Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/09/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0016259-09.2014.4.03.6128/SP
2014.61.28.016259-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
: JOSE ADOLFO MACHADO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
: JOSE ADOLFO MACHADO
No. ORIG. : 00162590920144036128 10P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PROCESSO PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 16 DA LEI N. 7.492/86. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CONFISSSÃO ESPONTÂNEA. REINCIDÊNCIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA.
1. A materialidade restou comprovada pela prova documental que indica que a empresa atuou sem a devida autorização pelo Banco Central do Brasil.
2. A autoria delitiva restou demonstrada pelo conjunto probatório e foi confirmada pelo acusado, que em Juízo, confessou a prática do crime, fazendo operar administradora de consórcios sem a devida autorização.
3. O dolo resta comprovado pelas declarações do acusado, que indicam que tinha ciência de que sua conduta configurava a prática do delito a ele imputado e que conhecia toda a legislação relativa a atividade desempenhada pela empresa e da obrigatoriedade da autorização. O réu tinha pleno conhecimento da existência do tipo penal. Além de já ter sido condenado pela prática do mesmo delito em ação criminal anterior, foi questionado e autuado em diversas ocasiões e persistiu em manter as atividades da administradora de consórcio não autorizada pelo Banco Central. O réu confirmou ter perpetrado o delito em sede judicial.
4. É justificável a fixação da pena-base acima do mínimo legal considerando que o acusado persistiu na conduta criminosa ao longo de anos, mesmo após já ter sido notificado e autuado pelo exercício da atividade sem a autorização e, ainda, em razão das consequências do delito, que atingiu a centenas de pessoas em diversos municípios, havendo condenação em ação civil pública.
5. São irrelevantes os motivos pelos quais o agente teria sido levado a confessar o delito perante a autoridade para fazer jus à incidência da atenuante genérica (STJ, HC n. 159.854, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 15.06.10; HC n. 117.764, Rel. Min. Og Fernandes, j. 11.05.10; HC n. 46.858, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 13.11.07; HC n. 79.381, Rel. Min. Nilson Naves, j. 23.10.07). Assim, pouco importa que o réu tenha sido preso em flagrante, bastando o reconhecimento da prática do delito (STF, HC n. 69.479-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, unânime, DJ 18.12.02, p. 384).
6. "É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência." (STJ, REsp n. 1.341.370, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10.04.13, para os fins do art. 543-C do CPC). Assim, revejo o entendimento anterior quanto à preponderância da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão.
7. Não obstante o acusado ser reincidente, a quantidade de pena a ele imposta também é considerado para determinar o regime inicial de cumprimento de pena, de maneira que o semiaberto se mostra o cabível ao caso dos autos.
8. Apelações providas parcialmente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação da acusação para exasperar a pena-base e dar parcial provimento à apelação da defesa para reduzir a quantidade de dias-multa referente a pena de multa, fixando a pena definitiva de José Adolfo Machado em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, pela prática do crime do art. 16 da Lei n. 7.492/86. Mantidos os demais termos da sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 20 de agosto de 2018.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0016259-09.2014.4.03.6128/SP
2014.61.28.016259-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
: JOSE ADOLFO MACHADO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
: JOSE ADOLFO MACHADO
No. ORIG. : 00162590920144036128 10P Vr SAO PAULO/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por José Adolfo Machado contra a sentença de fls. 762/768, que condenou o réu a 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, regime inicial de cumprimento de pena semiaberto, e 58 (cinquenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em 22.06.16, pela prática do delito do artigo 16 da Lei n. 7.492/86.

Em razões recursais, o Ministério Público Federal pretende a reforma da dosimetria da pena do acusado nos seguintes termos (i) fixação da pena base acima do que fora fixado, pois por quase 30 (trinta) anos, entre 1989 e 2016, o réu fez da atividade criminosa o seu meio de sobrevivência e foi condenado em 4 (quatro) ações criminais no exercício da administração da empresa Sermac Administração de Consórcios Ltda ME, além de haver condenação em ação civil pública e mais de 400 (quatrocentas) ações individuais indenizatórias em que o empreendimento figura como ré; (ii) não incidência da circunstância atenuante da confissão espontânea porquanto essa foi irrelevante para a condenação do acusado, considerando que as demais provas eram suficientes para isso; e (iii) estabelecimento do regime inicial de cumprimento de pena fechado, já que o réu é criminoso reincidente específico nessa modalidade criminosa (fls. 791/795-v°).

