Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/03/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002640-33.2003.4.03.6181/SP
2003.61.81.002640-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : SERGIO ARRUDA DE FARIAS
ADVOGADO : RJ072600 JOSE LUIZ SOARES DA SILVA
CODINOME : SERGIO ARRUDA FARIA
: SERGIO ARRUDA DE FARIA
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : GERSON AUGUSTO DA SILVA (desmembramento)
: MAGALLY SANCHEZ VILLOTA (desmembramento)
: JOSE HENRY PEREZ GARCIA (desmembramento)
: PABLO ENRIQUE TORO OLARTE (desmembramento)
: EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA (desmembramento)
CODINOME : JOSE ROMAN MONTANO
: COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES
: JOSE ERNESTO BITENCOURT
No. ORIG. : 00026403320034036181 10P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ANIMUS ASSOCIATIVO: CONFIGURADO. VALIDADE DO TESTEMUNHO POLICIAL. DOSIMETRIA. PENA-BASE. PATAMAR DA CAUSA DE AUMENTO DA TRANSNACIONALIDADE. REGIME SEMIABERTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Apelação interposta pela defesa contra sentença que condenou o réu pela prática do delito descrito no art. 14, da Lei 6.368/76, c.c. art. 40, I, da Lei nº 11.343/06.
2. Associação para o tráfico. Para a caracterização do crime tipificado no artigo 14 da Lei n. 6.368/76 é necessária a presença dos seguintes elementos: - duas ou mais pessoas; - acordo prévio dos participantes; - vínculo associativo duradouro; - finalidade de traficar substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica.
3. O conjunto probatório demonstra claramente a associação estável do acusado Sérgio com os demais corréus, em organização criminosa voltada para a prática reiterada do crime de tráfico internacional de drogas entre Colômbia, Brasil e Espanha.
4. Os depoimentos prestados por agentes policiais têm valor probatório igual ao de qualquer outra testemunha. A condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita. Precedentes.
5. Dosimetria da pena. Pena-base majorada. As circunstâncias do crime se revelam desfavoráveis ao acusado, considerada a atuação do acusado na associação criminosa, que recepcionava a droga no exterior, mantinha contato direto com o líder da quadrilha e emprestava seu nome para que a quadrilha alugasse imóveis para se reunirem, aliados à quantidade de droga movimentada pela quadrilha, o que justifica a majoração da pena no patamar estabelecido na sentença.
6. O artigo 40 da Lei nº 11.343/2006 apresenta um rol de sete causas de aumento para o crime de tráfico, a serem fixadas em patamar de um sexto a dois terços. Cada uma das causas de aumento descreve circunstâncias de fato que não são mutuamente excludentes (com exceção talvez das constantes dos incisos I e V, cuja aplicação cumulativa é duvidosa). A aplicação da causa de aumento em patamar superior ao mínimo deve ser reservada quando caracterizado o concurso de causas de aumento constantes do aludido artigo. Cogitando-se apenas da transnacionalidade, é de rigor a fixação da causa de aumento em seu patamar mínimo. Precedentes.
7. Mantido o regime inicial semiaberto de cumprimento de pena, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.
8. Incabível, in casu, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do art. 44 do Código Penal.
9. Recurso parcialmente provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir o patamar da internacionalidade do delito, resultando na pena definitiva de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, nos termos do relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo Juíza Federal Conv. Denise Avelar, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que dava provimento ao recurso para absolver o apelante.


São Paulo, 03 de março de 2020.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA:10077
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Data e Hora: 05/03/2020 14:44:53



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002640-33.2003.4.03.6181/SP
2003.61.81.002640-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : SERGIO ARRUDA DE FARIAS
ADVOGADO : RJ072600 JOSE LUIZ SOARES DA SILVA
CODINOME : SERGIO ARRUDA FARIA
: SERGIO ARRUDA DE FARIA
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : GERSON AUGUSTO DA SILVA (desmembramento)
: MAGALLY SANCHEZ VILLOTA (desmembramento)
: JOSE HENRY PEREZ GARCIA (desmembramento)
: PABLO ENRIQUE TORO OLARTE (desmembramento)
: EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA (desmembramento)
CODINOME : JOSE ROMAN MONTANO
: COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES
: JOSE ERNESTO BITENCOURT
No. ORIG. : 00026403320034036181 10P Vr SAO PAULO/SP

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor compreensão da discussão aqui posta, especialmente no que se refere à materialidade delitiva e, feito isto, peço vênia ao Relator para divergir de seu voto, pelas razões que passo a expor:

Da análise dos autos se extrai que o corréu SÉRGIO ARRUDA DE FARIAS foi absolvido da imputação pela prática do crime previsto no art. 12 c.c. art. 18, I da Lei n° 6.368/1976, por três vezes, na forma do art. 69 e c.c. o art. 29, caput, ambos do Código Penal, e condenado pela prática do crime previsto no art. 14 da Lei n° 6.368/1976 c.c. o art. 40, I da Lei n° 11.343/2006.

Transcrevo os dispositivos legais oportunos:

Lei n° 6.368/1976
Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; (Vide Lei nº 7.960, de 1989)
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:
I - importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;
II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substãncia que determine dependência física ou psíquica.
§ 2º Nas mesmas penas incorre, ainda, quem:
I - induz, instiga ou auxilia alguém a usar entorpecente ou substância que determine dependência física ou psíquica;
II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou tráfico ilícito de entorpecente ou de substância que determine dependência fisica ou psíquica.
III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.
Art. 13. Fabricar, adquirir, vender, fornecer ainda que gratuitamente, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de substância entorpecente ou que determine dependência fícisa ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
Art. 14. Associarem-se 2 (duas) ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos Arts. 12 ou 13 desta Lei:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
(...)
Art. 18. As penas dos crimes definidos nesta Lei serão aumentadas de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços):
I - no caso de tráfico com o exterior ou de extra-territorialidade da lei penal;
II - quando o agente tiver praticado o crime prevalecendo-se de função pública relacionada com a repressão à criminalidade ou quando, muito embora não titular de função pública, tenha missão de guarda e vigilância;
III - se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação;
III - se qualquer deles decorrer de associação ou visar a menores de 21 (vinte e um) anos ou a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou a quem tenha, por qualquer causa, diminuída ou suprimida a capacidade de discernimento ou de autodeterminação: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
IV - se qualquer dos atos de preparação, execução ou consumação ocorrer nas imediações ou no interior de estabelecimento de ensino ou hospitalar, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de estabelecimentos penais, ou de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, sem prejuízo da interdição do estabelecimento ou do local.
Lei n° 11.343/2006
Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;
II - o agente praticar o crime prevalecendo-se de função pública ou no desempenho de missão de educação, poder familiar, guarda ou vigilância;
III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos;
IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva;
V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;
VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
VII - o agente financiar ou custear a prática do crime.
Código Penal
Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
(...)
Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Vê-se que o Juízo Sentenciante formou o seu convencimento neste sentido por entender demonstrado, nos autos, que o réu estaria associado a outras pessoas para a finalidade de prática reiterada de tráfico transnacional de drogas, e que seu papel nas empreitadas criminosas consistiria, essencialmente, na recepção dos entorpecentes no exterior, bem como na locação de imóveis para os encontros do grupo, consoante se extrai do seguinte trecho da sentença (fls. 2.179/2.182 - vol. X):

"(...)
As provas carreadas aos autos comprovam que SÉRGIO era um dos integrantes da associação criminosa voltada para a prática reiterada de crimes de tráfico transnacional de drogas. As provas evidenciam, ainda, que o vínculo associativo era estabelecido entre diversos indivíduos, de diferentes nacionalidades, o que propiciava a atuação do grupo não apenas no Brasil, mas também na América do Sul e Europa.
As investigações que levaram à prisão do réu e de outros integrantes do grupo derivaram de uma apreensão de droga, ocorrida em meados de 2001, no Estado do Maranhão. Naquela ocasião, SÉRGIO foi apontado pelas pessoas que haviam sido presas, dentre elas Joaquim de Almeida Lima, como o indivíduo que recepcionaria, na Espanha, os trinta e três quilos de cocaína apreendidos. Segundo ficou apurado, a droga pertencia ao boliviano conhecido pelas alcunhas de 'Kiko' ou 'Tony', que comandava o grupo e atribuía a cada um dos membros uma tarefa definida na perpetração do crime. Ao réu competia, fundamentalmente, a recepção da droga no exterior, bem como a locação de imóveis para os regulares encontros do grupo.
Do relatório circunstanciado da referida operação, destaco os trechos em que SÉRGIO é apontado como um dos membros da associação (fls. 227/239):
(...)
De fato, restou comprovado que o imóvel supramencionado era utilizado frequentemente por parte dos integrantes do grupo, dentre eles por 'Kiko', Pablo Enrique Toro Olarte, Gerson Augusto da Silva, Joaquim Almeida de Lima, José Henry Perez Garcia e pelo réu. SÉRGIO, inclusive, era o locatário do imóvel (cf. contrato de hospedagem de fls. 248/251).
Nas oportunidades em que foi ouvido no curso do processo, o réu negou qualquer envolvimento nos fatos narrados na denúncia, salientando que, à exceção de Joaquim de Almeida Lima, desconhecia todas as demais pessoas mencionadas nos autos.
(...)
O agente e o delegado de polícia federal que participaram das investigações depuseram em Juízo. Segundo Wellington Fonseca: '(...) Na época que a gente fez a apreensão da mercadoria no Maranhão, o Sérgio se encontrava na Espanha, ele que ia receber a mercadoria lá. Essa informação veio através do elemento que foi preso, o 'Almeidinha' e também através de investigações efetuadas junto à polícia espanhola. Ele ia para Espanha recepcionar a droga, ele seria o responsável pelo recebimento dessa mercadoria, pela distribuição da mercadoria. (...) [Sérgio vinha a São Paulo] efetuar contato com Kiko, quando tinha uma função a executar no grupo, alguma determinação para ele, uma entrega, para receber mercadoria ou enviar (...)' (fls. 677/696, 2.119).
No mesmo sentido, afirmou Aldair da Rocha que '(...) os agentes da Polícia Federal tinham várias fotos das pessoas que participavam dos encontros no referido apartamento, dentre os quais o próprio Sérgio Arruda Farias; que havia também fotos tiradas em outros locais, como restaurantes; que com certeza, conforme apurado pelos agentes da Polícia Federal, Sérgio Arruda Faria integrava a quadrilha (...)' (fls. 2.013/2.014).
(...)
O conjunto probatório é farto e demonstra, de forma segura, a atuação do réu na associação criminosa. Inquestionável, ainda, que a finalidade do grupo era a prática reiterada de crimes de tráfico transnacional de drogas, sendo certo que SÉRGIO assumia papel de relevo no sucesso das operações internacionais.
Conquanto clarividente a participação do acusado na prática desse delito (Lei n° 6.368/1976, art. 14), o mesmo não se verifica quanto às demais condutas criminosas narradas na denúncia.
(...)" (destaquei).

