Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/08/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013922-09.2006.4.03.6102/SP
2006.61.02.013922-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANA CRISTINA TAHAN DE CAMPOS NETTO DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : CALIO E ROSSI ENGENHARIA E COM/ LTDA
ADVOGADO : SP163230 EDILON VOLPI PERES e outro(a)
No. ORIG. : 00139220920064036102 4 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

EMENTA

PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. RELEVÂNCIA SOCIAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MORADIA. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CDC. APELAÇÃO IMPROVIDA.
I - O Superior Tribunal de Justiça, em julgados recentes, reforçou o entendimento de que o MPF tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos dotados de relevância social, como é o caso dos autos, no que é acompanhado por esta Primeira Turma do TRF da 3ª Região. Nem a eventual existência de associação civil seria suficiente para afastar a legitimidade ativa do Ministério Público Federal nestas condições.
II - A CEF pode figurar no pólo passivo da ação, atraindo a competência da Justiça Federal, mesmo quando não teve qualquer atuação como agente financeiro na aquisição do imóvel. Trata-se da hipótese em que figura como assistente simples da seguradora, representando o Fundo de Compensação de Variações Salariais, cujo patrimônio pode ser afetado por ser o garantidor em última instância de apólices públicas de seguro, o chamado "ramo 66", por sistemática em algo semelhante a dos resseguros. Caso em que não se cogita, em absoluto, da ilegitimidade passiva da CEF, uma vez que é parte no contrato de mútuo, além de preposta do contrato de seguro.
III - A CEF não tem responsabilidade sobre vícios de construção quando atua estritamente como agente financeiro. Como exemplo, é possível citar a hipótese em que esta não teve qualquer participação na construção, destinando-se o financiamento concedido à aquisição de imóvel pronto com regramento corriqueiro de mercado. A realização de perícia nestas condições justifica-se pelo fato de que o imóvel financiado também costuma ser o objeto de garantia do próprio financiamento. Nesta ocasião, a CEF teoricamente pode, inclusive, recusar o financiamento se entender que a garantia em questão representa um risco desproporcional a seu patrimônio, independentemente da conduta ou credibilidade do mutuário.
IV - O mesmo entendimento anteriormente exposto, afastando a existência de responsabilidade, é adotado por parte da jurisprudência pátria mesmo quando a CEF financia a própria construção do imóvel, desde que sua atuação esteja restrita àquela típica de um agente financeiro. O entendimento é o oposto, por consequência, nas hipóteses em que sua atuação é a de um verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas habitacionais, provendo moradia popular.
V - Há que se considerar, no entanto, que diversos julgados, ao diante de peculiaridades fáticas ou contratuais nos casos concretos, vislumbram uma atuação mais ampla da CEF para além daquelas consideradas típicas e restritas aos agentes financeiros, mesmo quando o financiamento do empreendimento não está relacionado à efetivação de programas habitacionais. Neste contexto, não é possível afastar, de plano, a existência de responsabilidade por danos oriundos de vícios de construção que atingem a esfera jurídica de seus consumidores.
VI - Tal solução é adotada nas controvérsias em que se reconhece a existência de desequilíbrio contratual e uma posição demasiadamente fragilizada do consumidor final frente aos fornecedores, quando estes atuam não apenas em cadeia de produção, mas de forma estreitamente conectada, constituindo uma relação de consumo triangular que dificilmente seria viabilizada de forma distinta. Neste contexto, um mesmo agente financeiro, em parceria com a construtora, oferta crédito destinado à aquisição de imóvel na planta, realizando publicidade vinculada ao empreendimento e emprestando sua credibilidade ao mesmo.
VII - Caso em que as cláusulas apontadas, ao estabelecerem a solidariedade entre os devedores na fase de construção, tornam inequívoca a existência de direitos individuais homogêneos. Ao mesmo tempo evidenciam que a realização do empreendimento só foi possível mediante a parceria entre o agente financeiro e a construtora, sendo questionável se a atuação da CEF como gestora do FGTS pode ser comparada à atuação de outros agentes financeiros no mercado imobiliário.
VIII - A CEF, enquanto pessoa jurídica pública nacional que presta serviços de natureza bancária, financeira e de crédito mediante remuneração no mercado de consumo, enquadra-se no conceito de fornecedora do artigo 3º, caput e § 2º do CDC. Anoto ser firme a jurisprudência dos egrégios Supremo Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 297) pela aplicabilidade dos princípios do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo bancário.
IX - A existência de responsabilidade solidária entre os devedores, sem a correspondente solidariedade entre os fornecedores, que decorre de normas legais com força de ordem pública, representaria verdadeiro desequilíbrio econômico financeiro entre as partes ou mesmo exigência de vantagem manifestamente excessiva sobre os primeiros.
X - No mesmo sentido deve ser considerada a cláusula que exige a obrigação dos mutuários de zelar pela integridade do imóvel, inclusive com a realização de obras, condicionada à anuência da CEF, que pode a qualquer tempo vistoriar o imóvel. Nestas condições, seria abusivo afastar qualquer responsabilidade da CEF por danos oriundos de vícios cometidos pela construtora na edificação do empreendimento, já que a CEF tem nítido interesse na preservação da garantia, além da prerrogativa de vistoriar a obra ou o imóvel já construído a qualquer momento enquanto vigente o contrato.
XI - A CEF, enquanto fornecedora que tem engenheiros em seu quadro de funcionários, não apenas pode verificar a qualidade do serviço prestado pela construtora ao realizar as vistorias, mas tem melhores condições técnicas para avaliar os relatórios apresentados pela mesma, além de ter melhores condições jurídicas e econômicas para avaliar o projeto apresentado e sua correta execução, já que realiza medições periódicas que podem condicionar a liberação progressiva dos valores financiados.
XII - Não se afiguraria razoável que os riscos do empreendimento e os prejuízos pelos danos apontados, oriundos de vícios de construção, fossem suportados exclusivamente pelos consumidores, notadamente quando, ademais, não deram causa, por qualquer ação ou omissão, à deterioração do imóvel. O pleito dos autores encontra guarida no artigo 6º, V, VI, artigo 7º, parágrafo único, artigo 20, artigo 23, artigo 25, § 1º, artigo 39, V, artigo 47, artigo 51, I, IV, § 1º, II, III do CDC, não havendo razões para a incidência, no caso em tela, da Súmula 381 do STJ.
XIII - Quanto ao valor da indenização, a juízo a quo baseou-se nas provas e estimativas realizadas por perito de sua confiança, e sua fixação não ofende os termos da legislação consumerista, não se cogitando da necessidade de individualização dos danos para cada um dos imóveis, já que a amostragem da perícia revelou que atingem todo o empreendimento. Por estas razões, a sentença apelada não merece reforma.
XIV - Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 07 de agosto de 2018.
VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VALDECI DOS SANTOS:10082
Nº de Série do Certificado: 11DE18080664E707
Data e Hora: 09/08/2018 17:46:30



