D.E. Publicado em 02/10/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar suscitada, dar parcial provimento aos apelos dos réus, de ofício, alterar a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União, nos termos do relatório e voto do Relator. Por maioria, negar provimento ao apelo do Ministério Público Federal, nos termos do voto do Des. Fed. Wilson Zauhy, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Relator. Por maioria, determinar a expedição de guia de execução para cumprimento das penas restritivas de direito, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Quanto à reparação de danos observo o seguinte.
A reparação de danos disposta no artigo 387, IV do CPP é norma de direito material mais gravosa ao réu, por conseguinte, não pode ser aplicada retroativamente em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. Nesse sentido, trago julgado do C. STJ:
"RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. REPARAÇAO CIVIL MÍNIMA. ART. 387 , IV, DO CPP. IRRETROATIVIDADE. NORMA DE DIREITO MATERIAL. FIXAÇAO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PEDIDO DO OFENDIDO E OPORTUNIDADE DE DEFESA AO RÉU.
1. A inovação legislativa introduzida pela Lei nº 11.719/2008, que alterou a redação do inciso IV, do art. 387, do Código de Processo Penal, possibilitando que na sentença seja fixado valor mínimo para a reparação dos prejuízos sofridos pelo ofendido em razão da infração, ao contemplar norma de direito material mais rigorosa ao réu, não pode ser aplicada a fatos praticados antes de sua vigência, como no caso dos autos, em que a conduta delituosa ocorreu em 15/5/2003.
2. A permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a indenizatória não dispensa a existência de expresso pedido formulado pelo ofendido, dada a natureza privada e exclusiva da vítima.
3. A fixação da reparação civil mínima também não dispensa a participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito ao contraditório e à ampla defesa.
4. Recurso especial a que se nega provimento. "(REsp 1206635/RS, Rel. Ministro MARÇO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 09/10/2012 - grifamos e negritamos).
No caso concreto, os fatos ocorreram no período entre 14/12/2001 e 12/04/2006, anteriores, portanto, à vigência da Lei 11.719/2008.
Assim, incabível a condenação dos réus em valor de reparação de danos.
Deixo de determinar a expedição de guia de execução ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
O Ministério Público Federal denunciou VILSON ROBERTO DO AMARAL e MANOEL FELISMINO LEITE, qualificados nos autos, nascidos aos 17/06/1964 e 12/02/1950, respectivamente, como incursos no artigo 313-A do Código Penal. Consta da denúncia que:
A denúncia foi recebida em 30/04/2009 (fls.194).
Após instrução, sobreveio sentença, da lavra da MM. Juíza Federal Substituta Margarete Morales Simão Martinez Sacristan e publicada em 12/07/2013 (fls. 487/493 e 494), que julgou procedente o pedido para condenar VILSON ROBERTO DO AMARAL e MANOEL FELISMINO LEITE pela pratica do crime previsto no artigo 313-A e paragrafo único, do CP, cada um à pena de 03 anos e 04 meses de reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 16 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salario mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade de cada acusado por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e em prestação pecuniária, no valor de R$ 10.000,00 em favor de entidade pública ou privada de cunho social, a ser indicada pelo juízo da execução.
Apela o Ministério Público Federal (fls. 497 e 507/512), requerendo a reforma da sentença para que seja fixado o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, nos termos do artigo 387, IV, do CPP, considerado o disposto no artigo 63 do CPP e que o valor restou apurado no processo administrativo.
Contrarrazões de Vilson (fls. 561/564) e de Manoel (565/568) pelo desprovimento do recurso ministerial.