Do mesmo modo, entende o E. Relator estar demonstrada a materialidade delitiva, consoante os seguintes trechos de seu voto (fls. 2.316/2.321 - vol. XI):

"(...)
Embora o acusado Sergio tenha afirmado em juízo que conhecia apenas Joaquim de Almeida, a testemunha de acusação Fabio Alves da Costa, funcionário da recepção do condomínio Madison Plaza presenciou diversas pessoas da associação criminosa entrando no flat.
Ao ser ouvido na fase policial, Fabio Alves da Costa disse que, além de Sergio e Joaquim, frequentavam o apartamento do condomínio Madison Plaza Service as pessoas de Pablo, Tony/Kiko, Aldo, Gerson, Javier (fl. 215):
(...)
Ao ser ouvido como testemunha de acusação na fase estadual, Fabio Alves da Costa reconheceu o acusado Sergio Arruda, que estava presente na audiência, como a pessoa que morava no prédio, disse que Joaquim Almeida frequentava com frequência o apartamento, que das fotos apresentadas pelos policiais federais reconheceu alguns;, que além de Sergio e Joaquim, outros eventualmente apareciam. Reconheceu a fotografia de Pablo, que se apresentava como Gilberto, que morou no prédio (fl. 214), que a pessoa da fotografia de fl. 218 estava como Pablo (de óculos); disse que o Sergio é a pessoa da fotografia de fl. 219. Disse ainda que recebeu ameaças para não dizer a verdade em juízo, que se sentiu intimidado, mas que contou o que sabia (fls. 641/649).
Inquirido novamente como testemunha de acusação, Fabio Alves da Costa confirmou em juízo o depoimento de fls. 641/649, afirmando que trabalhou no condomínio Madison Plaza, reconheceu frequentadores do condomínio, disse que o réu Sergio está parecido, com cabelo branco (mídia de fl. 2040).
No mesmo sentido foram os depoimentos dos policiais que efetuaram vigilância no flat Madison e no Flat Parthenon. Questionado sobre a participação de Sérgio Arruda Faria, a testemunha de acusação Fernando de Souza Santos afirmou:
(...)
Quanto ao acusado Sergio, restou apurado nos autos que sua atuação não se limitou à locação do apartamento utilizado pelos traficantes.
Conforme apurado no Relatório Circunstanciado referente a "Operação Mar Aberto" às fls. 227/239, o acusado Sérgio também era responsável pela recepção e distribuição da droga no exterior:
(...)
No sentido de que Sérgio seria o responsável pela recepção da droga apreendida no Maranhão na Espanha, registro depoimentos das testemunhas de acusação Wellington Fonseca e Fernando de Souza Santos.
Destarte, o Agente de Polícia Federal Wellington Souza, policial que participou da apreensão no Maranhão, afirmou perante o juízo estadual (fls. 680/687):
(...)
Ao ser ouvido perante o Juízo Federal como testemunha de acusação, Wellington Fonseca confirmou o inteiro teor do auto de prisão em flagrante (fl. 2119).
Nesse mesmo sentido, registro o depoimento da testemunha Fernando de Souza Santos:
(...)
A testemunha de acusação Aldair da Rocha, Delegado de Polícia Federal ratificou em juízo as declarações constantes do relatório e representação por prisão definitiva de fls. 280/284 e confirmou em juízo que os agentes da Polícia Federal Fernando de Sousa Santos e Wellington Fonseca que participaram das investigações apuraram que Sergio Arruda Faria integrava a quadrilha (fls. 2013/2014):
(...)
Por fim, registro que os depoimentos prestados por agentes policiais têm valor probatório igual ao de qualquer outra testemunha, conforme dicção do art.202 do CPP.
Verifica-se, in casu, quão coesa e uníssona é a declaração do policial. Idôneo o referido depoimento e, porque coerentes e não desmentidos pelo restante da prova, são suficientes para embasar o decreto condenatório. A condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita, conforme tranquilo entendimento pretoriano.
Se suspeição houvesse em relação a eles, deveria a defesa ter oferecido contradita quando da oitiva em audiência, que é a forma processual adequada para argüir a suspeição ou inidoneidade de uma testemunha, consoante dispõe o artigo 214, do Código de Processo Penal. Todavia, nada foi requerido a esse respeito. Nesse sentido situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
(...)
Portanto, ao contrário do sustentado pela defesa, as provas colhidas evidenciam a existência de vínculo associativo estável e permanente entre o acusado SERGIO e os demais acusados de tráfico de drogas, não se tratando de associação eventual. Ficou evidenciado nos autos o ânimo de se associar do acusado SERGIO na complexa organização criminosa, compondo verdadeira societa sceleris voltada para a traficância transnacional e de grande escala de substância entorpecente, não merecendo reparos, nesse ponto, a sentença.
Destarte, deve ser mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no artigo 14 da Lei nº 6.368/1976, c.c. o artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006.
(...)
Por esses fundamentos, dou parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir o patamar da internacionalidade do delito, resultando na pena definitiva de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto.
(...)" (destaquei).

Pois bem.

De se ver que o édito condenatório em desfavor do réu se fundou, precipuamente, numa possível atuação de SÉRGIO para a recepção de droga no exterior e para a locação de imóveis que servissem como base e/ou local de encontro do grupo criminoso em questão.

No que se refere à alegada recepção de entorpecentes pelo acusado no exterior, registre-se que a primeira menção ao seu nome - e que aparentemente levou os policiais ao seu encalço - ocorreu quando da prisão de Joaquim de Almeida Lima, vulgo "Almeidinha", e outras pessoas no Maranhão, em 03/06/2001, ocasião em que Joaquim teria apontado SÉRGIO como a pessoa responsável por receber a droga na Espanha (fls. 227/239).

A fragilidade do conjunto probatório quanto a este fato é evidente; com efeito, baseiam-se as afirmações constantes do auto de prisão em flagrante tão somente em declarações prestadas, no momento da prisão, por um dos agentes capturados pela Polícia Federal, assertivas estas obtidas sob circunstâncias ignoradas, não sendo possível se aferir, ao menos com os elementos constantes dos autos, a sua voluntariedade.

Com isto não se quer dizer que tenha o preso sido submetido a quaisquer formas de tortura, mas, sim, que não há elementos suficientes para se aferir devidamente o contexto fático em que se realizou tal afirmação e, portanto, atribuir-lhe o valor probatório que realmente lhe cabe.

Ainda em relação a este ponto, é de se notar que os testemunhos dos policiais obtidos nestes autos quase se restringem a reafirmar o quanto "Almeidinha" e/ou outras pessoas que foram presas naquele dia teriam dito no momento de sua prisão; apenas há menção ao fato de que a informação de que SÉRGIO iria receber a droga na Espanha teria sido confirmada pela polícia espanhola, com quem os agentes federais brasileiros teriam mantido estreito contato, bem como se aduz ao fato de se ter mantido contato com a polícia do Japão, mas tais afirmações vêm em termos bastante genéricos, sem a menção de quaisquer nomes de agentes espanhóis e/ou de outros países que teriam sido contatados e, o que é mais importante, sem qualquer lastro documental.

Quanto a isto, transcrevo trecho oportuno do testemunho prestado pelo Sr. Fernando de Souza Santos, agente de polícia federal, perante o Juízo Estadual (fls. 650/664 - vol. III):

"(...)
J: Quando começa?
D: Bom, tudo começou com a prisão que houve no Estado do Maranhão de uma quadrilha de traficantes e a partir dessa prisão, um dos presos, o Daniel, com apelido de 'Arataka', de 'Acerola', quando foi interrogado, ele citou um nome do fornecedor da mercadoria, que seria o José Roman, esse aí atrás, de óculos.
(...)
J: O senhor Sérgio Arruda Faria, qual era a participação?
D: Nós encontramos ele, algumas vezes, nos mesmos hotéis em que o José Roman se hospedava, ele se hospedava também, se hospedavam juntos. Vimos eles várias vezes encontrando com o José Roman. Como eles faziam muito tráfico internacional, a gente mantinha contato com outros países nos quais a droga ia. Então, toda vez que a gente sabia, que tinha certeza que ia embarcar alguma mercadoria deles para algum lugar... (não conclui a frase). O Sérgio era muito viajado, ele ia sempre para o local onde a droga ia. Geralmente eles mandavam para a Espanha, eles mandavam a mercadoria, uma vez mandaram para Tóquio. Veio relatório de Tóquio, aí nós mantivemos contato com o pessoal de Tóquio sobre uma apreensão de mercadorias, de cocaína.
J: Nesse caso específico, tinha alguma informação de que ele ia para o exterior?
D: Sempre quando tinha muito movimento é porque tinha entrega para fazer. Todas as vezes as entregas que nós conseguimos identificar, quando tinha entrega para fazer, o Sérgio vinha para São Paulo e mantinha contato, aí descobrimos que ele já foi marinheiro, tinha acesso às embarcações.
J: O que cada um deles fazia no grupo, qual a função de cada um deles?
D: O Jhon Buker, a função dele na quadrilha era armazenar a droga, alugar depósitos, sítios, essas coisas, para guardar a droga, armazenar e fazer o transporte do local para o estacionamento. No estacionamento ele saía fora, essa era a função dele. Os outros integrantes da quadrilha que nós interrogamos falaram que ele era um brasileiro e que só ele sabia o acesso até o depósito. Todas as entregas foram comandadas por ele. O José Roman era o líder do grupo, tudo girava em torno dele, ele fazia os acertos do dinheiro, tudo era por conta dele, contatos com o exterior era ele quem fazia. Ele era o mentor. Ela, a mulher, era auxiliar dele, foi vista várias vezes com ele, em todos os encontros ela estava presente e ela atuava também na função de alugar os imóveis para ele. Como ele já foi preso com nome falso, anteriormente, tinha medo de ser localizado, não usava o nome dele. Através das investigações nós descobrimos que ele tinha sido preso no Rio de Janeiro e a gente não sabia qual o nome, ele usava vários documentos. Então, como os outros são colombianos, o pessoal fica meio cismado, então era ela, a Magali, quem alugava os imóveis e isso dificultava a gente localizar ele pelo nome que ele estava usando. A função dela era alugar os imóveis para facilitar as operações.
J: E os demais?
D: Ele (aponta para o réu Sérgio), era o Sérgio Arruda, ele era responsável pelos embarques, sempre que havia um embarque para o exterior, o José Roman contatava ele, ele vinha para São Paulo. Ele já foi marinheiro, ele recepcionava a droga no exterior. A função dele era essa.
(...)
J: O José Henry, o que fazia?
D: Ele fazia o mesmo papel que o Enrique, os dois moravam juntos. O Sérgio Arruda alugava os imóveis para os colombianos, eles eram os peões, eles pegavam a droga, guardavam, tudo. Eles ficavam no apartamento alugado por ele, eles residiam lá. Então, houve uma denúncia também em relação a esse apartamento, na rua, acho que Ouro Branco, perto da Rua Pamplona. Todos os colombianos que trabalhavam como peões, todos moravam no mesmo apartamento que ele morou.
J: Ele vinha sempre para São Paulo?
D: Ele vinha sempre para São Paulo e todos os colombianos envolvidos nas operações moravam nesse apartamento.
(...)
Def.: O depoente informou que o Sérgio Arruda recepcionava drogas no exterior, gostaria de saber como chegou a essa informação?
J: Como foi?
D: Através de investigação, de troca de informação com a polícia de outros países. A gente tinha essas informações.
J: Mas como vocês materializavam isso, mudavam... (não conclui a frase)?
D: A gente geralmente checava as passagens aéreas, se tinha reserva no nome dele. Geralmente quando a droga ia para fora, tinha reserva no nome dele para o exterior.
J: Está tudo documentado aqui?
D: Eu acredito que deve ter alguma coisa, porque, como eram vários Estados e ele vivia rodando, morava no Rio de Janeiro, nem todas as informações foram colhidas pela nossa equipe.
J: Mas vocês obtiveram alguma informação de que ele efetivamente estava recepcionando?
D: Informação nós tínhamos, a gente trocava ideia com o pessoal nosso de Brasília. Já tinha um grupo para analisar esse caso. Então todas as informações eram centralizadas por lá, então todas as informações que chegaram a respeito dele, vinha de Brasília, como a chegada dele em São Paulo. Ele sempre se hospedava no mesmo hotel... (não conclui a frase).
Def.: Ele tem conhecimento de que existia um contrato de locação em nome de Sérgio e se nesse local foi apreendida, alguma vez, algum tipo de droga?
D: Não foi apreendido.
Def.: O senhor chegou a ver esse contrato ou não?
D: Parece que o contrato lá era mais de boca, nós tomamos conhecimento de que o contrato realmente existia pelo pessoal do prédio que morava lá, que disseram que o apartamento foi alugado a princípio em nome de Sérgio Arruda e que ficou com os colombianos depois.
J: O senhor não chegou a ver esse contrato, só foi verbal?
D: Foi verbal, pelo pessoal que administra o imóvel.
(...)" (destaquei).