A defesa sustenta a absolvição do réu, sob alegação de (i) ausência de dolo; (ii) que a prova documental demonstra que o réu deu destinação aos valores de parcelas arrecadadas ao grupo de consórcio ou à administradora e a prova testemunhal comprova que as quantias foram devidamente pagas aos consorciados contemplados; e (iii) que não há prova de prejuízo aos consorciados ou que o réu tenha causado lesão a consumidores. Alternativamente, requer a fixação da pena-base no mínimo legal e que a pena de multa seja estabelecida maneira proporcional à pena de reclusão (fls. 782/786).

Apresentadas contrarrazões (fls. 788/790, 799/805 e 834/835).

A i. Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento do recurso da acusação e pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 814/816-v°).

Em sessão de julgamento realizada em 20.08.2018, a 5ª Turma decidiu, por maioria, dar parcial provimento à apelação da acusação para exasperar a pena base e dar parcial provimento à apelação da defesa para reduzir a quantidade de dias multa referente a pena de multa, fixando a pena definitiva de José em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, pela prática do crime do artigo 16 da Lei n. 7.492/86, nos termos do voto do relator Des. Fed. André Nekatschalow, no que foi acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes.

Aqui, divirjo do voto do Relator quanto à consideração da circunstância de que o acusado teria persistido na conduta criminosa ao longo de anos para aumentar a pena base.

Passo a declarar meu voto.

Narra a denúncia que, de 1989 até a data de oferecimento da denúncia (22.06.2016), o acusado, na condição de representante e administrador da empresa Sermac Administração de Consórcios S/C, fez operar continuamente pessoa jurídica equiparada a instituição financeira, sem a devida autorização.

Prossegue a inicial relatando que o acusado constituiu planos de consórcios de diversos bens, inclusive imóveis, e os ofertou ao público de diversos municípios de São Paulo, razão pela qual o empreendimento veio a ser autuado pelo Banco Central do Brasil, que além de impor multas pretende a cessação das atividades.

Dessa forma, José teria causado prejuízo a diversos consorciados, uma vez que a empresa não tem patrimônio líquido mínimo para atuar no ramo de consórcio de bens imóveis, caracterizando instituição financeira.

Após a instrução processual, o acusado foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 16 da Lei n. 7.492/86 à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 58 (cinquenta e oito) dias multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em 22.06.16.

O magistrado de 1º grau aumentou a pena base em 4 meses e 15 dias acima do mínimo legal, fixando-a em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, baseado nos seguintes argumentos:


"Passo a fundamentar a dosimetria das penas, conforme sistema trifásico previsto no artigo 68 do Código Penal. Na primeira fase (artigo 59 do Código Penal), observo que o réu possui um antecedente que será valorado como reincidência (extratos processuais ora juntados e apenso de exceção de coisa julgada) e não constam nos autos quaisquer elementos concretos que comprovem algo desabonador de sua conduta social e personalidade. Os motivos, as circunstâncias e as consequências são normais ao tipo e também não justificam a majoração da reprimenda penal. Não há nada de relevante quanto a comportamento da vítima. O juízo de reprovação da conduta (culpabilidade) merece agravamento da pena. O acusado já respondeu a quatro ações penais referentes ao exercício não autorizado de atividades de consórcio. O peso da persecução penal não inibiu a conduta de persistir no exercício não autorizado das atividades, que além de tudo produziu danos igualmente reconhecidos pelo Judiciário, em uma ação civil pública e em ação penal ainda em trâmite na qual há acórdão condenatório pela prática de quatro estelionatos em face de clientes do consórcio (fls. 80-90 e 731-verso). Vê-se que a insistência na prática da conduta extrapola a mera reincidência, pois também inclui o desprezo pelo reconhecimento estatal de que a conduta vem associada a práticas que têm causado danos específicos a terceiros. Não se trata, portanto, de mera irresignação do acusado diante de possível conduta arbitrária dos órgãos estatais na formulação de exigências desarrazoadas para o exercício das atividades. A capacidade econômica exigida pelo Banco Central, e não atendida pelo acusado, mostrou-se imprescindível no caso concreto, pois ela inviabilizou o pagamento de direitos dos consorciados. Somado a isso, o acusado afirmou em interrogatório que é graduado em Direito, evidenciando que integra classe privilegiada da sociedade, notadamente porque não se trata de graduação ocorrida após medidas estatais de inclusão que facilitaram o acesso à universidade. A formação certamente lhe conferia outras possibilidades de atividades profissionais que não o exercício irregular de atividades de consórcio. A pena prevista para o delito do artigo 16 varia de 1 a 4 anos de reclusão. Assim, partindo-se da pena mínima prevista para o delito, hipótese em que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis, cada circunstância judicial desfavorável implica no aumento de 4 meses e 15 dias (1/8 de 36 meses, que corresponde a 4 anos menos 1 ano), critério que utilizo para fixar a pena base em 1 ano, 4 meses e 15 dias de reclusão, já que há uma circunstância judicial desfavorável (culpabilidade)."

