D.E. Publicado em 28/08/2018 |
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EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA REJEITANDO AS ALEGAÇÕES FORMULADAS EM RESPOSTA ESCRITA À ACUSAÇÃO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO TIPO. ATIPICIDADE. FRAUDE RELACIONADA A BENEFÍCIOS DA LEI ROUANET. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. RECLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA ANTES DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CRIMINAL.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, CONHECER do habeas corpus do habeas corpus e, em o fazendo, CONCEDER PARCIALMENTE A ORDEM para trancar a ação penal de origem, por ausência de justa causa, no que tange à imputação de prática, pelo paciente, do delito de associação criminosa (CP, art. 288), bem como reclassificar a outra conduta a ele imputada para o crime previsto no art. 40 da Lei Rouanet, a ser processado e julgado perante o Juizado Especial Federal Criminal adjunto à 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, assegurando ao paciente, ainda, a possibilidade do reconhecimento da extinção da punibilidade desde que tenha havido o pagamento integral do tributo relativo ao benefício supostamente fraudado, devidamente atualizado, com aplicação de juros e multa, o que deverá ser verificado pelo juízo impetrado, na origem, e, em consequência, não deverá ser procedida à instrução em relação ao paciente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Verifica-se, portanto, que a denúncia não traz qualquer descrição acerca da associação entre o paciente e os integrantes do Grupo Bellini com o fim de cometer crimes, não havendo qualquer elemento indicativo da durabilidade e permanência dessa suposta associação. Na verdade, o Parquet Federal descreveu apenas o cometimento de fraude e desvio envolvendo a DEMAREST, através de seu representante legal, em concurso de pessoas, tratando-se, portanto, de crime único. Tal constatação é perceptível ictu oculi, independentemente de qualquer exame antecipado de mérito.
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RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado pelos advogados Celso Vilardi, Nara Silva de Almeida e Alexandre de Oliveira Ribeiro Filho, em favor de JOSÉ SETTI DIAZ, contra ato da Juíza Federal da 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP que transferiu para o momento da prolação da sentença a correção da capitulação jurídica dos fatos imputados ao paciente como estelionato contra a União e recebeu a denúncia oferecida contra o paciente e outros imputados pela prática, em tese, dos crimes capitulados nos arts. 171, § 3º, e 288 do Código Penal.
Os impetrantes alegam, em síntese, que a denúncia é inepta porque "não narra nem mesmo a associação entre o Paciente e o 'Grupo Bellini Cultural' para cometimento da suposta fraude envolvendo o único aporte do escritório". Sustentam que, apesar de ter sido imputada ao paciente a prática do delito de associação criminosa, tratar-se-ia, em verdade, de suposto crime único, em concurso de pessoas, razão pelo qual pugnam pelo trancamento da ação penal no que tange à imputação do delito do art. 288 do Código Penal.
Aduzem que, na espécie, não há que se falar em estelionato contra a União (CP, art. 171, § 3º), pois, consoante "pacificado nas Cortes Superiores, a correta capitulação do delito seria aquela do artigo 2º, IV, da Lei n. 8.137/1990".
Arguem, ainda, que, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "sempre que o delito tiver reflexos diretos na arrecadação tributária o pagamento integral do tributo deverá operar como causa de extinção da punibilidade", em atenção ao princípio da isonomia.
Por isso, requerem a concessão da ordem para haja o trancamento da ação penal em relação ao paciente.
A autoridade impetrada prestou informações (fls. 401/404v).
O Ministério Público Federal, pela Procuradoria Regional da República na Terceira Região, opinou pela denegação da ordem (fls. 406/408v).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: A discussão neste habeas relaciona-se à correção, ou não, da decisão que recebeu a denúncia na origem.