Muito parecido é o testemunho prestado pelo sr. Wellington Souza, também agente de polícia federal, perante o Juízo Estadual (fls. 680/687 - vol. III):

"(...)
J: (...). O que o senhor pode dizer sobre o caso?
D: Há aproximadamente um ano atrás houve uma prisão no Estado do Maranhão, eu participei dela. Foram presas quatro pessoas, uma dessas estava recebendo mercadoria que vinha de São Paulo, na época ele declinou como sendo o proprietário o Toni, o Kiko, o Eduardo Antonio Arismendy. Com essa informação, a operação iniciou, aliás, parece que em São Paulo ele já era conhecido como militante do tráfico de drogas, chefe de uma quadrilha organizada aqui em São Paulo. Eu trabalhei mais um tempo no Maranhão, depois eu vim para São Paulo (...)
J: O que havia no sítio?
D: Eu não participei da busca, mas lá havia muita cocaína, uma parte da cocaína estava no sítio e outra parte estava no galpão. Ele foi acompanhado até o sítio, de lá se deslocou para São Paulo, se encontrou com o Enrique, que a gente também já sabia que era membro do grupo e residia no apartamento da Ouro Branco, que por sua vez, foi locado, anteriormente, acho que pelo Sérgio Arruda Faria, que era membro do grupo. Na época que a gente fez a apreensão da mercadoria no Maranhão, o Sérgio se encontrava na Espanha, ele que ia receber a mercadoria lá.
J: Essa informação veio como?
D: Essa informação veio através do elemento que foi preso, o "Almeidinha" e também através de investigações efetuadas junto a polícia espanhola. Ele ia para Espanha recepcionar a droga, ele seria o responsável pelo recebimento dessa mercadoria, pela distribuição da mercadoria. Constatamos que o apartamento da Rua Ouro Branco estava locado em nome dele, o Kiko residia lá, o Pablo e o "Javier" que era outro elemento que não conseguimos encontrar.
(...)
Def: Com relação a Sergio, que diz que recebia a droga lá na Espanha, se tem algum fato documentado?
J: O senhor chegou a ver fotos dele recebendo mercadoria, como foi que obteve essa informação?
D: Foi passada ao Sistema de Análise e Inteligência Policial em Brasília, detectou-se que ele estava na Espanha.
Def: Como foi detectado?
D: Não sei a forma que foi detectado, não tenho conhecimento se tem algum documento oficial.
DEf: Se durante a investigação a polícia sabia que o Sérgio residia no Rio de Janeiro?
D: Sim
Def: O que ele vinha fazer aqui?
D: Efetuar contato com Kiko, quando tinha uma função a executar no grupo, alguma determinação para ele, uma entrega, para receber mercadoria ou enviar. Ele se hospedava em bons hotéis.
(...)" (destaquei).

Registre-se que o compulsar dos autos revela a inexistência de documentos que embasem as afirmações dos policiais no que se refere a supostos contatos com as polícias de outros países, que teriam confirmado a presença de SÉRGIO nos desembarques internacionais das drogas, fragilizando-se a acusação neste ponto.

Desta forma, não tenho por demonstrada a alegada participação de SÉRGIO nos embarques e desembarques de entorpecentes - que, aliás, se tivesse sido comprovada nos autos implicaria em reconhecer ter o acusado participado do próprio delito de tráfico de drogas, e não apenas de associação.

Daí porque o Juízo Sentenciante, muito acertadamente, ao fundamentar sua decisão pela absolvição do réu quanto à acusação de ter incorrido na conduta descrita no artigo 12 da Lei n° 6.368/1976 (tráfico de drogas), asseverou que "(a)s provas produzidas não estabelecem qualquer ligação entre SÉRGIO, a camuflagem, o transporte ou o depósito de mais de quatrocentos e cinquenta quilos apreendidos (cf. laudos periciais de fls. 25/27 e 309/311). Ao contrário, ele não foi sequer cogitado como um dos possíveis partícipes de tais delitos durante o monitoramento realizado pela Polícia Federal" (fl. 2.182 - vol. X).

Dito isto, cumpre analisar a tese acusatória quanto à locação de imóvel, por SÉRGIO, que serviria de base para encontros do grupo criminoso.

Neste ponto, tenho que a efetiva locação do imóvel em nome do acusado está devidamente demonstrada nos autos, tanto por instrumento contratual intitulado "Contrato de Hospedagem" firmado em 30/04/2001, quanto pelos próprios interrogatórios judiciais de SÉRGIO, que, sem negar a locação, procurou justificá-la dizendo que se instalaria em São Paulo/SP com o já mencionado Joaquim de Almeida porque iriam eles abrir uma fábrica juntos, empreendimento que não deu certo (fls. 248/251 - vol. I, fls. 1.932/1.933 - vol. IX e mídia de fl. 2.040 - vol. X).

Também está demonstrado nos autos que SÉRGIO frequentava o local e ali se encontrava com pessoas ligadas à já mencionada prisão em flagrante ocorrida em 03/06/2001, como se verifica no Relatório Circunstanciado elaborado por Agente da Polícia Federal no bojo da "Operação Mar Aberto", do qual consta fotografia do acusado aparentemente no prédio em que se localizava o apartamento em questão, bem como no depoimento prestado pelo senhor Fábio Alves da Costa na fase policial, posteriormente confirmado nos seus testemunhos prestados ao Juízo Estadual e, depois, ao Juízo Federal, testemunha esta que trabalhava na recepção do prédio e reconheceu o acusado e outras pessoas (fls. 215 e 228 - vol. I, fls. 641/649 - vol. III e mídia de fl. 2.040 - vol. X).

Registre-se, por oportuno, que tal testemunha negou expressamente que soubesse ser aquele apartamento a "base operacional" do grupo criminoso, consoante o seguinte trecho de seu testemunho prestado ao Juízo Estadual (fls. 644/645 - vol. III):

"J: Aqui na denúncia diz que tais fatos foram atestados pela testemunha Fábio Alves da Costa, que era funcionário do referido condomínio, ou seja, que a base operacional dessa associação criminosa era mesmo o apartamento 606 da Travessa Ouro Branco, n. 19. O Promotor põe que o senhor sabe disso tudo.
D: A única coisa que eu sei é que as pessoas frequentavam o prédio".

A questão que se coloca, portanto, é a de saber se o fato de SÉRGIO ter alugado um apartamento e encontrado pessoas que foram anteriormente flagradas remetendo drogas ao exterior autoriza, ou não, a manutenção de sua condenação como incurso nas condutas descritas no artigo 14 da Lei n° 6.368/1976, que versa sobre associação para o tráfico de drogas, como visto anteriormente.

E, neste ponto, tenho que a resposta deve ser negativa.

Com efeito, quanto aos elementos normativos do tipo penal em questão, reporto-me aos termos do bem lançado voto do Relator:

"É certo que para a caracterização do crime tipificado no artigo 14 da Lei 6.368/76 é necessária a presença dos seguintes elementos: - duas ou mais pessoas; - acordo prévio dos participantes; - vínculo associativo duradouro; - finalidade de traficar substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica.
Segundo a lição de Guilherme de Souza Nucci, in "Leis Penais e Processuais Penais Comentadas", 7ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, vol. 1, o tipo "demanda a prova de estabilidade e permanência da mencionada associação criminosa" e que "não há necessidade de haver habitualidade, ou seja, não se demanda o cometimento reiterado das figuras típicas descritas nos arts. 33 e 34, bastando a associação com o fim de cometê-los". Nesse sentido também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
'HABEAS CORPUS. PACIENTES CONDENADOS POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 35 DA LEI 11.343/2006. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM DE QUE TERIA HAVIDO ASSOCIAÇÃO EVENTUAL. NECESSIDADE DE ESTABILIDADE OU PERMANÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EXISTENTE. ABSOLVIÇÃO QUANTO À ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. Diante da expressão "reiteradamente ou não", contida no caput do artigo 35 da Lei 11.343/2006, há que se perquirir se para a configuração do delito de associação para o tráfico basta a convergência ocasional de vontades ou a eventual colaboração entre pessoas para a prática delituosa, ou se é necessário, tal como no crime de quadrilha ou bando previsto no Código Penal, que a reunião se dê de forma estável.
2. Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006. Doutrina. Precedentes.
3. As instâncias de origem, tendo reconhecido que a reunião dos pacientes teria sido eventual, a admitiram como apta a configurar o delito de associação para o tráfico, o que contraria a interpretação majoritária que tem sido conferida ao tipo do artigo 35 da Lei de Drogas.
4. Não havendo qualquer registro, quer na denúncia, na sentença condenatória, ou no aresto que a confirmou, de que a associação dos pacientes teria alguma estabilidade ou caráter permanente, não há que se falar no delito de associação para o tráfico, estando-se diante de mero concurso de pessoas.
5. Ordem concedida apenas para absolver os pacientes do delito de associação para o tráfico, mantendo-se, quanto ao mais, a sentença condenatória prolatada na origem'
(STJ, HC 137471/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 08/11/2010)" (destaquei).

Mais especificamente em relação aos conceitos de estabilidade e permanência, trago à colação os ensinamentos de Celso Delmanto sobre o tipo penal previsto no artigo 288 do Código Penal, cujo fundamento teórico é perfeitamente aplicável ao delito do artigo 14 da Lei n° 6.368/1976:

"Estabilidade e permanência: Como acima visto, para a caracterização do crime de quadrilha ou bando, não basta uma associação eventual ou acidental entre quatro ou mais pessoas para a prática de crimes, devendo haver uma associação estável ou permanente. Assim, o núcleo associar-se exprime a ideia de estabilidade ou permanência 'para a consecução de um fim comum' (Hungria, Comentários ..., cit., v. IX, p. 177-178; Bento de Faria, Código..., cit., p. 12). Note-se, portanto, que 'a nota de estabilidade ou permanência da aliança é essencial' (Hungria, ob. Cit., v. IX, p. 178). A estabilidade, a bem da verdade, 'somente é alcançada com o passar do tempo e com o renovar do propósito associativo' (Mohamad Ale Hasan Mahmoud, 'Quadrilha ou bando: crime habitual', Bol. IBCCr, n° 185, abril de 2008).
(Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar / Celso Delmanto et al. - 8ª ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 822).

Ocorre que a mera locação, em nome do acusado, de imóvel em que não morava, mas no qual foi visto em companhia de pessoas que a Polícia havia flagrado anteriormente enviando drogas ao exterior não autoriza, por si só, concluir que esteja ele associado, com estabilidade e permanência, aos demais para o fim de cometer delitos de tráfico.

Mesmo aderindo à premissa adotada pelo Relator, no sentido de que "não se revela crível que o acusado Sérgio, estudante do 9º período de direito, deixe um imóvel alugado em seu nome para que outra pessoa lá resida, sem nenhuma garantia de continuidade do pagamento dos alugueis, especialmente porque essa pessoa já estava com restrição no SPC", fato é que os elementos coligidos aos autos não afastam a possibilidade de ter o réu efetivamente emprestado seu nome a terceiro desta forma, tampouco permitem afirmar que, nas ocasiões em que SÉRGIO se fez presente no flat em questão, estivesse ele a tratar de assuntos criminosos com quem quer que seja.

Também o fato de a Polícia Federal ter apreendido, em outras ocasiões, carregamentos de droga cuja propriedade se imputa a EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA, vulgo "Kiko" ou "Tony", pessoa que já foi vista na companhia do réu, não permite que se chegue a tal conclusão; quanto a isto, importante ressaltar, uma vez mais, que a acusação de que SÉRGIO seria responsável pelo embarque e/ou desembarque de entorpecentes não encontra respaldo nas provas dos autos, de sorte que a tese acusatória, em verdade, carece de comprovação quanto ao efetivo nexo entre a conduta de SÉRGIO e as remessas de droga ao exterior.

Em síntese, o que se tem dos autos é que as provas de que o acusado SÉRGIO era responsável pelo embarque de entorpecentes em navios e/ou pela recepção dos tóxicos no exterior são fragilíssimas e se fundam unicamente nas palavras dos policiais envolvidos em operação destinada à prevenção e repressão de tráfico internacional de drogas, que afirmaram ter recebido tal informação de pessoas que foram presas em flagrante e disseram, ainda, que policiais de outros países confirmaram a presença do acusado em datas compatíveis com as chegadas dos entorpecentes, afirmações estas que não encontram lastro em prova documental; do mesmo modo, não se pode considerar suficiente a prova quanto à acusação de ter ele se associado com outras pessoas para praticar crimes de tráfico de drogas, prova esta que reside tão somente no fato de que um imóvel frequentado por pessoas investigadas na mencionada operação estava alugado em seu nome e foi ele visto naquele local algumas vezes, sem que se tenha demonstrado estar ele imbuído do dolo específico de cometer crimes, que é elementar do tipo penal em questão, tampouco se tendo afastado a possibilidade de ter o acusado tão somente emprestado seu nome para a locação de imóvel em favor de conhecido seu.