Por sua vez, o relator aumentou a pena base na fração de 1/2 (metade) com fundamento na conduta social do acusado, bem como nas consequências do delito, senão vejamos:


"Passo a rever a dosimetria da pena. É justificável a fixação da pena-base acima do mínimo legal considerando que o acusado persistiu na conduta criminosa ao longo de anos, mesmo após já ter sido notificado e autuado pelo exercício da atividade sem a autorização e, ainda, em razão das consequências do delito, que atingiu a centenas de pessoas em diversos municípios, havendo condenação em ação civil pública (fls. 66/73, 80/91 e 94). Portanto, a pena-base é fixada 1/2 (metade) acima do mínimo legal, em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa."

No particular, verifico que a conduta do acusado não ultrapassou os limites do tipo penal, sem justificar um maior grau de reprovabilidade da mesma.

Entendo cabível considerar apenas as consequências do delito para majorar a pena base do acusado, de modo a aumentar a pena na fração de 1/4 (um quarto), totalizando, nesta fase, 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa.

Na segunda fase, acompanho o relator (reincidência e confissão), restando a pena definitiva do réu em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa.

No mais, mantidos os demais termos da sentença.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da acusação para exasperar a pena base (em menor extensão) e dou parcial provimento à apelação da defesa (em maior extensão) para reduzir a quantidade de dias multa referente à pena de multa (acompanho o relator) e fixar a pena definitiva de josé adolfo machado em 1 (um) ano e 3 (três) meses de reclusão e 12 (doze) dias multa, pela prática do crime do art. 16 da lei n. 7.492/86.

É o voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0016259-09.2014.4.03.6128/SP
2014.61.28.016259-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
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: JOSE ADOLFO MACHADO
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: Justica Publica
: JOSE ADOLFO MACHADO
No. ORIG. : 00162590920144036128 10P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por José Adolfo Machado contra a sentença de fls. 762/768, que condenou o réu a 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, regime inicial de cumprimento de pena semiaberto, e 58 (cinquenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo do salário mínimo vigente em 22.06.16, pela prática do delito do art. 16 da Lei n. 7.492/86.

O Ministério Público Federal apela, em relação à dosimetria da pena, em síntese, com os seguintes argumentos:

a) por quase 30 (trinta) anos, entre 1989 e 2016, o réu fez da atividade criminosa o seu meio de sobrevivência e foi condenado em 4 (quatro) ações criminais no exercício da administração da empresa Sermac Administração de Consórcios Ltda ME, além de haver condenação em ação civil pública e mais de 400 (quatrocentas) ações individuais indenizatórias em que o empreendimento figura como ré, o que justifica a fixação da pena-base acima do que foi fixado na sentença;
b) não incide a circunstância atenuante da confissão espontânea porquanto essa foi irrelevante para a condenação do acusado, considerando que as demais provas eram suficientes para isso;
c) o réu é criminoso reincidente específico nessa modalidade criminosa, de modo que o regime inicial de cumprimento de pena cabível é o fechado, que além de servir para reprovação estatal ainda evitará a reiteração delitiva (fls. 791/795v.).

