Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/09/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005692-27.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.005692-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : CLEMENTE DANA
ADVOGADO : LEONARDO HENRIQUE SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00056922720094036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI Nº 8.137/90. OMITIR INFORMAÇÃO. CONTRIBUINTE OMISSO EM DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. FRAUDE. ADMISSIBILIDADE DA TIPIFICAÇÃO. CASUÍSTICA. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. OMISSÃO DE RECEITA. TIPICIDADE. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ANTECEDENTES CRIMINAIS. CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. CONSEQUÊNCIAS DO DELITO. ATENUANTE DA CONFISSÃO. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 12, I, DA LEI N. 8.137/90. CONTINUIDADE DELITIVA. PENA DE MULTA. VALOR DO DIA-MULTA.
1. Embora a mera inadimplência, ainda que aí seja incluída aquela decorrente da obrigação acessória, não configure ipso facto o crime de sonegação, é necessário verificar, caso a caso, se o contribuinte omisso na entrega da declaração de rendimentos objetiva, por meio dessa omissão, fraudar o fisco, de sorte a jamais recolher o tributo devido: a omissão, nessa hipótese, resolve-se em mero estratagema fraudulento e é portanto alcançado pelo tipo do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/90.
2. A existência de valores creditados em conta corrente ou investimentos em instituição financeira sem a adequada comprovação de origem configura o delito de sonegação fiscal.
3. A fraude encontra-se consubstanciada na não apresentação da declaração de rendimentos da pessoa física nos anos-calendário de 2001 e 2002, sopesada a significativa quantia movimentada nas contas bancárias fiscalizadas
4. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
5. Verificados os apontamentos criminais em nome do acusado, juntados às fls. 57/58, 117/121, 125/128, 130 e 173 e em consulta ao sistema informatizado da Justiça Federal de primeira instância, extrai-se que, no tocante à Ação Criminal n. 2004.61.81.006316-0, que tramitou perante a 2ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes de Lavagem de Dinheiro de São Paulo (SP), versando sobre a prática do delito do art. 22 da Lei n. 7.492/86, já se deu o trânsito em julgado para a acusação, como para a defesa, com registro em sistema em 23.05.17, sendo determinada a expedição de guia de recolhimento para o início da execução da pena, com registro em sistema em 06.03.18, de modo que é adequada sua utilização para valoração da personalidade do acusado, conforme estabelecido na sentença.
6. Os delitos de sonegação fiscal foram perpetrados mediante o uso de 3 (três) instituições financeiras nacionais (HSBC, Unibanco e BankBoston) e de 1 (uma) instituição financeira estrangeira localizada nos Estados Unidos (JP Morgan Chase), em cujas contas transitaram valores milionários, o que enseja valoração negativa das circunstâncias do delito, conforme assinalado na sentença.
7. O valor do débito constituir circunstância judicial passível de ensejar a exasperação da pena-base do delito de sonegação fiscal (STJ, AGARESP n. 201300501322, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo, Des. Conv. do TJ/PE, j. 24.03.15; HC n. 201400942633, Rel. Min. Ericson Maranho, Des. Conv. do TJ/SP, j. 18.12.14; RESP n. 200901397670, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 20.06.13; HC n. 201001879839, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.05.13; HC n. 200602476529, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 00037483820114036110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 27.04.15; ACR n. 00156227920044036105, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 25.11.14; EIFNU n. 01039128519944036181, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 21.11.13; ACR n. 00088818120074036181, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 28.05.13).
8. A jurisprudência considera inadmissível bis in idem valorar negativamente a gravidade do dano na primeira fase da determinação da pena-base como circunstância judicial (CP, art. 59, caput) e, depois, também, como causa de aumento (Lei n. 8.137, art. 12, I) (STJ, HC n. 200602476529, Min. Rel. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 04006814619964036103, Juiz Fed. Convocado Márcio Mesquita, j. 04.12.07; TRF 2ª Região, ACR n. 200650020003508, Des. Fed. Vigdor Teitel, j. 18.08.10; TRF 4ª Região, ACR n. 200271000166146, Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 28.03.07; TRF 4ª Região, ACR n. 200004010006151, Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro, j. 20.08.03).
9. O fato de o acusado ser estrangeiro, por si só, não constitui critério hábil a influir na fixação da pena-base. A alusão que a sentença faz à indiferença do acusado com relação à legislação brasileira tributária, o qual confessou que não apresenta declaração de rendimentos às autoridades fazendárias desde 1983, é que merece ser sopesada, como indicativo de maior culpabilidade do acusado.
10. A majoração da pena-base com fundamento nas circunstâncias judiciais relativas às circunstâncias do crime, suas consequências e personalidade do acusado não obsta se considere, em grau recursal, a circunstância judicial relativa à culpabilidade do acusado, tendo em vista que o fato que rende ensejo à valoração desfavorável da culpabilidade foi sopesada na sentença, na apreciação das penas (cfr. fl. 454v.), não implicando o reconhecimento de reformatio in pejus.
11. Presente a atenuante do art. 65, I, do Código Penal, tendo em vista que o acusado contava com mais de 70 (setenta) anos, na data da sentença (cfr. fl. 455), redimensionada a redução respectiva para 1/6 (um sexto), o que perfaz 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
12. Reconhecida a continuidade delitiva em decorrência da prática da sonegação fiscal por 2 (dois) anos fiscais consecutivos (2001 e 2002), nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, (CP, art. 71), reduzido o aumento respectivo para 1/6 (um sexto), totalizando 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
13. Não procede a alegação da defesa de que se incorreu em bis in idem na sentença "ao fazer considerações sobre o número de condutas e o valor global do prejuízo para justificar a exasperação da pena-base e, ao mesmo tempo, na terceira fase da dosimetria da pena, considerar tais vetores, por ocasião da incidência das causas de aumento da continuidade delitiva e do artigo 12, I, Lei 8137/90" (fl. 477v.), considerando que o número de condutas e o valor do dano não foram valorados na primeira fase da dosimetria, nada obstando a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 em razão do montante sonegado, valorado apenas na terceira fase da dosimetria, bem como do aumento relativo à continuidade delitiva, que é uma ficção jurídica que reduz a pena decorrente do concurso material em razão de os delitos terem sido perpetrados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.
14. Dado que tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa sujeitam-se a critérios uniformes para a sua determinação, é adequada a exasperação proporcional da sanção pecuniária (TRF da 3ª Região, EI n. 0004791-83.2006.4.03.6110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 16.02.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0002567-55.2013.4.03.6102, Des. Fed. Cecilia Mello, j. 20.09.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 0003484-24.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 11.04.16). Sendo assim, a pena de multa deve ser reduzida para 21 (vinte e um) dias-multa.
15. Mantido o arbitramento do valor unitário do dia-multa nos moldes estipulados na sentença, em montante equivalente a 5 (cinco) salários mínimos, considerados os critérios de fixação da pena de multa previstos no art. 49, § 1º, do Código Penal, aumentado até o triplo, em conformidade com o disposto no art. 60, § 1º, do Código Penal.
16. Ante à redução da pena privativa de liberdade, estabelecido o regime inicial semiaberto, em conformidade com o disposto no art. 33, § 2º, b, do Código Penal.
17. Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, tendo em vista que não foram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.
18. Mantida a prisão cautelar do acusado, pelos fundamentos utilizados na sentença (cfr. fl. 455v.), observando-se o recolhimento em estabelecimento prisional adequado.
19. Parcialmente provido o recurso de apelação da defesa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, reconhecer a tipicidade da conduta delitiva descrita na denúncia, dar parcial provimento ao recurso de apelação da defesa de Clemente Dana para reduzir a pena-base, exasperar a fração de diminuição relativa ao art. 65, I, do Código Penal e reduzir a quantidade de dias-multa e, por consequência, abrandar o regime prisional de início da pena privativa de liberdade, cominando-lhe, definitivamente, as penas de 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa, em regime inicial semiaberto, mantidos os demais termos da sentença, nos termos do voto do Des. Fed. André Nekatschalow, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes, vencido o Rel. Des. Fed. Maurício Kato, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 20 de agosto de 2018.
Andre Nekatschalow
Relator para Acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 31/08/2018 16:18:20