Ante o exposto, divirjo do voto do E. Relator para dar provimento à apelação para o fim de absolver SÉRGIO ARRUDA DE FARIAS da acusação de ter incorrido na conduta descrita no artigo 14 da Lei n° 6.368/1976, com fundamento no artigo 386, VII do Código de Processo Penal.

WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002640-33.2003.4.03.6181/SP
2003.61.81.002640-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : SERGIO ARRUDA DE FARIAS
ADVOGADO : RJ072600 JOSE LUIZ SOARES DA SILVA
CODINOME : SERGIO ARRUDA FARIA
: SERGIO ARRUDA DE FARIA
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : GERSON AUGUSTO DA SILVA (desmembramento)
: MAGALLY SANCHEZ VILLOTA (desmembramento)
: JOSE HENRY PEREZ GARCIA (desmembramento)
: PABLO ENRIQUE TORO OLARTE (desmembramento)
: EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA (desmembramento)
CODINOME : JOSE ROMAN MONTANO
: COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES
: JOSE ERNESTO BITENCOURT
No. ORIG. : 00026403320034036181 10P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Sr. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público do Estado de São Paulo denunciou PABLO ENRIQUE TORO OLARTE, GERSON AUGUSTO DA SILVA, MAGALLY SANCHEZ VILLOTA, JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, SERGIO ARRUDA DE FARIAS e EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHEVARRIA como incursos nas sanções dos artigos 12 (por três vezes) e 14, ambos da Lei n.6.368/76, em concurso material de delitos, tendo sido este último réu, também sido denunciado pelo cometimento do delito descrito no artigo 304 do Código Penal. Consta da denúncia (fls. 2/10):

A polícia federal, atuando em sistema de força-tarefa, integrada por agentes de mais de um Estado-membro, efetuou, em meados do ano de 2001, duas apreensões de entorpecentes nos Estados do Rio de Janeiro e Maranhão, das quais veio a descobrir a existência de uma poderosa associação internacional voltada à prática do narcotráfico doméstico, aqui no Brasil.
O chefe desta quadrilha é JOSE ROMAN MONTAÑO, COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES, EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA ou JOSÉ ERNESTO BITENCOURT, o qual atende pelo vulgo de "KIKO" ou "TONI", e atua no Estado de São Paulo. Possui vários nomes falsos, sendo EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA, provavelmente, seu verdadeiro nome.
"KIKO" é o gerente operacional de uma quadrilha internacional, funcionando como elo de ligação com os traficantes da Colômbia e europeus, que vêm ao Brasil, periodicamente, cumprir funções ligadas ao narcotráfico.
"KIKO" está, no Brasil, sempre acompanhado da indiciada MAGALI SANCHEZ VILLOTA, com quem comanda um grupo de traficantes que armazenam e distribuem cocaína por todo o território nacional. Uma das principais funções de MAGALI é a de frustrar o trabalho de inteligência, no sentido de identificar e prender "KIKO".
A base operacional desta associação criminosa funcionava na, Travessa Ouro Branco, n. 19, apto. 606 do Condomínio Madson Plaza Serviço, bairro dos Jardins, nesta Cidade e Comarca, funcionava a quadrilha, sendo que, neste local, ficaram hospedados os indivíduos presos no Maranhão, em meados de 2001, na apreensão de entorpecentes, que levou à descoberta deste bando. O local era também utilizado pelos indiciados PABLO ENRIQUE TORO OLARTE (que nele residia), JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, vulgo "JAVIER" e Aldo Duarte Júnior, preso na cidade de Vitória, Estado do Espírito Santo, em 05 de janeiro de 2002.
Tais fatos foram atestados pela testemunha abaixo arrolada, Fábio Alves da Costa, funcionário do referido Condomínio.
Foi também recrutado para a quadrilha de "KIKO", o traficante GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo "JHON BUKER", o qual também freqüentava aquela base operacional do grupo.
Observando o comportamento de "JHON BUKER", os agentes da polícia federal, no início do mês de fevereiro, flagraram a saída de um caminhão, marca Kia, placas DFU-6702, de um galpão situado na Rua Uland, n. 118/122, esquina com a Rua Conde Amadeo Barbeline, bairro Vila Ema, nesta Capital, tendo tomado nota de seus dados.
Posteriormente, o mesmo caminhão foi encontrado no Estado do Maranhão, sendo descarregado pelo narcotraficante "JAVIER".
No dia 15 de fevereiro deste ano, por volta de 17:00 horas, os agentes da polícia federal conseguiram, novamente, acompanhar a saída do mencionado veículo, conduzido por "JHON BUKER" até a chácara de sua propriedade, situada no lote 21, quadra V, loteamento denominado Sopé da Serra.
No dia 16 de fevereiro, por volta das 7:00 horas, "JHON BUKER" saiu da chácara, novamente dirigindo o referido caminhão até as proximidades do Shopping Center Tatuapé, onde uma outra pessoa assumiu a condução do veículo.
O caminhão foi deixado no estacionamento Interpark, localizado na Rua Padre Adelino, n. 450, próximo ao metrô Belém, momento em que os policiais federais, na presença da testemunha Sebastião da Silva e Carlos Alberto Silva de Almeida, efetuaram a prisão em flagrante de PABLO ENRIQUE TORO OLARTE, colombiano. Em seguida, "JHON BUKER" também foi preso, conduzindo a Polícia Federal até o galpão acima referido, onde lograram apreender cerca de 93 (noventa e três) quilos de cocaína.
Prosseguindo nas buscas nos demais imóveis pertencentes à quadrilha, os agentes apreenderam aproximadamente mais 100 (cem) quilos de cocaína.
Mais tarde, na sede da Superintendência da Polícia Federal, o caminhão Kia foi desmontado, tendo sido encontrado sob seu assoalho, cerca de 260 (duzentos e sessenta) quilos de cocaína.
Além destes cinco integrantes, todos ora denunciados, a quadrilha possui mais ramificações em outros Estados, as quais estão sendo investigadas em inquéritos policiais próprios.
Consta, portanto, dos inclusos autos de inquérito policial que todos os cinco indiciados, agindo em concurso e com unidade de desígnios, em data não determinada e tendo como base operacional os locais acima mencionados, associaram-se com o fim de praticar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes.
O indiciado EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA (dentre outros nomes), vulgo "KIKO" é o chefe da associação criminosa, coordenando e determinando a atuação dos demais, tendo esta Capital como sua base de operações.
MAGALLY SANCHEZ VILLOTA é pessoa próxima ao líder, participa ativamente das reuniões, além de ser a responsável pela locação de imóveis para o grupo, firmando contratos de locação em seu nome e, assim, dificultando o trabalho da investigação (cf. fls. 224/227, 228/231, 237/240 e 241/243).
PABLO ENRIQUE TORO OLARTE é o responsável pela entrega dos veículos aos compradores, após a droga já ter sido camuflada nos mesmos, deixando-os em estacionamentos particulares, para serem pegos pelo adquirente da substância entorpecente.
GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo "JHON BUKER", é o responsável pelo armazenamento da droga, preparo dos fundos falsos nos veículos e pelo acondicionamento da droga nos mesmos, entregando-os a PABLO para os trâmites ulteriores da transação.
SÉRGIO ARRUDA FARIA, vulgo "Neguinho", também locava flats em seu nome para distrair a atenção dos agentes policiais (cf. fls. 232), participava ativamente da associação criminosa, realizando contatos com membros de outras ramificações, espalhadas pelo país.
JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, vulgo "Javier", mantinha funções semelhantes a PABLO ENRIQUE, foi visto descarregando o caminhão da marca KIA, placas DFU-6702, que continha cocaína, na Rua Jasmin, quadra 09, casa 06, Ponta D'Areia, São Luiz, Estado do Maranhão, sendo também responsável pelos contatos com outras ramificações no Brasil.
Consta também, que, no dia 16 de fevereiro de 2.002, em horário incerto, todos os cinco indiciados, reunidos em associação criminosa, agindo em concurso e com unidade de desígnios, mantinha em depósito para fins de tráfico, em um galpão situado na Rua Uland, n. 118/122, esquina com a Rua Conde Amadeo Barbeline, bairro Vila Ema, nesta Capital, 86 (oitenta e seis) pacotes, envoltos em embalagem de borracha preta e fita adesiva transparente, 93.530 g (noventa e três mil e quinhentos e trinta gramas) de cocaína, substância entorpecente e que determina a dependência física e psíquica, conforme atestou o laudo de constatação de fls. 13, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Consta ainda que, na chácara constituída pelo lote 21, quadra V, do loteamento denominado "Sopé da Serra", localizada na Cidade e Comarca de Itu, no mesmo dia, também em horário incerto, todos os cinco indiciados, reunidos em associação criminosa, agindo em concurso e com unidade de desígnios, em ação destacada e em contexto fático diverso do armazenamento acima descrito, mantinha em depósito para fins de tráfico, outros 107 (cento e sete) pacotes, envoltos no mesmo tipo de embalagem, contendo 113.145 g (cento e treze mil, cento e quarenta e cinco gramas) de cocaína, substância entorpecente e que determina dependência física e psíquica, conforme atestou o laudo de constatação de fls. 14, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Consta finalmente que, em nova conduta destacada das anteriores, e em contexto fático diverso, os indiciados GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo "JHON BUKER", e PABLO ENRIQUE TORO OLARTE, foram surpreendidos e presos em flagrante, quando transportavam, a pedido, ordem e consentimento de todos os outros três indiciados, sob o assoalho da caçamba do caminhão da marca Kia, placas DFU-6702, chassi KNCSD211217736175, o qual havia sido deixado no estacionamento Interpark, localizado na Rua Padre Adelino, n. 450, próximo ao metrô Belém, 260.270 g (duzentos e sessenta mil, duzentos e setenta gramas) de cocaína, substância entorpecente e que determina dependência física e psíquica, conforme atesta o laudo de constatação de fls. 12, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
JOSE ROMAN MONTAÑO ou COSME DAMA AMENTA RODRIGUES ou JOSE ERNESTO BITENCOURT ou EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA, coordenava e determinava a atuação dos demais, destacando-se como líder do grupo, e, para dificultar o trabalho de investigação policial, fazia uso de documentos ideologicamente falsos, que o identificavam com o falso nome de José Ernesto Bitencourt, conforme consta de fls. 73/77.
Diante do exposto, DENUNCIO a V. EXA.:
1) PABLO ENRIQUE TORO OLARTE, GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo "JHON BUKER", MAGALLY SANCHEZ VILLOTA, JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, vulgo "JAVIER" e SÉRGIO ARRUDA FARIA, vulgo "Neguinho", como incursos no art. 14 e 12, caput, por três vezes, da Lei n. 6.368/76, combinados com o art. 69 do CP, e todos combinados com o art. 29, caput, do Estatuto Repressivo; e
2) JOSE ROMAN MONTAÑO, COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES, EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA ou JOSÉ ERNESTO BITENCOURT, vulgo "KIKO" ou "TONI", como incurso no art. 14 e 12, caput, por três vezes, da Lei n. 6.368/76, combinados com o art. 69 do CP, c.c. art. 62, também do CP, e todos combinados com o art. 29, caput, do Estatuto Repressivo, bem como incurso no art. 304 do CP.

A denúncia foi recebida pelo Juízo Estadual em 14/03/2002 (fls. 294/295).

O processo foi suspenso em relação ao corréu JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, nos termos do artigo 366 do CPP (fl. 461).

Após regular instrução, o Juízo Estadual declinou da competência para a Justiça Federal por se tratar de tráfico internacional de drogas (fls.1051/1054), originando-se os autos n. 2002.61.81.006089-7, tendo o Juízo da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, em 23/10/2002, ratificado todos os atos anteriormente praticados nos autos (fls. 1139/1144).

O Ministério Público Federal aditou a denúncia para requerer a aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 18, inciso I, da Lei n.6.368/76 (fls. 1146/1150).