Apela José Adolfo Machado alegando, em síntese, o seguinte:

a) ausência de dolo;
b) a prova documental demonstra que o réu deu destinação aos valores de parcelas arrecadadas ao grupo de consórcio ou à administradora e a prova testemunhal comprova que as quantias foram devidamente pagas aos consorciados contemplados;
c) não há prova de prejuízo aos consorciados ou que o réu tenha causado lesão a consumidores;
d) não há fundamentação para fixar a pena-base acima do mínimo legal;
e) a pena de multa foi fixada de maneira excessiva e desproporcional considerando a pena de reclusão estabelecida para o réu (fls. 782/786).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 788/790 e 799/805).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Álvaro Luiz de Mattos Stipp, manifestou-se pelo parcial provimento do apelo da acusação e pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 814/816v.).

Tendo em vista que defensora constituída para o réu José Adolfo Machado renunciou ao mandato para realizar a defesa (fls. 822/823), foi determinada a intimação do acusado para constituir novo procurador (fl. 825). Decorrido o prazo, sem manifestação do réu, a Defensoria Pública da União foi intimada (fl. 833) e ratificou as contrarrazões de apelação apresentadas em favor do acusado (fls. 834/835).

Os autos foram encaminhados à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0016259-09.2014.4.03.6128/SP
2014.61.28.016259-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
: JOSE ADOLFO MACHADO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
: JOSE ADOLFO MACHADO
No. ORIG. : 00162590920144036128 10P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Imputação. José Adolfo Machado foi denunciado pela prática do crime do art. 16 da Lei n. 7.492/86 porque desde 1989 até a data de oferecimento da denúncia (22.06.16), na condição de representante e administrador da empresa Sermac Administração de Consórcios S/C fez operar continuamente pessoa jurídica equipara a instituição financeira, sem a devida autorização.

Narra a denúncia que o réu constituiu planos de consórcios de diversos bens, inclusive imóveis, e os ofertou ao público de diversos municípios de São Paulo, razão pela qual o empreendimento veio a ser autuado pelo Banco Central do Brasil, que além de impor multas pretende a cessação das atividades. O réu já foi condenado em ação penal anterior pela prática do mesmo tipo de crime.

Consta, ainda, da peça acusatória, que o acusado causou prejuízo a diversos consorciados, uma vez que segundo o Banco Central do Brasil a empresa não tem patrimônio líquido mínimo para atuar no segmento de consórcio de bens imóveis, atividade que se caracteriza como de instituição financeira (fls. 161/164).

Do processo. Consta dos autos que houve oposição de exceção de coisa julgada, tendo sido proferida decisão que reconheceu a existência de coisa julgada a fatos anteriores a 1992, razão pela qual remanesce neste feito apenas a imputação quanto aos fatos ocorridos a partir de 01.01.93 até 22.06.16 (fls. 447/448).

Materialidade. A materialidade do delito está comprovada pelos seguintes elementos de convicção:

a) informação prestada pelo Banco Central do Brasil de que a empresa Sermac Administração de Consórcios S/C Ltda era cadastrada "(...) como pessoa jurídica não financeira com irregularidade pelo exercício de atividade de instituição financeira sem autorização deste Banco Central (...)" (fl. 38);
b) boletim de ocorrência de autoria conhecida (fls. 3/4, do apenso);
c) correspondências e documentação de consórcio contratado com a empresa Sermac Adm. de Consórcios Ltda. (fls. 9/14 e 27/29, do apenso);
d) contrato de adesão para participação em grupo de consórcio (fls. 255/267 e 15/26, do apenso);
e) informação prestada pelo Banco Central do Brasil em 19.12.13 de que a empresa Sermac Administração de Consórcios Ltda não integra rol de instituições autorizadas a funcionar e supervisionadas por aquele órgão (fl. 62 do apenso);
f) consolidação de contrato social da empresa Sermac Administração de Consórcios S/C Ltda que indica o objeto social e ramo de atividade a administração de consórcios (fls. 54/57);
g) relatório do Banco Central do Brasil, em 09.07.10, que informa que a empresa Sermac Administração de Consórcios S/C Ltda protocolou pedido de autorização para administrar grupos de consórcio o que foi indeferido em 1993, mantido o indeferimento em 2001 e que não havia pedido de autorização pendente de apreciação (fls. 60/62).