Os impetrantes buscam o trancamento da ação penal sob as alegações de inépcia da denúncia, em razão de incorreções na tipificação dos fatos imputados; existência de causa extintiva da punibilidade e atipicidade da conduta, bem como de ausência de justa causa.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é tranquila no sentido de que "o trancamento da ação penal constitui medida excepcional reservada aos casos em que seja patente a atipicidade da conduta, a ausência de indícios mínimos de autoria ou a presença de causa extintiva da punibilidade, a revelar evidente constrangimento ilegal decorrente da deflagração da ação penal" (HC 140.216 AgR/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, j. 18.12.2017, DJe-027 DIVULG 14.02.2018, PUBLIC 15.02.2018).
No caso, as matérias ventiladas pelos impetrantes possuem natureza defensiva e, como tal, devem ser veiculadas em resposta escrita à acusação (CPP, art. 396-A) e submetidas ao juízo natural da causa. Somente depois de decisão por esse juízo é que poderiam ser submetidas a esta Corte, sob pena de configurar-se supressão de instância.
Em que pese matérias de ordem pública possam ser apreciadas a qualquer tempo e grau de jurisdição, isso não exime a parte do ônus de alegá-las oportunamente, tanto que nas instâncias superiores seu prequestionamento é imprescindível.
Verifico que o juízo impetrado determinou expressamente que os acusados - dentre eles o paciente - fossem citados para responder à acusação, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal (fls. 245/326).
Assim, o presente habeas corpus foi impetrado sem que houvesse pronunciamento do juízo impetrado acerca das questões arguidas pela defesa na resposta escrita à acusação, nos termos do art. 396-A, caput, do Código de Processo Penal.
Observo que o mero recebimento da denúncia não representa, por si só, na situação dos autos, ilegalidade ou abuso de poder a ser corrigida de plano por este Tribunal, o que afasta a aplicação do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Isso porque o juízo de recebimento da denúncia é perfunctório, podendo ser revisto por ocasião da apreciação da resposta à acusação, na qual, consoante dispõe o art. 396-A, caput, do Código de Processo Penal, "o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário".
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VOTO COMPLEMENTAR
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Após apresentar meu voto, na sessão de 08.05.2018, pelo não conhecimento do habeas corpus porque as matérias nele deduzidas tinham natureza defensiva e, como tal, deveriam ser veiculadas em resposta escrita à acusação e submetidas ao juízo natural, que até então não se pronunciara, sob pena de configurar-se uma indevida supressão de instância, pediu vista o e. Desembargador Federal José Lunardelli.
Expus em meu voto que:
Antes que o e. Desembargador Federal José Lunardelli apresentasse seu voto em sessão, os impetrantes atravessaram petição a ele dirigida (fls. 435/440) para informar que o juízo impetrado havia proferido decisão, disponibilizada em 11.05.2018, na qual confirmara o recebimento da denúncia, determinando o início da instrução processual. Em resumo, disseram que o constrangimento ilegal, que já era patente, então restava inconteste, pois os argumentos defensivos deduzidos ao juízo natural foram rejeitados. Pediram, então, o aditamento da impetração, mediante a juntada de cópia da decisão confirmatória do recebimento da denúncia (fls. 441/466), requerendo a concessão da ordem, tal como fora pedida, e, como ainda não havia sido concluído o julgamento, o retorno dos autos a este Relator para análise do mérito.
Na sessão de 22.05.2018, o e. Desembargador Federal José Lunardelli apresentou voto pelo conhecimento do habeas corpus e, no mérito, em antecipação, pela concessão parcial da ordem, nos seguintes termos:
Observo que, nessa sessão, o voto do e. Desembargador Federal Fausto De Sanctis quanto ao conhecimento (ou não) do habeas corpus não foi colhido, embora eu tivesse alertado sobre isso, uma vez que o e. Desembargador José Lunardelli não cindiu o julgamento quanto à questão preliminar, proferindo voto de mérito, em antecipação. Constou da tira de julgamento:
Vieram-me os autos conclusos (fls. 478) e requisitei informações complementares ao juízo impetrado, determinando que, com estas, nova vista fosse dada ao Ministério Público Federal - MPF (fls. 479).