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013922-09.2006.4.03.6102/SP
2006.61.02.013922-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : Caixa Economica Federal - CEF
ADVOGADO : SP189220 ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA e outro(a)
APELADO(A) : Ministerio Publico Federal
ADVOGADO : ANA CRISTINA TAHAN DE CAMPOS NETTO DE SOUZA e outro(a)
APELADO(A) : CALIO E ROSSI ENGENHARIA E COM/ LTDA
ADVOGADO : SP163230 EDILON VOLPI PERES e outro(a)
No. ORIG. : 00139220920064036102 4 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS: Trata-se de apelação interposta pela Caixa Econômica Federal contra sentença (fls. 1682/1696) que julgou procedente o pedido para o fim de condenar solidariamente as rés a pagarem a cada um dos cinquenta e cinco mutuários do loteamento Jardim Bom Retiro, a título de indenização por vícios de construção, o valor de R$ 24.097,00 (vinte e quatro mil e noventa e sete reais), posicionados para setembro de 2011.


A ação civil pública foi interposta pelo Ministério Público Federal em face da Caixa Econômica Federal e de Cálio & Rossi Engenharia e Comércio Ltda, objetivando a condenação das rés na obrigação de fazer consistente na realização de obras e serviços necessários ao reparo dos imóveis integrantes do Loteamento Jardim Bom Retiro, na cidade de Monte Alto. Não sendo possível, requer a condenação das mesmas ao pagamento de indenização equivalente.