Autoria. Resta demonstrada a autoria delitiva.

A testemunha de acusação Luiz Edson Feltrim, servidor público no Banco Central, em Juízo, declarou que a empresa mencionada nos autos pleiteou autorização junto ao Banco Central. Confirmou os termos do ofício expedido por aquele órgão. Disse que o empreendimento atuava no ramo de consórcio. Afirmou que para o deferimento de autorização para tal atividade existia limite mínimo de patrimônio da pessoa jurídica e das pessoas físicas dos sócios controladores e também era considerada a reputação dos administradores, aspectos que foram ponderados e levaram ao indeferimento da autorização. Explicou que a questão patrimonial era relevante na análise. Esclareceu que o indeferimento da autorização se deu em razão da capacidade econômica do empreendimento não ser suficiente para atuar no ramo de atividade de consórcio. Não saberia informar se o fato da empresa estar atuando indica que teria capacidade financeira, pois isso dependeria de uma análise mais ampla. Acrescentou que o empreendimento poderia ter pleiteado novamente autorização, considerando que houve alteração legislativa. Disse que a qualquer momento poderia ser requerida autorização, desde que se preenchesse os requisitos, e somente então é possível emitir opinião sobre a capacidade do empreendimento. Explicou que o Banco Central segue rigorosamente a normatização e suas decisões podem ser objeto de impugnação em sede administrativa. Reafirmou que tal órgão atua observando estritamente o que dispõe a lei, sendo reconhecido inclusive internacionalmente. Esclareceu que a análise foi feita com base nas regras que estavam em vigência à época, que dispunham que a capacidade financeira era o primeiro aspecto observado e que após a empresa passaria a ter supervisão continua em que vários itens são avaliados. Acrescentou que a empresa do réu não atendeu ao primeiro aspecto, razão pela qual não passou a ter esse acompanhamento contínuo, de maneira que não tinha conhecimento de elementos suficientes para confirmar se ela funciona de maneira regular ou não. Reafirmou que o empreendimento teria direito de requerer a autorização a qualquer momento, desde que preenchidos os requisitos. Não soube informar a razão pela qual a empresa não fez novo pedido. Afirmou que era feita análise de tudo que fosse apresentado ao Banco Central. Reiterou e confirmou os termos do ofício do Banco Central, o qual indicou as penalizações impostas em fiscalização realizada no empreendimento. Explicou que o fato de uma operadora de consórcio atuar sem autorização retira a sua credibilidade, uma vez que não supervisionada pelo órgão responsável e que isso poderia causar problemas para economia nacional como um todo. Declarou que o Brasil faz parte de um sistema interligado e daí a necessidade de um organismo preparado para fazer o acompanhamento e fiscalização de algumas atividades. Afirmou que a atuação de uma empresa pode causar problemas ao sistema, uma vez que a confiança é o principal elemento para seu funcionamento (fl. 416 e mídia à fl. 417).