Apela o réu VILSON (fls. 533/544), postulando sua absolvição, alegando, em síntese:
a) em preliminar, a inépcia da denuncia por ausência de especificação das circunstâncias que envolvem a ação delituosa, como data ou local dos fatos, e por não descrever, em todos os seus elementos, uma figura típica;
b) no mérito, não demonstração da participação do apelante nas ações delitivas, especialmente nos moldes preconizados na denúncia, o réu não praticou nenhuma das condutas previstas no tipo penal, não restando comprovado o dolo, e que outros servidores utilizavam sua senha de acesso, mesmo em sua ausência,
e) subsidiariamente, pede a redução da pena-base para o mínimo legal e a suspensão condicional da pena nos termos do artigo 77 do CP.
Contrarrazões do MPF pelo desprovimento do recurso de Vilson (fls. 547/555).
O réu MANOEL interpôs recurso de apelação às fls. 500, protestando pela apresentação das razões nos termos do artigo 600, §4º, do CPP, as quais foram apresentadas às fls. 569/573. Sustenta a defesa que o réu não teve nenhuma participação dolosa na concessão do beneficio tratado nos autos; que na condição de encarregado do departamento de pessoal da empresa Constran, comparecia no posto da previdência ora em busca de certidões para a empresa, ora acompanhando funcionários para pericias pertinentes ao trabalho; que não há provas de que Manoel tenha qualquer quantia para Vilson em relação ao beneficio de Amyntas.
O Ministério Público Federal interpôs agravo regimental (fls. 576/583) contra decisão do então Relator de indeferimento do pedido de baixa dos autos ao Juízo de origem para o que o Procurador da República lá oficiante apresentasse as contrarrazões de apelação (fl. 559v), tendo a Primeira Turma, por maioria, na sessão de julgamento de 16/09/2014, negado provimento ao agravo regimental.
Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs recurso especial (fls. 606/617), os quais foram admitidos por decisão datada de 26/11/2014 (fl. 634), sendo registrado no STJ sob n. 2005/0001364-8/SP, passando a tramitar na forma eletrônica, tendo os autos físicos sido remetidos à vara de origem, permanecendo sobrestados em Secretaria até o julgamento pelo STJ (fls. 639v. e 640).
Em 07/02/2018 determinei a remessa dos autos físicos a esta Corte (fl. 651) e, na sessão de julgamento de 06/03/2018, a Primeira Turma, à unanimidade, acolheu a ordem para reconsiderar o acórdão de 16/09/2014, determinando a baixa dos autos ao Juízo de origem a fim de que o órgão do Ministério Público Federal lá atuante apresente contrarrazões ao recurso do acusado MANOEL (fls. 654/657).
O Ministério Público Federal oficiante em primeira instância apresentou as contrarrazões de apelação às fls. 663/665.
A Procuradoria Regional da República, em manifestação da lavra do Dr. Eduardo Pelella, apresentou parecer às fls. 670/694 opinando pelo desprovimento do recurso do MPF e de Manoel e pelo parcial provimento de Vilson apenas para que seja excluída a causa de aumento aplicada pelo magistrado sentenciante, estendendo-se o efeito ao corréu Manoel.
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA:
Vilson e Manoel foram denunciados e condenados como incursos nas penas do artigo 313-A do Código Penal porque Vilson, na qualidade de funcionário do INSS, teria inserido, nos sistemas da Previdência Social, anotação de tempo de serviço falso, superior ao verdadeiro, viabilizando, assim, a concessão e pagamento irregular de aposentadoria ao segurado Amynthas Machado de Azevedo Filho, ao passo que Manoel teria intermediado o pedido de aposentadoria do segurado, atuando em conjunto com Vilson.
Postula o Ministério Público Federal seja fixado o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, nos termos do artigo 387, IV, do CPP.
Postula a defesa de Vilson o reconhecimento da inépcia da denúncia, absolvição por ausência de provas da autoria e dolo, a redução da pena-base e suspensão condicional da pena.
Postula a defesa de Manoel a absolvição por ausência de provas da autoria e dolo.
Da preliminar de inépcia da denúncia.
Alega a defesa de Vilson que a denúncia é inepta, por violação ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal, por não descrever o fato criminoso nem suas circunstâncias, bem como teria omitido a descrição, em todos os elementos, de uma figura típica.