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005692-27.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.005692-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : CLEMENTE DANA
ADVOGADO : LEONARDO HENRIQUE SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00056922720094036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO-VISTA

Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Relator Mauricio Kato, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida dos autos para formação de minha convicção.

Trata-se de apelação criminal interposta por Clemente Dana contra a sentença que o condenou a 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 565 (quinhentos e sessenta e cinco) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito do art. 1º, I, c. c. o art. 12, I, ambos da Lei n. 8.137/90 (fls. 450/456).

A defesa recorre com os seguintes argumentos:

a) é devida a absolvição do acusado, tendo em vista que não foi produzida prova da autoria delitiva em juízo, em conformidade com o disposto no art. 155 do Código de Processo Penal;
b) mantida a condenação, é indevida a exasperação da pena-base ante à inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis;
c) a condenação do acusado pela prática do delito do art. 22 da Lei n. 7.492/86 corresponde a fato posterior aos fatos descritos na denúncia, de modo que não se presta à majoração da pena-base, seja a título de antecedentes criminais, seja a título de conduta social, seja a título de personalidade voltada à prática delitiva;
d) a circunstância de o acusado ter afirmado não recolher tributos no Brasil desde 1983 também não pode ser valorada em seu desfavor, considerando que os fatos dizem respeito aos anos-calendário de 2001 e 2002, bem como o fato de o acusado ser estrangeiro tampouco pode ser levado em conta para a exasperação da pena-base, como indicadores da circunstância judicial relativa à personalidade;
e) a sentença não fundamenta a elevação da pena-base em razão das consequências do delito, motivo pelo qual não deve incidir referida circunstância judicial;
f) tampouco incide a circunstância judicial relativa às consequências do delito em razão da aplicação da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90;
g) é também indevida a majoração da pena-base em razão da circunstância judicial relativa às circunstâncias do crime, tendo em vista que não há elementos nos autos que justifiquem outras considerações negativas quanto à gravidade do delito;
h) é devida maior redução da pena em decorrência da atenuante do art. 65, I, do Código Penal, tendo em vista a fixação da pena-base 4 (quatro) vezes acima do mínimo legal, sendo que o Superior Tribunal de Justiça entende que a fração de 1/6 (um sexto) mostra-se razoável e proporcional, devendo ser observada a proporcionalidade entre a diminuição realizada na segunda fase e o aumento efetuado sobre a pena-base;
i) é devida a exclusão da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, que não restou descrita na denúncia, que se limitou a indicar o valor do tributo supostamente sonegado, o que contraria o contraditório e a ampla defesa;
j) mantida a causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, requer-se a redução do aumento respectivo para 1/2 (metade), considerando que não foi justificado o aumento estabelecido na sentença;
k) evidencia-se duplo bis in idem na sentença "ao fazer considerações sobre o número de condutas e o valor global do prejuízo para justificar a exasperação da pena-base e, ao mesmo tempo, na terceira fase da dosimetria da pena, considerar tais vetores, por ocasião da incidência das causas de aumento da continuidade delitiva e do artigo 12, I, Lei 8137/90" (fl. 477v.);
l) é devida a incidência de apenas uma das causas de aumento de pena, a do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 ou a do art. 71 do Código Penal, tendo em vista que não restou demonstrado na sentença que cada uma das condutas teria gerado, por si, dano grave à coletividade;
m) prevalecendo o aumento relativo à continuidade delitiva, a respectiva fração deve ser reduzida para 1/6 (um sexto);
n) é devida a redução da pena de multa de modo proporcional à pena privativa de liberdade aplicada;
o) é também devida a redução do valor do dia-multa que foi arbitrado desproporcionalmente à situação econômica do acusado (fls. 467/481v.).

Foram apresentadas contrarrazões de apelação (fls. 483/493).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. José Ricardo Meirelles, manifestou-se pelo desprovimento do recurso de apelação (fls. 499/502).

O Eminente Relator Desembargador Federal Mauricio Kato deu provimento ao recurso de apelação da defesa do acusado Clemente Dana para absolvê-lo da imputação relacionada à prática do delito do art. 1º, I, c. c. o art. 12, I, ambos da Lei n. 8.137/90, na forma do art. 71 do Código Penal, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, por considerar que "a conduta de não apresentação das declarações de rendimentos é atípica por não ser apta a induzir o Fisco em erro, só existindo a fraude quando o contribuinte declara positivamente não haver tributos ou haver tributo inferior" (fl. 512v.).

Com a devida vênia, divirjo do Eminente Desembargador Federal Relator no tocante à atipicidade da conduta, sendo de rigor a manutenção da condenação do acusado Clemente Dana, à vista da comprovação satisfatória da materialidade, autoria e dolo, caracterizadores do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90.

Imputação. Clemente Dana foi denunciado pela prática do delito do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 porque omitiu às autoridades fazendárias rendas auferidas relativamente aos anos-calendário de 2001 e 2002, suprimindo, com isso, tributos federais. A denúncia informa que não houve pagamento ou parcelamento do débito tributário, calculado em R$ 972.500.845,90 (novecentos e setenta e dois milhões, quinhentos mil, oitocentos e quarenta e cinco reais e noventa centavos):