A autoridade impetrada prestou informações complementares (fls. 482/486), nas quais disse, em resumo, que a justa causa para o exercício da ação penal requer apenas a existência de suporte probatório mínimo, tendo por objeto a materialidade e indícios de autoria delitiva e que a incursão em temas que demandam dilação probatória só pode ser feita após a instrução criminal. Assim, justificou a confirmação do recebimento da denúncia, quanto ao crime do art. 288 do Código Penal, ao fundamento de que a denúncia delineou as participações de cada denunciado na associação criminosa, mas que, por se tratar de matéria de mérito, a efetiva participação de cada denunciado será analisada após a instrução probatória. Em relação à classificação jurídica do fato, aduziu que se trata de tema prematuro e que a fraude praticada no delito previsto no art. 40 da Lei nº 8.313/91 objetiva a obtenção da redução de imposto de renda. Contudo, no caso dos autos, "a dedução do tributo era a própria fraude (meio) para a obtenção da vantagem ilícita, consistentes nas contrapartidas ilegais, verificando-se que a descrição dos fatos delitivos expostos na peça vestibular acusatória revela abrangência muito maior que o delito estabelecido no referido dispositivo".
O MPF, em sua manifestação (fls. 489/489v), reiterou o parecer anteriormente apresentado, pela denegação da ordem.
Vieram-me, então, conclusos os autos.
Pois bem. Feito este breve, mas necessário, relatório complementar, passo à análise das questões surgidas após a sessão de 08.05.2018.
A primeira delas diz respeito ao conhecimento do habeas corpus.
Como disse, após haver proferido meu voto pelo não conhecimento do writ porque implicaria (naquele momento) supressão de instância e enquanto o julgamento estava suspenso pelo pedido de vista do e. Desembargador Federal José Lunardelli, o juízo impetrado decidiu as questões suscitadas nas respostas escritas à acusação (CPP, art. 396-A), rejeitando-as e ratificando o recebimento da denúncia, designando o início da instrução probatória (CPP, art. 399).
Esse fato superveniente ao início do julgamento, mas antes do seu encerramento, tem impacto direto sobre o conhecimento do habeas corpus, pois o seu julgamento pela Turma não implicará mais supressão de instância. Por essa razão, retifico o voto que lancei na sessão de 08.05.2018 para, agora, conhecer do habeas corpus e examinar o pedido formulado pelos impetrantes, em todos os seus termos.
Antes, porém, entendo necessário esclarecer que, embora não tenha sido colhido o voto do e. Desembargador Federal Fausto De Sanctis quanto à questão preliminar (conhecimento ou não do writ), esse tema está prejudicado, na medida em que, com a minha retificação de voto para conhecer do pedido, ainda que Sua Excelência dele não conheça, deverá manifestar-se sobre o mérito, uma vez que restará vencido na questão preliminar.
De outra parte, também entendo necessário deixar claro que o e. Desembargador Federal José Lunardelli não divergiu de mim para conceder a ordem, mas apenas divergiu quanto a conhecer do pedido de habeas corpus. Uma vez conhecido o pedido, então me pronuncio sobre o seu mérito.
A ele, pois.
São dois pedidos: o primeiro refere-se à imputação pelo crime de associação criminosa (CP, art. 288) e, o segundo, à classificação jurídica do fato relativo ao uso fraudulento de incentivo fiscal com base na Lei Rouanet.
Em relação ao primeiro, os impetrantes argumentam, em síntese, que o fato imputado ao paciente é atípico (faltando, portanto, justa causa para a ação penal) porque a associação criminosa pressupõe que três ou mais pessoas se associem para o fim específico de cometer crimes. Como a denúncia, ao referir-se ao paciente, trata de apenas um suposto crime, faltaria elementar do tipo penal de associação criminosa.
