidos. Não há informação sobre previsão orçamentária, instituição de COSIP ou de presença de efetivo técnico capacitado para a manutenção dos ativos. Note-se que o ônus dessa prova é da ANEEL, na medida em que detém o dever legal de zelar pelo serviço prestado e, portanto, garantir que os AIS só sejam transferidos aos municípios uma vez estejam estes aptos a manter a qualidade do serviço, sob pena de danos sensíveis aos munícipes. Não o fazendo, atua de maneira ilegal, porque contrariamente às funções que lhe foram legalmente atribuídas.
10. A ANEEL deveria, então, incentivar o acerto entre distribuidora e município, ao invés de impor, indistintamente, a obrigação de adequação, até porque sabida a larga desigualdade de infraestrutura entre os diversos municípios do país.
11. A condenação em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa não revela qualquer excesso ou ilegalidade, de modo que não se autoriza, em absoluto, qualquer redução, pois importaria em manifestação ofensa ao artigo 85, §§2º e 3º, CPC/2015.
12. Apelações e remessa oficial, tida por submetida, desprovidas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de fevereiro de 2018.
DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011872-54.2013.4.03.6105/SP
2013.61.05.011872-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
APELANTE : Cia Paulista de Forca e Luz CPFL
ADVOGADO : SP076921 JOAO DACIO DE SOUZA PEREIRA ROLIM e outro(a)
APELANTE : Agencia Nacional de Energia Eletrica ANEEL
ADVOGADO : SP232477 FELIPE TOJEIRO
APELADO(A) : PREFEITURA MUNICIPAL DA ESTANCIA DE SOCORRO SP
ADVOGADO : SP235911 RODRIGO FRANCISCO CABRAL TEVES e outro(a)
No. ORIG. : 00118725420134036105 6 Vr CAMPINAS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de dupla apelação e remessa oficial, tida por submetida, à sentença que desobrigou o Município de Socorro do dever de recebimento, manutenção e operação do sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS da distribuidora, instalado no território do autor, mantendo o referido sistema no âmbito de responsabilidade da concessionária da ré, em conformidade com as normas de concessão de serviço público que regem o respectivo contrato ou ato de outorga, fixada a verba honorária em 10% do valor da causa, a ser paga por cada uma das rés.


Apelou a ANEEL (f. 499/518), alegando que: (1) o que se discute nos autos é a titularidade dos ativos de iluminação pública que se encontram instalados nos postes do sistema de distribuição de energia, não se confundindo, portanto, com o serviço público federal de distribuição de energia; (2) a competência para a prestação do serviço de iluminação pública sempre foi dos municípios, fazendo parte dos serviços públicos de interesse local, devendo ser custeados através da COSIP, conforme artigo 30, V, e 149-A, ambos da Constituição Federal; (3) as resoluções da ANEEL estão absolutamente alinhadas ao disposto no Decreto 41.019/57; (4) a ANEEL não possui competência legal para estabelecer tarifa para a prestação de serviço público de titularidade municipal, sendo que a sua competência se resume à definição da tarifa dos serviços de distribuição e transmissão de energia (artigo 3°, XVIII, da Lei 9.427/96); (5) o objeto dos contratos de concessão do serviço público de distribuição de energia não abrange o exercício da atividade de iluminação pública, conforme cláusula primeira dos contratos padrão; e (6) cabe ao município, dentro da sua esfera de autonomia, decidir se prestará diretamente os serviços de iluminação pública ou se delegará a realização os referidos serviços a uma empresa terceirizada ou para a própria distribuidora local.


Apelou a Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL (f. 636/655), sustentando que: (1) a ANEEL, ao editar a Resolução 414/2010, agiu estritamente dentro de suas competências legais e não extrapolou seus limites reguladores nem a autonomia municipal; (2) se aos municípios incumbe o dever de expandir, implantar e projetar o incremento e a melhoria do serviço de iluminação pública, não se justifica a manutenção dos ativos indispensáveis a essa prestação de serviço em nome das concessionárias; (3) o art. 218 da Resolução 414/2010 da ANEEL não contraria, modifica ou cria nenhuma obrigação legal, mas apenas se destina a adequar uma situação fática que tinha permanecido inalterada, apesar de ser contrária ao ordenamento jurídico; (4) o Decreto 41.019/1957 não disciplina a propriedade sobre os bens atinentes à iluminação pública, mas somente aqueles relacionados à cadeia de serviços envolvendo a energia elétrica até a etapa de distribuição, quando pertencentes à concessionária; (5) a transferência dos ativos para os municípios decorre de imposição constitucional (art. 30, IV, CF); (6) não há que se falar em inexistência de interesse público, pois cada município poderá adequar os seus investimentos em iluminação pública de acordo com a realidade da sua população; (7) a própria Constituição, ao atribuir aos municípios a competência para o desenvolvimento das atividades de iluminação pública, também lhes forneceu uma forma de custeio de tais atividades, mediante a instituição das Contribuições para o Custeio da Iluminação Pública - COSIP; (8) caso se entenda pela manutenção da sentença, deve ser reduzido o valor dos honorários advocatícios, tendo em vista que se mostra bastante elevado.


Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.


Os autos vieram conclusos e foram recebidos fisicamente no Gabinete em 15/01/2018, com inclusão na pauta para julgamento na sessão de 21/02/2018.


É o relatório.


DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0011872-54.2013.4.03.6105/SP
2013.61.05.011872-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal CARLOS MUTA
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ADVOGADO : SP076921 JOAO DACIO DE SOUZA PEREIRA ROLIM e outro(a)
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ADVOGADO : SP232477 FELIPE TOJEIRO
APELADO(A) : PREFEITURA MUNICIPAL DA ESTANCIA DE SOCORRO SP
ADVOGADO : SP235911 RODRIGO FRANCISCO CABRAL TEVES e outro(a)
No. ORIG. : 00118725420134036105 6 Vr CAMPINAS/SP

VOTO

Senhores Desembargadores, a sentença considerou que a ANEEL efetivamente não possui competência ou atribuição para editar norma que crie obrigação para o município sem o necessário respaldo legal, desobrigando, assim, o autor do dever de recebimento, manutenção e operação do sistema de iluminação pública registrado como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS da distribuidora.


Com efeito, é cediço na doutrina e na jurisprudência que as agências reguladoras estão adstritas aos poderes que lhe são atribuídos por lei. Isso importa dizer que só podem reger conteúdo não disposto em lei prévia se assim lhes for permitido pelas competências que receberam legalmente, e nos estritos limites que lhes forem impostos. A exemplo, veja-se trecho do voto da Min. Eliana Calmon, relatora do REsp 1.386.994, publicado no DJe de 13/11/2013:


"Prevê a Constituição Federal que somente a lei pode estabelecer obrigação de fazer ou não fazer. No caso, entretanto, o próprio legislador ordinário delegou à agência reguladora competência para a edição de normas e regulamentos sobre pontos específicos".

Na espécie, é necessário que se delineiem os limites da atuação regulamentar da ANEEL.


Neste sentido, é de se reconhecer que não há dispositivo legal que expressamente permita à ANEEL gerar obrigações a entes públicos, dentre as competências que lhe foram atribuídas por força do art. 3º da Lei 9.427/1996.


Contudo, deve-se ter em vista que a obrigação do Município para com o serviço de iluminação pública independe da ANEEL, já que detém assento constitucional, inclusive com previsão específica para a forma de custeio (art. 149-A). Assim, afasta-se o argumento de que a Resolução 414/2010 da ANEEL está atribuindo tal obrigação a despeito de não deter força de lei. A agência está, em verdade, devidamente alinhada às suas atribuições, por exemplo, de "gerir os contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões, as permissões e a prestação dos serviços de energia elétrica" (art. 3º, IV, Lei 9.427/1996).


Não obstante, a análise da situação concreta revela que, neste caso, a atuação da ANEEL importa, materialmente, a própria regência do patrimônio do Município, uma vez que lhe atribui a propriedade dos "Ativos Imobilizados em Serviço-AIS", até então de titularidade da distribuidora, de maneira cogente. No que pese ser claro que a ANEEL não detém competência expressa para tanto, devem ser destacados os pontos a seguir.


Em primeiro lugar, na medida em que a ANEEL detém, sem dúvida, competência para "regular o serviço concedido, permitido e autorizado e fiscalizar permanentemente sua prestação" (art. 3º, XIX, Lei 9.427/1996) e gerir os contratos de concessão de serviços públicos de energia elétrica, e que tais contratos, por definição, importam obrigações mútuas entre os contratantes, não há como não se derivar que a ANEEL pode estabelecer regulamentações que impliquem alteração das obrigações contratuais originalmente firmadas, ou tradicionalmente cumpridas, criando-as ou extinguindo-as. Negar a naturalidade desta consequência acabaria por esvaziar a própria função da agência, na medida em que orientada ao satisfatório oferecimento do serviço público, devendo, sempre que necessário, intervir nas relações entre concedente e concessionária em favor do interesse público (art. 29, III, Lei 8.987/1995, função do poder concedente delegada à ANEEL por força da Lei 9.427/1996).


Em segundo lugar, no específico caso da concessão de distribuição elétrica outorgada à Companhia Paulista de Força e Luz, a União, poder concedente, atua por intermédio da ANEEL, em conformidade com o já referido art. 3º, IV, da Lei 9.427/1996. Importa dizer, portanto, que a Agência Nacional de Energia Elétrica representa a União, de modo a poder impor, também por estas circunstâncias, obrigações ao Município, advindas de alterações contratuais.