3. Em atenção à decisão de fls. 1144, considerando que, conforme narra a exordial acusatória, a) os acusados pertencem a uma "poderosa associação internacional voltada à prática do narcotráfico" (sic fls. 03); b) que os acusados "agindo em concurso e com unidade de desígnios, em data não determinada e tendo como base operacional os locais acima mencionados, associaram-se com o fim de praticar o delito de tráfico ilícito de entorpecentes" (sic fls. 06) e c) que os acusados "mantinham em depósito para fins de tráfico, em um galpão situado na Rua Uland, n° 118/122, esquina com a Rua Conde Amadeo Barbeline, bairro Vila Ema, nesta Capital, 86 pacotes, envoltos em embalagem de borracha preta e fita adesiva transparente, 93.530 g (noventa e três mil e quinhentos e trinta gramas) de cocaína" (sic fls. 07), bem como o reconhecido aspecto de tráfico com o exterior, encontra-se claramente caracterizada a causa de aumento prevista no artigo 18, I da Lei 6.368f76, a qual deve recair sobre todos os acusados, razão pela qual o MPF adita a denúncia, para que seja considerada a causa de aumento no momento da sentença com relação a cada um dos denunciados.

O aditamento à denúncia foi recebido em 30/10/2002 (fls.1152/1153).

Após, sobreveio sentença da lavra da MM. Juíza Federal Silvia Maria Rocha, publicada em 21/01/2003 (fls. 1350/1376), que determinou o desmembramento dos autos em relação ao corréu JOSÉ HENRY, considerada a suspensão do processo quanto a ele, nos termos do artigo 366 do CPP (fls. 461, 1144 e 1361), bem como julgou procedente a denúncia para condenar:

a) EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHEVARRIA à pena de 53 (cinqüenta e três) anos de reclusão, em regime integral fechado, e ao pagamento de 1186 (um mil, cento e oitenta e seis) dias-multa, no valor unitário mínimo, por violação aos artigos 12 e 14 (três vezes) e 18, inciso I, todos da Lei n.6.368/76, em concurso material com o delito descrito no artigo 304 do Código Penal;

b) PABLO ENRIQUE TORO OLARTE à pena de 21 (vinte e um) anos e 04

(quatro) meses de reclusão, em regime integral fechado, bem como ao pagamento de 480 (quatrocentos e oitenta) dias-multa, no valor unitário mínimo, por violação aos artigos 12, 14 (três vezes) e 18, inciso I, todos da Lei n.6.368/76, em concurso material de delitos;

c) GERSON AUGUSTO DA SILVA à pena de 37 (trinta e sete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime integral fechado, e ao pagamento de 960 (novecentos e sessenta) dias-multa, no valor unitário mínimo, por infração aos artigos 12, 14 (três vezes) e 18, inciso I, da Lei de Entorpecentes, combinado com o artigo 69, do Código Penal;

d) MAGALLY SANCHEZ VILLOTA à pena de 32 (trinta e dois) anos de reclusão, em regime integral fechado, e ao pagamento de 960 (novecentos e sessenta) dias-multa, no valor mínimo legal, pelo cometimento dos crimes definidos nos artigos 12, 14 (três vezes) e 18, inciso I, todos da Lei n.6.368/76, em concurso material de delitos;

e) SERGIO ARRUDA FARIA à reprimenda de 32 (trinta e dois) anos de reclusão, em regime integral fechado, e o pagamento de 960 (novecentos e sessenta) dias-multa, no valor mínimo legal, pelo cometimento dos crimes definidos nos artigos 12, 14 (três vezes) e 18, inciso I, todos da Lei n.6.368/76, em concurso material de delitos.

A sentença transitou em julgado para o MPF em 31/01/2003, conforme certificado à fl. 1585.

À fl. 1587 foi determinando o desmembramento dos autos em relação ao acusado SERGIO ARRUDA FARIA, considerando que o mandado de prisão não havia sido cumprido, originando-se o presente feito.

À fl. 1627 foi determinada a intimação por edital do acusado Sérgio, acerca da sentença condenatória.

A sentença transitou em julgado para o corréu Sérgio em 08/12/2003, conforme certificado à fl. 1640.

À vista da notícia da prisão de Sérgio (fl. 1680), foi determinada a expedição da guia de recolhimento (fls. 1683/1684).

Às fls. 1701/1710 sobreveio notícia acerca da concessão da ordem pelo E. STJ, nos autos do HC 83.674 impetrado em favor do corréu Eduardo, para anular o julgamento efetuado na ação penal n. 2002.61.81.006089-7, por inobservância do rito da Lei n. 10.409/2002, com extensão dos efeitos do julgado aos corréus condenados, para que seja ofertada aos acusados a possibilidade de oferecimento de resposta preliminar antes do recebimento da inicial acusatória.

Às fls. 1719/1720 sobreveio telegrama do STJ comunicando ter deferido o pedido de pedido de extensão no HC 70.217 formulado em favor da corré Magally, determinando seja reestruturada a pena aplicada nos autos 2002.61.81.006089-7, sob o entendimento de que os três crimes de tráfico constituem um único crime de tráfico, estendendo-se a decisão aos demais corréus (fls. 1733/1738).

Às fls. 1744/1747 sobreveio decisão do STJ julgando prejudicado o RESP n. 887.847 interposto pelo corréu Gerson, para que seja cumprida a ordem concedida no HC 83.674.

O Juízo Federal da 10ª Vara Criminal de São Paulo determinou o cumprimento da decisão do STJ no HC 83.674, reiniciando-se a ação penal (fls. 1755/1756).

À fl. 1774 sobreveio telegrama do STJ comunicando a concessão do pedido de extensão no HC 83.674 ao corréu Sergio Arruda.

Após a apresentação da defesa preliminar pelo réu (fls. 1783/1788), a denúncia foi recebida em 14/03/2008 (fls. 1803/1804).

Após regular instrução, sobreveio sentença da lavra do então MM. Juiz Federal Nino Oliveira Toldo, publicada em 03/11/2010 (fls. 2177/2184 e 2185), que julgou parcialmente procedente a denúncia para, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP, absolver o réu SERGIO ARRUDA DE FARIAS da imputada prática do crime do artigo 12, c.c. o artigo 18, I, da Lei n. 6.368/76, bem como para condená-lo à pena de 05 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, pela prática do crime do artigo 14 da Lei n. 6.368/76, c.c. o artigo 40, I, da Lei n. 11.343/06.

A sentença transitou em julgado para o Ministério Público Federal, conforme certificado à fl. 2199.

Apela o réu SÉRGIO (fls. 2191/2196) postulando sua absolvição por ausência de provas para a sua condenação, sustentado, em síntese:

a) que não poderia ter praticado crime em São Paulo, pois, na época, estava matriculado e frequentava aulas do curso de Direito na Universidade Nova Iguaçu (nos anos de 2001 e 2002), além de ter atuado como conciliador junto ao TJRJ no período de 13.02.2002 a 04.02.2004, tendo ainda frequentado a Escola de Administração, com certificado expedido;

b) para a configuração do crime de associação para o tráfico é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo, o que foi constatado no presente caso;

c) subsidiariamente, pede "seja revista a pena, impondo-se a diminuição da pena, pois é que se fará a devida JUSTIÇA".

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 2204/2211 pelo desprovimento do recurso defensivo, mantendo-se a r. sentença nos seus exatos termos.

A Procuradoria Regional da República, em manifestação da lavra da Dra. Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, opinou pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 2247/2250).

É o relatório.

Ao MM. Revisor.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002640-33.2003.4.03.6181/SP
2003.61.81.002640-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : SERGIO ARRUDA DE FARIAS
ADVOGADO : RJ072600 JOSE LUIZ SOARES DA SILVA
CODINOME : SERGIO ARRUDA FARIA
: SERGIO ARRUDA DE FARIA
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : GERSON AUGUSTO DA SILVA (desmembramento)
: MAGALLY SANCHEZ VILLOTA (desmembramento)
: JOSE HENRY PEREZ GARCIA (desmembramento)
: PABLO ENRIQUE TORO OLARTE (desmembramento)
: EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA (desmembramento)
CODINOME : JOSE ROMAN MONTANO
: COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES
: JOSE ERNESTO BITENCOURT
No. ORIG. : 00026403320034036181 10P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O Sr. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O acusado Sergio Arruda de Farias foi denunciado e condenado, juntamente com outros corréus, pela prática dos crimes de tráfico internacional de drogas e associação para o tráfico, sendo o feito foi desmembrado em relação a Sérgio, pois, na fase de execução, não havia sido encontrado.

Após o reconhecimento da nulidade absoluta do processo, por inobservância do rito previsto na Lei n. 10.409/02 (STJ, HC 83.674), a ação penal foi reiniciada e, ao final, SERGIO ARRUDA foi condenado pelo crime de associação para o tráfico internacional de drogas, sendo absolvido do crime de tráfico internacional de drogas.

Apela o réu Sergio sustentando, em síntese, ausência de provas da autoria delitiva, bem como da estabilidade e permanência, necessárias para a configuração do crime. Subsidiariamente, pede a redução da pena imposta.

O recurso comporta parcial provimento.

Consta da denúncia que, entre meados de 2001 a 2002, Sergio Arruda teria se associado com os demais corréus para a prática do crime de tráfico internacional de drogas.

Alega a defesa que, nesse período, o acusado Sérgio não poderia ter praticado crime na cidade de São Paulo, pois, à época, estava matriculado e frequentava aulas do curso de Direito na Universidade Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro; atuou como conciliador junto ao TJRJ no período de 13.02.2002 a 04.02.2004; e ainda frequentou a Escola de Administração, com certificado expedido pelo TJRJ.

Não procede a alegação da defesa.

Inicialmente, destaco que está sendo imputada a participação de Sergio na quadrilha liderada por JOSE ROMAN MONTAÑO, COSME DAMIAN AMENTA RODRIGUES, EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA ou JOSÉ ERNESTO BITENCOURT, também conhecido por "KIKO" ou "TONI", ao menos entre o período de 03/06/2001, quando da apreensão da cocaína no Estado de Maranhão, até a deflagração da Operação Mar Aberto, em 16/02/2002.

Dessa forma, a declaração de fl. 511 e o documento de fl. 2197 de que o acusado Sério teria atuado como conciliador junto ao TJRJ no período de 13.02.2002 a 04.02.2004 não se revelam pertinente ao caso, pois não são contemporâneos aos fatos imputados ao acusado.

Quanto ao certificado de fls. 1958 e 2198, que indicaria que o réu teria participado do treinamento para conciliadores no período de 14/11/2001 a 07/12/2001 na Escola de Administração do TJRJ, não é suficiente para afastar a autoria delitiva, dado que está sendo imputado ao acusado o crime de associação para o tráfico, ao menos a partir de 03/06/2001, quando da apreensão de 33 quilos de cocaína no Estado do Maranhão, que estavam na posse de Joaquim de Almeida Lima, Daniel Antônio da Silva, Domingos Macário Souza e Miguel dos Santos Pereira Filho, que seria recepcionada e distribuída na Espanha pelo acusado Sérgio (fl. 227).

Por fim, o ofício da Universidade Nova Iguaçu de fls. 1953/1954 indica que o réu cursou até o 9º período do curso de Direito, no primeiro semestre de 2002, e que teve duas faltas no segundo semestre de 2001 e frequência integral no primeiro semestre de 2002. Contudo, tal documento não tem o condão de afastar a autoria delitiva quanto ao crime de associação para o tráfico internacional de drogas, uma vez que o fato de o acusado residir no Rio de Janeiro não o impediu de realizar viagens para São Paulo, onde constantemente se encontrava com o réu Kiko no Parthenon The Privilege Flat em Moema, bem como de ter alugado pessoalmente um apartamento na Travessa Ouro Branco, nos Jardins, onde eram realizados encontros entre os membros da associação criminosa.

Destarte, o próprio acusado confirmou ter alugado um flat na Travessa Ouro Branco, n. 129, apartamento 606 do condomínio Madison Plaza serviço, no bairro Jardins, onde informou ter residido por mais de um mês com amigo de nome Joaquim Almeida de Lima. Consoante se verifica do contrato de locação de fls. 248/252, o contrato teve início em 30/04/2001, com previsão de término em 30/10/2001, e possibilidade de prorrogação.

