Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000731-45.2007.4.03.6106/SP
2007.61.06.000731-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : AMADO ANDRE MESSIAS
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007314520074036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor analisar as questões suscitadas durante o julgamento, sobretudo quanto à competência da Justiça Federal e à dosimetria da pena.

Preliminarmente, porém, observo que a conduta imputada ao acusado foi equivocadamente classificada como delito do artigo 317, do Código Penal, corrupção passiva, entretanto, a suposta atuação do réu amolda-se ao tipo penal previsto no artigo 316, do Código Penal, isto é, concussão, consoante se observa da transcrição a seguir:

Concussão
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Com efeito, condicionar o fornecimento de receita médica e guia para realização de exames médicos ao pagamento de consulta equivale a uma exigência e não uma mera solicitação, pois deixar de pagar o quanto exigido coloca em risco a integridade física e a própria vida do paciente, assim, não há possibilidade de escolha por parte da vítima. A doutrina assim tem se manifestado quanto à distinção entre os dois delitos:

"a diferença entre corrupção passiva e concurssão está no fato de que no primeiro crime há solicitação e no segundo, exigência. A solicitação é o pedido, que a vítima atenderá ou não conforme lhe aprouver. A exigência é mais enérgica e causa temor de represália, que leva a vítima a atender e entregar a vantagem" (Júnior, José Paulo Baltazar, Crimes Federais, 11ª edição, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 288)

A despeito do equívoco na classificação da conduta, deixo de promover a correção, uma vez que a pena prevista pelo artigo 317, do Código Penal, vigente à época dos fatos (de 01 a 08 anos) era inferior à disposta no artigo 316 do Código Penal (de 02 a 08 anos).

Em relação à competência da Justiça Federal, o voto do Eminente Relator vem assim fundamentado:

" Inicialmente, anoto que se encontram presentes as condições da ação e os pressupostos para o desenvolvimento válido e regular do processo, tendo o MM. Juiz a quo, com relação à competência, anotado a "inequívoca competência da Justiça Federal" (fl. 120) e, não bastasse isso, o réu era servidor da Previdência Social à época dos fatos (fl. 129), qualificando-se, pois, como funcionário público para fins penais, nos termos do artigo 327 do Código Penal, ressaltando-se, no mais, que a prática do delito de corrupção passiva se deu em virtude das funções exercidas pelo acusado como médico perito do INSS e como médico do SUS, restando evidente a lesão à Administração Pública Federal."

Entretanto, com a devida vênia, o fato de o acusado ser servidor da Previdência Social à época dos fatos não interfere na competência para processamento e julgamento da ação penal, uma vez que a exigência de pagamento de valores para concessão de receita e guia médica ocorreu na condição de médico do SUS e não de perito. Não obstante o médico do SUS seja equiparado ao funcionário público nos termos do artigo 327, §1º do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.983/2000, a exigência de vantagem indevida não acarretou qualquer prejuízo aos cofres da União, pois quem efetivamente realizou o pagamento foi o particular, dessa forma, exsurge-se a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o presente feito.

Nesse sentido é a jurisprudência do C. STJ, consoante arestos que colaciono a seguir:

"PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO. ARTS. 288 E 316 CAPUT, C/C ARTS. 29, 317, CAPUT E 299, CAPUT, TODOS DO CP. AGENDAMENTO DE CONSULTAS E CIRURGIAS PELO SUS. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVESTIGAÇÃO. SIGILO DA PROVA. ACESSO ÀS DILIGÊNCIAS JÁ REALIZADAS. MINISTÉRIO PÚBLICO. PODER DE INVESTIGAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. DENÚNCIA INEPTA. NÃO-OCORRÊNCIA. FUNÇÃO PÚBLICA DELEGADA. DELITO COMETIDO EM CONCURSO COM FUNCIONÁRIO PÚBLICO. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO AFASTADA.
(...)
4. Segundo orientação jurisprudencial desta Corte e do egrégio STF, em casos onde se apura crime de concussão e outros, oriundos da cobrança indevida de valores a pacientes do SUS para a realização de procedimentos médicos, a competência é da Justiça Estadual. Precedentes.
5. A Lei n. 9.983/00, que deu nova redação ao § 1º do art. 327 do CP, esclarece que se equipara a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço, contratada ou conveniada, para a execução de atividade típica da Administração Pública.
(...)
9. Habeas corpus não conhecido."(HC 69.585/RS, Rel. Ministro Néfi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 02/06/2015, DJe 12/06/2015)
"HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. MÉDICO CONVENIADO AO SUS. COBRANÇA INDEVIDA. SUJEITO PASSIVO. BENEFICIÁRIO. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. JUSTA CAUSA. EXISTÊNCIA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. EQUIPARAÇÃO. DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 327, CAPUT, CPP. PRECEDENTES.
1. A Jurisprudência dos Tribunais Superiores já se firmou no sentido de que o delito de concussão, na espécie, tem como sujeito passivo o usuário do serviço público de saúde, e não as entidades de direito público da União responsáveis pelo seu implemento, porquanto não trazem prejuízo a seus bens, serviços ou interesses, sendo competente a Justiça Comum.
2. Com a delegação da função pública de manutenção dos serviços públicos de saúde aos cidadãos beneficiários do SUS, a conduta delitiva se subsume na hipótese do art. 327, caput, do Código Penal.
3. Writ denegado." (HC 30.859/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 05/10/2004, DJ 08/11/2004, p. 254)