Ouvida como testemunha de acusação Christiani Schianti declarou que viu um anúncio e entrara em contato com a empresa. Disse que não lhe fora informado que se trataria de um consórcio. Acrescentou que a funcionária que lhe atendera disse que se seria uma "carta contemplada". Explicou que foi informado a ela que precisaria efetuar o pagamento de um valor para participar de um sorteio e que isso serviria para adquirir um imóvel. Declarou que após a data estipulada para esse sorteio entrou novamente em contato com o empreendimento e foi informada de que não havia sido contemplada e que seria incluída em outro sorteio porque outra pessoa havia dado lance maior. Afirmou que só então entendera que se tratava de consórcio, razão pela qual pediu seu dinheiro de volta, o que foi recusado pela funcionária da empresa. Disse que por tal motivo comparecera na Delegacia de Polícia para registrar boletim de ocorrência. Acrescentou que o valor não lhe foi devolvido. Afirmou que a empresa chamava Sermac e que os fatos ocorreram em Piracicaba (SP). Declarou que foi atendida em uma casa, onde não havia placa da empresa e que a funcionária que lhe informara o nome do empreendimento. Afirmou que o delegado lhe dissera que aquela não era a primeira reclamação contra a empresa. Disse ter se sentido enganada. Afirmou que o valor para ela era muito significativo. Explicou que entrara em contato com a empresa por telefone para avisar que estaria indo ao local, onde não voltou mais vezes. Não conhecia outra pessoa que tivesse tratado com a empresa. Declarou ter entregado o valor em dinheiro para a funcionária que se chamava Letícia. Acrescentou que havia outra funcionária que chamava Maria do Carmo (fl. 415 e mídia à fl. 417).

A testemunha de defesa Jéssica Pereira Miguel de Almeida, em sede judicial, declarou que conhecia a empresa Sermac. Disse que contratara consórcio com o empreendimento em São José dos Campos. Acrescentou que pretendia adquirir carta de crédito para compra de um automóvel. Afirmou que foi contemplada e obteve o veículo. Disse que atrasara o pagamento de algumas parcelas e houve a apreensão do bem. Disse ter entrado em contato com a empresa para efetuar o pagamento, mas não aceitaram lhe devolver o bem. Asseverou que depois de um ano recebera uma multa do veículo, que ainda estava registrado em seu nome. Acrescentou que novamente contatara a empresa e então o bem não mais constou registrado em seu nome. Declarou que sua dívida foi cobrada em Juízo, razão pela qual o bem fora apreendido (fl. 458 e mídia à fl. 459).

Em seu interrogatório judicial o réu confessou a prática delitiva, dizendo que eram verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Declarou que era gestor da empresa Sermac desde a sua criação em 1989 e que ela sempre atuara no mesmo ramo, ou seja, na administração de consórcios. Disse que o empreendimento exercia a atividade sem autorização do Banco Central. Explicou que antes da Constituição de 1988 a fiscalização era feita pela Receita Federal e apenas em 1991 passou a ser de competência do Banco Central. Afirmou que esteve na sede da Receita Federal e foi informado que haveria a alteração mencionada, razão pela qual deveria aguardar, uma vez que o procedimento era moroso. Disse que a primeira fiscalização na empresa ocorrera em 1993. Asseverou que levara a documentação para o Banco Central e não houve o protocolo porque lhe disseram que primeiro seria feita a regularização das administradoras que já tinham autorização expedida pela Receita Federal. Afirmou que segundo constou de uma circular estavam proibidas novas autorizações. Explicou que o Banco Central tinha com prioridade a expedição de circulares para regularização do sistema financeiro e contábil e em relação aos consórcios isso foi postergado. Afirmou que em tal período houve a fiscalização e a empresa estava funcionando sem autorização. Disse que em 1999 foi expedida nova circular que previa a possibilidade de novas administradoras de consórcio. Afirmou que apresentara a documentação pleiteando a autorização e seus pedidos foram indeferidos. Acrescentou que pleiteou uma extensão de prazo para apresentar mais documentos e antes disso ser apreciado já lhe negaram a autorização. Disse que então desistiu e continuou atuando sem autorização. Declarou não ter ajuizado ação para obter a autorização por via judicial. Afirmou acreditar que seus pedidos serão sempre indeferidos. Afirmou que a empresa já existia há 29 (vinte e nove) anos. Não tomara a iniciativa de encerrar os consórcios. Disse que ainda iria decidir sobre o que seria feito com a empresa. Declarou ser o único administrador do empreendimento. Quanto ao funcionamento dos consórcios, afirmou que eram apurados os saldos dos grupos e caso esses existissem eram feitas as entregas de dos valores aos consorciados contemplados. Acrescentou que embora não houvesse autorização do Banco Central a administração dos consórcios se dava obedecendo aos ditames legais (fl. 485 e mídia à fl. 486).