Em razões de apelação, a CEF sustenta, preliminarmente a inadequação da via eleita, já que os direitos discutidos são individuais, disponíveis e não homogêneos. No mérito afirma que não há quaisquer elementos que permitam apontar a responsabilidade da CEF pela solidez da obra, bem como para indenização e realização de obras de eventual sinistro de danos físicos. Aduz não ser possível cogitar de responsabilidade técnica dos engenheiros da CEF pela edificação, atribuível exclusivamente aos engenheiros da construtora, cabendo ao Município a aprovação das obras. Refere que sua atuação restringiu-se àquela típica de um agente financeiro e que a vistoria realizada destinava-se a averiguar o valor do imóvel e da garantia do financiamento. Argumenta que tampouco tem responsabilidade como seguradora no caso em tela, e que, ademais, a hipótese que fundamenta o pedido não encontra previsão de cobertura na apólice contratada. Argui que não houve a adequada individualização do estado dos imóveis ou a qualificação de seus ocupantes para a fixação da condenação.


Com contrarrazões, subiram os autos.


O representante do Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento da apelação.


É o relatório.


VOTO

De início, quanto à preliminar de inadequação da via eleita, é de se destacar que o Superior Tribunal de Justiça, em julgados recentes, reforçou o entendimento de que o MPF tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos dotados de relevância social, como é o caso dos autos, no que é acompanhado por esta Primeira Turma do TRF da 3ª Região. Este entendimento tem guarida no artigo 81, parágrafo único e artigos 82, I e 83 do CDC. Destaco que nem a eventual existência de associação civil seria suficiente para afastar a legitimidade ativa do Ministério Público nestas condições.

Nesse sentido, colho da jurisprudência desta Turma o seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TELEFONIA FIXA E ACESSO À INTERNET. VENDA CASADA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. RELEVÂNCIA SOCIAL EVIDENCIADA. LEGITIMIDADE CONFIGURADA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese.
2. O Ministério Público tem legitimidade processual para a propositura de ação civil pública objetivando a defesa de direitos individuais homogêneos, mormente se evidenciada a relevância social na sua proteção.
3. No caso em apreço, a discussão transcende a esfera de interesses individuais dos efetivos contratantes, tendo reflexos em uma universalidade de potenciais consumidores que podem ser afetados pela prática apontada como abusiva.
4. Agravo interno não provido. 
(STJ, AINTARESP 201602042557, AINTARESP - Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial - 961976, Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJE DATA:03/02/2017)
Rejeito a matéria preliminar, em face do quanto aduzido.

A constatação de existência de danos em um imóvel, ou da iminência dos mesmos, é matéria que dá ensejo a diversas controvérsias judiciais, e a apuração da responsabilidade para arcar com o prejuízo decorrentes dos mesmos pode envolver grande complexidade ao se considerar o número de atores envolvidos desde sua construção até a posse ou aquisição pelo destinatário final.

A responsabilidade pode recair sobre o proprietário quando ele mesmo deu causa ao dano ao conduzir a construção do imóvel, ou quando constatado que, apesar de não ter participado de sua construção, a danificação do imóvel decorreu de sua má conservação. O proprietário também não poderá atribuir responsabilidade a terceiros se, ao realizar modificações no imóvel, acaba por comprometer a funcionalidade do projeto original danificando seu patrimônio por negligência, imperícia ou imprudência. Neste sentido, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL. REPARAÇÃO DOS DANOS DECORRENTES DOS VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO.
1. Quanto à preliminar de nulidade processual ante a ausência de citação da ré, a teor do art. 214 do CPC, sem razão a recorrente, tendo em vista que o parágrafo primeiro do referido dispositivo afirma que o comparecimento espontâneo da parte supre a ausência de citação. Fato que veio a ocorrer.
2. A narrativa dos autores não é substancial, não afirmando sequer a data que comunicaram o "sinistro" (sublinhe-se, não há sinistro). As rés não podem ser responsabilizadas pelos danos no imóvel porquanto não subsiste relação jurídica entre estas e o autor. O contrato foi firmado em 1983 e liquidado em outubro de 1999. Nos contratos habitacionais, o seguro é pacto adjeto e obrigatório. Findando a relação principal, não pode persistir o contrato de seguro, afastando-se também a responsabilidade da seguradora.
3. Em se tratando de ação que objetiva a reparação dos danos decorrentes dos vícios de construção, cuja obra realizou-se há mais de 25 (vinte e cinco) anos, entendo sem razão a apelante, em que pese a evidência dos problemas apurados em laudo pericial. Some-se a isso, o longo período de tempo transcorrido da construção ao laudo pericial, onde constata-se a rigor a ausência de manutenção periódica a fim de que fosse evitada a atual má conservação do imóvel.
(TRF4, AC 5039660-21.2011.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 15/08/2012)

É intuitivo, no entanto, que a construtora terá responsabilidade por vícios redibitórios quando comete erros de projeto, utiliza materiais inadequados, ou quando a execução da obra, por qualquer razão que lhe possa ser imputada, compromete seu resultado final causando danos no imóvel, comprometendo sua estrutura e/ou depreciando seu valor.