Alega a defesa que Sérgio conhecia apenas Joaquim de Almeida e que, depois de desistir de abrir uma fábrica de bexigas, voltou ao Rio de Janeiro, deixando o flat alugado em seu nome com Joaquim, pois este estava com restrição no SPC. Quanto ao ponto, verifico que o acusado Sergio apresentou várias versões sobre o motivo da locação desse imóvel.

Ao ser interrogado perante juízo estadual, Sergio disse ter emprestado seu nome para que seu amigo, que era policial federal de nome Joaquim Almeida, pudesse alugar o apartamento, pois ele estava com nome sujo no SPC. Contou que Joaquim era quem pagava o aluguel e que Joaquim pediu para alugar o apartamento, pois iria voltar para a Polícia Federal e iria trazer sua família para morar com ele (fls. 636/639).

Interrogado perante o Juízo Federal do Rio de Janeiro, o acusado Sergio alterou a versão dos fatos para afirmar que foi convidado por Joaquim de Almeida, que conheceu em Recife, para abrir uma fábrica de "bolas de encher" em São Paulo, razão pela qual alugou esse apartamento na Travessa Branco. Disse que o negócio não deu certo e retornou para o Rio de Janeiro, tendo Joaquim permanecido no imóvel (fls. 1932/1933):

Que o interrogando nasceu no RJ e sempre residiu nesta cidade; que não conhece nenhum dos acusados; que não residiu em São Paulo e não tem interesse em São Paulo; que não conhece o galpão situado à Rua Uland, 118/122; que levado por Joaquim de Almeida, que conheceu em Recife, através de um amigo comum conhecido pelo apelido "galego" no Cais do Porto, foi o interrogando para São Paulo a fim de abrir uma fábrica de bolas de encher, alugando para tanto um apartamento; que a locação foi ajustada pelo próprio interrogando; que Joaquim de Almeida dividia o apartamento com o interrogando; que como as coisas não andaram bem, o interrogando deixou São Paulo, alertando Joaquim de Almeida para o fato de que o apartamento estava alugado no nome do interrogando; que o interrogando não sabe o que houve, mas um ano depois estava respondendo à presente ação penal; que o interrogando nunca mexeu com tóxico; que nunca foi preso nem processado. Aos esclarecimentos do MPF, respondeu que o interrogando é aquaviário; que trabalhou toda a vida na força nacional de petroleiros; que o último contrato do interrogando foi com a TRANSPETRO; que a função do interrogando é de bombeador mecânico; que quando aceitou a ida a São Paulo para estabelecer negócio com Joaquim de Almeida, que desapareceu depois do ajuizamento da ação penal, o interrogando estava afastado cursando a faculdade de Direito; que melhor esclarecendo, o interrogando estava desempregado ao tempo; que esteve embarcado quase a vida toda. (...) Que o primeiro embarque do interrogando foi em 1/10/1982 pela FRONAPE; que em 2001 e 2002 o interrogando se achava no Rio de Janeiro, cursando a faculdade de Direito da Universidade de Nova Iguaçu (UNIG), no 9° período; que nessa época tomou conhecimento do ajuizamento da ação penal; que por desídia de seu procurador judicial fora condenado a 30 (trinta) anos de reclusão.

Consideradas as modificações introduzidas pela Lei n. 11.719/2008 no CPP, o acusado Sérgio manifestou desejo de ser novamente interrogado (fl. 2036), ocasião em que ratificou integralmente o depoimento prestado perante o Juízo Federal do Rio de Janeiro em 02/04/2008. Confirmou ter alugado o apartamento 606 da Travessa Ouro Branco, juntamente com o amigo ex-policial federal de nome Joaquim, com o intuito de abrir uma empresa de balão. Disse que, na época, era estudante de direito no Rio de Janeiro e como o negócio do balão não prosperou, retornou para o Rio de Janeiro. Contou ter permanecido pouco mais de um mês em São Paulo e que não teve como se manter na capital, tendo retornado para seu Estado. Narrou que, nesse período, apenas ele e Joaquim de Almeida frequentavam o apartamento. Disse ainda que Joaquim estava afastado da Policia Federal (mídia de fl. 2040).

No entanto, a defesa não fez prova de suas alegações, deixando de arrolar qualquer testemunha que demonstrasse que Joaquim pretendia ser reintegrado à Polícia Federal ou que pretendesse trazer sua família a São Paulo, ou ainda qualquer documento relativo ao suposto negócio com a empresa de balões (art. 156 do CPP).

Ademais, não se revela crível que o acusado Sérgio, estudante do 9º período de direito, deixe um imóvel alugado em seu nome para que outra pessoa lá resida, sem nenhuma garantia de continuidade do pagamento dos alugueis, especialmente porque essa pessoa já estava com restrição no SPC.

E conforme bem mencionado no parecer da Procuradoria Regional da República, "não é razoável que alguém intente, principalmente em uma cidade ignota para o empresário, 'abrir uma fabrica de bolas de encher', locando, para tanto, de pronto, antes mesmo de quaisquer preparativos, um apartamento de luxo em bairro de classe alta da capital paulista, sem sequer realizar previas negociações atinentes ao empreendimento. Não é de se esperar que se realize um investimento dessa monta por um pessoa com discernimento comum, ainda mais em se cuidando de um estudante de direito, então, no 9º (nono) semestre da faculdade, como o acusado, senão que se trate de um argumento falacioso" (fl. 2249v).

Aduza ainda a defesa que, para a configuração do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo, o que foi constatado no presente caso.

Não assiste razão à defesa.

É certo que para a caracterização do crime tipificado no artigo 14 da Lei 6.368/76 é necessária a presença dos seguintes elementos: - duas ou mais pessoas; - acordo prévio dos participantes; - vínculo associativo duradouro; - finalidade de traficar substâncias entorpecentes ou que causem dependência física ou psíquica.

Segundo a lição de Guilherme de Souza Nucci, in "Leis Penais e Processuais Penais Comentadas", 7ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, vol. 1, o tipo "demanda a prova de estabilidade e permanência da mencionada associação criminosa" e que "não há necessidade de haver habitualidade, ou seja, não se demanda o cometimento reiterado das figuras típicas descritas nos arts. 33 e 34, bastando a associação com o fim de cometê-los". Nesse sentido também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"HABEAS CORPUS. PACIENTES CONDENADOS POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 35 DA LEI 11.343/2006. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM DE QUE TERIA HAVIDO ASSOCIAÇÃO EVENTUAL. NECESSIDADE DE ESTABILIDADE OU PERMANÊNCIA PARA A CARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EXISTENTE. ABSOLVIÇÃO QUANTO À ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONCESSÃO DA ORDEM.
1. Diante da expressão "reiteradamente ou não", contida no caput do artigo 35 da Lei 11.343/2006, há que se perquirir se para a configuração do delito de associação para o tráfico basta a convergência ocasional de vontades ou a eventual colaboração entre pessoas para a prática delituosa, ou se é necessário, tal como no crime de quadrilha ou bando previsto no Código Penal, que a reunião se dê de forma estável.
2. Para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006. Doutrina. Precedentes.
3. As instâncias de origem, tendo reconhecido que a reunião dos pacientes teria sido eventual, a admitiram como apta a configurar o delito de associação para o tráfico, o que contraria a interpretação majoritária que tem sido conferida ao tipo do artigo 35 da Lei de Drogas.
4. Não havendo qualquer registro, quer na denúncia, na sentença condenatória, ou no aresto que a confirmou, de que a associação dos pacientes teria alguma estabilidade ou caráter permanente, não há que se falar no delito de associação para o tráfico, estando-se diante de mero concurso de pessoas.
5. Ordem concedida apenas para absolver os pacientes do delito de associação para o tráfico, mantendo-se, quanto ao mais, a sentença condenatória prolatada na origem"
(STJ, HC 137471/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/09/2010, DJe 08/11/2010)

No entanto, no caso em tela, o conjunto probatório demonstra claramente a associação estável dos acusados SERGIO ARRUDA DE FARIAS, vulgo "Neguinho", EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA, vulgo "Kiko" ou "Tony", MAGALLY SANCHEZ VILLOTA, PABLO ENRIQUE TORO OLARTE, GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo "Jhon Buker" e JOSÉ HENRY PEREZ GARCIA, vulgo "Javier", entre 2001 e 2002, em organização criminosa voltada para a prática reiterada do crime de tráfico internacional de drogas entre Bolívia, Brasil e Espanha.

No período das investigações, a autoridade policial logrou realizar as seguintes apreensões de cocaína, todos pertencentes ao traficante conhecido como Kiko e/ou Tony, chefe da quadrilha:

a) 03/06/2001: 33 quilos no Maranhão, que iriam para a Espanha (fl. 227);

b) 30/08/2001: 60 quilos na Nigéria, com destino a Togo (fls. 229/231), camufladas em uma caldeira de utilizada para produção de vapor;

c) 30/08/2001: 222 quilos no Porto de Santos, escondido em 11 geladeiras-freezers, que deveria ser exportada para Espanha (fls. 231/232);

d) 05/01/2002: 45 quilos na cidade de Vitoria/ES, escondida no veiculo pick up Corsa;

e) 25/01/2002: 44 quilos no Rio de Janeiro escondida em van;

f) 56 quilos de cocaína com Simone.

g) 16/02/2002: 208 quilos no veleiro Avalon Neuw Spoort, em Maranhão;

h) 15/02/2002: 260,27 quilos camuflados no caminhão Kia;

i) 16/02/2002: 93,53 quilos no galpão da Vila Ema;

j) 16/02/2002: 113,145 quilos na chácara do Sopé da Serra.

No presente caso, está sendo apurada a autuação da quadrilha quanto às apreensões mencionadas nos itens "a", "i" e "j".

Restou demonstrado nos autos a divisão de tarefas entre os membros da organização criminosa, conforme depoimento da testemunha de acusação Fernando de Souza Santos (fl. 657):

O Jhon Bucker, a função dele na quadrilha era armazenar a droga, alugar depósitos, sítios, essas coisas, para guardar a droga, armazenar e fazer o transporte do local para o estacionamento. No estacionamento ele saía fora, essa era a função dele. Os outros integrantes da quadrilha que nós interrogamos falaram que ele era um brasileiro e que só ele sabia o acesso até o depósito. Todas as entregas foram comandadas por ele. O José Roman era o líder do grupo, tudo girava em torno dele ele fazia os acertos do dinheiro, tudo era por conta dele, contatos com o exterior era ele quem fazia. Ela, a mulher, era auxiliar dele, foi vista várias vezes com ele, em todos os encontros ela estava presente e ela atuava também na função de alugar imóveis para ele. Como ele já foi preso com nome falso, anteriormente, tinha medo de ser localizado, não usava o nome dele Através das investigações nós descobrimos que ele tinha sido preso no Rio de Janeiro e a gente não sabia qual o nome, ele usava vários documentos. Então, como os outros são colombianos, o pessoal fica meio cismado, então era a Magali quem alugava os imóveis e isso dificultava a gente localizar ele pelo nome que ele estava usando. A função dela era alugar os imóveis para facilitar a operação. (...) Ele (aponta para o réu Sérgio), era o Sérgio Arruda, ele era responsável pelos embarques, sempre que havia um embarque para o exterior, o José Roman contatava com ele, ele vinha para São Paulo. Ele já foi marinheiro, ele recepcionava a droga no exterior. A função dele era essa. O Enrique, ele tomava conta dos carros da quadrilha, manutenção, ele que pagava o Jhon Buker.(...) A partir do momento que o Jhon Buker deixava os carros com o fundo falso no estacionamento, o Enrique pegava o ' ticket' e passava para a pessoa, o possível comprador. Toda vez que tinha essa intermediação, era o Enrique que fazia. (...) O José Henry (...) fazia o mesmo papel que Enrique, os dois moravam juntos. O Sérgio Arruda alugava os imóveis para os colombianos, eles eram os peões, eles pegavam a droga, guardavam, tudo. Eles ficavam no apartamento alugado por ele, eles residiam lá. Então, houve uma denúncia também em relação a esse apartamento, na rua, acho que Ouro Branco, perto da Rua Pamplona. Todos os colombianos que trabalhavam como peões, todos moravam no mesmo apartamento que ele morou. (...) Ele vinha sempre para São Paulo e todos os colombianos envolvidos nas operações moravam nesse apartamento." (fls. 655/659)

No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha de acusação Wellington Fonseca, (fls. 681/682):

J: Qual foi a participação de cada qual aqui:
D: O Kiko é o gerente da organização em São Paulo, ele gerencia a carga dos colombianos e outras pessoas diferentes, ele contrata funcionários como o Jhon Buker, por exemplo, Javier, Pablo que trabalhavam para ele. Essas pessoas normalmente são responsáveis por locar imóveis, veículos, cuidar desses veículos e a entregas eram preparadas por eles. Determinadas entregas eram preparadas por Kiko e eles fazem as entregas. Normalmente utilizando-se do sistema de receber um veiculo das mãos de alguém, eles vão ate o local, recheiam o veiculo, retornam, deixam no estacionamento, entregam o "ticket' e as chaves do estacionamento para uma outra pessoa que vi lá e retira o veiculo. (...)
J: e a Dona Magali, qual foi a participação dela?
D: Ela também participava do controle financeiro.
J: Foi apreendida alguma coisa com ela, alguma anotação?
D: Sim, anotações, telefones de pessoas, algumas anotações.
J: E a respeito da locação dos apartamentos?
D: Exatamente, eles estavam sendo locados por ela para poder dificultar a investigação. Ele, sempre que fazia uma venda, uma coisa grande, ele mudava de endereço. Ele mudava muito de endereço, ele fazia uma entrega e já mudava de endereço. Esses locais eram sempre locados por terceira pessoa ou por fantasma. A Magali é umadas pessoas que efetuava essas locações.

