D.E. Publicado em 17/07/2018 |
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EMENTA
- Ação ajuizada pelo CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO, que objetiva a declaração de nulidade da Resolução Normativa RN ANS nº 153/2007, por entender que a referida resolução instituiu sistema de "trocas de informações em saúde suplementar" (TISS), permitindo compartilhamento de diversas informações de pacientes entre as operadoras de planos de saúde. Entre as informações compartilhadas, algumas se referem à classificação da doença (CID-10), informação íntima do paciente, fato que viola sigilo médico, privacidade e intimidade dos usuários de plano de saúde.
- A resolução nº 153/2007 contraria a resolução nº 1.246/88 do Conselho Federal de Medicina que estabelece que é vedado ao médico "revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo motivo de justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente".
- O compartilhamento de diagnósticos médicos entre as operadoras de plano de saúde, sem autorização do paciente, ofende direito fundamental à intimidade e à privacidade dos usuários dos serviços de saúde (art. 5º, X, da Constituição Federal).
- Apelação da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela a AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS visando a reforma da r. sentença que, em sede de ação civil pública, julgou procedente o pedido e, em consequência, condenou a ANS em abster-se, permanentemente, de exigir a inclusão de dados confidenciais e íntimos dos pacientes acerca do seu estado de saúde, em especial a indicação do CID (Classificação Internacional da Doença), em qualquer documento ou formulário do SISTEMA DE TROCA DE INFORMAÇÕES EM SAÚDE SUPLEMENTAR - TISS, que condicione a prestação de serviço contratado e o pagamento dos custos decorrentes de serviços médicos, assim como, de proibir a troca de informações entre as operadoras de plano de saúde a ela vinculados, evitando qualquer tentativa de criação de listas negras dos usuários.
Tutela concedia para o efeito de implementar as referidas vedações, especialmente dos Planos de Saúde em não recusarem o pagamento de despesas por ausência de informação do CID nos formulários componentes do Sistema TISS. Honorários advocatícios fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Em seu recurso, a AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS sustenta, em síntese, que a resolução normativa nº 153/2007 não viola sigilo médico ou intimidade dos pacientes, pois norma não obrigou as operadoras de planos de saúde a trocar novas informações, apenas padronizou guias e informações já trocadas entre as operadoras. Alega que indicação de código da doença (CID-10) tem relevância para estudos sobre qualidade de assistência médica. Afirma que referida resolução prevê regras de segurança e prevenção da intimidade dos pacientes. Por fim, aduz que não compartilhamento do código CID-10 não evitaria criação de "lista negra" de pacientes entre as operadoras de planos de saúde.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Egrégio Tribunal Regional Federal.
O Órgão Ministerial opina, em segunda instância, pelo não provimento do recurso da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS.
É o relatório.
VOTO
O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO ajuizou a presente Ação Civil Pública, objetivando a condenação da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS, em abster-se, permanentemente, de exigir a inclusão de dados confidenciais e íntimos dos pacientes acerca do seu estado de saúde, em especial o CID (Classificação Internacional da Doença), em qualquer documento ou formulário, condicionando a prestação de serviço contratado e o pagamento dos custos decorrentes de serviços médicos, bem como, a proibição da troca de informações entre as operadoras de plano de saúde a ela vinculados, evitando qualquer tentativa de criação de listas negras dos usuários.
Informa o CONSELHO, em síntese, que a ANS editou a Resolução Normativa ANS nº 153/2007 que "estabelece padrão obrigatório para a troca de informações (Troca de Informações em Saúde Suplementar - TISS) entre operadores de planos privados de assistência à saúde e prestadores de serviços de saúde sobre os eventos de saúde, realizados em beneficiários de plano privado de assistência à saúde e dá outras providências". Todavia, ao editar tal norma, a ANS extrapolou os limites de sua competência, que se restringe em "autorizar o registro e o funcionamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde..." atentando contra o direito à intimidade, o princípio da dignidade da pessoa humana, o sigilo médico da relação médico-paciente e o código de ética médico, pois, segundo o dispositivo atacado, detalhes de tratamentos médicos dos pacientes dos diversos planos privados de assistência a saúde seriam compartilhados entre os planos de saúde, sem a autorização do paciente, expondo suas mazelas à todas as operadoras e planos privados de assistência à saúde, de forma a ferir sua dignidade e atentar contra o sigilo médico, característico da relação médico/paciente.
Defende que não deve haver ação estatal que utilize a pessoa como meio para atingir uma finalidade meramente administrativa. Alega que a nova regra trazida pela Resolução ANS nº 153/2007 possibilita e facilita a elaboração de listas negras, pois os planos privados de assistência a saúde podem identificar portadores de certas doenças e, de acordo com a gravidade ou com os gastos que a doença pode gerar aos planos privados, de impedi-los de contratar outro plano ou mesmo do ingresso de pacientes que utilizem muito o plano de saúde que causem excessivo ônus às empresas.
Pois bem.
Passo à analise das alegações invocadas no apelo, sem me ater, entretanto, à ordem em que foram colocadas.