Dessa forma, entendo que a competência para processar e julgar o presente feito é da Justiça Estadual. No entanto, tendo em vista já estar vencido nesta questão, consoante tira de julgamento de fl. 462, passo à análise do mérito.

Acompanho o E. Relator quanto à manutenção da condenação do acusado, eis que comprovadas a autoria e materialidade delitivas.

Em relação à dosimetria, o magistrado a quo fixou a pena-base em 03 anos, 01 mês e 07 dias de reclusão, ponderando negativamente a personalidade do acusado e as circunstâncias do crime. Na segunda fase da dosimetria, aplicou a agravante disposta no artigo 61, II, "g" do Código Penal, exasperando a pena para 03 anos, 07 meses e 13 dias de reclusão. Na terceira fase da dosimetria, reconheceu-se a incidência da causa de aumento do §1º do artigo 317, majorada a pena em 1/3 para 04 anos, 09 meses e 27 dias de reclusão. A pena de multa foi fixada em 178 dias-multa, arbitrado cada dia-multa em ½ salário mínimo.

O E. Relator manteve incólume a pena corporal e reduziu de ofício a pena de multa para 47 dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa.

Com a devida vênia, entendo que deva ser reformada a dosimetria da pena.

Na primeira fase, a valoração negativa quanto à personalidade do acusado deve ser afastada, pois o fato de o réu exercer a Medicina e ter cometido crime, violando a ética profissional médica, é ínsito de qualquer prática delitiva, assim, não pode ser ponderado negativamente em seu desfavor. Por outro lado, deve ser mantida a circunstância negativa do delito, pois a vítima é hipossuficiente. Considerando a proporção de 1/8 sedimentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça (HC 325.306-RS - Rel. Min. Ribeiro Dantas), fixo a pena-base em 01 ano, 10 meses e 15 dias. Já na segunda fase da dosimetria, deve ser afastada a agravante de violação de dever de ofício, já que é parte do tipo penal do artigo 317, do Código Penal. Pela mesma razão, na terceira fase da dosimetria, igualmente deve ser afastada a causa de aumento do §1º do artigo 317, do Código Penal, tendo em vista que a conduta conforme narrada na denúncia caracterizou o núcleo do tipo penal, não tendo restado suficientemente comprovado que a vítima efetivamente obteve de outro profissional médico tais documentos, não havendo a certeza exigida quanto à omissão na prática de ato de ofício ou em infringência ao dever funcional para aplicar a causa de aumento.

Assim, tornada definitiva a pena em 01 ano, 10 meses e 15 dias. Respeitado o critério trifásico, a pena de multa deve ser adequada para 18 dias-multa. Mantenho o valor unitário de ½ salário mínimo.

O regime inicial de cumprimento de pena deve ser o aberto, em consonância com artigo 33, §2º, "c", do Código Penal.

A pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos, em observância ao artigo 44 do Código Penal, consistentes em prestação de serviços à comunidade, a ser regulamentada pelo Juízo da Execução, bem como prestação pecuniária, arbitrada em 10 salários mínimos, vigentes à época dos fatos.

Ante o exposto, divirjo do E. Relator para determinar a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a presente ação penal; em restando vencido, dou parcial provimento à apelação de AMADO ANDRÉ MESSIAS para reduzir a pena-base e afastar a incidência de agravante e causa de aumento, tornada definitiva a pena em 01 ano, 10 meses e 15 dias, em regime inicial aberto e pagamento de 18 dias-multa. Substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.

Por fim, quanto ao imediato início do cumprimento da pena, o C. STJ, recentemente, firmou entendimento que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em observância ao disposto no artigo 147 da LEP (EREsp 1619087/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Acórdão Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, DJe 24/08/2017). Dessa forma, tendo sido a pena privativa de liberdade substituída por penas restritivas de direitos, é vedada sua execução provisória. Assim, deixo de expedir a guia de execução provisória.



É o voto.


WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000731-45.2007.4.03.6106/SP
2007.61.06.000731-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : AMADO ANDRE MESSIAS
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007314520074036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO CONDUTOR

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator para o acórdão): Cuida-se de recurso de apelação interposto por AMADO ANDRE MESSIAS em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 4ª Vara da Subseção Judiciária de São José do Rio Preto que, julgando procedente a ação, condenou o recorrente como incurso nas sanções previstas no art. 317, § 1º, do Código Penal, à pena de 04 anos, 09 meses e 27 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 178 dias-multa.

O e. Relator apresentou voto no sentido de rejeitar a preliminar de nulidade do feito e, quanto ao mérito, negar provimento ao recurso defensivo, sendo que, de ofício, reduzia a pena de multa para 47 dias-multa.

Peço vênia ao e. Relator para divergir parcialmente no que tange à dosimetria da pena.

Acompanho o Relator em relação à rejeição da matéria preliminar e quanto ao mérito da pretensão condenatória.

Neste ponto, anoto que o conjunto probatório é seguro e amplamente desfavorável ao apelante, estando bem demonstradas a materialidade do delito e a autoria, conforme exposto no voto do Relator.

Contudo, no que concerne à dosimetria da pena, não diviso como circunstância judicial desfavorável o fato do réu ocupar cargo de médico, não servindo para macular a sua personalidade.

Assim, e ainda considerando a desproporcionalidade da pena-base estabelecida na sentença, posto que ao delito, à época dos fatos, praticado anteriormente a alteração ocorrida em 11/2003, previa uma pena mínima abstrata em 01 ano de reclusão, fixo-a em 02 anos de reclusão, além do pagamento de 20 dias-multa, tendo em vista ser desfavoráveis as circunstâncias do crime, sendo certo que o agente se aproveitou da situação de vulnerabilidade da vítima.

Na segunda fase da dosimetria, afasto a aplicação da circunstância do art. 61, II, "g", do CP, eis que a agravante "in casu" é elementar do delito, de modo que sua aplicação acarreta "bis in idem".

Na terceira fase, com a incidência da causa de aumento prevista no § 1º, do art. 317, do CP, em 1/3, fica a pena definitivamente estabelecida em 02 anos e 08 meses de reclusão, além do pagamento de 26 dias-multa.

O regime inicial de cumprimento da pena fica mantido no semiaberto (art. 33, § 3º, do CP).

Aplico a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, nos termos do art. 44 do CP, sendo a primeira de prestação de serviços à comunidade pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída; a segunda, prestação pecuniária mensal de um salário mínimo, também pelo tempo da condenação.

Portanto, dou parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena, nos termos expostos.

É como voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Relator para Acórdão


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D.E.

Publicado em 28/02/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000731-45.2007.4.03.6106/SP
2007.61.06.000731-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : AMADO ANDRE MESSIAS
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007314520074036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA MAJORADA. ART. 317, § 1º DO CP. NULIDADE. ART. 514 DO CPP. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE. RECURSO PACIALMENTE PROVIDO.
1 - Apelação em face de sentença que, julgamento procedente a ação penal, condenou o acusado como incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal.
2 - Preliminar de nulidade. Rito especial do art. 514 do CPP. Não aplicação. Súmula 330 do STJ. Prévia instauração de inquérito policial. Questão decidida pelo Juízo a quo, contra a qual não houve interposição de recurso.
3 - Ademais, trata-se de nulidade de relativa, que demanda a demonstração do prejuízo, o que não se verificou na hipótese. Precedentes jurisprudenciais.
4 - Materialidade e autoria delitivas demonstradas pela carta da vítima comunicando os fatos ao Secretário Municipal da Saúde de Olímpia, pela receita médica de clínica particular emitida em 06/11/2003 pelo acusado, pelo Cartão de Medicação da Secretaria Municipal da Saúde de Olímpia e pela oitiva das testemunhas de acusação, que apontam que o acusado, de forma livre e consciente, deixou de realizar o atendimento clínico no posto de saúde Santa Efigênia à paciente, condicionando o fornecimento de receita médica e guia para a realização de exames ao pagamento de uma consulta em sua clínica particular.
5 - Dosimetria da pena. Não se divisa como circunstância judicial desfavorável o fato do réu ocupar cargo de médico, não servindo para macular sua personalidade.
6 - Desproporcionalidade da pena-base. Ao delito, à época dos fatos, praticado anteriormente a alteração ocorrida em 11/2003, previa uma pena mínima abstrata em 01 ano de reclusão. Pena-base fixada em 02 anos de reclusão, além do pagamento de 20 dias-multa, tendo em vista ser desfavoráveis as circunstâncias do crime, sendo certo que o agente se aproveitou da situação de vulnerabilidade da vítima.
7 - A circunstância agravante prevista no art. 61, II, "g", do CP, "in casu" é elementar do delito, de modo que sua aplicação acarreta "bis in idem".
8 - Na terceira fase, incidência da causa de aumento prevista no § 1º, do art. 317, do CP, uma vez que o acusado deixou de praticar ato de ofício.
9 - Regime inicial semiaberto (art. 33, § 3º, do CP). Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44 do CP).
10 - Recurso parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar, e, no mérito, nos termos do voto médio de Des. Fed. Hélio Nogueira, dar parcial provimento ao recurso de apelação para reduzir a pena e aplicar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sendo que o Relator negava provimento ao recurso e de ofício reduzia a pena de multa e o Des. Fed. Wilson Zauhy dava parcial provimento ao recurso em maior extensão.