Consta dos autos que CLEMENTE DANA teria omitido declaração sobre rendas auferidas, notadamente referentes aos anos-calendário 2001/2002, haja vista a movimentação financeira ocorrida nesse período em instituições financeiras tanto do Brasil, quanto dos Estados Unidos da América.
Em razão de o endereço de CLEMENTE DANA não ter sido atualizado no cadastro da Receita Federal, a ciência de todos os Termos Lavrados e do Auto de Infração ocorreu por meio de Editais, sendo que o denunciado não atendeu a nenhuma das solicitações da Receita Federal.
Cumpre observar que o endereço que a Receita Federal enviou as notificações era da ex-companheira de CLEMENTE DANA, a qual ainda mantinha contato com o denunciado, conforme ele mesmo informou em sua oitiva (fl. 24/27):
"(...) QUE aproximadamente em 2004, enquanto estava em viagem no Líbano, foi surpreendido pela informação, obtida através de sua ex-companheira DULCINEIA DE FÁTIMA DA SILVA, de que a Polícia Federal teria comparecido à sua residência no Brasil (na época, Alameda Ministro Rocha Azevedo, 482, ap. 83, em São Paulo), salvo engano para o cumprimento de mandados de busca e apreensão e de prisão expedidos em seu nome".
Posteriormente, foi lavrado o Auto de Infração referente aos fatos geradores do exercício 2002/2003, relativos ao Imposto de Renda Pessoa Física, cujo crédito tributário apurado alcançou o montante de R$ 972.500.845,90 (novecentos e setenta e dois milhões, quinhentos mil, oitocentos e quarenta e cinco reais e noventa centavos (fl. 1.559 - Apenso 8).
A autoria do fato delituoso, restou comprovada através do Laudo de Exame Documentoscópico (Grafoscópico) de fls. 48/53, que concluiu que as assinaturas dos documentos questionados são autênticas; além das próprias declarações prestadas por CLEMENTE DANA (fls. 24/27).
Em seu depoimento, CLEMENTE DANA, embora tenha alegado que a conta aberta nos Estados Unidos da América era administrada pelo seu amigo GABRIEL LEWI SESZEZ, o qual não foi localizado para prestar declarações, confirmou que as demais contas, dos bancos HSBC, UNIBANCO e BANKBOSTON, eram de sua efetiva titularidade, além de ter confessado que desde o ano de 1983 não apresentava declarações à Receita Federal. Vejamos:
"(...) QUEcom relação aos créditos detectados pela Receita Federal no Brasil, em contas nos bancos HSBC, Unibanco e Bankboston, indicados à fl. 1551 do apenso VIII e relacionados às fls. 10/14 do apenso I, reconhece que era o efetivo titular das referidas contas, mas afirma que estas não guardam relação com os fatos envolvendo GABRIEL LEWI ou com as movimentações financeiras realizadas no exterior; QUE a origem dos créditos depositadas nestas contas do Brasil seriam receitas da empresa FEELING MODAS LTDA., situada na Alameda Franca, 1161, em São Paulo/SP; QUE melhor esclarecendo, o declarante, até 1983, trabalhava com o comércio (importação e exportação) de roupas, no mesmo local, em empresa denominada CLEMENTE DANA (firma individual); QUE após 1983, a empresa CLEMENTE DANA foi encerrada e, no seu lugar, sob a administração de sua ex-companheira DULCINÉIA, passou a funcionar a FEELING MODAS, mas parte das receitas auferidas por esta continuou a ser depositada nas contas em nome do declarante; QUE de fato, os créditos depositados em suas contas no Brasil não foram objeto de declaração à Receita Federal, até porque, como já informado, o declarante não apresenta suas declarações desde 1983 (...)"
Em resposta ao ofício encaminhado, a Procuradoria Regional da Fazenda, informou que não houve a notícia de pagamento tampouco de parcelamento do débito, estando este em situação de dívida ativa (fl. 89).
Logo, por ter o denunciado suprimido os tributos, livre e conscientemente, há indícios suficientes de autoria e de materialidade, verificando-se portanto a hipótese do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.
Outrossim, tendo em vista que a sonegação compreendeu todo o período de 2002/2003, isso sem considerar que CLEMENTE DANA não apresentava suas declarações desde 1983, incide no caso a aplicação do artigo 71 do Código Penal.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia CLEMENTE DANA como incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, na forma do artigo 71 do Código Penal (...). (destaques originais, fls. 95/98)

Tipicidade. Na hipótese vertente, é típica a conduta de não apresentação da declaração de rendimentos e está satisfatoriamente comprovada a fraude na redução/supressão do tributo devido.

Sonegação. Agente omisso na entrega de declaração. Dolo específico. Casuística. Não há nenhuma dúvida de que a mera inadimplência tributária não é crime de sonegação fiscal, à míngua da fraude que o caracteriza. Por outro lado, não se ignora, também, que o inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/90 tipifica a conduta de "omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias". Discute-se, assim, se o agente omisso quanto à entrega de declaração de rendimentos pratica ou não o crime de sonegação fiscal. Penso que a questão depende das circunstâncias específicas de cada caso concreto e não comporta uma resposta simples genérica, seja no sentido positivo, seja no sentido negativo.

A doutrina confirma que a mera inadimplência tributária não configura crime de sonegação, pois este decorre da fraude. É necessário que o agente atue com a finalidade específica de lesar o fisco, isto é, objetive "jamais recolher o devido":


Elemento subjetivo: para todas as figuras do art. 1º, exige-se dolo. Vamos além. É fundamental verificar a existência do elemento subjetivo do tipo específico (dolo específico), consistente na efetiva vontade de fraudar o fisco, deixando permanentemente de recolher o tributo ou manter sua carta tributária aquém da legalmente exigida. Esta é a única forma, em nosso entendimento, de evitar que o Direito Penal seja transformado em apêndice inadequado do Direito Tributário comum, buscando servir de instrumento do Estado para a cobrança de tributos. Ameaça-se com penas os devedores de tributos em geral para que, evitando-se promover a desgastante ação de execução fiscal, consiga-se o recolhimento das quantias devidas. Crime é o ilícito mais grave existente no ordenamento jurídico, destacando-se do ilícito civil, trabalhista, processual, administrativo, dentre outros, mas, sobretudo, do ilícito tributário. Um contribuinte pode estar em dificuldade financeira e deixar de recolher determinado tributo na data legalmente fixada. É evidente que sabe o que está fazendo, agindo, pois com dolo. Porém, não tem a finalidade específica de jamais recolher o devido. Pretende, assim que viável, pagar o atrasado, o que elimina, por completo, o crime, restando a infração tributária pura e simples.
(NUCCI, Guilherme de Souza, Leis penais e processsuais penais comentadas, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 871, n. 17, grifei)

Ao tipificar a omissão, o inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/90 sanciona penalmente a conduta do agente que não se queda meramente inadimplente, mas omite um dever que lhe é exigível com uma finalidade específica: jamais recolher o tributo. Essa conduta não se confunde, portanto, com a do contribuinte relapso ou tardinheiro que deixa de cumprir sua obrigação acessória por circunstâncias diversas. A rigor, o mero cumprimento da obrigação acessória é exigível ainda que o sujeito passivo não deseje ou não possa pagar a obrigação principal, como se infere da seguinte passagem doutrinária:


Desde logo, é importante deixar claro que a conduta de deixar de pagar tributo, por si só, não constitui crime. Assim, se o contribuinte declara todos os fatos geradores à repartição fazendária, de acordo com a periodicidade exigida em lei, cumpre todas as obrigações tributárias acessórias e tem escrita contábil regular, mas não paga o tributo, não está cometendo nenhum crime, mas mero inadimplemento. O crime contra a ordem tributária, com exceção da apropriação indébita (...), pressupõe, além do inadimplemento, alguma forma de fraude, que poderá estar consubstanciada na omissão de alguma declaração, na falsificação material ou ideológica de documentos, no uso de documentos material ou ideologicamente falsos, na simulação etc. As condutas fraudulentas estão descritas nos incisos dos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90. Eis aí a distinção entre inadimplência e sonegação: a fraude. Não procede, portanto, a argumentação de que a incriminação da sonegação fiscal recai sobre o mero inadimplemento. Na verdade, a sonegação pressupõe, além do inadimplemento total ou parcial da obrigação tributária, também a fraude. Sem um ou outro desses elementos, não há sonegação fiscal.
(BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo, Crimes federais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2006, p. 344, n. 11, grifei).