Embora o acusado Sergio tenha afirmado em juízo que conhecia apenas Joaquim de Almeida, a testemunha de acusação Fabio Alves da Costa, funcionário da recepção do condomínio Madison Plaza presenciou diversas pessoas da associação criminosa entrando no flat.

Ao ser ouvido na fase policial, Fabio Alves da Costa disse que, além de Sergio e Joaquim, frequentavam o apartamento do condomínio Madison Plaza Service as pessoas de Pablo, Tony/Kiko, Aldo, Gerson, Javier (fl. 215):

Que em relação ao apartamento 606, cuja estadia era paga por PABLO HENRIQUE TORO OLARTE, cuja foto reconhece neste ato, e que se identificava como "Gilberto"; que o referido apartamento também era frequentado por JOAQUIM ALMEIDA DE LIMA, vulgo "Almeidinha ou Arataca" que neste ato reconhece através da foto que lhe é apresentada, tomando conhecimento de que o mesmo é um ex-policial federal, que foi preso no dia 03.06.2001 no Estado do Maranhão com cerca de 33 kg de cocaína; que, também reconhece as fotos de JOSÉ ROMAN MONTANO, COSME DAMIAM AMENTA RODRIGUES, JOSE ERNESTO BITENCOURT e EDUARDO ANTONIO ARISMENDY ECHAVARRIA, que conhecia pelo nome de TONY, frequentador assíduo do citado apartamento; que também reconhece a foto de ALDO DUARTE JUNIOR, também frequentador do apartamento, que neste ato toma conhecimento de que o mesmo foi preso no dia 05.001 do corrente ano, na cidade de Vitoria/ES, com cerca de 45 kg de cocaína escondidas no interior do veiculo Pick-up corsa, cor azul, de placas GRP3932, verificando também neste ato a foto m que ALDO aparece ao lado de PABLO, encostados no citado veiculo; que reconhece as fotos de GERSON AUGUSTO DA SILVA, vulgo "JOHN BUKER", como também sendo de pessoa que frequentava o apartamento 606; que reconhece as fotos de JOSE HENRY PEREZ GARCIA, vulgo "Javier", também frequentador do local; que finalmente reconhece a foto de SERGIO ARRUDA FARIA, vulgo "Neguinho"; que o depoente se recorda ainda que toda vez que TONI comparecia ao condomínio, para se hospedar, o grupo que na ocasião ocupava o apartamento 606, se dirigia ao prédio do Flat COLUMBIA, localizado em frente ao MADISON.

Ao ser ouvido como testemunha de acusação na fase estadual, Fabio Alves da Costa reconheceu o acusado Sergio Arruda, que estava presente na audiência, como a pessoa que morava no prédio, disse que Joaquim Almeida frequentava com frequência o apartamento, que das fotos apresentadas pelos policiais federais reconheceu alguns;, que além de Sergio e Joaquim, outros eventualmente apareciam. Reconheceu a fotografia de Pablo, que se apresentava como Gilberto, que morou no prédio (fl. 214), que a pessoa da fotografia de fl. 218 estava como Pablo (de óculos); disse que o Sergio é a pessoa da fotografia de fl. 219. Disse ainda que recebeu ameaças para não dizer a verdade em juízo, que se sentiu intimidado, mas que contou o que sabia (fls. 641/649).

Inquirido novamente como testemunha de acusação, Fabio Alves da Costa confirmou em juízo o depoimento de fls. 641/649, afirmando que trabalhou no condomínio Madison Plaza, reconheceu frequentadores do condomínio, disse que o réu Sergio está parecido, com cabelo branco (mídia de fl. 2040).

No mesmo sentido foram os depoimentos dos policiais que efetuaram vigilância no flat Madison e no Flat Parthenon. Questionado sobre a participação de Sérgio Arruda Faria, a testemunha de acusação Fernando de Souza Santos afirmou:

"Nós encontramos ele, algumas vezes, nos mesmos Hotéis que o José Roman se hospedava, ele se hospedava também, se hospedavam juntos. Vimos eles várias vezes encontrando com o José Roman. Como eles faziam muito tráfico internacional, a gente mantinha contato com outros países nos quais a droga ia. (...) O Sérgio era muito viajado, ele ia sempre para o local onde a droga ia. Geralmente, eles mandavam para a Espanha, onde eles mandavam a mercadoria, uma vez mandaram para Tóquio. Veio relatório de Tóquio, aí nós mantivemos contato com o pessoal de Tóquio sobre um apreensão de mercadorias, de cocaína (..) Sempre quando tinha muito movimento é porque tinha entrega para fazer. Todas as vezes as entregas que nós conseguimos identificar, quando tinha entrega para fazer, o Sérgio vinha para São Paulo e mantinha contato, aí descobrimos que ele já foi marinheiro, tinha acesso às embarcações. (..) Ele (aponta para o réu Sérgio), era o Sérgio Arruda, ele era responsável pelos embarques, sempre que havia um embarque para o exterior, o José Roman contatava com ele, ele vinha para São Paulo. Ele já foi marinheiro, ele recepcionava a droga no exterior. A função dele era essa. (..) O Sérgio Arruda alugava os imóveis para os colombianos, eles eram os peões, eles pegavam a droga, guardavam, tudo. Eles ficavam no apartamento alugado por ele, eles residiam lá. Então, houve uma denúncia também em relação a esse apartamento, na rua, acho que Ouro Branco, perto da Rua Pamplona. Todos os colombianos que trabalhavam como peões, todos moravam no mesmo apartamento. (...) Ele vinha sempre para São Paulo e todos os colombianos envolvidos nas operações moravam nesse apartamento." (fls. 655/659)

A testemunha de acusação Wellington Fonseca explicou a fotografia de fl. 219 e narrou que Sergio constantemente se encontrava com Kiko (fl. 684):

MP: Esse da foto de folhas 218: quem esta com quem e em que local foi tirada?
D: nessa foto de fl. 219, esse que está de "pulôver" é o motorista do taxi, ao lado dele está o Sergio. Na porta do hotel, do flar onde ele estava hospedado, inclusive, ano sei se foi no mesmo dia, o Kiko estava lá. Vimos ele varias vezes com o Sérgio.

Quanto ao acusado Sergio, restou apurado nos autos que sua atuação não se limitou à locação do apartamento utilizado pelos traficantes.

Conforme apurado no Relatório Circunstanciado referente a "Operação Mar Aberto" às fls. 227/239, o acusado Sérgio também era responsável pela recepção e distribuição da droga no exterior:

No dia 03/06/2001, a DELEPREN/SR/DPF/MA, efetuou a prisão em flagrante dos brasileiros, JOAQUIM DE ALMEIDA LIMA vulgos "ALMEIDINHA" e "ARATACA", DANIEL ANTONIO DA SILVA vulgo "ACEROLA", DOMINGOS MACÁRIO SOUZA vulgo "MACÁRIO" e MIGUEL DOS SANTOS PEREIRA FILHO vulgo "MISCARREL" (IPL 563/2001- SR/DPF/MA). Na oportunidade, foram apreendidos com o grupo cerca de 33 kg (trinta e três quilos) de cocaína, que, segundo eles, seriam entregues a um marítimo no porto de Itaqui/SL/MA, que a levaria para a Espanha onde seria recepcionada por outro brasileiro identificado como SÉRGIO ARRUDA FARIA, vulgo "NEGUINHO". ACEROLA informou que referida "mercadoria" pertencia a um elemento de nacionalidade colombiana, residente em São Paulo/SP, de nome "JOSÉ MONTEIRO" e lhe foi entregue em São Paulo/SP, a mando de citado elemento. ALMEIDINHA confirmou a informação dizendo que conhecia "JOSÉ MONTEIRO" pelo apelido de "TONY", e que ele, ALMEIDINHA, juntamente com MACÁRIO, seria o responsável pelo recebimento da cocaína em São Luis/MA.
Confrontando as informações acima com as já obtidas pelo GAD/DELEPREN/SR/SP, verificamos que o proprietário da cocaína apreendida, tratava-se do elemento conhecido por "TONY" e/ou "KIKO", que utilizava documentação falsa em nome de JOSÉ ROMAN MONTAÑO, nacionalidade Boliviana, e residia clandestinamente, no apartamento 606, do CONDOMÍNIO MADISON PLAZA SERVICE, Rua Ouro Branco, n° 129, Bairro Jardins, São Paulo/SP, juntamente com JOAQUIM DE ALMEIDA LIMA, tendo como locatário do imóvel, SERGIO ARRUDA FARIA (documentação anexa).
Intensificando a vigilância em tomo de "KIKO", observamos que após a apreensão no Maranhão o mesmo se mudou, passando a residir em Flats, tendo sido localizado no dia 02/07/2001 no PARTHENON - THE PRIVILEGE FLAT, Rua Macuco, 679, apartamento 1606, Bairro Moema - SP/SP, encerrando sua conta no dia 18/08/2001. Utilizava o veiculo GM/BLAZER-EXECUTIVE, cor preta, placas COV-7776. Pesquisando junto a rede de FLATS PARTHENON, tomamos conhecimento que SERGIO ARRUDA FARIA, CPF n° 546.757.587-20, residência Rua Mario Pena Fort, n° 65, CEP-26100.00, Rio de Janeiro/RJ, telefone de contato n (021) 2696-2911, instalado na Rua Zeferino n° 830, Edson Passos/Mesquita/RJ, em nome do próprio Sergio, também se hospedava periodicamente no PARTHENON -THE PREVILEGE FLAT, onde foi visto diversas vêzes em companhia de KIKO, passando horas conversando no apartamento que ocupava, conforme informações prestadas pelos funcionários da recepção.

No sentido de que Sérgio seria o responsável pela recepção da droga apreendida no Maranhão na Espanha, registro depoimentos das testemunhas de acusação Wellington Fonseca e Fernando de Souza Santos.

Destarte, o Agente de Polícia Federal Wellington Souza, policial que participou da apreensão no Maranhão, afirmou perante o juízo estadual (fls. 680/687):

D: (...) Na época que a gente fez a apreensão da mercadoria no Maranhão, o Sérgio se encontrava na Espanha, ele que ia receber a mercadoria lá.
J: Essa informação veio como?
D: Essa informação veio através do elemento que foi preso, o "Almeidinha" e também através de investigações efetuadas junto a polícia espanhola. Ele ia para Espanha recepcionar a droga, ele seria o responsável pelo recebimento dessa mercadoria, pela distribuição da mercadoria. Constatamos que o apartamento da Rua Ouro Branco estava locado em nome dele, o Kiko residia lá, o Pablo e o "Javier" que era outro elemento que não conseguimos encontrar.
(...)
Def: Com relação a Sergio, que diz que recebia a droga lá na Espanha, se tem algum fato documentado?
J: O senhor chegou a ver fotos dele recebendo mercadoria, como foi que obteve essa informação?
D: Foi passada ao Sistema de Análise e Inteligência Policial em Brasília, detectou-se que ele estava na Espanha.
Def: Como foi detectado?
D: Não sei a forma que foi detectado, não tenho conhecimento se tem algum documento oficial.
DEf: se durante a investigação a polícia sabia que o Sérgio residia no Rio de Janeiro?
D: Sim
Def: O que ele vinha fazer aqui?
D: Efetuar contato com Kiko, quando tinha uma função a executar no grupo, alguma determinação para ele, uma entrega, para receber mercadoria ou enviar. Ele se hospedava em bons hotéis.