São Paulo, 06 de fevereiro de 2018.
HÉLIO NOGUEIRA
Relator para Acórdão


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000731-45.2007.4.03.6106/SP
2007.61.06.000731-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : AMADO ANDRE MESSIAS
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007314520074036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:

Inicialmente, anoto que se encontram presentes as condições da ação e os pressupostos para o desenvolvimento válido e regular do processo, tendo o MM. Juiz a quo, com relação à competência, anotado a "inequívoca competência da Justiça Federal" (fl. 120) e, não bastasse isso, o réu era servidor da Previdência Social à época dos fatos (fl. 129), qualificando-se, pois, como funcionário público para fins penais, nos termos do artigo 327 do Código Penal, ressaltando-se, no mais, que a prática do delito de corrupção passiva se deu em virtude das funções exercidas pelo acusado como médico perito do INSS e como médico do SUS, restando evidente a lesão à Administração Pública Federal.

Passo ao exame do recurso.

1. Da preliminar de nulidade do feito.

O recorrente alega a nulidade do feito pela inobservância do rito especial previsto no artigo 514 e seguintes do Código de Processo Penal.
Todavia, tal questão já foi apreciada pelo Juízo a quo na decisão de fls. 307/308 dos autos, que afastou a obrigatoriedade de defesa preliminar nos termos do artigo 514 do Código de Processo Penal, vez que houve a instauração de inquérito policial, com fundamento na Súmula n.º 330 do STJ. Contra a referida decisão não houve interposição de recurso, razão pela qual resta preclusa a matéria arguida.
Ademais, como bem apontou a Procuradoria Regional da República em seu parecer, "é pacífica jurisprudência no sentido de que a não adoção do rito especial estabelecido no art. 514 e seguintes do Código de Processo Penal é caso de nulidade relativa, a qual, conforme sabido, exige a demonstração de prejuízo concreto, o que não ocorreu no presente caso" (fl. 440v).
Neste sentido:

"PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. CRIMES DE CORRUPÇÃO PASSIVA E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NÃO OBSERVÂNCIA DO RITO DO ART. 514 DO CPP OU DO ART. 55 DA LEI N. 11.343/2006. 2. ADOÇÃO DO RITO COMUM. PREJUÍZO CONCRETO NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. 3. PROVA ILÍCITA. DADOS ARMAZENADOS NO CELULAR. EXISTÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. 4. PEDIDO DE DESMEMBRAMENTO. PROCESSO EM TRÂMITE REGULAR. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 5. RECURSO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO. 1. Prevalece no STJ o entendimento no sentido de ser "desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial", conforme dispõe o verbete n. 330/STJ. Contudo, a partir do julgamento do HC n. 85.779/RJ, passou-se a entender no STF que é indispensável a defesa prévia nas hipóteses do art. 514 do CPP, mesmo quando a denúncia é lastreada em inquérito policial. (RHC 120569, Relator Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 11/03/2014). 2. Embora o STF considere que existência de prévio inquérito policial não elide a exigência de notificação prévia constante do art. 514 do CPP, tem-se que a existência de prejuízo concreto continua sendo imprescindível para o reconhecimento de nulidade. Igualmente, a jurisprudência do STJ é no sentido de que a não observância do rito procedimental previsto na Lei de Drogas gera nulidade relativa. Dessa forma, cabe à defesa demonstrar, com base em elementos concretos, eventuais prejuízos suportados pela não observância dos mencionados ritos, o que não ocorreu na hipótese dos autos. 3. No que concerne à ilegalidade das provas colhidas no aparelho telefônico do recorrente, tem-se que, a despeito de a situação retratada não se configurar como interceptação telefônica de comunicações, demanda igualmente autorização judicial devidamente motivada - haja vista a garantia constitucional à intimidade e à vida privada -, o que efetivamente foi observado no caso dos autos. De fato, o celular do recorrente foi apreendido em razão de mandado de busca e apreensão, devidamente fundamentado, que autorizou a apreensão de aparelhos eletrônicos, bem como o acesso às informações armazenadas, desde que guardem relação com o crime sob investigação. 4. Quanto ao pedido de desmembramento, verifico que a Corte local considerou não existirem elementos concretos que recomendem a medida, uma vez que o processo tramita regularmente. Como é cediço, "a separação dos processos, nos termos do artigo 80 do CPP, deve observar as circunstâncias ensejadoras da pretensão e se consubstancia como ato discricionário do juiz, que deverá examinar as circunstâncias de cada caso"(AgRg na APn 540/MT, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 01/04/2009). Portanto, encontrando-se devidamente motivado o indeferimento do pedido de desmembramento do processo, não se verifica constrangimento ilegal passível de ser sanado na via eleita. 5. Recurso em habeas corpus improvido."
(STJ, RHC 201502584828, QUINTA TURMA, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJe 02/12/2016)
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECUSA E OMISSÃO. ART. 10 DA LEI 7.347/85. OFENSA AO ART. 514 DO CPP. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DEFESA PRÉVIA À DENÚNCIA. DESNECESSIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A inobservância do procedimento previsto no artigo 514 do Código de Processo Penal gera, tão-somente, nulidade relativa, que, além de dever ser arguida no momento oportuno, exige a demonstração do efetivo prejuízo daí decorrente. 2. O rito especial determinado pelo art. 514 do Código Processual Penal só é aplicável nos casos em que o apontado autor esteja sendo acusado da prática de um dos delitos funcionais típicos, assim, entendidos aqueles previstos nos artigos 312 a 326 do Código Penal, o que não é o caso dos autos. 3. Recurso desprovido."
(STJ, RHC 201200649901, SEXTA TURMA, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 09/06/2014)