Embora a mera inadimplência, ainda que aí seja incluída aquela decorrente da obrigação acessória, não configure, ipso facto, o crime de sonegação, é necessário verificar, caso a caso, se o contribuinte omisso na entrega da declaração de rendimentos objetiva, por meio dessa omissão, fraudar o fisco, de sorte a jamais recolher o tributo devido: a omissão, nessa hipótese, resolve-se em mero estratagema fraudulento e é, portanto, alcançada pelo tipo do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/90.

Movimentação financeira. Omissão de receita. Tipicidade. A existência de valores creditados em conta corrente ou investimentos instituição financeira, sem a adequada comprovação de origem configura o delito de sonegação fiscal:


PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 1º, I c.c. ART. 12 LEI 8.137/90,E ART. 71, CP) - DENÚNCIA REJEITADA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - MATERIALIDADE EVIDENCIADA E EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA - REQUISITOS PARA INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL EVIDENCIADOS - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
(...)
2. Os documentos que instruem a denúncia revelam a existência de valores creditados em conta de depósito ou de investimentos, mantidas em instituição financeira, sem a necessária comprovação da origem, restando configurada, para efeitos de instauração da ação penal, a materialidade delitiva.
3. Ao ser instada pela fiscalização fazendária, a acusada assumiu inteira responsabilidade pela movimentação financeira, sem justificar, de modo aceitável, os valores apontados.
4. A ação penal, assim, é viável.
5. Recurso provido. Denúncia recebida, com instauração da ação penal e remessa dos autos à origem para regular processamento.
(TRF da 3ª Região, 5ª Turma, RSE n. 2003618100988625-SP, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 04.06.07, DJ 03.07.07, p. 498)

A movimentação de numerário de pessoa jurídica em conta particular do sócio dificulta a fiscalização tributária da pessoa jurídica, a evidenciar, conforme as circunstâncias, o intuito fraudulento:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. (...) SONEGAÇÃO FISCAL. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90. (...) LICITUDE DA PROVA PRODUZIDA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. (...)
(...)
9- É inegável a vontade livre e consciente do réu de suprimir tributos. A figura do sócio não se confunde com a da pessoa jurídica. A movimentação de numerário desta em conta particular do sócio dificulta a fiscalização tributária da pessoa jurídica, evidenciando o intuito fraudulento do réu que, inclusive, confirmou em seu interrogatório a existência do comércio informal de veículos e o depósito do valor total das transações na sua conta corrente.
(...)
16- Apelação do réu improvida. Recurso do Ministério Público parcialmente provido.
(TRF da 3ª Região, 2ª Turma, ACR n. 200261110005063-SP, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, unânime, j. 15.04.08, DJ 25.04.08, p. 667)

Do caso dos autos. É típica a conduta descrita na denúncia e subsome-se ao tipo penal do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90.

O art. 1º, I, da referida Lei estabelece o seguinte:


Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.

A denúncia descreve que o acusado não apresentou a declaração de imposto de renda pessoa física relativa aos anos-calendário de 2001 e 2002 e, com isso, omitiu das autoridades fazendárias rendimentos tributáveis, ocasionando a redução e a supressão de tributos devidos, incriminada no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90.

No caso, a fraude encontra-se consubstanciada na não apresentação da declaração de rendimentos da pessoa física nos anos-calendário de 2001 e 2002, sopesada a significativa quantia movimentada nas contas bancárias fiscalizadas.

A denúncia relata que, nos anos-calendário de 2001 e 2002, o acusado promoveu vultosa movimentação financeira em contas bancárias, mantidas em instituições financeiras localizadas no Brasil e nos Estados Unidos, porém não apresentou as declarações de rendimentos respectivas, nem efetuou o recolhimento do tributo devido, o que, por si só, revela a intenção de omitir informações ao Fisco e sonegar o pagamento dos tributos devidos.

Em alegações finais, o Ministério Público Federal assinala que, no tocante à movimentação financeira ocorrida no Brasil, os extratos das contas bancárias vinculadas ao Unibanco, BankBoston e HSBC, todas titularizadas pelo acusado, revelaram que, no ano de 2001, transitou pelas referidas contas a quantia de R$ 566.721,86 (quinhentos e sessenta e seis mil, setecentos e vinte e um reais e oitenta e seis centavos) e, no ano de 2002, a quantia de R$ 278.487,14 (duzentos e setenta e oito mil, quatrocentos e oitenta e sete reais e quatorze centavos). No que refere à movimentação financeira ocorrida no exterior nas subcontas denominadas Midler Corp. S/A e Rigler Corp. S/A, ambas ligadas à Beacon Hill Service Corporation, mantidas no JP Morgan Chase Bank, nos Estados Unidos, foi atribuída ao acusado a propriedade de R$ 527.213.086,00 (quinhentos e vinte e sete milhões, duzentos e treze mil oitenta e seis reais), no ano de 2001, e de R$ 826.902.104,28 (oitocentos e vinte e seis milhões, novecentos e dois mil, cento e quatro reais e vinte e oito centavos), no ano de 2002 (cfr. fls. 433/434, autos principais e 1.550, apenso VIII).

Os créditos identificados nas contas bancárias mantidas por Clemente, no Brasil e no exterior, foram considerados receita omitida das autoridades fiscais, considerada a não comprovação de sua origem pelo contribuinte, em conformidade com o disposto no art. 42 da Lei n. 9.430/96, que estipula o seguinte:


(...) caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações.

A não apresentação de declaração de rendimentos à Receita Federal é incompatível com a elevada cifra movimentada nas contas bancárias fiscalizadas, nos anos-calendário de 2001 e 2002, o que caracteriza presunção de omissão de receita.

Ao acusado caberia comprovar que, a despeito dessa incompatibilidade, os valores depositados nas contas bancárias não constituem renda, afastando, assim, a presunção legal, o que não ocorreu.

Desse modo, os valores creditados nas contas bancárias fiscalizadas constituem prova da omissão de rendimentos porque o contribuinte fiscalizado não logrou comprovar, satisfatória e integralmente, a origem dos recursos aplicados em tais operações, em consonância com o previsto no art. 42 da Lei n. 9.430/96.

Verifica-se, portanto, que a fraude consubstanciada na omissão de rendimentos tributáveis voltada à supressão/redução de tributo é, ainda, evidenciada pelo não-afastamento da presunção estabelecida no art. 42 da Lei n. 9.430/96, mas não apenas, sendo também corroborada pelas declarações policiais do acusado Clemente, de acordo com as quais confirmou que assinou os documentos relativos à abertura das contas Midler e Rigler, no JP Morgan Chase, nos Estados Unidos e reconheceu a titularidade das contas mantidas no Brasil junto ao HSBC, Unibanco e BankBoston, destacando-se sua afirmação no sentido de que "os créditos depositados em suas contas no Brasil não foram objeto de declaração à Receita Federal, até porque, como já informado, o declarante não apresenta suas declarações desde 1983" (fl. 26) (fls. 24/27).