Ao ser ouvido perante o Juízo Federal como testemunha de acusação, Wellington Fonseca confirmou o inteiro teor do auto de prisão em flagrante (fl. 2119).

Nesse mesmo sentido, registro o depoimento da testemunha Fernando de Souza Santos:

Def: O depoente informou que o Sergio Arruda recepcionava a droga no exterior, gostaria de saber como chegou a essa informação?
J: Como foi?
D: Através de investigação, de troca de informação com a policia de outros países. A gente tinha essa informação.
Def: Mas como vocês materializaram isso, mandavam... (...)
D: A gente geralmente checava as passagens aéreas, se tinha reserva no nome dele. Geralmente quando a droga ia para fora, tinha reserva no nome dele para o exterior...
J: Está tudo documentado aqui?
D: Eu acredito que deve ter alguma coisa, porque, como eram vários Estados e ele vinha rodando, morava no Rio de Janeiro, nem todas as informações foram colhidas por nossa equipe.
J: Mas vocês obtiveram alguma informação de que ele efetivamente estava recepcionando?
D: Informação nos tínhamos, a gente trocava ideia com o pessoal nosso de Brasília. Já tinha um grupo para analisar esse caso. Então todas as informações que chegavam a respeito dele, vinha de Brasília, como a chegada dele em São Paulo. Ele sempre se hospedava no mesmo Hotel..." (fls. 662/663)

A testemunha de acusação Aldair da Rocha, Delegado de Polícia Federal ratificou em juízo as declarações constantes do relatório e representação por prisão definitiva de fls. 280/284 e confirmou em juízo que os agentes da Polícia Federal Fernando de Sousa Santos e Wellington Fonseca que participaram das investigações apuraram que Sergio Arruda Faria integrava a quadrilha (fls. 2013/2014):

QUE confirma o teor do relatório de fls. 14/18 da presente precatória (fls. 280/284 dos autos de origem), que lhe foi exibido nesta oportunidade; que na Polícia Federal havia já uma equipe de policiais federais investigando, em São Paulo, a quadrilha integrada, dentre outras pessoas, pelo indivíduo apelidado de "KIKO"; que no caso específico dos autos, o depoente estava de plantão e efetuou a prisão em flagrante de "KIKO", de MAGALLY, que era responsável pela contabilidade da quadrilha, ambos detidos em um flat; que a droga foi localizada em dois locais distintos, salvo engano em um caminhão e em um sítio; que somando tudo, dava em torno de quatrocentos quilogramas de cocaína; que o apartamento em que se efetuou o flagrante e onde havia reuniões e encontros da quadrilha era localizado no bairro dos Jardins, na cidade de São Paulo; que esclarece que os agentes da Polícia Federal tinham várias fotos de pessoas que participavam dos encontros no referido apartamento, dentre os quais o próprio Sérgio Arruda Farias; que havia também fotos tiradas em outros locais, como restaurantes; que com certeza, conforme apurado pelos agentes da Polícia Federal, Sergio Arruda Faria integrava a quadrilha; que salvo engano, o apartamento referido estava no nome de Sérgio; que a participação de Sérgio na quadrilha foi apurada pelos agentes já referidos e até por extratos telefônicos; que Sérgio Arruda não chegou a ser preso no dia em que houve o flagrante de "KIKO" e de Maggally; que os agentes que participaram das investigações referentes à quadrilha do denunciados são os APFs Fernando de Sousa Santos e Wellington Fonseca, os quais têm maiores detalhes sobre os fatos denunciados.

Por fim, registro que os depoimentos prestados por agentes policiais têm valor probatório igual ao de qualquer outra testemunha, conforme dicção do art.202 do CPP.

Verifica-se, in casu, quão coesa e uníssona é a declaração do policial. Idôneo o referido depoimento e, porque coerentes e não desmentidos pelo restante da prova, são suficientes para embasar o decreto condenatório. A condição de policial não torna a testemunha impedida ou suspeita, conforme tranquilo entendimento pretoriano.

Se suspeição houvesse em relação a eles, deveria a defesa ter oferecido contradita quando da oitiva em audiência, que é a forma processual adequada para argüir a suspeição ou inidoneidade de uma testemunha, consoante dispõe o artigo 214, do Código de Processo Penal. Todavia, nada foi requerido a esse respeito. Nesse sentido situa-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS - PRISÃO EM FLAGRANTE - ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL - NULIDADE - INEXISTÊNCIA - PRETENDIDA REPERCUSSÃO SOBRE O PROCESSO E A CONDENAÇÃO PENAIS - INOCORRÊNCIA - REEXAME DE PROVA - INVIABILIDADE - TESTEMUNHO PRESTADO POR POLICIAIS - VALIDADE - PEDIDO INDEFERIDO. IRREGULARIDADE FORMAL DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE - INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO SOBRE O SUBSEQÜENTE PROCESSO PENA L DE CONDENAÇÃO. (...) VALIDADE DO DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DE AGENTES POLICIAIS . - O valor do depoimento testemunhal de servidores policiais - especialmente quando prestado em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão pena l. - O depoimento testemunhal do agente policial somente não terá valor, quando se evidenciar que esse servidor do Estado, por revelar interesse particular na investigação pena l, age facciosamente ou quando se demonstrar - tal como ocorre com as demais testemunhas - que as suas declarações não encontram suporte e nem se harmonizam com outros elementos probatórios idôneos. Doutrina e jurisprudência. (...)
STF, 1ª Turma, HC 73518/SP, Rel.Min. Celso de Mello, DJ 18.10.1996 p.39846

Portanto, ao contrário do sustentado pela defesa, as provas colhidas evidenciam a existência de vínculo associativo estável e permanente entre o acusado SERGIO e os demais acusados de tráfico de drogas, não se tratando de associação eventual. Ficou evidenciado nos autos o ânimo de se associar do acusado SERGIO na complexa organização criminosa, compondo verdadeira societa sceleris voltada para a traficância transnacional e de grande escala de substância entorpecente, não merecendo reparos, nesse ponto, a sentença.

Destarte, deve ser mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no artigo 14 da Lei nº 6.368/1976, c.c. o artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006.

Passo, por conseguinte, à análise da dosimetria da pena.

Pretende a defesa "seja revista a pena, impondo-se a diminuição da pena, pois é que se fará a devida JUSTIÇA".

O Juiz a quo ponderou pela aplicação da Lei n. 6.368/76 e fez incidir nos pontos mais favoráveis a Lei n. 11.434/06, procedendo à combinação de leis. Confira-se (fls. 2183):

Na hipótese dos autos, a aplicação do art. 14 da Lei nº 6.368/1976, no que concerne à capitulação jurídica do delito, alinha-se à máxima tempus regit actum e à regra da irretroatividade da novatio legis in pejus. No que concerne ao preceito secundário, o cenário é diverso, tendo o Supremo Tribunal Federal firmado entendimento, no sentido de que deve ser aplicado ao mencionado tipo penal a pena definida no art. 8º da Lei nº 8.072/1990, que é mais benéfica ao réu . O mesmo ocorre em relação à causa de aumento de pena decorrente da transnacionalidade do delito. A previsão do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 melhor atende aos interesses do acusado, devendo retroagir para alcançar os fatos ocorridos sob a égide da Lei nº 6.368/1976.

Apesar de não se olvidar a orientação da Súmula n. 501 do Superior Tribunal de Justiça que considera descabida a aplicação conjugada das Leis n. 6.368/76 e 11.343/06 no que concerne à dosimetria da pena e determina a aplicação, na íntegra, daquela que resulte pena mais benéfica ao réu, é de se observar a vedação da reformatio in pejus, não tendo a acusação se insurgido quanto ao ponto.

Assim, na primeira fase, o magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 04 anos de reclusão, pelos seguintes fundamentos:

Diante disso, considerando as diretrizes estabelecidas no art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão, acima do mínimo legal, pois o réu, apesar de primário, desempenhava relevante papel na associação criminosa, atuando especialmente no exterior e contribuindo, de forma decisiva, no sucesso das operações idealizadas pelo grupo. Além disso, restou evidenciado o alto grau de organização do grupo e a vultosa quantidade de drogas que movimentavam.

A pena-base é de ser mantida.

Com efeito, as circunstâncias do crime se revelam desfavoráveis ao acusado, considerada a atuação do acusado na associação criminosa, que recepcionava a droga no exterior, mantinha contato direto com o líder da quadrilha e emprestava seu nome para que o grupo alugasse imóveis para se reunirem, aliados à quantidade de droga movimentada pela quadrilha, o que justifica a majoração da pena no patamar estabelecido na sentença

Na segunda fase não foram consideradas circunstâncias agravantes ou atenuantes.

Na terceira fase, aplicável a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I da Lei n.º 11.343/06, porquanto, conforme fundamentado por ocasião da análise da transnacionalidade e autoria, restou amplamente demonstrado que a associação era voltada para a prática de trafico internacional de drogas.

No entanto, entendo que o patamar fixado na sentença, de aumento de 1/3 (um terço), não se justifica pela mencionada "repercussão da atuação do grupo em diversos países".

Quanto ao patamar da causa de aumento da transnacionalidade do delito, observo que o artigo 40 da Lei nº 11.343/2006 apresenta um rol de sete causas de aumento para o crime de tráfico, a serem fixadas em patamar de um sexto a dois terços. Cada uma das causas de aumento descreve circunstâncias de fato que não são mutuamente excludentes (com exceção talvez das constantes dos incisos I e V, cuja aplicação cumulativa é duvidosa).

Dessa forma, entendo que a aplicação da causa de aumento em patamar superior ao mínimo deve ser reservada quando caracterizado o concurso de causas de aumento constantes do aludido artigo 40 da Lei nº 11.343/2006.

No caso dos autos, cogitando-se apenas a internacionalidade ou transnacionalidade do delito, é de rigor a fixação da causa de aumento em seu patamar mínimo de 1/6. Nesse sentido, aponto precedentes desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE CONCESSÃO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. PREJUDICADO IMPUGNAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. MANTIDA NO MÍNIMO LEGAL. ATENUANTE DA CONFISSÃO. RECONHECIDA MAS NÃO APLICADA. SÚMULA 231 DO STJ. MANTIDO PERCENTUAL MÍNIMO DA CAUSA DE AUMENTO DA INTERNACIONALIDADE ... III - Deve ser mantido o percentual mínimo de 1/6 (um sexto) da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 (internacionalidade ), vez que presente uma única causa de aumento de pena....
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 0005407-89.2010.4.03.6119, Rel. Des.Fed. José Lunardelli, j. 24/04/2012, DJe 09/05/2012

Portanto, é de rigor a incidência da causa de aumento do artigo 40, I da Lei 11.343/2006 no patamar de 1/6, resultando na pena de 05 anos e 10 meses de reclusão e pagamento de 583 dias-multa.

Neste ponto, tenho que a fração de aumento se limita ao quantum mínimo, que para Lei n. 11.343/06, mais favorável, consiste em 1/6 (um terço), o que resulta na pena definitiva de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão.

Mantenho o regime semiaberto para o inicio do cumprimento da pena, nos termos do artigo 33, §§2º, "b" e 3º do CP.

Incabível, na hipótese em tela, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos do art. 44, incisos I e III, do Código Penal. Com efeito, além de a pena corporal ser superior ao patamar de 04 anos, os acusados subjetivamente não fazem jus ao benefício, considerando que as circunstâncias judiciais não lhes são favorável, tanto que fixada a pena-base acima do mínimo legal, não se mostrando, ainda, a substituição socialmente recomendável.

Por esses fundamentos, dou parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir o patamar da internacionalidade do delito, resultando na pena definitiva de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto.

É o voto

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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