De modo semelhante, se houve a contratação de seguro que prevê a cobertura por danos no imóvel, o segurado terá pretensão a exercer contra a seguradora se verificada a configuração de sinistro. A responsabilidade da seguradora depende da incidência de alguma das hipóteses previstas em apólice, o que pode ser verificado por meio da produção de prova pericial, e somente será afastada de plano quando restar indubitável a incidência de alguma das hipóteses expressamente excluídas de cobertura por cláusula contratual.

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. SFH. SEGURO IMOBILIÁRIO. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. CAIXA SEGURADORA S/A. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. EXCLUSÃO DA COBERTURA SECURITÁRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CAUSALIDADE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL.
I - Na espécie, a prova pericial comprovou que os vícios apontados decorreram da construção do imóvel, constituindo, portanto, vícios de construção do bem imóvel, expressamente excluídos da cobertura securitária. Por outro lado, não há que se falar em reparação por danos morais, tendo em vista a ausência de nexo de causalidade entre as condutas das instituições financeiras e o encontrado vício de construção do imóvel, sendo que a avaliação pericial exigida pela CEF não se destina a investigar com profundidade o imóvel a ser adquirido, a ponto de identificar possíveis comprometimentos na sua construção.
II - Apelação da autora desprovida.
(TRF1, APELAÇÃO 00008617320094013308, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA:23/05/2017)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. CEF E SASSE. AÇÃO RESCISÓRIA DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. VÍCIO DE CONSTRUÇÃO. AUSÊNCIA DE COBERTURA SECURITÁRIA. ILEGITIMIDADE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
I - A controvérsia deste agravo diz respeito à originária ação de rescisão contratual c/c obrigação de fazer, danos morais e materiais, pela qual os autores pretendem rescindir o contrato de compra e venda de imóvel residencial, havido de Hélio Freitas de Souza com parcial financiamento do preço, financiamento habitacional contratado junto ao agente financeiro CEF e com seguro da SASSE, rescisão contratual que seria decorrente de danos no imóvel provenientes de falhas em compactação do terreno e da existência de uma adutora da SABESP no local.
II - Sustentam a responsabilidade das rés CEF e SASSE por haverem exigido elaboração de perícia no imóvel, feita por engenheiro indicado por elas, como condição para aprovação do financiamento, sendo que a aprovação do imóvel teria sido causa para a sua aquisição pelos autores.
III - Todavia, do contrato de compra e venda com financiamento habitacional firmado com o proprietário/vendedor e a CEF e do respectivo contrato de seguro pactuado com a SASSE, extrai-se que não foi objeto de contratação com a CEF a edificação do imóvel, e nem com a SASSE foi contratado seguro que cobrisse os vícios intrínsecos do imóvel, os quais foram, bem ao contrário, expressamente excluídos da cobertura de riscos pactuados, de onde se extrai a ilegitimidade passiva de ambas para a ação originária proposta, sendo de rigor a manutenção da decisão agravada que determinou sua exclusão da lide e reconheceu a incompetência desta Justiça Federal para seu processo e julgamento.
IV - Agravo de instrumento desprovido.
(TRF3, AI 00346605420074030000, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 297418, JUIZ CONVOCADO SOUZA RIBEIRO, SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/01/2010)

Nesta seara, outra sorte de divergências surge ao se perquirir a existência ou não de responsabilidade do agente financeiro que financiou a aquisição do imóvel construído de modo irregular. No particular desta Justiça Federal, a existência e a extensão da responsabilidade da Caixa Econômica Federal ganham especial relevância.

De início, cumpre destacar que a CEF pode figurar no pólo passivo da ação, atraindo a competência da Justiça Federal, mesmo quando não teve qualquer atuação como agente financeiro na aquisição do imóvel. Trata-se da hipótese em que figura como assistente simples da seguradora, representando o Fundo de Compensação de Variações Salariais, cujo patrimônio pode ser afetado por ser o garantidor em última instância de apólices públicas de seguro, o chamado "ramo 66", por sistemática em algo semelhante a dos resseguros.

Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça julgou recurso especial representativo de controvérsia, cuja aplicação ainda é objeto de certa controvérsia, notadamente em relação aos contratos assinados antes de 1988, bem como em relação à necessidade de prova da condição deficitária do FESA/FCVS. (STJ, EDcl no REsp 1091363/SC, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 09/11/2011, DJe 28/11/2011, TRF3, AI 00158071620154030000, AI - Agravo De Instrumento - 562115, Relator Desembargador Federal Wilson Zauhy, Primeira Turma, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/08/2017). No caso em tela não se cogita, em absoluto, da ilegitimidade passiva da CEF, uma vez que é parte no contrato de mútuo, além de preposta do contrato de seguro.
A CEF não tem responsabilidade sobre vícios de construção quando atua estritamente como agente financeiro. Como exemplo, é possível citar a hipótese em que esta não teve qualquer participação na construção, destinando-se o financiamento concedido à aquisição de imóvel pronto com regramento corriqueiro de mercado. Considera-se que a realização de perícia nestas condições justifica-se pelo fato de que o próprio imóvel financiado é objeto de garantia do financiamento. Nestas condições, a CEF poderia, inclusive, recusar o financiamento se entender que a garantia em questão representa um risco desproporcional a seu patrimônio, independentemente da conduta ou credibilidade do mutuário.

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MUTUANTE AFASTADA. ATUAÇÃO ESTRITA COMO AGENTE FINANCEIRO. RECURSO PROVIDO. VÍCIO REDIBITÓRIO. PERDAS E DANOS. RESPONSABILIDADE DO ALIENANTE. HONORÁRIOS RECURSAIS: NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Os autores ajuizaram a presente demanda com o escopo de obter a declaração de rescisão do contrato de mútuo habitacional entabulado com a CEF, em decorrência do desmoronamento parcial do imóvel e da consequente interdição total, pelo Departamento de Planejamento, Habitação e Urbanismo do Município de Jandira/SP, do bloco onde se situa o apartamento adquirido.
2. De acordo com o contrato, a CEF não financiou, no caso, nenhum empreendimento em construção, com prazo de entrega. Ao contrário, trata-se de contrato de mútuo habitacional com recursos do FGTS dos compradores, pelo qual os mutuários obtiveram recursos para financiar a compra de imóvel de terceiro particular - a falida Roma Incorporadora e Administradora de Bens Ltda.
3. Uma vez que do contrato se vê claramente que a CEF não financia, no caso, um imóvel em construção, mas tão somente libera recursos financeiros para que o comprador adquira de terceiros imóvel já erigido, não há falar em responsabilidade da CEF pelos vícios apresentados pelo imóvel financiado, já que não participou do empreendimento.
4. Nessas hipóteses, em que atua estritamente como agente financeiro, a perícia designada pela CEF não tem por objetivo atestar a solidez ou a regularidade da obra, mas sim resguardar o interesse da instituição financeira, uma vez que o imóvel financiado lhe será dado em garantia. Precedentes.
5. O vício redibitório deveria ter sido oposto à massa falida da incorporadora, em ação própria, sendo esta, na qualidade de alientante, a responsável pela restituição do valor pago pelos adquirentes e por eventual indenização a título de perdas e danos, na forma dos artigos 443 e 444 do Código Civil.
6. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
7. Apelação dos autores não provida. Apelação da CEF provida.
(TRF3, AC 00041320720064036100, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1666738, PRIMEIRA TURMA, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/10/2016)

O mesmo entendimento anteriormente exposto, afastando a existência de responsabilidade, é adotado por parte da jurisprudência pátria mesmo quando a CEF financia a própria construção do imóvel, desde que sua atuação esteja restrita àquela típica de um agente financeiro. O entendimento é o oposto, por consequência, nas hipóteses em que sua atuação é a de um verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas habitacionais, provendo moradia popular.

Há que se considerar, no entanto, que diversos julgados, diante de peculiaridades fáticas ou contratuais nos casos concretos, vislumbram uma atuação mais ampla da CEF para além daquelas consideradas típicas e restritas aos agentes financeiros, mesmo quando o financiamento do empreendimento não está relacionado à efetivação de programas habitacionais. Neste contexto, não é possível afastar, de plano, a existência de responsabilidade por danos oriundos de vícios de construção que atingem a esfera jurídica de seus consumidores.