Rejeito a preliminar.
A jurisprudência já pacificou entendimento no sentido do descabimento da alegação de inépcia da denúncia após a prolação da sentença condenatória, em razão da preclusão da matéria.
Nesse sentido:
Complementando, ainda que se entendesse que a arguição de nulidade fosse da própria sentença condenatória, tenho que, nas circunstâncias dos autos, não mereceria acolhimento.
Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, a prática do crime do art. 313-A do Código Penal, e a acusação encontra suporte probatório nos elementos coligidos aos autos, especialmente no procedimento administrativo que instruiu a peça inicial.
Destarte, a exordial descreve que o apelante VILSON era o funcionário do INSS responsável pela inserção fraudulenta dos dados dos segurados nos sistemas informatizados do órgão previdenciário, de forma a permitir a concessão de benefícios indevidos; que Vilson foi o responsável pela concessão irregular do beneficio, pois participou de todo o procedimento de concessão do benefício; que o beneficio irregular foi requerido em 14/12/2001, o pagamento se iniciou em 10/01/2002 e permaneceu até 12/04/2006, tendo sido cessado em razão da descoberta da fraude; que em razão da inserção de dados falsos pelo acusado Vilson nos sistemas informatizados do INSS, o segurado auferiu vantagem indevida no montante de R$ 82.653,09, em prejuízo ao INSS.
Como se vê, a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo aos réus o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal.
Caso contrário, a ação penal não teria transcorrido sem que, em algum momento, fossem aventadas pela Defesa dificuldades de identificação da conduta praticada pelos acusados, eis que estes foram capazes de defender-se.
Desta feita, não entrevejo inépcia da peça acusatória, que está apta a deflagrar ação penal em desfavor do increpado.
Da materialidade delitiva
A materialidade delitiva encontra-se comprovada por meio do procedimento administrativo nº 35443.000226/2006-80, referente ao requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição de Amynthas Machado de Azevedo Filho, NB nº 42/121.332.17-1 (apenso I), que comprova que Vilson Roberto do Amaral, em 14/12/2001, inseriu dados falsos no sistema de informações da Previdência Social com o fim de obter benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição em favor de Amynthas.
A Gerência Executiva do INSS em Sorocaba constatou diversas irregularidades na habilitação e formatação do benefício de Amynthas Machado de Azevedo Filho, requerido junto a APS de Salto (fls. 155/156 do apenso 1):
Consoante o relatório da Gerência Executiva INSS em Sorocaba (fls. 199/200 do apenso 1):
Conforme oficio da Constran, encaminhado aos autos, o segurado Amynthas trabalhou na empresa apenas no período de 01/07/83 a 30/01/87 e de 01/09/87 a 01/02/03 (fl. 152 do apenso 2).
Da autoria em relação a Vilson
Alega a defesa de Vilson que não restou demonstrado sua participação nas ações delitivas; que o réu não praticou nenhuma das condutas previstas no tipo penal e que não se produziu prova de que o réu tenha agido com dolo, nem de que tenha atuado para obter vantagem indevida; e que outros servidores utilizavam sua senha de acesso, mesmo em sua ausência.
Não procede a alegação.
A autoria restou comprovada nos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Consta dos autos que o acusado Vilson teria inserido dados falsos no sistema informatizado do INSS, consistente no registro de emprego inexistente com a empresa Constran no período de 01/01/1969 a 31/12/1974, além do computo do período de 01/10/1975 a 31/12/1978 como contribuinte individual, incluído sem os respectivos comprovantes de contribuição, com o fim de obter vantagem indevida para o segurado Amynthas Machado de Azevedo Filho.
Verifica-se do extrato do INSS de fls. 41 do apenso 1 que o acusado Vilson teria formatado, habilitado e concedido o beneficio previdenciário do segurado Amynthas Machado de Azevedo Filho.
