D.E. Publicado em 28/08/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. O Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE acompanha pela conclusão.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO visando a reforma da r. sentença que, em sede de ação civil pública, julgou improcedente o pedido.
Em seu recurso, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO suscita, preliminarmente, a nulidade da r. sentença (ausência de fundamentação e falha na correlação entre decisão e pedido). No mérito, alega, em síntese, que alguns episódios do programa de TV POLÍCIA 24H expõem mulheres vítimas de violência doméstica a situações constrangedoras ou degradantes, ou que alimentem o estereótipo contra elas.
Com contrarrazões, subiram os autos a este Egrégio Tribunal Regional Federal.
Com vista à Procuradoria Regional da República da 3ª Região, foi ofertado o parecer, com manifestação pelo não provimento do recurso de apelação.
É o relatório.
VOTO
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ajuizou a presenta ação civil pública em face da RADIO TV BANDEIRANTES LTDA., UNIÃO FEDERAL e EYEWORKS DO BRASIL - PRODUTORA DE PROGRAMAS TELEVISIVOS E FILMES PUBLICITÁRIOS LTDA., visando à adequação jurídica do programa de televisão "Polícia 24H" em cenas que exponham mulheres vítimas de violência doméstica a situações constrangedoras ou degradantes.
A DPU aduz ter constatado (em procedimento administrativo) que a edição de alguns episódios do programa de TV POLÍCIA 24H reforça a ideologia da culpa da vítima, bem como o sentimento de impunidade de agressores, além do que a intervenção do repórter e a inserção de legendas e efeitos sonoros sugestivos expõem um juízo de valor. Afirma não ter solucionado o problema após contato com a rede de televisão e com a Polícia Militar, e sustenta abrigo da isonomia, da dignidade da pessoa humana e da proteção à imagem, a DPU pede que a emissora seja proibida de transmitir cenas que exponham mulheres vítimas de violência doméstica a situações constrangedoras ou degradantes, ou que alimentem o estereótipo contra elas.
Pois bem.
Ressalto, inicialmente, que, embora a Lei nº 7.347/85 silencie a respeito, a r. sentença deverá ser submetida ao reexame necessário (interpretação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/65), conforme entendimento da 4ª Turma deste Tribunal e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Passo à análise das alegações invocadas no apelo, sem me ater, entretanto, à ordem em que foram colocadas.
Afasto a preliminar de nulidade da r. sentença. Conforme afirmado pela apelante, foram deduzidos na inicial pedidos cumulativos, quais sejam obrigação de não fazer, pagamento de indenização e multa. Ocorre que não se trata de cumulação própria, mas sucessiva, na medida em que há um vínculo de pendência lógica da análise das pretensões cumuladas. O exame do pedido seguinte (pagamento de indenização) depende do acolhimento do anterior.
Já no mérito, o art. 220, caput, da Constituição Federal prevê que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Além de o referido dispositivo determinar que os limites da Constituição devam ser observados, o artigo 221 estabelece que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos princípios da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e do respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Evidente, pois, que o direito à liberdade de expressão não é absoluto, devendo respeitar valores éticos e sociais e da família.
No caso, em que pese à correta preocupação da Defensoria Pública da União com conceitos e formas que podem atentar contra os direitos humanos das mulheres vítimas de violência doméstica, entendo que o referido programa televiso se encontra dentro dos limites aceitáveis do exercício da liberdade de imprensa. Sob o ponto de vista jurídico posto na perspectiva da presente ação civil pública, os direitos e garantias constitucionais não foram violados.
Ademais, os casos de violência doméstica retratados são acionados pelas próprias vítimas que, juntamente com os policiais, autorizam expressamente a realização das filmagens, sendo que as imagens das mulheres são "borradas" por efeito visual, razão pela qual inexiste ofensa ao direito de imagem. Quanto aos demais efeitos de edição dos programas, há certamente legendas e sonorização em cada quadro, contudo, nada excessivo ou fora dos padrões rotulados para o tipo de programa em questão.
Conforme observado pela r. sentença, as provas trazidas aos autos mostram que a edição do programa tem importante cuidado com dores relevantes vividas pelas pessoas nos casos narrados (especialmente envolvendo crianças e seus pais). É claro que há situações potencialmente desconfortáveis ou agressivas nos fatos narrados, mas é esse justamente o objeto do programa destinado àqueles que, também munidos de sua liberdade, selecionam os canais e redes de acesso para assistirem Polícia 24H. É o mesmo interesse que está presente na leitura de cadernos ou páginas policiais em jornais escritos e, no âmbito da ficção, em imensa quantidade de filmes de ação e de violência (dentre tantos outros modos de expressão cultural).
A despeito do bom gosto ou mau gosto da linguagem e demais signos utilizados, há respaldo jurídico para essa formatação de liberdade jornalística, pois Polícia 24H não legitima a ação violenta em face do gênero feminino (ainda que em algumas situações seja inserido som ou imagem para realçar algum elemento da matéria). Pelas provas trazidas aos autos, não vejo a afirmada ideologia da culpa da vítima, ou apoio a sentimento de impunidade de agressores, nem mesmo na intervenção de repórter e na inserção de legendas e efeitos sonoros em apoio à violência doméstica. Os valores jurídicos da isonomia e da dignidade da pessoa humana também militam a favor da liberdade de imprensa, e gravações em áreas públicas ou em áreas privadas de acesso franqueado pelos responsáveis não violam imagem ou propriedade.
Importante destacar que o programa de televisão "Polícia 24H" também reproduz cenas com homens, crianças e diversas situações da rotina policial, ou seja, não é um programa específico para relatar ocorrências policiais só com mulheres.
A propósito:
Saliento, por oportuno, que a Defensoria Pública vem atendendo diversos grupos em situação de vulnerabilidade (mulheres vítimas de violência, população em situação de rua, presos, pessoas vítimas de LGBTfobia, de tortura, de discriminação racial, de discriminação religiosa, crianças e adolescentes, idosos, comunidades indígenas e quilombolas, refugiados e outros).
Entendo, também, que cabe à Defensoria Pública promover políticas públicas não só em defesa das mulheres, mas também em favor de todos os grupos em situação de risco. Observo que estas ações já vêm sendo lançadas em todo território nacional, o que, por si só, vai contribuir para a defesa do referidos grupos.
Nesse sentido, a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) lançou, recentemente, em São Paulo, no vão do MASP, a campanha "Em Defesa Delas: defensoras e defensores públicos pela garantia dos direitos das mulheres" (https://www.anadep.org.br/emdefesadelas). A iniciativa tem como objetivo apresentar à população o trabalho da Defensoria Pública em favor das mulheres que necessitam de acesso à Justiça para se protegerem.
Por fim, em consulta ao site da TV Bandeirantes (https://www.band.uol.com.br/tv/programacao.asp), verifica-se que o programa Polícia 24H não faz mais parte da programação da emissora.
Assim, mantenho a r. sentença que julgou improcedente o pedido.
Diante do exposto, nego provimento à REMESSA OFICIAL e ao recurso de apelação da DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. Mantenho, integralmente, a r. sentença.
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