Conclui-se, assim, ser típica a conduta descrita na denúncia.

Materialidade. A materialidade delitiva restou satisfatoriamente comprovada pela Representação Fiscal para Fins Penais n. 19515.002050/2007-34, que compõem os 8 (oito) apensos do presente processo, notadamente pelo Termo de Verificação Fiscal (fls. 1.543/1.552, apenso VIII), Auto de Infração e respectivos demonstrativos (fls. 1.553/1.558, apenso VIII), fichas de abertura das contas bancárias fiscalizadas, que vinculam a responsabilidade pelas movimentações financeiras ao acusado (fls. 1.411/1.416, 1.417/1.422 e 1.423/1.426, apenso VIII) e Laudo de Exame Documenstocópico n. 3.829/10, que atestou que as assinaturas em nome do acusado lançadas nos documentos das contas Midler e Rigler, do JP Morgan Chase, são autênticas (fls. 48/53), além dos extratos bancários anexados aos autos.

Segundo consta, a constituição definitiva do crédito tributário se deu em 24.08.07, considerando que o contribuinte tomou conhecimento da lavratura do auto de infração em 24.07.07 (16º dia da afixação do edital de fl. 1.560 do apenso VIII) e não apresentou impugnação no prazo de 30 (trinta) dias (Decreto n. 70.235/72, art. 10, V) (cfr. fl.434 e 451v.), encontrando-se o crédito tributário inscrito na Dívida Ativa da União, inexistindo quaisquer causas suspensivas de sua exigibilidade (fl. 89). O montante devido, atualizado em fevereiro de 2012, alcançava R$ 1.489.637.760,03 (um bilhão, quatrocentos e oitenta e nove milhões, seiscentos e trinta e sete mil, setecentos e sessenta reais e três centavos) (fls. 90/91).

Autoria. A defesa pleiteia a absolvição do acusado Clemente Dana, alegando falta de provas, uma vez que a condenação se baseou tão somente em prova da autoria delitiva colhida na fase inquisitiva sem ratificação em Juízo, em contrariedade ao art. 155 do Código de Processo Penal.

Não lhe assiste razão.

A autoria delitiva extrai-se da confissão extrajudicial do acusado Clemente Dana, em cotejo com o conjunto probatório dos autos.

Ouvido perante a Autoridade Policial, Clemente declarou que há 17 (dezessete) anos não exerce uma profissão formal e que, desde 1983, não apresenta declarações de bens e rendas no Brasil, contando com o C.P.F. suspenso.

Confirmou ter assinado documentos relativos à abertura das contas Midler e Rigler, no JP Morgan Chase, nos Estados Unidos, a pedido de seu amigo Gabriel Lewi Seszez, sem atentar para seu conteúdo.

Alegou desconhecimento da origem dos valores movimentados nessas contas, nos anos de 2001 e 2002, e da sua vinculação a uma instituição financeira no exterior.

Explicou que Gabriel utilizaria as referidas contas para operar importações e exportações de mercadorias, adicionando que apenas assinou os documentos de abertura, não tomando conhecimento do que sucedeu posteriormente, acreditando que "GABRIEL ou outra pessoa possam ter utilizado seu nome para operar, sem seu conhecimento, a conta bancária para cuja abertura fornecera antes seu nome e assinatura" (fl. 26).

Reconheceu a titularidade das contas mantidas no Brasil junto ao HSBC, Unibanco e BankBoston e justificou que os valores movimentados nessas contas provinham da empresa Feeling Modas Ltda., pertencente a sua ex-companheira, que utilizava suas contas bancárias para depósito das receitas auferidas pela empresa (fls. 24/27).

Não obstante as vultosas quantias movimentadas nas contas fiscalizadas, o acusado afirmou que "os créditos depositados em suas contas no Brasil não foram objeto de declaração à Receita Federal, até porque, como já informado, o declarante não apresenta suas declarações desde 1983" (fl. 26).

Não convence que o acusado Clemente Dana desconhecesse a finalidade das contas bancárias mantidas no exterior, tendo em vista constar do Laudo de Exame Econômico-Financeiro n. 1.033/04 que Gabriel Lewi Seszez e Clemente Dana são presidente e vice-presidente da empresa Midler, respectivamente (fl. 114, apenso I) e do Laudo de Exame Econômico-Financeiro n. 1.046/04 que Gabriel e Clemente são também presidente e vice-presidente da empresa Rigler, respectivamente (fl. 131, apenso I).

Ademais, consoante se extrai do Termo de Verificação Fiscal, restou apurado que as autorizações dos débitos na conta Midler, enviadas para os Estados Unidos, via fac-símile, estão assinadas por Clemente Dana desde 02.02.01, bem como que, antes da designação nos cargos de presidente e vice-presidente da Midler S/A, seus sócios Gabriel Lewi e Clemente Dana assinaram diariamente autorizações para movimentação da conta. Prática semelhante se deu com relação à conta Rigler (cfr. fl. 1.547, apenso VIII e fls. 1.260/1.309, apenso VII).

É dispensável a comprovação do dolo específico, bastando a demonstração de que o acusado omitiu às autoridades fazendárias informações sobre sua movimentação bancária, cuja origem não esclareceu, e, assim agindo, reduziu e suprimiu tributos devidos, do que decorreu a constituição de crédito tributário.

Restaram suficientemente comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo do acusado na prática do delito do art. 1°, I, da Lei n. 8.137/90, sendo de rigor a manutenção de sua condenação.

Dosimetria. Consideradas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, o MM. Magistrado a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 311 (trezentos e onze) dias-multa.

Reconheceu a incidência da atenuante do art. 65, I, do Código Penal, por ter o acusado mais de 70 (setenta) anos na data da sentença, e reduziu a pena em 5 (cinco) meses, perfazendo 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão e 283 (duzentos e oitenta e três) dias-multa, por proporcionalidade.

Sem agravantes.

Fez incidir a causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, em face do gravíssimo dano à coletividade, à razão de 1/2 (metade), resultando as penas de 6 (seis) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 424 (quatrocentos e vinte e quatro) dias-multa.

Reconheceu a continuidade delitiva, tendo em vista que o acusado perpetrou as condutas delitivas nos anos-calendário de 2001 e 2002, visando a redução dos tributos devidos, à razão de 1/3 (um terço), totalizando 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 565 (quinhentos e sessenta e cinco) dias-multa, que tornou definitivo.

Arbitrou o valor unitário do dia-multa em 5 (cinco) vezes o salário mínimo vigente ao tempo do crime, montante que triplicou, à vista da situação econômica do acusado, que movimentou quantias milionárias em suas contas bancárias.

Estabeleceu o regime inicial fechado, sendo determinada a custódia cautelar do acusado, considerando que se evadiu do distrito da culpa, não sendo encontrado sequer em seu país de origem.