Registre-se que, por ser formal, o crime do artigo 313-A do CP se consuma no instante em que o agente insere ou facilita a inserção de dados falsos no sistema de informações com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem, sendo desnecessária a demonstração de que o servidor tenha obtido algum tipo de vantagem indevida.
Nesse sentido, julgado dessa E. Corte:
Ao contrário do alegado pela defesa, há prova suficientes no sentido de que o acusado dolosamente inseriu as informações falsas no sistema, com o objetivo de fraudar a previdência social.
Interrogado nas fases policial e judicial (fls. 125/127 e 449/451), Vilson disse que não conhece, nem nunca atendeu o segurado Amynthas Machado de Azevedo Filho, confirmou ser sua a matricula que consta o extrato de fl. 41 do apenso I, mas negou ter habilitado este beneficio. Disse que, à época, era chefe da agência e gestor do sistema e que sua senha era utilizada por outros servidores.
Interrogado na fase administrativa (fls. 373/374 do apenso 3), Vilson havia mencionado que sua senha era utilizada por terceiros:
Verifica-se do depoimento em Juízo da testemunha de acusação Adriana Moratto (mídia fl. 282), servidora do INSS que atuou como coordenadora de trabalho do grupo de trabalho que reanalisou os benefícios com indícios de irregularidades, que foi apurada a participação direta de Vilson, que sua atuação consistia em inserir dados falsos no sistema informatizado da previdência, como enquadramento irregular de atividade como especial, sem a correspondente SB40 ou DSS8030.
A testemunha de acusação Sueli Franco Paulino, servidora do INSS que atuou no grupo de trabalho que reanalisou os benefícios com indícios de irregularidades, também confirmou em sede judicial que foram encontradas irregularidades em diversos processos formatados pelo acusado, que o acusado sempre teve bom conhecimento de aposentadoria, que cada servidor tinha sua senha, consoante se extrai da mídia de fl. 282.
A testemunha de defesa Marcia Aparecida de Oliveira, servidora do INSS que trabalhou com o acusado em grupos de trabalhou do grupo Votorantin, disse que na época era possível a inclusão dados de tempo de trabalho fictício no sistema do INSS, mesmo que esse tempo de trabalho não constasse do CNIS (mídia de fl. 378).
É de se registrar que foi inserido no sistema informatizado da Previdência período de trabalho que não constava do CNIS nem da carteira de trabalho do beneficiário, qual seja, o período de 01/01/69 a 31/12/74, bem como foi inserido o período de 01/10/1975 a 31/12/1978 como contribuinte individual, sem os respectivos comprovantes de contribuição.
Destarte, em decorrência da inclusão dolosa dos períodos acima mencionados, houve um acréscimo indevido ao tempo de contribuição do segurado Amynthas Machado de Azevedo Filho, permitindo que este atingisse os requisitos necessários à obtenção do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Não há que se falar que, na época dos fatos, o acusado sequer estava na APS/Salto, pois estava prestando serviço na Gerência de Sorocaba.
A habilitação e concessão do beneficio do segurado Amynthas foi efetuada em 14/12/2001 (fl. 41 do apenso I). O início do pagamento se deu em 10/01/2002 (fl. 38v. do apenso I).
Consoante ofício da APS Salto, entre dezembro de 2001 e janeiro de 2002 o acusado Vilson não estava prestando serviço em qualquer outra agência (fls. 473/474).
Ademais, a defesa não fez prova no sentido de que sua senha de uso pessoal estava disponibilizada na agencia para que outros servidores a utilizassem, nos termos do art. 156 do CPP.
Ao contrário, a prova produzida perante a fase administrativa, em que também lhe foi assegurado o contraditório, é no sentido de que a senha do acusado não era repassada aos demais servidores e que, mesmo no período em que o acusado prestava serviço em outras agências ou estava em férias, comparecia à APS/Salto no inicio ou no final do expediente, estando sempre presente na agência.