Os impetrantes têm razão. Para que se caracterize o crime de associação criminosa (nova denominação típica dada pela Lei nº 12.850, de 02.08.2013, para o antigo crime de quadrilha ou bando), é imprescindível que aqueles que se associarem o façam "para o fim específico de cometer crimes". Além do dolo específico ("para o fim de"), é necessário que a união se dê para a prática de crimes indeterminados ("cometer crimes"), pois a prática de crime determinado ou de crimes determinados caracterizaria o concurso de pessoas (CP, art. 29).
Em antiga, mas ainda atual, lição quanto ao crime de quadrilha ou bando, assim dizia Heleno Cláudio Fragoso:
A leitura da longa denúncia (cópia a fls. 69/237, especialmente fls. 226/229) mostra que se imputa ao paciente o suposto cometimento de um único crime, relativo ao Pronac nº 0154771, intitulado "Celebração Musical"¸ pelo qual a empresa "Almeida, Rotenberg e Boscoli Sociedade de Advogados - Demarest", teria patrocinado um evento cultural e, como contrapartida, receberia um evento fechado para os seus clientes e funcionários, com um stand up do comediante Fábio Porchat.
Nada mais há na denúncia relacionando o paciente aos corréus da ação penal, de modo que, à toda evidência, não está caracterizada a estabilidade e a permanência, tampouco os crimes indeterminados, para a configuração do delito de associação criminosa.
É importante notar que não é necessária a instrução processual para se chegar a essa conclusão, na medida em que, pelos princípios da correlação entre a acusação e a sentença, do contraditório e da ampla defesa, a acusação deverá estar descrita na denúncia de forma clara quanto ao fato criminoso e todas as suas circunstâncias (CPP, art. 41).
Com efeito, se o acusado defende-se dos fatos a ele imputados, estes devem estar bem descritos e conformar-se, em princípio, ao tipo legal supostamente transgredido, a fim de que a ampla defesa possa ser exercida. Se os fatos não se amoldam ao tipo invocado, falta justa causa para a ação penal.
No caso, se o MPF descreve na denúncia um único fato criminoso supostamente praticado pelo paciente, a este não pode ser imputada a prática de associação criminosa porque faltam os elementos da estabilidade e permanência, bem como a mínima descrição de crimes indeterminados que dariam sustentação à imputada associação, diferenciando-a do concurso eventual de pessoas.
Portanto, como não está caracterizada a associação criminosa e isso - repito - independe da dilação probatória para ser reconhecido, falta elementar do tipo para a imputação e, em razão disso, falta justa causa para a ação penal, que deve ser trancada por ordem de habeas corpus.
Quanto ao segundo pedido, também têm razão os impetrantes. Imputa-se ao paciente o cometimento do crime de estelionato contra a União (CP, art. 171, § 3º) porque ele, valendo-se do suposto esquema montado pelo grupo empresarial "Bellini Cultural" e na condição de responsável pelos projetos envolvendo a empresa "Almeida, Rotenberg e Boscoli Sociedade de Advogados - Demarest", teria obtido, em favor desta, contrapartida ilícita consistente em show exclusivo do artista Fábio Porchat. De acordo com a denúncia:
O juízo impetrado, ao não rejeitar liminarmente a denúncia, recebendo-a (CP, art. 396), assim fundamentou, relativamente ao paciente:
Conforme se verifica nos trechos transcritos (da denúncia e da decisão que a recebeu, posteriormente ratificada), não se trata de ausência de tipicidade, de materialidade ou de indícios mínimos de autoria, tampouco da presença de causa extintiva de punibilidade.
Assiste razão aos impetrantes no que tange à tipificação da conduta imputada ao paciente.
Como disse antes, é certo que o acusado defende-se de fatos, e não da capitulação que consta na denúncia ou queixa, bem como que o momento processual adequado para eventual correção desta capitulação é o da prolação da sentença, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal.
Excepcionalmente, porém, é possível proceder a tal correção em momento diverso, inclusive o de recebimento da denúncia, nas hipóteses de erro flagrante, alteração de competência absoluta e concessão de benefícios processuais ao acusado, com a aplicação dos institutos benéficos previstos na legislação, em especial a transação penal e a suspensão condicional do processo.