Assim, rejeito a preliminar de nulidade arguida pelo recorrente.

2. Da materialidade e da autoria delitiva.

O artigo 317, § 1º, do Código Penal, na redação vigente à época dos fatos delitivos, estabelecia, in verbis:

"Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional."

A materialidade e a autoria delitiva restaram devidamente demonstradas pela carta de Marta Aparecida Maria da Silva comunicando os fatos ao Secretário Municipal da Saúde de Olímpia (fls. 14/17), pela receita médica de clínica particular emitida em 06/11/2003 pelo acusado (fl. 18), pelo Cartão de Medicação da Secretaria Municipal da Saúde de Olímpia referente à paciente Marta Aparecida Maria da Silva (fls. 153/153v) e pela oitiva das testemunhas de acusação, que apontam que o acusado Amado André Messias, de forma livre e consciente, deixou de realizar o atendimento clínico no posto de saúde Santa Efigênia à paciente Marta Aparecida Maria da Silva, condicionando o fornecimento de receita médica e guia para a realização de exames ao pagamento de uma consulta em sua clínica particular.
Observa-se do Cartão de Medicação de fls. 153/153v que a paciente Marta Aparecida Maria da Silva era usuária frequente do Posto de Saúde de Olímpia; no dia 06/11/2003, consta que foi atendida no posto de saúde, mas não foram prescritos medicamentos e, no entanto, na mesma data, compareceu na clínica particular do acusado Amado, que prescreveu diversos medicamentos, consoante prescrição médica de fl. 18.
Outrossim, as testemunhas de acusação Marta Aparecida Maria da Silva, Cleuza Maria Ferreira e Aparecida da Silva Pereira são unânimes quanto à ocorrência dos fatos delitivos narrados na denúncia.
A testemunha Marta Aparecida Maria da Silva (fls. 336/336v) declarou que "Procurei o réu como médico no postinho da Santa Ifigênia, pois tenho problemas de artrite reumatoide e fibromialgia. Ele disse que não era especialista nisso, mas que sabia tratar esses problemas, mas não o faria pelo SUS; me cobrou R$ 60,00 pela consulta e me deu cartão com o endereço do consultório particular dele. Meu sogro me arrumou o dinheiro e fui pagar a consulta, que foi realizada na avenida que vai para a avenida São José, não sei exatamente o endereço. Ele me atendeu, deu uma receita médica e um atestado. Ele disse que eu não precisava procurar um reumatologista, pois ele entendia disso. O dr. Gerson, do pronto-socorro de Olímpia, me encaminhou para atendimento em Barretos, onde faço tratamento até hoje, há oito anos. Denunciei o dr. Amado no INSS. Fui fazer a perícia no INSS e caí com ele. Ele não reconheceu o meu direito ao auxílio junto ao INSS e perguntei a ele o porquê disso, entendendo que a recusa ocorreu porque não mais lhe paguei a consulta particular. Ele ainda comentou 'tem gente que não tem direito e quer ter'. Recebo benefício previdenciário até hoje. Ele já sabia que eu estava sendo tratada em Barretos, tanto que cheguei com atestado do médico de lá", tendo respondido às perguntas do patrono do réu que "No postinho, só fui tratada pelo dr. Amado. Recebo auxílio-doença. Não lembro a data em que estive no consultório dele; fui porque ele disse que sabia tratar de reumatismo, mas não me tratou no posto. No posto, ele estava como clínico geral e entendo que poderia me tratar por isso. O dr. Gerson não me tratou porque não é especialista em reumatismo. Não falei com nenhum outro médico em Olímpia sobre reumatismo, só com o dr. Gerson e o dr. Amado. Meu encaminhamento para Barretos saiu depois da consulta particular com o réu. Sou irmã da Cleuza Maria Ferreira e Aparecida é minha cunhada, estava comigo na perícia do INSS".
A testemunha Cleuza Maria Ferreira (fl. 337) afirmou que "Fui atendida pelo réu no postinho da Santa Ifigênia. Pedi uma receita a ele, de Fluoxetina, e pediu para que eu pagasse uma consulta no consultório dele, mas não disse onde era. Não fui lá e ficou por isso mesmo".
A testemunha Aparecida da Silva Pereira (fl. 338) narrou que "Uma vez passei em consulta com o dr. Amado no postinho, como clínico geral. Queria ser encaminhada ao ortopedista, mas ele se negou. Ele pediu para que eu pagasse uma consulta com ele, no valor de R$ 80,00, mas eu me recusei, pois se fosse para pagar pagaria um ortopedista. Tenho problemas de coluna. Não receitou nada. Saí numa boa e fui embora. Estava com a Marta, quando ela foi fazer perícia no INSS e ele era o perito. Ele disse que ela não teria direito ao benefício e eles discutiram, mas eu saí de perto. Não sei se ela pagou consulta particular a ele. Também não sei porque ele disse que ela não tinha direito. Ela não está trabalhando atualmente pelo problema de reumatismo. Estava afastada, agora não sei se recebe benefício".
Neste contexto, considerando que a vítima Marta Aparecida Maria da Silva é pessoa de poucos recursos e utiliza regularmente a rede do SUS, causa estranheza que, na mesma data tenha passado em consulta pelo SUS e por clínica particular, com o mesmo médico, o acusado Amado André Messias. Tal contradição, aliada à denúncia feita pela vítima ao Secretário Municipal da Saúde de Olímpia (fls. 14/17), evidencia a conduta delitiva do acusado.
Ademais, a decisão de indiciamento de Amado André Messias, no PAD n.º 35439.000191/2006-48 (fls. 369/379), apontou, in verbis:

"Do estudo pormenorizado e responsável de todas as partes deste processo Disciplinar, saltou que o envolvido AMADO ANDRÉ MESSIAS, atuando em seu consultório particular, cobrava pelo fornecimento de atestado médico de avaliação de capacidade laborativa, à pacientes que eram potenciais pretendentes ao recebimento de Auxílio-Doença Previdenciário. Tais atestados custavam, aos pacientes, entre R$ 80,00 e R$ 100,00, sendo que, para alguns, o valor era um pouco inferior (R$ 50,00/R$ 60,00).
Uma porcentagem dessa clientela particular de AMADO MESSIAS constituía-se de usuários da Unidade Básica de Saúde Dr. Clodoaldo Sarti, conhecida como 'Postinho da Santa Efigênia', em Olímpia/SP, onde o servidor possui o cargo de Médico Clínico. AMADO MESSIAS dizia aos pacientes da UBS que não poderia tratá-los naquela unidade de saúde e que fossem procura-los em seu consultório particular:
(...)
Note-se que a testemunha Sueli Pereira, que é funcionária da sobredita UBS (Santa Efigênia/Olímpia), revelou não só a condição financeira deficitária dos usuários da mencionada unidade de saúde, como ratificou a informação de que pacientes de AMADO MESSIAS, de consultório particular, também o eram da UBS de Olímpia: 'o que ocorre é de um paciente do consultório particular do Dr. AMADO comparecer na UBS para marcar consulta, com o próprio Dr. AMADO, de forma a que o mencionado médico troque o receituário de seu consultório particular, pelo receituário da UBS, e assim o paciente, que normalmente não tem dinheiro para pagar exame particular, possa fazer tais exames pelo SUS...'(fls. 910/913, 7ª resposta -gn).
Cabe ressaltar que o Município de Olímpia, à época, carecia de médicos especialistas nas áreas de reumatologia e ortopedia e as consultas eram agendadas, meses adiante, para cidades vizinhas, como Ribeirão Preto e Barretos (...).
Há que se concluir, portanto, que AMADO MESSIAS, no desempenho de suas atividades conquanto médico clínico da UBS Santa Efigênia e aproveitando-se da deficiência do quadro de especialidades médicas de Olímpia, fazia, aos pacientes, indicação para atendimento em seu consultório particular, mediante pagamento, conforme demonstrado no parágrafo 8º acima, entregando, inclusive, cartão de visita onde descrevia o serviço oferecido - 'Avaliação Capacidade de Trabalho' - e o valor a pagar - R$ 80,00 (cf. cartões de visita de fls. 647 e fls. 681)".