Edna Maria Bortolo, que trabalhou no setor de benefícios na época dos fatos, afirmou perante a investigação administrativa que nos períodos de ausência do servidor Vilson da Agencia não havia necessidade de outro servidor solicitar sua senha para dar andamento em algum beneficio; que ela nunca solicitou a senha e não tem conhecimento de que outro colega o tenha feito (fl. 89 do apenso 2)
Sonia Tosca Pedutti, que trabalhou na seção de manutenção de benefícios de Salto, na época, disse que "Vilson sempre esteve disposto a colaborar, razão pela qual quando seus afastamentos por motivo de trabalho em outra localidade ou férias, ele sempre comparecia na Agencia ou na parte da manha ou no final da tarde, ocasião em que procurava resolver os problemas ou esclarecer as duvidas dos servidores" (fl. 102 do apenso 2)
Leila Cristina Tagute Umeda Valle afiançou que "sempre que o Vilson estava prestando serviços em outra localidade ou de férias e ocorria algum problema com relação a processo de concessão de beneficio ele sempre estava disposto e comparecia na Agencia para tentar saná-lo, quer no inicio ou no final do expediente, assim como muitas vezes resolvia por intermédio de telefone". Disse ainda que nunca solicitou senha de Vilson e desconhece se qualquer outro servidor tenha feito essa solicitação a ele. (fl. 108 do apenso 2)
Matilde Dalara de Souza também confirmou que na ausência de Vilson, por motivo de ferias ou prestação de serviços em outra agência, o acusado comparecia na APS Salto para resolver o problema (fl. 138 do apenso 2)
Acrescente-se que conforme ofício da Gerência da APS Salto, "de qualquer Agência, mesmo sendo de outra Gerência Executiva, era possível entrar nos sistemas SABI e Prisma e trabalhar os processos da APS de origem do servidor" (fl. 473).
Assim restou amplamente comprovado que o réu fez lançamento falso no sistema do INSS de período não trabalhado e sem recolhimento como contribuinte individual, a demonstrar o dolo, vontade livre e consciente de praticar a conduta criminosa, porque, cônscio da inexistência de tempo de contribuição suficiente para a concessão da aposentadoria, utilizou tal registro para perpetrar a fraude, com o fim de obter vantagem indevida a outrem, especialmente considerado que o acusado tinha larga experiência na área de concessão de benefícios, sendo inclusive procurado por outros servidores para sanar dúvidas.
Registre-se ainda que o apelante Vilson declarou que conhecia o corréu Manoel da empresa Constran e que este lhe consultou sobre a sistemática de contagem de tempo de serviço.
Depoimento de Vilson na fase administrativa (fls. 373/374 do apenso 3):
Depoimento de Vilson na fase policial (fls. 125/127):
Interrogado na fase judicial, Vilson afirmou que conheceu Manoel Felismino Leite "em 1994, quando começou a construção da Rodovia do Açúcar, ele compareceu lá na agencia para concessão do beneficio auxílio-doença, levando os segurados para a perícia medica, após isso, não tive mais contato" (fl. 449v).
Feitas todas essas considerações é de se ter por comprovada a atuação do réu Vilson na fraude - inserção de dados falsos no banco de dados do INSS - para possibilitar a obtenção de vantagem indevida por Amynthas - concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Desta feita, de rigor a condenação de Vilson Roberto do Amaral pela prática do delito capitulado no artigo 313-A do Código Penal.
Da autoria delitiva em relação a Manoel
A defesa de Manoel alega o réu não teve nenhuma participação dolosa na concessão do beneficio tratado nos autos; que na condição de encarregado do departamento de pessoal da empresa Constran, comparecia no posto da previdência ora em busca de certidões para a empresa, ora acompanhando funcionários em perícias pertinentes a acidente de trabalho; que não há provas de que Manoel entregou qualquer quantia para Vilson em relação ao beneficio de Amynthas.
Não procedem as alegações.