No entanto, a despeito de todo o arrazoado até aqui, deve-se sopesar que também dentre as competências da ANEEL consta "zelar pela boa qualidade do serviço (...)" (art. 29, VII, Lei 8.987/1995) e "estabelecer, para cumprimento por parte de cada concessionária e permissionária de serviço público de distribuição de energia elétrica, as metas a serem periodicamente alcançadas, visando a universalização do uso da energia elétrica;" (art. 3º, XII, Lei 9.427/1996). Ou seja, até por ser o seu propósito, deve a ANEEL visar a boa qualidade do serviço público prestado, buscando seu aperfeiçoamento. Assim, sua atuação na gerência contratual deve ser orientada às políticas e diretrizes do governo federal (art. 3º, I, Lei 9.427/1996), buscando estabelecer metas e critérios de desempenho, de modo a atender satisfatoriamente a população, enquanto destinatária do serviço.


Nem se diga que a ANEEL não deve regular o serviço de iluminação pública, já que de competência municipal. Isto porque até o presente momento este serviço é prestado, tradicionalmente e de boa-fé, como obrigação acessória em contrato de concessão (o que já atrairia sua competência), em que, como dito, a União atua por intermédio da agência. E mesmo se o munícipio resolver prestar o serviço por meio de concessão, quer se considere isso atividade acessória ao contrato firmado com a União ou contrato independente, cabe legalmente à ANEEL gerir tal serviço, uma vez que as competências constantes do art. 3º da Lei 9.427/1996 não distinguem o âmbito federativo do serviço concessionado, muito embora a ANEEL deva respeito à autonomia municipal, neste caso. Tanto assim é que o inciso IV do referido artigo, inclusive, aventa a possibilidade de fiscalização mediante convênio com órgãos estaduais.


Isto posto, não há qualquer evidência concreta nos autos de que o município de Socorro esteja apto a gerir os AIS que lhe seriam transferidos. Não há informação sobre previsão orçamentária, instituição de COSIP ou de presença de efetivo técnico capacitado para a manutenção dos ativos. Note-se que o ônus dessa prova é da ANEEL, na medida em que detém o dever legal de zelar pelo serviço prestado e, portanto, garantir que os AIS só sejam transferidos aos municípios uma vez estejam estes aptos a manter a qualidade do serviço, sob pena de danos sensíveis aos munícipes. Não o fazendo, atua de maneira ilegal, porque contrariamente às funções que lhe foram legalmente atribuídas.


Nestes termos, a ANEEL deveria, então, incentivar o acerto entre distribuidora e município, ao invés de impor, indistintamente, a obrigação de adequação, até porque sabida a larga desigualdade de infraestrutura entre os diversos municípios do país.


A propósito, o seguinte julgado da Turma acerca da matéria:


AC 0002581-61.2013.4.02.6127, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, DJe 03/05/2017: "ADMINISTRATIVO. ANEEL. SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ATIVO IMOBILIZADO EM SERVIÇO. RESOLUÇÃO NORMATIVA N.º 414/210. ABUSO DO PODER REGULAMENTAR. 1. Não se conhece do agravo de instrumento convertido em retido, cuja reiteração exigida pelo art. 523, §1º, do Código de Processo Civil de 1973 não ocorreu. 2. A Constituição Federal, em seu art. 175, estabelece que "incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". 3. No tocante à competência do Município, a Carta da República prevê no seu art. 30, inciso V, que compete àquele ente organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local; especificamente a respeito da iluminação pública, o mesmo diploma estabelece, em seu art. 149-A, que os Municípios e o Distrito Federal podem instituir contribuição para o custeio de tal serviço. 4. A Lei n.º 9.427/96 delimitou o campo de atuação da ANEEL à regulação e à fiscalização das questões atinentes à energia elétrica. 5. A Resolução Normativa n.º 414/2010, ao determinar a transferência do sistema de iluminação pública, como Ativo Imobilizado em Serviço - AIS, à pessoa jurídica de direito público competente, usurpa a autonomia do Município ao lhe impor obrigações com a manutenção do sistema, e exorbita o poder regulamentar, tendo em vista que a transferência do sistema de iluminação pública deveria vir disciplinada por lei. 6. Apelação provida."

Por fim, evidente que a condenação em honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa não revela qualquer excesso ou ilegalidade, de modo que não se autoriza, em absoluto, qualquer redução, pois importaria em manifesta ofensa ao artigo 85, §§2º e 3º, CPC/2015.


Ademais, as únicas hipóteses de fixação da verba honorária por apreciação equitativa são aquelas previstas no § 8º do artigo 85 do CPC, ou seja, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando o valor da causa for muito baixo, o que não ocorreu, na espécie.


Ante o exposto, nego provimento às apelações e à remessa oficial, tida por submetida.

É o voto.


DENISE AVELAR
Juíza Federal Convocada


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): DENISE APARECIDA AVELAR:10238
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Data e Hora: 22/02/2018 17:25:57