Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 13/03/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001252-36.2006.4.03.6005/MS
2006.60.05.001252-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : JOSE CARLOS DE SOUZA MORAES
ADVOGADO : MS009422 CHARLLES POVEDA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00012523620064036005 1 Vr PONTA PORA/MS

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGOS 18 E 19 DA LEI Nº 10.826 /03. TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÕES. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ARTIGO 16 DA LEI N. 10.826/03 DESCABIDA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. RECURSO DA DEFESA DESPROVIDO.
1. O réu foi denunciado como incurso nas sanções do dos artigos 18 e 19 da Lei n. 10.826 /03.
2. Materialidade e autoria comprovadas. As circunstâncias fáticas somadas às provas coligidas, mormente, os depoimentos dos policiais federais que participaram da diligência, colhidos sob o crivo do contraditório, corroboram a informação obtida na fase policial de que as munições apreendidas foram adquiridas no Paraguai.
3. Desclassificação para o tipo do artigo 16 da Lei n. 10.826/03. Não cabimento, eis que todos os elementos do tipo penal descrito no artigo 18 da referida lei encontram-se presentes. Curial destacar que o fato das munições estarem em perfeitas condições de uso afasta a ausência de lesividade da conduta, alegada pela defesa, uma vez que o tipo penal em questão tem como objetivos a proteção à segurança da coletividade, à incolumidade pública e à paz social. Não há que se falar em ausência de lesividade pelo fato do réu não portar arma de fogo, já que atingida a objetividade jurídica com o simples trazer consigo as munições. Precedente.
4. Sentença condenatória mantida.
5. Dosimetria inalterada.
6. Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso da defesa, nos termos do relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que dava parcial provimento ao recurso.


São Paulo, 06 de março de 2018.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001252-36.2006.4.03.6005/MS
2006.60.05.001252-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : JOSE CARLOS DE SOUZA MORAES
ADVOGADO : MS009422 CHARLLES POVEDA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00012523620064036005 1 Vr PONTA PORA/MS

RELATÓRIO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator): O Ministério Público Federal denunciou JOSÉ CARLOS DE SOUZA MORAES, qualificado nos autos, nascido aos 20/02/1985, como incurso nas sanções do artigo 18, c.c. o artigo 19, ambos da Lei 10.826/2003. Consta da denúncia (fls. 2/3):

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 20/07/2006, por volta das 13h, no denominado "Posto Capei", localizado na Rodovia BR-463, KM 67, em Ponta Porã/MS, JOSÉ CARLOS DE SOUZA MORAES, dolosamente e consciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, deu entrada em solo brasileiro a várias caixas de munições de diversos calibres, de uso restrito, oriundas do Paraguai, sem autorização da autoridade competente (cf. auto de apresentação e apreensão de f. 12).
Nas circunstâncias de tempo e local acima citadas, Policiais Rodoviários Federais, durante operação de fiscalização de rotina, abordaram o veículo VW/Gol, de placas HRU-2322, conduzido por JOSÉ CARLOS DE SOUZA MORAES.
Ao procederem à devida vistoria no veículo, os Policiais localizaram compartimentos especialmente preparados, sob os forros das laterais traseira do veículo, locais onde foram encontradas, de maneira oculta, várias caixas de munições de diversos calibres, oriundas do Paraguai. JOSÉ CARLOS DE SOUZA MORAES assumiu a propriedade das munições e afirmou que as mesmas foram adquiridas no Paraguai (fls. 06-07/IPL).
A existência do crime está demonstrada pelo boletim de ocorrência de fls. 08-10/IPL, documento de retenção de veículo de f.11/IPL e auto de apreensão de f. 12/IPL. A autoria vem expressa nas declarações dos Policiais Rodoviários Federais (fls. 02-03 e 04/IPL) e nas declarações do ora denunciado, às fls. 06-07/IPL.
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia JOSÉ CARLOS DE SOUZA MORAES como incurso no artigo 18, e no artigo 19, ambos da Lei 10.826/2003 (...).