A autoria do acusado Manoel quanto à prática do delito do art. 313-A, do Código Penal também restou comprovada.
Interrogado na fase policial, Manoel afirmou que conhece Amynthas, pois ambos trabalhavam na Constran e disse que não o ajudou a fazer requerimento de beneficio do INSS, nem providenciou documentação, limitando-se a orientá-lo a procurar a APS de Salto/SP, pois lá o procedimento tramitava mais rapidamente. Afirmou ainda que não recebia dinheiro de funcionários para passar essas informações. Disse que conheceu Vilson na Agência, pois costumava ir na APS de Salto para pegar certidões negativas da empresa. Contou que nunca orientou os funcionários a procurar o servidor Vilson na Agência Salto (fls. 141/142):
Em juízo, Manoel informou que trabalhava no departamento de recursos humanos da Constran e apenas preenchia a relação de salários para os funcionários que queriam se aposentar. Afirmou que o próprio interessado dava entrada no pedido junto ao INSS, consoante transcrição em sentença (fl. 489 e mídia de fl. 434):
A versão do réu Manoel de que nunca atuou como intermediário de requerimentos de benefícios e que apenas preenchia a relação de salários para os funcionários da Constran que queriam se aposentar e que os orientava a requerer pessoalmente sua aposentadoria na APS Salto conflita com a versão trazida pelo segurado Amynthas e não encontra amparo em qualquer prova produzida nos autos.
Destarte, os depoimentos do segurado Amyntas Machado prestados nas fases, administrativa, policial e judicial são firmes no sentido de que Manoel Felismino Leite atuou como intermediário na concessão do seu benefício, que ambos trabalhavam na mesma empresa, e que o segurado contratou os serviços de Manoel para obtenção da aposentadoria, tendo-lhe entregue sua CTPS, uma certidão de tempo de serviço e efetuando o pagamento de dois mil reais.
Como se observa, Amynthas disse que nunca esteve na APS de Salto/SP, que tratava diretamente com Manoel e que nunca tratou com o servidor Vilson, pessoa que desconhece. Afirmou ter contratado os serviços de Manoel porque confiava nele, uma vez que vários funcionários obtiveram a aposentadoria por intermédio do réu, e nunca desconfiou que pudesse haver irregularidades na concessão dos benefícios.
Depoimento de Amynthas Machado de Azevedo Filho perante a comissão disciplinar da Previdência Social (fls. 354/356 do apenso 3):
Depoimento de Amyntas na fase policial (fls. 47/48):
Depoimento de Amynthas na fase judicial (fls. 324):
O cotejo dos depoimentos constantes nos autos e a robusta prova documental carreada evidenciam a fraude perpetrada por Manoel, que atuou como intermediário no pedido de concessão de aposentadoria do segurado Amynthas, agindo em conluio com o então servidor Vilson, que, como visto, inseriu as informações falsas nos sistemas do INSS, garantindo o êxito da empreitada criminosa.
Registre-se que o segurado Amynthas informou que não assinou qualquer procuração e nunca esteve na APS Salto, o que também evidencia o conluio entre os réus, uma vez que, sem tal documento, Manoel não teria conseguido protocolar o pedido de aposentadoria do segurado.
Assim, de rigor a manutenção da condenação de Manoel pela prática do crime do artigo 313-A do Código Penal.
Da dosimetria da pena de Vilson Roberto do Amaral
Com fundamento no art. 59 do Código Penal, a pena-base foi fixada em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Considerou o juiz a quo que o "réu foi condenado e figura como denunciado em diversos outros feitos criminais que abordam fatos semelhantes, o que demonstra que a conduta delitiva tratada nestes autos não é um caso episódico em sua vida".
A defesa do réu VILSON alega que as circunstâncias judiciais são favoráveis ao acusado, requerendo a fixação da reprimenda no mínimo legal e, por conseguinte, a suspensão condicional da pena.
Procede em parte o pleito da defesa.