Recorre a defesa com os seguintes objetivos:

a) é devida a redução da pena-base ante à inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis;
a.1) a condenação do acusado pela prática do delito do art. 22 da Lei n. 7.492/86 corresponde a fato posterior aos fatos descritos na denúncia, de modo que não se presta à majoração da pena-base, seja a título de antecedentes criminais, seja a título de conduta social, seja a título de personalidade voltada à prática delitiva;
a.2) a circunstância de o acusado ter afirmado não recolher tributos no Brasil desde 1983 também não pode ser valorada em seu desfavor, considerando que os fatos dizem respeito aos anos-calendário de 2001 e 2002, bem como o fato de o acusado ser estrangeiro tampouco pode ser levado em conta para a exasperação da pena-base, como indicadores da circunstância judicial relativa à personalidade;
a.3) a sentença não fundamenta a elevação da pena-base em razão das consequências do delito, motivo pelo qual não deve incidir referida circunstância judicial;
a.4) tampouco incide a circunstância judicial relativa às consequências do delito em razão da aplicação da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90;
a.5) é também indevida a majoração da pena-base em razão da circunstância judicial relativa às circunstâncias do crime, tendo em vista que não há elementos nos autos que justifiquem outras considerações negativas quanto à gravidade do delito;
a.6) é devida maior redução da pena em decorrência da atenuante do art. 65, I, do Código Penal, tendo em vista a fixação da pena-base 4 (quatro) vezes acima do mínimo legal, sendo que o Superior Tribunal de Justiça entende que a fração de 1/6 (um sexto) mostra-se razoável e proporcional, devendo ser observada a proporcionalidade entre a diminuição realizada na segunda fase e o aumento efetuado sobre a pena-base;
b) é devida a exclusão da causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, que não restou descrita na denúncia, que se limitou a indicar o valor do tributo supostamente sonegado, o que contraria o contraditório e a ampla defesa;
b.1) mantida a causa de aumento do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, requer-se a redução do aumento respectivo para 1/2 (metade), considerando que não foi justificado o aumento estabelecido na sentença;
c) é devida a incidência de apenas uma das causas de aumento de pena, a do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 ou a do art. 71 do Código Penal, tendo em vista que não restou demonstrado na sentença que cada uma das condutas teria gerado, por si, dano grave à coletividade;
c.1) evidencia-se duplo bis in idem na sentença "ao fazer considerações sobre o número de condutas e o valor global do prejuízo para justificar a exasperação da pena-base e, ao mesmo tempo, na terceira fase da dosimetria da pena, considerar tais vetores, por ocasião da incidência das causas de aumento da continuidade delitiva e do artigo 12, I, Lei 8137/90" (fl. 477v.);
c.2) prevalecendo o aumento relativo à continuidade delitiva, a respectiva fração deve ser reduzida para 1/6 (um sexto);
d) é devida a redução da pena de multa de modo proporcional à pena privativa de liberdade aplicada;
e) é também devida a redução do valor do dia-multa que foi arbitrado desproporcionalmente à situação econômica do acusado (fls. 467/481v.).

O recurso de apelação da defesa merece parcial provimento.

A pena-base foi arbitrada na sentença acima do mínimo legal em razão das circunstâncias do crime, suas consequências e personalidade do acusado, nos seguintes termos:

Considerando as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, "caput", do Código Penal, entendo pela impossibilidade de aplicar ao acusado a sanção penal em seu patamar mínimo, especialmente em face das circunstâncias do crime, suas consequências, bem como da personalidade do acusado.
De fato, merece consideração a indiferença do acusado, que é estrangeiro, quanto à inobservância da legislação brasileira de modo intencional e reiterado. De fato, como ressaltou o órgão ministerial, o próprio réu admitiu não ter respeitado as regras tributárias do Brasil desde 1983, embora auferisse renda durante todo o período.
Também é necessário ponderar que o acusado possui personalidade voltada para a prática de crimes, eis que já definitivamente condenado pelo delito previsto no art. 22 da Lei 7.492/86, por ter mantido, no exterior, depósitos não declarados à repartição federal competente. Embora não conste dos autos o trânsito em julgado da sentença penal condenatória deste feito, a pesquisa no sítio do Supremo Tribunal Federal aponta que foram improvidos todos os recursos interpostos pelo réu, sendo iminente o início da execução penal (http://www.stj.jus.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=88&dataPublicacaoDj=03/05/2016&incidente=4582247&codCapitulo=6&numMateria=61&codMateria=2).
Além disso, registro que o acusado praticou a sonegação fiscal a partir de duas frentes distintas, vale dizer, omitiu rendimentos obtidos em três instituições financeiras brasileiras e rendimentos obtidos em duas contas mantidas no banco JP Morgan Chase Bank, demonstrando habilidade e sofisticação na forma pela qual praticou o crime, que envolveu a abertura de contas cifradas no exterior, por onde transitaram valores da ordem de centenas de milhões de reais. Na realidade, é difícil imaginar situação mais grave do crime de sonegação fiscal do que a tratada nos presentes autos.
Por tais motivos, fixo a pena base em QUATRO (04) ANOS E OITO (08) MESES DE RECLUSÃO e, seguindo o mesmo critério da proporcionalidade, fixo a pena de multa em TREZENTOS E ONZE (311) DIAS-MULTA. (destaques originais, fls. 454v./455)

Verificados os apontamentos criminais em nome do acusado, juntados às fls. 57/58, 117/121, 125/128, 130 e 173 e em consulta ao sistema informatizado da Justiça Federal de primeira instância, extrai-se que, no tocante à Ação Criminal n. 2004.61.81.006316-0, que tramitou perante a 2ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes de Lavagem de Dinheiro de São Paulo (SP), versando sobre a prática do delito do art. 22 da Lei n. 7.492/86, já se deu o trânsito em julgado para a acusação, como para a defesa, com registro em sistema em 23.05.17, sendo determinada a expedição de guia de recolhimento para o início da execução da pena, com registro em sistema em 06.03.18, de modo que é adequada sua utilização para valoração da personalidade do acusado, conforme estabelecido na sentença.

Os delitos de sonegação fiscal foram perpetrados mediante o uso de 3 (três) instituições financeiras nacionais (HSBC, Unibanco e BankBoston) e de 1 (uma) instituição financeira estrangeira localizada nos Estados Unidos (JP Morgan Chase), em cujas contas transitaram valores milionários, o que enseja valoração negativa das circunstâncias do delito, conforme assinalado na sentença.

No que concerne às consequências do delito, a despeito de o valor do débito constituir circunstância judicial passível de ensejar a exasperação da pena-base do delito de sonegação fiscal (STJ, AGARESP n. 201300501322, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo, Des. Conv. do TJ/PE, j. 24.03.15; HC n. 201400942633, Rel. Min. Ericson Maranho, Des. Conv. do TJ/SP, j. 18.12.14; RESP n. 200901397670, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, j. 20.06.13; HC n. 201001879839, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07.05.13; HC n. 200602476529, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 00037483820114036110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 27.04.15; ACR n. 00156227920044036105, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, j. 25.11.14; EIFNU n. 01039128519944036181, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 21.11.13; ACR n. 00088818120074036181, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 28.05.13), a jurisprudência considera inadmissível bis in idem valorar negativamente a gravidade do dano na primeira fase da determinação da pena-base como circunstância judicial (CP, art. 59, caput) e, depois, também, como causa de aumento (Lei n. 8.137, art. 12, I) (STJ, HC n. 200602476529, Min. Rel. Gilson Dipp, j. 08.05.07; TRF 3ª Região, ACR n. 04006814619964036103, Juiz Fed. Convocado Márcio Mesquita, j. 04.12.07; TRF 2ª Região, ACR n. 200650020003508, Des. Fed. Vigdor Teitel, j. 18.08.10; TRF 4ª Região, ACR n. 200271000166146, Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, j. 28.03.07; TRF 4ª Região, ACR n. 200004010006151, Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro, j. 20.08.03). Sendo assim, considerando a valoração do montante sonegado na terceira etapa da dosimetria das penas, para fins de incidência da causa de aumento prevista no art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, merece reforma sua valoração também como circunstância judicial.