Por outro lado, o acusado não logrou afastar as provas produzidas em seu desfavor.
Com efeito, as testemunhas de defesa Sueli Pereira, Lúcia de Fátima Braido Jordão, José Borsali, Sônia Aparecida Alves e Rosa Maria de Carvalho (fls. 339/343) declararam desconhecer os fatos narrados na denúncia, apenas apontando a boa conduta do réu. Ressalte-se, por outro lado, que em relação aos depoimentos de José Borsali e de Sônia Aparecida Alves, denota-se que era comum o acusado atender pacientes do SUS em seu consultório particular.
Por sua vez, o acusado Amado André Messias, em seu interrogatório (mídia de fl. 359) alegou que é médico há 31 anos; que é especialista em cardiologia, psiquiatria e clínica médica; que atende em Olímpia; que os fatos narrados na denúncia são inverdades; que já atendia a paciente de nome Marta Aparecida Maria da Silva desde 2003; que geralmente ele fornecia a ela receita de medicamentos psicotrópicos, uma vez que ela fazia tratamento psiquiátrico; que um dia, dona Marta apareceu em seu consultório com outro tipo de queixa; que ela dizia que estava com muita dor e tinha procurado um ortopedista de nome dr. Gerson; que o dr. Gerson disse que ela tinha artrite reumatoide e a encaminhou a uma clínica de Barretos; que como a consulta em Barretos ia demorar e ela estava sentindo muita dor, procurou o acusado em seu consultório; que ele faz tratamento de dor em seu consultório; que então iniciou o tratamento de dor de dona Marta, enquanto ela aguardava o reumatologista de Barretos; que isso foi durante o ano de 2003; que o acusado é médico perito do INSS; que muito possivelmente dona Marta passou em perícia com o acusado nos anos seguintes, 2004, 2005, mas não se lembra exatamente o ano; que tratou dona Marta de dor em consultório particular; que durante esse período ainda não havia saído a sua consulta em Barretos; que foram alguns meses de tratamento.
Todavia, o depoimento do réu resta isolado no conjunto probatório, não encontrando qualquer amparo nas provas produzidas nos autos.
De fato, o acusado negou que tenha praticado os fatos delitivos narrados na denúncia, alegando que a presente persecução penal é fruto de desentendimento com a paciente Marta Aparecida Maria da Silva, portadora de distúrbio psiquiátrico, que promoveu uma "campanha" de difamação contra a sua pessoa, em 2006, após indeferir o seu pedido de benefício de auxílio-doença.
Contudo, consoante se verifica dos documentos de fls. 04/17, Marta Aparecida Maria da Silva comunicou a recusa de atendimento pelo acusado ao Secretário Municipal de Saúde do Município de Olímpia em 27/09/2005, bem como a instauração da presente investigação criminal teve início em 15/02/2006, anteriormente à data em que ocorreu o desentendimento relatado pelo recorrente, em 10/03/2006, durante a realização de perícia médica para concessão de auxílio-doença.
Neste sentido, ainda, anotou o Juízo a quo que "A alegação do réu de que a vítima teria problemas mentais não desabona a versão da acusação. Os documentos comprovam que a vítima era regularmente atendida pelo SUS, mas consultou particularmente com o réu, sem aparente motivo, já que o mesmo também atendia pelo SUS. O réu tenta desqualificar a vítima, sob o fundamento de que, além de problemas mentais, teria tido um desentendimento com a mesma, culminando em uma ação penal por desacato em face daquela. O suposto desentendimento de fato ocorreu e não foi contestado, mas tal fato não está sendo julgado neste processo. Além disso, a discussão ocorreu em 2006, praticamente três anos após o crime investigado neste processo, portanto, tais fatos não interferem no julgamento desta demanda" (fls. 391/391v).

Dessa forma, a materialidade e a autoria delitivas foram devidamente comprovadas, razão pela qual deve ser mantida a condenação do acusado como incurso no artigo 317, § 1º, do Código Penal, mantenho a condenação.