No que tange à personalidade voltada para a prática de delitos, conduta social desfavorável e maus antecedentes, em virtude de inquéritos policiais e ações penais em andamento, dada a ausência de sentença condenatória transitada em julgado nos autos (Súmula n. 444 do STJ), não podem ser considerados para majorar a pena.
Há que se anotar que as consequências do crime são de elevada monta, causadores de considerável prejuízo aos combalidos cofres previdenciários. Com efeito, a conduta do acusado acarretou em um prejuízo ao INSS no montante de R$ 82.653,09, valor atualizado em 03/2006 considerado que o segurado percebeu o beneficio indevidamente no período de 12/2001 a 03/2006 (fls. 185/186 do apenso I).
Assim, ausentes demais circunstâncias judiciais negativas, reputo adequado e suficiente fixar a pena-base em 02 (dois) e 04(quatro) meses de reclusão e 11 dias-multa.
Não foram reconhecidas circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como causas de diminuição da pena.
O magistrado a quo reconheceu a causa de aumento do parágrafo único do artigo 313 do Código Penal, majorando a pena em 1/3 (um terço).
Dispõe os artigos 313 ,313-A e 313-B do Código Penal:
Peculato mediante erro de outrem
Sobre a causa de aumento de pena, Guilherme de Souza Nucci, in Código Penal Comentado, Editora Revista dos Tribunais, 11ª edição, Forense, 2012, em comentário ao parágrafo único do artigo 313 do Código Penal, p. 1154, leciona:
Como se observa a causa de aumento prevista no paragrafo único trata da figura do exaurimento das condutas previstas no artigo 313-B do Código Penal, cujo núcleo do tipo são "modificar ou alterar", nada se relacionando com o caput do artigo 313 ou com o 313-A do Código Penal.
Assim, é de ser afastada a referida causa de aumento, de modo que a pena de VILSON resulta definitiva em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, além do pagamento de 11 (onze) dias-multa.
Mantenho o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos, tendo-se em vista que o acusado foi demitido do cargo público e estava trabalhando como estagiário de direito, e considerada ainda a ausência elementos acerca da atual condição econômica do réu.
Mantenho o regime aberto para o início do cumprimento da pena, a teor do artigo 33, §2º, alínea "c" do CP, e a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos da sentença.
Quanto à destinação da pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, a sentença comporta reparo, posto que a mesma deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.
Registro, por oportuno, que é incabível, na hipótese em tela, a suspensão condicional da pena pretendida pela defesa, por ausência de preenchimento do requisito objetivo do artigo 77 do Código Penal, vez que a pena final aplicada é superior a 02 anos.
Ademais, nos termos do inciso III do artigo 77 do Código Penal, a aplicação do sursis possui caráter subsidiário em relação à benesse prevista no artigo 44 do Código Penal.
Da dosimetria da pena de Manoel Felismino Leite
Não houve recurso da defesa de Manoel quanto à dosimetria da pena.
No entanto, verifico que a pena-base restou devidamente fixada acima do mínimo legal, considerada agora a personalidade voltada para a pratica de crimes do réu, especialmente pela informação de sua condenação definitiva (fls. 237 dos autos) e pela consequência do delito, restando fixada apara Manoel em 02 anos e 06 meses de reclusão, e pagamento de 12 dias-multa, no piso legal.
Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes e causas de diminuição da pena.
Tal como lançado acima, deve ser afastada a causa de aumento prevista no paragrafo único do artigo 313-B do Código Penal, resultando na pena definitiva de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo.
Mantida a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, tal como lançado na sentença recorrida.
Altero a destinação da pena de prestação pecuniária, que deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.
Da reparação do dano.
O legislador com a edição da Lei n. 11.719/08, ao alterar a redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal e estabelecer que o Juiz, ao proferir a sentença, "fixará o valor mínimo da reparação dos danos causados pela infração", integrou o disposto no artigo 91, I, do Código Penal, que expressamente prevê como efeito da condenação o dever de reparação do dano.