De fato, se de antemão o magistrado percebe, no início do processo, que o fato enquadra-se em tipo penal que admite tais medidas, não faz sentido processar integralmente a ação penal (com apresentação de defesa pelo acusado, realização de instrução e oferecimento de alegações finais pelas partes) para, somente ao final, no momento de prolação da sentença, determinar a conversão do julgamento em diligência para, então, oferecê-las.
Isso, aliás, foi admitido pelo próprio juízo impetrado quando proferiu a decisão que recebeu a denúncia:
Assim, considero que, embora o momento adequado para a reclassificação jurídica da conduta imputada seja, em regra, o da prolação da sentença, em determinadas situações o juízo é autorizado a assim proceder em momento anterior, inclusive o de recebimento da denúncia, ante a desnecessidade de instrução probatória para tanto.
É esse exatamente o caso dos autos.
Há um aparente conflito de normas, pois o MPF imputa ao paciente a prática do delito de estelionato majorado (CP, art. 171, § 3º), enquanto os impetrantes defendem que a conduta do paciente amolda-se, em tese, ao crime do art. 40 da Lei nº 8.313, de 23.12.1991, conhecida como Lei Rouanet, que assim dispõe:
O exame dos autos revela que a intenção do paciente (sem estabelecer qualquer juízo de valor prévio acerca da sua eventual ilicitude), enquanto representante da empresa "Almeida, Rotenberg e Boscoli Sociedade de Advogados - Demarest", era valer-se do benefício fiscal decorrente da Lei Rouanet, qual seja, a dedução do imposto de renda do valor aplicado no projeto cultural alegadamente fraudado.
Assim, esse conflito aparente de normas deve ser resolvido pelo princípio da especialidade (lex specialis derogat generali), pois, no caso, o suposto uso fraudulento dos benefícios da Lei Rouanet é incriminado pelo art. 40 dessa Lei, que, por isso, constitui norma especial em relação ao estelionato e, ainda, ao tipos descritos na Lei nº 8.137/90, sobretudo aquele do art. 2º, IV.
Dito isso, é certo também que tal fato constitui especial modalidade de crime contra a ordem tributária, de sorte que o pagamento integral do valor do tributo relativo ao benefício supostamente fraudado, devidamente atualizado, com aplicação de juros e multa, constitui causa extintiva da punibilidade.
Contudo, não há como reconhecer, neste writ, a extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do tributo, haja vista que tal situação depende de manifestação específica da autoridade fazendária, não presente nos autos, a ser aferida na origem.
Ademais, considerando o reconhecimento da atipicidade da imputação no que tange ao crime de associação criminosa, bem como que a pena máxima do crime remanescente, previsto no art. 40 da Lei Rouanet, não é superior a dois anos de reclusão, a competência para o exame da suficiência do pagamento realizado é do Juizado Especial Federal Criminal adjunto à 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP. Em consequência, não deverá ser procedida à instrução em relação ao paciente.
Posto isso, retifico o voto por mim proferido na sessão de 08.05.2018 para o fim de CONHECER do habeas corpus e, em o fazendo, CONCEDER PARCIALMENTE A ORDEM para trancar a ação penal de origem, por ausência de justa causa, no que tange à imputação de prática, pelo paciente, do delito de associação criminosa (CP, art. 288), bem como reclassificar a outra conduta a ele imputada, para o crime previsto no art. 40 da Lei Rouanet, a ser processado e julgado perante o Juizado Especial Federal Criminal adjunto à 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, assegurando ao paciente, ainda, a possibilidade do reconhecimento da extinção da punibilidade desde que tenha havido o pagamento integral do tributo relativo ao benefício supostamente fraudado, devidamente atualizado, com aplicação de juros e multa, o que deverá ser verificado pelo juízo impetrado, na origem. Em consequência, não deverá ser procedida à instrução em relação ao paciente.
É o voto complementar.
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