3. Da dosimetria da pena.

No tocante à dosimetria da pena, o Juízo a quo, na primeira fase, fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 03 (três) anos, 01 (um) mês e 07 (sete) dias reclusão, considerando as seguintes circunstâncias judiciais desfavoráveis: a) personalidade do agente, pois "o réu é médico, portanto presta serviços de saúde de maneira remunerada. A formação superior em uma das profissões mais dignas da nossa sociedade não condiz com o comportamento descrito nesta ação penal. Cobrar por uma consulta que deveria ser gratuita para uma pessoa sem recursos vai de encontro ao caráter ético que se espera de um profissional de medicina. O réu sabe que não pode cobrar quando atende pelo SUS; porém, ao praticar tal delito, o réu acaba ofendendo toda a classe dos profissionais de saúde, pois tenta obter um lucro, em prejuízo de toda a sociedade. Assim, entendo que a personalidade do réu mostrou-se desfavorável, motivo pelo qual considera esta circunstância como negativa" (fl. 415); e, b) circunstâncias do crime, uma vez que a "vítima encontra-se em situação de hipossuficiência em relação ao réu, pois está com problemas de saúde precisando de medicamentos. A situação de vulnerabilidade, notadamente quando praticada com pessoas de pequeno poder aquisitivo e pouca instrução escolar são suficientes para valorar negativamente tal conduta" (fl. 415).

Na segunda fase da dosimetria, considerando que o "réu violou dever de ofício, pois deixou de fornecer receita médica a paciente, e tentou obter vantagem patrimonial da mesma, ofendendo os arts. 65, 71, 93 e 95 do Código de Ética médico (Resolução CFM n.º 1.246, publicada no Diário Oficial da União, no dia 26 de janeiro de 1988, em vigor à época dos fatos)" (fl. 416), foi aplicado o aumento da pena-base, no patamar de 1/6 (um sexto), em virtude da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea g, do Código Penal. Inexistindo outras agravantes ou atenuantes, a pena provisória foi fixada em 03 (três) anos, 07 (sete) meses e 13 (treze) dias de reclusão.

Na terceira fase da dosimetria, tendo em vista que "O réu deixou de prescrever receita médica à vítima Marta, quando a mesma foi atendida pelo SUS, e possuía obrigação de fazê-lo" (fl. 416), foi aplicada a qualificadora prevista no § 1º do artigo 317 do Código Penal, aumentando-se a pena em 1/3 (um terço) e, à míngua de outras causas de aumento ou de diminuição da pena, restou definitiva a pena de 04 (quatro), 09 (nove) meses e 27 (vinte e sete) dias de reclusão.

Com relação à pena de multa, "Considerando o mesmo parâmetro adotado para fixação da pena-base, e levando em conta que a multa varia entre 10 e 360 dias, fixo a pena de multa em 178 dias-multa. O réu é servidor público, e possui condição econômica favorável, chegando a receber aproximadamente R$ 90 mil no ano de 2006. Assim, cada dia multa deve ser fixado em ½ (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos" (fl. 416v).

Foi fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal.

Por fim, foi determinada a perda da função pública, nos termos do artigo 92, inciso I e § único, do Código Penal, sob o fundamento de que "O réu violou dever funcional no seu cargo público, ao solicitar o recebimento de vantagens pessoais a determinada paciente. A pena aplicada é superior a 1 ano, o que enseja na perda da função pública pelo réu. O cargo público é um sacerdócio, e jamais deve ser utilizado em proveito pessoal, não apenas por trazer prejuízo à sociedade como um todo, mas também por macular a honra da instituição" (fls. 416v/417).

O recorrente pleiteia a redução da pena-base ao mínimo legal.

Não prospera a tese da defesa, uma vez que, contra o acusado pesam as seguintes circunstâncias judiciais: a) personalidade do agente, considerando que, a despeito da sua formação profissional na área de medicina, altamente valorizada pela sociedade, adotou comportamento diametralmente oposto aos valores pregados pela categoria médica; e, b) circunstâncias do crime, pois praticou o delito aproveitando-se da vulnerabilidade econômica e social de suas vítimas.

Desta feita, irreparável a r. sentença neste ponto.

Todavia, a pena de multa estabelecida deixou de guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade. A fixação do quantum de dias-multa, tal qual a fixação da pena privativa de liberdade, deve observar o critério trifásico disposto no artigo 68 do Código Penal.

Sendo assim, observados os critérios de fixação da pena privativa de liberdade, a pena de multa de ser fixada em 47 (quarenta e sete) dias-multa, mantido, outrossim, o valor do dia-multa em ½ (meio) salário mínimo.

Com tais considerações, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação e, de ofício, reduzo a pena pecuniária para 47 (quarenta e sete) dias-multa, nos termos da fundamentação, mantendo, no mais, a douta decisão recorrida.

Expeça-se mandado de prisão, em desfavor de AMADO ANDRE MESSIAS, com validade até 27/01/2025, para imediato cumprimento das penas, nos termos do novel entendimento do STF (HC 126.292, ADCs 43 e 44 e ARE 964.246).

É o voto.

VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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