A denúncia foi recebida em 17/08/2006 (fl. 37)

Após regular instrução, sobreveio sentença da lavra da MM. Juíza Federal Lisa Taubemblatt, publicada em 21/09/2012 (fls. 215/222 e 223), que julgou procedente a denúncia para condenar JOSÉ CARLOS DE SOUZA MORAES pela prática do crime descrito no artigo 18, c.c. o artigo 19, da Lei n. 10.826/03, à pena privativa de liberdade de 06 (seis) anos de reclusão, a ser cumprida em regime prisional semiaberto, bem como ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, cada um no valor de 1/10 do salário mínimo vigentes à época dos fatos, devidamente corrigido.

A sentença transitou em julgado para o Ministério Público Federal, conforme certificado à fl. 224v.

Apela o réu JOSÉ CARLOS (fls. 231 e 240/248) postulando:

a) absolvição por atipicidade material da conduta, pois o simples fato de portar as munições não teria trazido perigo à sociedade, não havendo perigo à sociedade ou dano à incolumidade pública;

b) o crime cometido não se enquadra na hipótese do artigo 18 da Lei 10.826/03, pois o réu não adquiriu as munições no Paraguai, devendo o delito ser desclassificado para o de posse de arma de fogo.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 256/260 pelo improvimento do recurso da defesa.

A Procuradoria Regional da República, em manifestação da lavra do Dr. Elton Venturi, opinou pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 274/277).

É o relatório.

Ao MM. Revisor.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001252-36.2006.4.03.6005/MS
2006.60.05.001252-7/MS
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : JOSE CARLOS DE SOUZA MORAES
ADVOGADO : MS009422 CHARLLES POVEDA e outro(a)
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VOTO

O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

JOSÉ CARLOS DE SOUZA MORAES foi denunciado e condenado como incurso nas sanções dos artigos 18 e 19 da Lei n. 10.826/03 por ter importado do Paraguai várias caixas de munições de diversos calibres, de uso restrito, sem autorização da autoridade competente.

Apela o réu postulando, em síntese, absolvição por ausência de tipicidade material e desclassificação do crime de importação de arma de fogo para posse de arma de fogo.

O recurso não comporta provimento.

A materialidade e internacionalidade delitiva restaram comprovadas nos autos.

Destacam-se as seguintes provas documentais:

- Auto de Prisão em Flagrante (fls. 6/8);

- Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 16;

- Laudo de Exame em Munição (fls. 70/73), nos quais os peritos apontaram que as munições "encontravam-se integras e em regular estado de conservação" e que os cartuchos são de são de fabricação estrangeira, sendo eles:

a) 03 caixas com 50 munições cada de calibre .357 da marca Aguila, fabricadas no México;

b) 70 caixas com 50 munições cada de calibre .22 da marca Aguila, fabricadas nos México;

c) 10 caixas com 50 munições cada de calibre .22 da marca Federal, fabricadas nos Estados Unidos;

d) 01 caixa com 50 munições cada de calibre .25 da marca Aguila, fabricadas nos México;

e) 19 caixas com 50 munições cada de calibre .38 da marca Armscor Precision, fabricadas nas Filipinas;

f) 02 caixas com 50 munições cada de calibre 9mm da marca CCI Blazer, fabricadas nos Estados Unidos;

g) 02 caixas com 50 munições cada de calibre .32 S&W, da marca Aguila, fabricadas no México;

h) 01 caixa com 525 munições calibre .22 da marca Federal, fabricadas nos Estados Unidos.

No ponto, curial destacar que o fato das munições estarem em perfeitas condições de uso afasta a ausência de lesividade da conduta, alegada pela defesa, uma vez que o tipo penal em questão tem como objetivos a proteção à segurança da coletividade, à incolumidade pública e à paz social. Não há que se falar em ausência de lesividade pelo fato do réu não portar arma de fogo, já que atingida a objetividade jurídica com o simples trazer consigo as munições. Nessa senda:

"PENAL E PROCESSUAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÕES. ART. 18 DA LEI 10.826/2003. TIPICIDADE. PRODUTOS DESACOMPANHADOS DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE EXAME PERICIAL. IRRELEVÂNCIA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. ERRO DE TIPO. NÃO-DEMONSTRADO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 14 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ZONA ALFANDEGÁRIA SECUNDÁRIA. MODALIDADE CONSUMADA. CONDENAÇÃO. PENA. MULTA. MAJORAÇÃO. 1. Os fatos de as munições transportadas estarem desacompanhadas de arma de fogo e não terem sido periciadas são irrelevantes para a configuração do delito previsto no art. 18 da Lei 10.826/2003, pois, tratando-se de crime de formal e perigo abstrato, a potencialidade lesiva da conduta, bem como do objeto, é presumida pelo tipo penal. 2. A origem estrangeira dos produtos, somada à circunstância de que a apreensão se deu em zona fronteiriça e conhecida como rota de tráfico internacional, bem como o fato de que o acusado não soube justificar o objetivo de ter viajado longa distância para chegar até o Paraguai demonstram que a finalidade da ida ao País vizinho foi, justamente, a aquisição irregular dos materiais bélicos. 3. A versão apresentada para sustentar o erro de tipo se mostra fantasiosa e inverossímil, além de não ter sido corroborada por nenhum elemento de prova, razão pela qual não merece ser considerada. 4. Estando comprovada a transnacionalidade da conduta, ela se subsume ao art. 18 da Lei 10.826/2003, e não ao art. 14 do mesmo diploma legal. 5. Considerando que o agente foi abordado em Santa Terezinha de Itaipu/PR, isto é, em território nacional e zona alfandegária secundária, indubitável que a conduta se deu na forma consumada. 6. Havendo elementos suficientes para comprovar que o réu internalizou em solo pátrio munições adquiridas no Paraguai, sem autorização dos órgãos competentes, impõe-se a condenação pelo tráfico internacional de armas e munições. 7. Afastado o reconhecimento da tentativa, insta exasperar a reprimenda corporal e a multa aplicadas.(ACR 50037653620104047002, SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, TRF4 - SÉTIMA TURMA, D.E. 11/09/2013.)

Registre-se ainda que, a teor do que se depreende da R-105 - Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados, Decreto n.º 3.665/2000, as munições apreendidas são de uso restrito (calibres .357 e 9 mm) e de uso permitido (calibres .22, .25, .32, .38):

Art. 16. São de uso restrito:

(..)
III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto;
IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, .22-250, .223 Remington, .243 Winchester, .270 Winchester, 7 Mauser, .30-06, .308 Winchester, 7,62 x 39, .357 Magnum, .375 Winchester e .44 Magnum;
(...)
Art. 17. São de uso permitido:
I - armas de fogo curtas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .25 Auto, .32 Auto, .32 S&W, .38 SPL e .380 Auto;
II - armas de fogo longas raiadas, de repetição ou semi-automáticas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia de até mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .22 LR, .32-20, .38-40 e .44-40;

Outrossim, a internacionalidade dessume-se do contexto fático, bem como da prova oral coligida, mormente pelas declarações dos policiais que efetivaram a apreensão (fls. 6/8), ratificadas em Juízo (fls. 112/114), quando asseveraram que o réu admitiu, durante a apreensão, ter adquirido as munições no Paraguai.

Ademais, o próprio acusado confirmou nas fases policial e judicial ter se deslocado ao Paraguai, descrevendo com minucias o local em que comprou as munições, bem como pretendia revendê-las no Pantanal.

A autoria e dolo também restaram comprovados nos autos.

Ao ser ouvido na fase policial, o acusado confirmou ter adquirido as munições no Paraguai e que tinha o intuito em revendê-las na região do Pantanal:

Que vive na cidade de Rio Verde/MS e resolveu ir ao Paraguai para comprar munição para revender na região do Pantanal; que saiu de Rio verde com destino a Amambai/MS na terça-feira, dia 18, de madrugada para visitar os pais que vivem naquela cidade; que saiu de Amambai/MS no dia de hoje chegando em Ponta Porã por volta das 08:00; que entrou em Pedro Juan Caballero/PY, na rua do posto da Polícia Militar em Ponta Porã/MS; que ao entrar no território Paraguai andou por cerca de quatro quadras onde perguntou qual era o local para comprar "balas"; que foi informado que próximo aquele local havia uma loja de munição; que não se recorda do nome da loja que comprou as munições; que chegou na loja e pediu R$ 1.300,00 de munição; que pagou pouco mais de R$ 1.300,00 por todas as munições que levava; que pagou em reais os valores; que comprou diversos calibres porque quando fosse revender no Pantanal poderia encontrar pessoas com armas diferentes que poderiam lhe comprar; que sabe que as munições no pantanal são muito caras; que as pessoas sempre comentam que uma caixa de .38 custa R$ 200,00e uma caixa de .22 custa R$ 50,00; que pagou no Paraguai por uma caixa de .22 a quantia de R$ 3,90 e uma caixa de .38 por R$ 27,00; que assim que saiu da loja de munição parou o carro em frente ao hotel e colocou as caixas no interior das laterais traseiras do carro, sob o forro; que logo após iniciou viagem até Rio Verde/MS, sendo parado no Posto Rodoviário, onde os policiais localizaram as munições que estavam escondidas. (fls. 10/11)

Em juízo, admitiu ter sido flagrado transportando as munições apreendidas nos autos e confirmou que havia comprado no Paraguai:

Que confirma integralmente o teor de seu depoimento prestado perante a Polícia Federal; que são verdadeiras as acusações narradas na denuncia; que de fato saiu de RIO VERDE DO MATO GROSSO/MS, com destino ao PARAGUAI nesta fronteira com PONTA PORÃ a fim de adquirir munições para revende-las no Pantanal, especialmente em RIO VERDE DO MATO GROSSO/MS; que de fato estava dirigindo um GOL/CHUMBO por si alugado, dentro do qual levava 90 caixas de munição, a saber: balas de calibre .22, .38 e .25 pelas quais pagou 1.300,00 no PARAGUAI; que comprou estas munições no PARAGUAI em um estabelecimento comercial cujo nome não se recorda, uma vez que esta foi a primeira vez que veio para esta fronteira com este objetivo; que não havia no RIO VERDE DO MATO GROSSO/MS nenhum comprador especifico para a munição ou que tenha encomendado os projeteis; que esperava lucrar maus ou menos o dobro do valor que pagou pelas munições. (fls. 48/50).

Ao ser reinterrogado nos autos, nos termos da nova redação do artigo 400 do CPP, dado pela Lei 11.719/2008, o acusado alterou a versão dos fato, alegando que adquiriu as munições na cidade de Ponta Porã, não sabendo informar se a loja ficava no Paraguai ou no Brasil, confirmando que pretendia revendê-las nas fazendas da região do Pantanal e que não tinha autorização para transportar a munição (fls. 197/198).

Como sobredito, as testemunhas de acusação ouvidas em Juízo (mídia fls. 112/114), policiais rodoviários federais, corroboraram o quanto declararam na fase inquisitiva, discorrendo sobre a diligência efetuada e sobre como encontraram as munições apreendidas escondidas no forro das laterais do veiculo. Reafirmaram, ainda, que o acusado revelou que as munições teriam sido adquiridas em Pedro Juan Caballero e que pretendia revendê-las.

As testemunhas de defesa, ouvidas em Juízo, às fls. 161/164, nada acrescentaram sobre os fatos.

As circunstâncias que envolvem os fatos, bem como o conjunto probatório convergem no sentido de que o apelante adquiriu munições no Paraguai, internando-as dolosamente em território nacional, sem a devida autorização.

Sobreleva anotar que o próprio acusado, em Juízo, sobre a aquisição das munições, acabou por confirmar em seu primeiro interrogatório que, quando da abordagem policial, disse tê-las comprado no Paraguai, corroborando em juízo suas alegações.

Nesta esteira, o fato do denunciado ter mudado sua versão em reinterrogatório, afirmando não saber se foram adquiridas no território paraguaio ou brasileiro, não lhe favorece. Ao contrário, indica que estava ciente da transnacionalidade de sua conduta e que a negativa constitui apenas tentativa de amenizar a reprimenda penal.