Ressalto, de imediato, que, conforme observado pelo parecer ministerial, a AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS, por meio da resolução normativa nº 153/2007, instituiu sistema de "trocas de informações em saúde suplementar" (TISS), permitindo compartilhamento de diversas informações de pacientes entre as operadoras de planos de saúde. Entre as informações compartilhadas, algumas se referem à classificação da doença (CID-10), informação íntima do paciente, fato que viola sigilo médico, privacidade e intimidade dos usuários de plano de saúde.
A resolução nº 153/2007 contraria a resolução nº 1.246/88 do Conselho Federal de Medicina que estabelece que é vedado ao médico "revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo motivo de justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente".
Ademais, o compartilhamento de diagnósticos médicos entre as operadoras de plano de saúde, sem autorização do paciente, ofende direito fundamental à intimidade e à privacidade dos usuários dos serviços de saúde (art. 5º, X, da Constituição Federal).
Reporto-me, ainda, aos fundamentos da r. sentença: "o conflito, portanto, não se apresenta na coleta ou mesmo na obrigação de adoção, pelos Planos de Saúde, de uma rotina padronizada de fornecimento de informações decorrentes dos serviços que prestam, mas na circunstância das informações exigidas - neste caso específico a indicação do CID do paciente ou mesmo, no caso de sua eventual dispensa, da exigência de equivalente tipo de informações de pacientes - implicar em clara agressão ao direito à intimidade do paciente e objeto de proteção não só constitucional mas também legal.
Em matéria de psiquiatria se busca até mesmo evitar que se atribua um nome à enfermidades a fim de impedir estigma, ou seja, rotular o enfermo. E este estigma pode provir do rótulo a determinadas enfermidades consistente, exatamente, no CID. A natureza complexa do ser humano nunca permitiu a redução a um simples código.
No caso, o risco de um erro de diagnóstico já seria suficiente para evitar o emprego. Como a mera suspeita da enfermidade - nem mesmo sua confirmação - já enseja a rotulação do paciente, tem-se por evidente a agressão ao direito à intimidade.
Não é novidade o argumento de não haver a quebra de sigilo se aquele que obtém as informações também se encontra obrigado à preservá-lo, amiúde empregado pelo fisco em suas ações contra contribuintes e sempre rejeitado, por não se poder atribuir ao destinatário da informação elemento dominante capaz de estabelecer ou não a divulgação da informação protegida.
Sendo o destinatário da proteção, o cidadão ou, no caso, o paciente, é sempre em relação a ele que se examinará se a informação integrante de sua esfera de intimidade pode ou não ser objeto de divulgação.
No caso, não será pelas informações se encontrarem protegidas no âmbito das operadoras de Planos de Saúde que o médico, ao prestar aquelas informações não estará quebrando a confiança entre ele e seu paciente. As causas excludentes da quebra do sigilo são apenas as contempladas na lei, não se havendo de encontrá-las em Resolução da ANS ou em Resolução do CFM.
Neste contexto, tendo em vista que, graças à implantação do padrão obrigatório para troca de informações em saúde suplementar - padrão TISS - em todas as guias passou a ser obrigatória a indicação da Classificação Internacional de Doenças - CID, informação esta que segue em conjunto com a identificação do paciente, não há como não visualizar a sua divulgação como agressão ao direito à intimidade do paciente.
É certo que o paciente pode abrir mão deste direito de reserva e hoje se pode observar que artistas e pessoas públicas divulgam suas enfermidades. Por outro lado, há também o caso da divulgação de uma enfermidade na visão de um paciente que foi alvo de aceso debate político na eleição para a Prefeitura de São Paulo.
O conflito, acreditamos, deve ser resolvido à partir da livre manifestação de vontade do paciente e para que esta seja livre, é evidente que não haja qualquer ônus para quem pretenda exercer seu direito à intimidade, ou seja, em se impondo uma restrição ao não pagamento de despesas médicas caso não haja tal permissão, há de se tida a vontade manifestada pelo paciente como viciada por coação.
Examinando-se este ponto observa-se que nos casos de informação da CID não ser fornecida, segundo as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, as operadoras de planos privados de assistência à saúde podem negar cobertura aos procedimentos, exames, consultas e tratamentos, e legitimadas exatamente pela Resolução da ANS aqui hostilizada.
Conforme concluiu o Juízo Federal da Primeira Vara Federal de Pernambuco, na prática, os pacientes se vêm obrigados ou coagidos a autorizar a indicação da CID, a fim de que as operadoras de planos privados de assistência à saúde, não se neguem a custear as consultas, procedimentos, exames, tratamentos.
Isto não pode ser admitido na medida em que permite que o exercício de um direito constitucional pelo cidadão - direito à intimidade - seja objeto de sanção (não custeio das despesas médicas) sob beneplácito da ANS a quem caberia, exatamente, coibir esta prática.
Neste contexto fático impossível não concluir como ilegal e indevida a obrigação de indicação do CID em fichas de informação do sistema TISS, por violar o direito à intimidade e o dever de sigilo decorrente da relação médico-paciente e caracterizar a informação uma infração ética."
A questão debatida nos autos, inclusive, já foi enfrentada na Justiça Federal integrante de outras regiões:
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de apelação da AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS.
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Data e Hora: | 21/06/2018 15:54:20 |