Tal solução é adotada nas controvérsias em que se reconhece a existência de desequilíbrio contratual e uma posição demasiadamente fragilizada do consumidor final frente aos fornecedores, quando estes atuam não apenas em cadeia de produção, mas de forma estreitamente conectada, constituindo uma relação de consumo triangular que dificilmente seria viabilizada de forma distinta. Neste contexto, um mesmo agente financeiro, em parceria com a construtora, oferta crédito destinado à aquisição de imóvel na planta, realizando publicidade vinculada ao empreendimento e emprestando sua credibilidade ao mesmo.

A ilustrar o exposto, cito julgados do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSOS ESPECIAIS. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SFH. VÍCIOS NA CONSTRUÇÃO. SEGURADORA. AGENTE FINANCEIRO. LEGITIMIDADE.
1. (...)
3. Caso em que se alega, na inicial, que o projeto de engenharia foi concebido e aprovado pelo setor competente da CEF, prevendo o contrato, em favor da referida empresa pública, taxa de remuneração de 1% sobre os valores liberados ao agente promotor e também 2% de taxa de administração, além dos encargos financeiros do mútuo. Consta, ainda, do contrato a obrigação de que fosse colocada "placa indicativa, em local visível, durante as obras, de que a construção está sendo executada com financiamento da CEF". Causa de pedir deduzida na inicial que justifica a presença da referida empresa pública no polo passivo da relação processual. Responsabilidade da CEF e dos demais réus que deve ser aferida quando do exame do mérito da causa.
4. Recursos especiais parcialmente providos para reintegrar a CEF ao polo passivo da relação processual. Prejudicado o exame das demais questões.
(STJ, RESP 200902048149, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1163228, Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJE DATA:31/10/2012)

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONSTRUÇÃO DE CASAS POPULARES EM CONJUNTO HABITACIONAL. RECURSOS DO FGTS. SUPERFATURAMENTO DA OBRA. RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.
1.- Preliminar de ausência de prestação jurisdicional afastada, pois o julgamento recorrido foi proferido de forma fundamentada e sem contradições.
2.- Ação Civil Pública decorrente de construção defeituosa de conjunto habitacional superfaturado, devido a que houve condenação da construtora, da cooperativa habitacional e da Caixa Econômica Federal a indenizar os adquirentes, mediante a realização de reparos nas unidades redução do valor de prestações de mutuários e reposição de valores ao FGTS. Procedência.
3.- A responsabilidade da Caixa, inclusive quanto à reposição de valores ao FGTS não exclui a responsabilidade solidária da construtora e da cooperativa habitacional à mesma reposição, que se determina
4.- No caso dos autos, deve-se aplicar o direito à espécie (artigo 257 RISTJ e Súmula 456/STF) para condenar as rés à devolução dos valores do FGTS recebidos a maior, como forma de evitar o enriquecimento indevido.
5.- Recurso Especial do Ministério Público Federal provido.
Há responsabilidade de cooperativa habitacional e da construtora, juntamente com a CEF, pelo ressarcimento de recursos ao FGTS na hipótese de superfaturamento e vícios na construção de casas populares, consistentes na utilização de materiais de qualidade inferior, na sobrevalorização dos insumos da construção e dos custos da mão-de-obra. Isso porque, considerando a dinâmica dos contratos firmados, é de se concluir que a omissão da CEF em fiscalizar as obras e os recursos nelas empregados não pode ser considerada causa única direta e imediata do dano causado ao FGTS, podendo ser tomada apenas como concausa para o resultado danoso. Não se pode imputar apenas ao agente fiscalizador a responsabilidade pelo desfalque dos recursos do FGTS, sendo inegável a existência de nexo de causalidade entre a atuação da construtora e da cooperativa habitacional e o dano ao patrimônio público.
(STJ, RESP 201101190132, RESP - RECURSO ESPECIAL - 1255452, Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJE DATA:29/08/2013)

Neste diapasão devem ser consideradas as cláusulas quinta, sétima, oitava e vigésima quarta do contrato que serve de parâmetro para fundamentar a ação (fls. 82/85):