Impende ressaltar que os demais bens apreendidos em poder do acusado, no momento da sua abordagem, possuíam características de produtos de origem estrangeira (auto de apreensão de fls. 16 - aparelho de DVD da parca Philps, 02 aparelhos de videogame PolyStation) que se não serviram para deflagrar ação por delito de descaminho, não podem ser olvidados para concluir que o increpado esteve sim no país vizinho adquirindo produtos.

Por fim e pelos motivos até aqui expostos, descabida a pretensa desclassificação do delito pelo qual o réu foi condenado para o tipo do artigo 16 da Lei n. 10.826/03, eis que todos os elementos do tipo penal descrito no artigo 18 da referida lei encontram-se presentes. Nesse sentido:

RECURSOS ESPECIAIS. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMAS E MUNIÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO . INCABIMENTO. CRIME MEDIANTE PAGA OU RECOMPENSA. AGRAVANTE GENÉRICA. INAPLICABILIDADE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/06. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
1. Embora não constitua elementar do crime de tráfico internacional de armas e munições, o intuito de lucro é inerente à prática do delito quando o agente o comete na condição de 'mula', não podendo tal circunstância ser considerada para a incidência da agravante genérica do artigo 62, inciso IV, do Código Penal.
2. Restando incontroverso dos autos que o recorrente transportou para dentro do território nacional arma de fogo e munição sem autorização da autoridade competente, fica configurada a conduta descrita no tipo do artigo 18 da Lei nº 10.826/03 concernente ao tráfico internacional de armas , sendo de todo incabível a pretendida desclassificação para o delito do artigo 14 da mesma lei, referente ao porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, de natureza absolutamente diversa, e que não comporta a travessia de fronteira.
3. A falta de exame no acórdão recorrido da questão relativa à aplicação analógica da causa especial de redução de pena do tráfico de drogas ao crime de tráfico de armas impede o conhecimento do recurso especial relativamente a tanto em razão da ausência de prequestionamento, ensejando a incidência do Enunciado nº 211 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça.
4. Recursos improvidos.
(REsp 1365654/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, j. 02/10/2014, DJe 13/10/2014)

Deste modo, mantenho a condenação pela prática do delito capitulado no artigo 18, cominado com o artigo 19, ambos da Lei nº 10.826/2003.

Passo à dosimetria da pena.

Do exame dos autos, verifico que o MM. Juiz a quo fixou a pena base acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos e 06 (seis) de reclusão e 12 (doze) dias-multa, considerada a significativa quantidade de munições apreendidas com o acusado, o que não merece reparo.

Na segunda fase, reconheceu, de modo escorreito, a presença da atenuante prevista no artigo 65, III, "d" do Código Penal, reduzindo a pena para o mínimo legal (04 anos de reclusão e 10 dias-multa), a teor da Súmula n. 231 do STJ.

Na terceira fase, aplicável a causa de aumento prevista no artigo 19 da Lei n.º 10.826/2003, uma vez que se trata de munição de uso restrito, a teor do que se depreende da R-105 - Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados, Decreto n.º 3.665/2000 (munições calibre .357 e calibre 9mm). Destarte, correto o aumento de 1/2 (metade) aplicado pelo Juízo de primeiro grau.

Assim, a pena resultou definitiva em 06 (seis) anos de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, o que fica mantido.

Mantenho o valor unitário do dia multa em 1/10 (um décimo) do salario mínimo vigente ao tempo dos fatos, considerada a capacidade econômica do réu.

Irretorquível a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no semiaberto, a teor do artigo 33, §2º, "b", do CP.

Incabível a a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, uma vez que não restaram preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do artigo 44, incisos I e III, do Código Penal, não figurando referida substituição como medida suficiente à prevenção e repressão do crime. Com efeito, além de a pena ter sido fixada em patamar acima de 04 anos, o acusado subjetivamente não faz jus ao benefício, considerando que as circunstâncias judiciais não lhe são favoráveis, tanto que fixada a pena-base acima do mínimo legal.

Por esses fundamentos, nego provimento ao recurso da Defesa.

Nos termos do entendimento firmado pelo STF no HC 126.292 e ADCs 43 e 44, expeça-se o competente mandado de prisão, com prazo de validade até 20/09/2024.

É o voto.

HÉLIO NOGUEIRA
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