Anteriormente à referida modificação legal, a indenização decorrente da condenação criminal era totalmente ilíquida. Agora, passou a veicular certo grau de liquidez.
Sobre o tema, registro o posicionamento doutrinário de Walter Nunes da Silva Junior:
Contudo, tais valores não inviabilizam, tampouco retiram dos réus, a prerrogativa de discussão na sede adequada, sendo certo que a cobrança desses montantes dependerá da instauração da respectiva ação executiva, perante o Juízo Cível, possibilitando o exercício de defesa com todos os seus consectários, incluindo a questão atinente aos valores da reparação.
Assim, é possível que na ação de execução, se esta vir a ser instaurada pela vítima, sejam apurados outros valores de reparação - maiores ou menores -, diversos daqueles fixados pelo Juízo criminal, não se podendo olvidar, ainda, a possibilidade de se concluir pela inexistência de valores a serem indenizados.
Cumpre destacar que o parágrafo único acrescentado ao artigo 63 do Código de Processo Penal, também pela Lei n. 11.719/2008, expressamente dispõe acerca da possibilidade de liquidação, perante o Juízo cível, com o objetivo de apurar o "dano efetivamente sofrido", demonstrando que a discussão não se encerra no processo penal.
O valor mínimo de reparação do dano não é pena, mas sim consequência do efeito da condenação, nos termos do artigo 91, I, do Código Penal, e visa ressarcir a vítima.
Não obstante entendimentos em contrário, deve ser imposta a quantificação mínima para reparação do dano, à medida que refletem o valor do prejuízo causado aos cofre públicos decorrente dos delitos perpetrados considerado a participação de cada um dos acusados.
Nesta trilha, o entendimento desta Colenda Primeira Turma:
Por seu turno, eventual cobrança em ação de execução fiscal do valor de natureza previdenciária não impede a fixação da reparação nesta ação penal, uma vez que se trata de valor mínimo da reparação, sendo que seu eventual adimplemento nesta seara produzirá efeitos naquela ação cível. Inversamente, o mesmo se dará caso o recolhimento do tributo se dê em sede de execução fiscal.
Registro ainda que o referido artigo 387, inciso IV do CPP determina que o juiz, ao proferir a sentença condenatória, fixe "valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido".
Considerando que o mencionado dispositivo determina a fixação de valor mínimo da reparação de danos, e manda considerar os prejuízos sofridos, tal reparação deve ser entendida como ressarcimento pelos danos materiais.
Na fixação da indenização por danos materiais, o parâmetro é exclusivamente o prejuízo sofrido pela vítima. A indenização deve ser tal que recomponha o patrimônio do ofendido ao status quo ante, sendo irrelevante a capacidade econômica do ofensor.
No caso dos autos, o dano causado pelos acusados foi apurado no montante de R$ 82.653,09, corrigidos até março de 2006.
Dessa forma, entendo por bem fixar como valor mínimo para reparação de danos materiais, o montante de R$ 41.326,54 para cada acusado, devidamente corrigido à época do pagamento.
Da conclusão
Por estas razões, rejeito a preliminar suscitada, dou parcial provimento aos apelos dos réus para afastar a causa de aumento de pena, resultando na pena definitiva de cada acusado em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão para o acusado MANOEL e parcial provimento também ao recurso de Vilson para reduzir a pena aplicada, fixando-a em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e o pagamento de 11 (onze dias-multa); de ofício, altero a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União; dou provimento ao apelo do Ministério Público Federal para fixar como valor mínimo para reparação dos danos o valor de R$ 41.326,54 para cada acusado, devidamente corrigido, mantida, no mais, a sentença apelada.
Nos termos do novel entendimento do STF (HC 126.292; ADCs 43 e 44), expeça-se guia de execução para início imediato do cumprimento das penas substitutivas aplicadas.
É o voto.
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