A autoria delitiva restou demonstrada pelo conjunto probatório e foi confirmada pelo acusado, que em Juízo, confessou a prática do crime, fazendo operar administradora de consórcios sem a devida autorização.

O dolo resta comprovado pelas declarações do acusado, que indicam que tinha ciência de que sua conduta configurava a prática do delito a ele imputado e que conhecia toda a legislação relativa a atividade desempenhada pela empresa e da obrigatoriedade da autorização. O réu tinha pleno conhecimento da existência do tipo penal. Além de já ter sido condenado pela prática do mesmo delito em ação criminal anterior, foi questionado e autuado em diversas ocasiões (fls. 60/62) e persistiu em manter as atividades da administradora de consórcio não autorizada pelo Banco Central. O réu confirmou ter perpetrado o delito em sede judicial.

Portanto, a condenação do acusado é mantida.

Dosimetria. A pena-base foi fixada na sentença em 1 (um) ano, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

Presente a circunstância agravante da reincidência e a circunstância atenuante da confissão espontânea, a pena foi elevada para 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, a qual tornou-se definitiva à míngua de causas de diminuição e de aumento de pena.

A pena de multa foi fixada em 58 (cinquenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente em 22.06.16.

Foi estabelecido o regime inicial de cumprimento de pena semiaberto.

A pena privativa de liberdade não foi substituída por penas restritivas de direitos, tendo em vista a reincidência específica. (art. 44, § 3º, do Código Penal).

A acusação apela para que seja exasperada a pena-base, considerando que o acusado tem feito da prática delitiva o seu meio de vida, sendo a conduta social, as circunstâncias do delito e as suas consequências desfavoráveis ao acusado. Pede que seja afastada a incidência da circunstância atenuante da confissão espontânea e que seja fixado regime inicial de cumprimento de pena fechado.

A defesa, por sua vez, requer a redução da pena-base e da pena de multa.

Passo a rever a dosimetria da pena.

É justificável a fixação da pena-base acima do mínimo legal considerando que o acusado persistiu na conduta criminosa ao longo de anos, mesmo após já ter sido notificado e autuado pelo exercício da atividade sem a autorização e, ainda, em razão das consequências do delito, que atingiu a centenas de pessoas em diversos municípios, havendo condenação em ação civil pública (fls. 66/73, 80/91 e 94). Portanto, a pena-base é fixada 1/2 (metade) acima do mínimo legal, em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa.

É cabível a aplicação da atenuante genérica do art. 65, III, d, do Código Penal.

São irrelevantes os motivos pelos quais o agente teria sido levado a confessar o delito perante a autoridade para fazer jus à incidência da atenuante genérica (STJ, HC n. 159.854, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 15.06.10; HC n. 117.764, Rel. Min. Og Fernandes, j. 11.05.10; HC n. 46.858, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 13.11.07; HC n. 79.381, Rel. Min. Nilson Naves, j. 23.10.07). Assim, pouco importa que o réu tenha sido preso em flagrante, bastando o reconhecimento da prática do delito (STF, HC n. 69.479-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, unânime, DJ 18.12.02, p. 384).

"É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência." (STJ, REsp n. 1.341.370, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 10.04.13, para os fins do art. 543-C do CPC). Assim, revejo o entendimento anterior quanto à preponderância da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão.

Assim, presente a atenuante da confissão espontânea, mas sendo o réu reincidente, a pena é mantida em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, a qual torno definitiva, à míngua de causas de diminuição e de aumento de pena.

A pena de multa foi fixada de maneira a manter a proporcionalidade entre ela e a pena privativa de liberdade.

O regime inicial de cumprimento de pena semiaberto é mantido.

Não obstante o acusado ser reincidente, a quantidade de pena a ele imposta também é considerado para determinar o regime inicial de cumprimento de pena, de maneira que o semiaberto se mostra o cabível ao caso dos autos.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação para exasperar a pena-base e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa para reduzir a quantidade de dias-multa referente a pena de multa, fixando a pena definitiva de José Adolfo Machado em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, pela prática do crime do art. 16 da Lei n. 7.492/86. Mantidos os demais termos da sentença.

É o voto.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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