Assinalo que o fato de o acusado ser estrangeiro, por si só, não constitui critério hábil a influir na fixação da pena-base. A alusão que a sentença faz à indiferença do acusado com relação à legislação brasileira tributária, o qual confessou que não apresenta declaração de rendimentos às autoridades fazendárias desde 1983, é que merece ser sopesada, como indicativo de maior culpabilidade do acusado.

Assim, excluída a circunstância judicial relativa às consequências delitivas e, por estarem presentes as circunstâncias judiciais relativas à personalidade, circunstâncias do delito e culpabilidade, reduzo a pena-base para 3 (três) anos de reclusão.

A majoração da pena-base com fundamento nas circunstâncias judiciais relativas às circunstâncias do crime, suas consequências e personalidade do acusado não obsta se considere, em grau recursal, a circunstância judicial relativa à culpabilidade do acusado, tendo em vista que o fato que rende ensejo à valoração desfavorável da culpabilidade foi sopesada na sentença, na apreciação das penas (cfr. fl. 454v.), não implicando o reconhecimento de reformatio in pejus.

Nesse sentido, anoto que a reavaliação dos critérios considerados nas várias etapas de fixação da pena não implica, por si só, em reformatio in pejus, haja vista que não houve aumento do quantum final da pena imposta. O recurso da defesa, ainda que exclusivo, devolve integralmente o exame da matéria com todas as suas circunstâncias (STJ, HC n. 200900636130, Rel. Min. Felix Fischer, unânime, j. 08.09.09; TRF da 4ª Região, RvCr n. 200904000323795, Rel. Des. Fed. Victor Luiz dos Santos Laus, unânime, j. 18.02.10; TRF da 4ª Região, ACR n. 200372020041039, Rel. Des. Fed. Eloy Bernst Justo, unânime, j. 13.06.07).

Presente a atenuante do art. 65, I, do Código Penal, tendo em vista que o acusado contava com mais de 70 (setenta) anos, na data da sentença (cfr. fl. 455), redimensiono a redução respectiva para 1/6 (um sexto), o que perfaz 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Ausentes circunstâncias agravantes e causas de diminuição de pena.

Reconhecida, com acerto, a causa de aumento de pena do art. 12, I, da Lei n. 8.137/90, em razão da gravidade do dano, consubstanciado no valor do imposto sonegado, sem juros e multa, equivalente a R$ 372.483.553,33 (trezentos e setenta e dois milhões, quatrocentos e oitenta e três mil, quinhentos e cinquenta e três reais e trinta e três centavos), à data da lavratura do auto de infração (cfr. fl. 1.556, apenso VIII), reputo adequado o aumento de pena de 1/2 (metade), definido na sentença, o que resulta 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão.

Reconhecida, com igual acerto, a continuidade delitiva em decorrência da prática da sonegação fiscal por 2 (dois) anos fiscais consecutivos (2001 e 2002), nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, (CP, art. 71), reduzo o aumento respectivo para 1/6 (um sexto), totalizando 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

Não procede a alegação da defesa de que se incorreu em bis in idem na sentença "ao fazer considerações sobre o número de condutas e o valor global do prejuízo para justificar a exasperação da pena-base e, ao mesmo tempo, na terceira fase da dosimetria da pena, considerar tais vetores, por ocasião da incidência das causas de aumento da continuidade delitiva e do artigo 12, I, Lei 8137/90" (fl. 477v.), considerando que o número de condutas e o valor do dano não foram valorados na primeira fase da dosimetria, nada obstando a incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei n. 8.137/90 em razão do montante sonegado, valorado apenas na terceira fase da dosimetria, bem como do aumento relativo à continuidade delitiva, que é uma ficção jurídica que reduz a pena decorrente do concurso material em razão de os delitos terem sido perpetrados nas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução.

Dado que tanto a pena privativa de liberdade quanto a pena de multa sujeitam-se a critérios uniformes para a sua determinação, é adequada a exasperação proporcional da sanção pecuniária (TRF da 3ª Região, EI n. 0004791-83.2006.4.03.6110, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 16.02.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0002567-55.2013.4.03.6102, Des. Fed. Cecilia Mello, j. 20.09.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 0003484-24.2012.4.03.6130, Rel. Des. Fed. Mauricio Kato, j. 11.04.16). Sendo assim, a pena de multa deve ser reduzida para 21 (vinte e um) dias-multa.

Torno definitivas as penas de 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa.

No que refere ao valor unitário do dia-multa, a sentença estipulou o seguinte:


(...) fixo o valor unitário de cada dia-multa em cinco (05) vezes o salário mínimo vigente ao tempo do crime, nos termos do artigo 49 do Código Penal, considerando situação econômica do réu. Entretanto, por entender que, mesmo aplicada no máximo, a pena de multa seria ineficaz, dada a situação econômica do réu, que movimentou quantias milionárias em suas contas bancárias, triplico a sanção pecuniária fixada, nos termos do art. 60, parágrafo 1º do Código Penal, devendo haver atualização monetária quando da execução. (fl. 455v.)

Qualificado perante a Autoridade Policial, o acusado declarou ser desempregado (fl. 32). Entretanto, restou demonstrado ao longo da instrução processual que foi vice-presidente das empresas Midler e Rigler (cfr. fls. 114 e 131, apenso I), em cujas contas, mantidas perante o JP Morgan Chase, nos Estados Unidos, autorizou a movimentação de valores milionários (R$ 527.213.086,00, no ano de 2001, e R$ 826.902.104,28, no ano de 2002, fls. 433/434, autos principais e 1.550, apenso VIII).

O fato de ter declarado, extrajudicialmente, que há cerca de 17 (dezessete) anos não exerce emprego ou profissão formais e que não apresenta declaração de rendimentos desde 1983 (cfr. fl. 24) não pode favorecê-lo, tudo indicando constituir expediente para a consecução da sonegação fiscal.

Reputo adequado, portanto, o arbitramento do valor unitário do dia-multa nos moldes estipulados na sentença, em montante equivalente a 5 (cinco) salários mínimos, considerados os critérios de fixação da pena de multa previstos no art. 49, § 1º, do Código Penal, aumentado até o triplo, em conformidade com o disposto no art. 60, § 1º, do Código Penal.

Ante à redução da pena privativa de liberdade, estabeleço o regime inicial semiaberto, em conformidade com o disposto no art. 33, § 2º, b, do Código Penal.

Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, tendo em vista que não foram preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.

Mantenho a prisão cautelar do acusado, pelos fundamentos utilizados na sentença (cfr. fl. 455v.), observando-se o recolhimento em estabelecimento prisional adequado.