CLÁUSULA QUINTA - EXIGÊNCIAS RELATIVAS À EXECUÇÃO DE OBRAS E REGISTRO PARA LEVANTAMENTO DA OPERAÇÃO:
Além do disposto na CLÁUSULA TERCEIRA, o levantamento das parcelas do financiamento para a construção do empreendimento, se subordina às seguintes condições:
(...)
h) colocação no local da obra, em lugar visível, de placa indicativa de que a construção está sendo executada com recursos do FGTS, conforme modelo fornecido;
(...)
CLÁUSULA SÉTIMA: DECLARAÇÕES E ATRIBUIÇÕES
A) DECLARAÇÃO DOS DEVEDORES - Declaram, os DEVEDORES, qualificados na letra "A" deste contrato que:
(...)
c) em razão da comunhão de interesses no empreendimento e da solidariedade integral de todos os COMPRADORES/DEVEDORES/HIPOTECANTES na totalidade da dívida contraída por todos eles, durante a fase de construção, o crédito das parcelas do financiamento concedido a cada um deles será feito em conta a ser aberta em nome da ENTIDADE ORGANIZDORA/AGENTE PROMOTOR vinculada ao empreendimento ou em nome do EMPREENDIMENTO.
d) durante a fase de construção, o conjunto de residências e os seus respectivos terrenos responderão pelo débito resultante dos financiamentos feitos a cada um dos COMPRADORES/DEVEDORES/HIPOTECANTES e dos demais integrantes do grupo associativo vinculado ao empreendimento, de forma que o todo responderá pelas partes e estas pelo todo, indistinta e solidariamente.
e) até que seja concluída a construção de todo o conjunto de residências e devidamente averbada à margem do respectivo registro, os DEVEDORES responderão solidariamente pela totalidade do financiamento concedido;
CLÁUSULA OITAVA: DAS ATRIBUIÇÕES DA ENTIDADE ORGANIZADORA/AGENTE PROMOTOR: São suas atribuições, entre outras pertinentes para tal, as seguintes:
(...)
l) Apresentar, à CAIXA e aos DEVEDORES, trimestralmente, relatório de fiscalização da obra e demonstrativo da evolução física do empreendimento, conforme estabelecido nos projetos técnicos, especificações e cronograma físico-financeiro global aprovado;

CLÁSULA VIGÉSIMA-QUARTA - CONSERVAÇÃO E OBRAS - Ficam os DEVEDORES obrigados a manter o imóvel hipotecado em perfeito estrado de conservação, segurança e habitabilidade, fazendo os reparos necessários, bem como as obras que forem solicitadas pela CAIXA para preservação da garantia, vedada, entretanto, a realização de obras de demolição, alteração ou acréscimo, sem prévio e expresso consentimento da CAIXA. Para constatação do exato cumprimento desta cláusula, fica assegurada à CAIXA a faculdade de, em qualquer tempo, vistoriar o imóvel hipotecado.

Como se pode observar, alguns elementos do contrato merecem ser destacados:

a) a previsão para a realização de publicidade do agente financeiro no local de realização da obra enquanto gestor do FGTS;

b) a expressa previsão de responsabilidade integral e solidária entre os "compradores/devedores/hipotecantes" na fase de construção;

c) a obrigação atribuída aos devedores de manter o imóvel hipotecado em perfeito estado de conservação, segurança e habitabilidade, fazendo os reparos necessários no mesmo;

d) a obrigação atribuída aos devedores de realizar as obras que forem solicitadas pela Caixa para preservação da garantia;

e) a obrigação atribuída aos devedores de requerer e obter prévio e expresso consentimento da Caixa para a realização de quaisquer obras de demolição, alteração ou acréscimo no imóvel;

f) a faculdade atribuída à Caixa de, em qualquer tempo, vistoriar o imóvel hipotecado;

g) a obrigação atribuída aos construtores de apresentar à Caixa e aos devedores, trimestralmente, relatório de fiscalização da obra e demonstrativo da evolução física do empreendimento, conforme estabelecido nos projetos técnicos, especificações e cronograma físico-financeiro global aprovado;

As cláusulas apontadas, ao estabelecerem a solidariedade entre os devedores na fase de construção, tornam inequívoca a existência de direitos individuais homogêneos. Ao mesmo tempo evidenciam que a realização do empreendimento só foi possível mediante a parceria entre o agente financeiro e a construtora, sendo questionável se a atuação da CEF como gestora do FGTS pode ser comparada à atuação de outros agentes financeiros no mercado imobiliário.
Em relação aos danos que atingiram o imóvel, a perícia técnica (fls. 1477/1620) assim assentou:

Em suma, as patologias encontradas nesta edificação são vícios de construção, ocasionados por movimentações higroscópicas diferenciadas; massa de revestimento externo com ausência de aditivo impermeabilizante e sem a devida impermeabilização na alvenaria de embasamento; calçadas externas sem caimento para escoamento superficial das águas de chuva; instalações elétricas com defeitos e sem a devida proteção com barramento de cobre; esquadrias com corrosão, dificuldade de deslizamento e fechamento com canaletas de drenagem com caimento inadequado; todas as coberturas apresentaram problemas nas telhas de acabamento dos beirais, proporcionando insegurança aos usuários.
Diante deste quadro probatório, o juízo a quo assim fundamentou a sentença (fls. 1682/1696) ora apelada:

No caso dos autos, efetivamente os contratos previam a colocação de placa indicativa e visível de que a construção estava sendo realizada com recursos do FGTS (cláusula quinta, item h - fls. 83, por exemplo), bem como o pagamento de taxa de fiscalização e acompanhamento da obra (cláusula sexta).
Ademais, se depreende dos autos, sem sombra de dúvidas, que os mutuários adquiriam os imóveis com intermediação direta da Caixa Econômica Federal. Vale dizer, o nome da CEF foi utilizado como atrativo para a concretização do negócio para atrair os futuros mutuários (ver depoimento das testemunhas). Ora, se ela se beneficiou, no momento de atrair os compradores/mutuários, deve responder perante eles pelo produto que colocou no mercado.

A CEF, enquanto pessoa jurídica pública nacional que presta serviços de natureza bancária, financeira e de crédito mediante remuneração no mercado de consumo, enquadra-se no conceito de fornecedora do artigo 3º, caput e § 2º do CDC. Anoto ser firme a jurisprudência dos egrégios Supremo Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 297) pela aplicabilidade dos princípios do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de mútuo bancário.

A existência de responsabilidade solidária entre os devedores, sem a correspondente solidariedade entre os fornecedores, que decorre de normas legais com força de ordem pública, representaria verdadeiro desequilíbrio econômico financeiro entre as partes ou mesmo exigência de vantagem manifestamente excessiva sobre os primeiros.

No mesmo sentido deve ser considerada a cláusula que exige a obrigação dos mutuários de zelar pela integridade do imóvel, inclusive com a realização de obras, condicionada à anuência da CEF, que pode a qualquer tempo vistoriar o imóvel.

Nestas condições, seria descabido afastar qualquer responsabilidade da CEF por danos oriundos de vícios cometidos pela construtora na edificação do empreendimento, já que a CEF tem nítido interesse na preservação da garantia, além da prerrogativa de vistoriar a obra ou o imóvel já construído a qualquer momento enquanto vigente o contrato.

É de se destacar que a CEF, enquanto fornecedora que tem engenheiros em seu quadro de funcionários, não apenas pode verificar a qualidade do serviço prestado pela construtora ao realizar as vistorias, mas tem melhores condições técnicas para avaliar os relatórios apresentados pela mesma, além de reunir melhores condições jurídicas e econômicas para avaliar o projeto apresentado e sua correta execução, já que realiza medições periódicas que podem condicionar a liberação progressiva dos valores financiados.

Por todas essas razões, não se afiguraria razoável que os riscos do empreendimento e os prejuízos pelos danos apontados, oriundos de vícios de construção, fossem suportados exclusivamente pelos consumidores, notadamente quando, ademais, não deram causa, por qualquer ação ou omissão, à deterioração do imóvel.

O pleito dos autores encontra guarida no artigo 6º, V, VI, artigo 7º, parágrafo único, artigo 20, artigo 23, artigo 25, § 1º, artigo 39, V, artigo 47, artigo 51, I, IV, § 1º, II, III do CDC, não havendo razões para a incidência, no caso em tela, da Súmula 381 do STJ.

Quanto ao valor da indenização, o juízo a quo baseou-se nas provas e estimativas realizadas por perito de sua confiança, e sua fixação não ofende os termos da legislação consumerista, não se cogitando da necessidade de individualização dos danos para cada um dos imóveis, já que a amostragem da perícia revelou que atingem todo o empreendimento. Por estas razões, a sentença apelada merece ser confirmada.

Ante o exposto, nego provimento à apelação, na forma da fundamentação acima.

É o voto.

VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VALDECI DOS SANTOS:10082
Nº de Série do Certificado: 11DE18080664E707
Data e Hora: 09/08/2018 17:46:27