Ante o exposto, reconhecida a tipicidade da conduta delitiva descrita na denúncia, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação da defesa de Clemente Dana para reduzir a pena-base, exasperar a fração de diminuição relativa ao art. 65, I, do Código Penal e reduzir a quantidade de dias-multa e, por consequência, abrandar o regime prisional de início da pena privativa de liberdade, cominando-lhe, definitivamente, as penas de 4 (quatro) anos, 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa, em regime inicial semiaberto, mantidos os demais termos da sentença (divirjo do Relator).

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005692-27.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.005692-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : CLEMENTE DANA
ADVOGADO : LEONARDO HENRIQUE SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00056922720094036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela Defesa de Clemente Dana em face da sentença de fls. 450/456, na qual foi julgada procedente a denúncia a fim de condená-lo a cumprir a pena privativa de liberdade de oito (08) anos e seis (06) meses de reclusão, a ser cumprida no regime fechado, bem como a pagar o valor correspondente a quinhentos e sessenta e cinco (565) dias-multa, como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso I, c.c. artigo 12, inciso I, ambos da Lei nº 8.137/90, na forma do artigo 71, do Código Penal.

Em suas razões de apelação às fls. 467/481, a defesa sustenta ausência de prova de autoria delitiva em juízo e, na dosimetria, aduz a fixação da pena base ao mínimo legal; elevação da fração aplicada referente à atenuante etária; afastamento da causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90, sob pena de violação ao princípio da correlação, e, subsidiariamente, a sua aplicação em patamar mínimo; afastamento da causa de aumento da continuidade delitiva em conjunto com a prevista no artigo 12, inciso I, da Lei nº 8.137/90, bem como a redução daquela e, por fim, aplicação proporcional da pena de multa com a privativa de liberdade fixada e redução do dia-multa.

Contrarrazões apresentadas às fls. 483/493.

Em parecer acostado às fls. 499/502, a Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso interposto pela defesa.

É o relatório.

À revisão.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005692-27.2009.4.03.6181/SP
2009.61.81.005692-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : CLEMENTE DANA
ADVOGADO : LEONARDO HENRIQUE SOARES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00056922720094036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Clemente Dana foi denunciado como incurso nas penas do artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, na forma do artigo 71 do Código Penal, porque, nos anos-calendários de 2001 e 2002, suprimiu o IRPF devido ao deixar de entregar as respectivas declarações, o que ocasionou a omissão às autoridades fazendárias do recebimento de vultosos rendimentos tributáveis em contas-correntes de sua titularidade, mantidas em instituições financeiras localizadas no Brasil e nos Estados Unidos da América.

A fiscalização lavrou o auto de infração (fls. 1.556/1.558 do apenso VIII) relativo ao Imposto de Renda Pessoa Física no valor de R$ 372.483.553,33 (trezentos e setenta e dois milhões e quatrocentos e oitenta e três mil e quinhentos e cinquenta e três reais e trinta e três centavos), excluído multa e juros, conforme consta no procedimento administrativo fiscal nº 19515.001801/2007-03.

A constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em 24.08.2007.

A denúncia foi recebida em 12.04.2012 (fl. 103)

Após o regular processamento do feito, sobreveio a sentença de fls. 450/456, publicada em 29.05.2017, na qual foi julgada procedente a denúncia a fim de condená-lo a cumprir a pena privativa de liberdade de oito (08) anos e seis (06) meses de reclusão, a ser cumprida no regime fechado, bem como a pagar o valor correspondente a quinhentos e sessenta e cinco (565) dias-multa, como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso I, c.c. artigo 12, inciso I, ambos da Lei nº 8.137/90, na forma do artigo 71, do Código Penal.

Antes de enfrentar as teses recursais, é importante analisar a conduta que ensejou a presente condenação, descrita no art. 1°, I, da Lei n. 8.137/90, que dispõe:

"Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

[...]

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa."


Como já salientado em julgamento anteriores, revejo meu posicionamento para entender que a omissão na entrega da Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física não configura, por si só, a omissão fraudulenta descrita na norma penal.

A sonegação pressupõe, além do inadimplemento total ou parcial da obrigação tributária, também a fraude. Ao retirar o ardil da conduta, recai no mero inadimplemento, para o qual a sua criminalização é obstada pelo ordenamento jurídico por constituir violação à vedação da prisão por dívida.

É necessário realizar uma interpretação sistemática da norma, uma vez que não é razoável atribuir ao direito penal a função de proteger bem jurídico já amplamente tutelado pelos outros ramos que compõem o ordenamento, em grave violação ao princípio da fragmentariedade.

O artigo 1°, inciso I, da Lei n. 8.137/90 não é claro para abranger aquele que se omite no dever de prestar a declaração ao Fisco, portanto, deve ser interpretado de forma restrita e em benefício para o agente que pratica a conduta.

A lei penal não define como crime o não recolhimento de tributo pela falta de entrega de declaração ao Fisco, inclusive, diante de atenta leitura do dispositivo, as ações-meios para caracterizar o crime em questão rementem a condutas capazes de induzir em erro, fraudar ou de algum modo falsear a realidade.

Com efeito, perfilho o entendimento de que a omissão ou a informação falsa pressupõe a existência de uma declaração do tributo que não traz todos os dados necessários ao cálculo dos tributos devidos ou traz dados inverossímeis.

Neste ponto, preleciona Hugo Machado de Brito que a omissão ou a falsidade, para que integrem o tipo penal em questão, devem ser aptas a impedir que a autoridade promova o lançamento do tributo pelos meios dos quais ordinariamente dispõe, por exemplo, deixar de apresentar a declaração de rendimento, em determinado exercício, por si só, não configura a ação-meio necessário para a integração do tipo penal em questão (in Crimes Contra a Ordem Tributária, Editora Gen/Atlas, 4ª edição, 2015).

A conduta de não-apresentação das declarações de rendimentos é atípica por não ser apta a induzir o Fisco em erro, só existindo a fraude quando o contribuinte declara positivamente não haver tributos ou haver tributo inferior, é necessário o meio documental para a prática.

A não apresentação da declaração do imposto de renda para tentar se eximir do pagamento pode acabar apenas por adiar a cobrança ou, eventualmente, beneficiar o contribuinte da inércia do Fisco, isto poderá acarretar obtenção de vantagem, o que não se trata de elementar do tipo.

No caso dos autos, o acusado não entregou ao Fisco as declarações de ajuste anual referentes aos anos-calendários 2001/2002, o que revela que não teve a intenção de fraudar o sistema administrativo-tributário, conforme relatório fiscal nos autos do procedimento-fiscal 19515.001801/2007-03 (fls.1.543/1.552).

Porquanto, não restou provado nos autos qualquer indício para ao menos sugerir uma possível tentativa do apelado em mascarar uma situação ou produzir uma distorcida imagem da realidade.

É de rigor absolver o réu por atipicidade da conduta.

Ante o exposto, absolvo o réu Clemente Dana, por atipicidade, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal das imputações previstas nos artigo 1º, inciso I, c.c. artigo 12, inciso I, ambos da Lei nº 8.137/90, na forma do artigo 71, do Código Penal, referentes aos anos-calendários 2001/2002, por fim, julgo prejudicada a apelação interposta pelo réu.

É como voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 28/06/2018 14:12:48