Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 10/09/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001507-14.2013.4.03.6113/SP
2013.61.13.001507-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DALVONEI DIAS CORREA
ADVOGADO : SP197959 SÉRGIO VALLETTA BELFORT e outro(a)
No. ORIG. : 00015071420134036113 2 Vr FRANCA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRELIMINAR. NULIDADE DA SENTENÇA. CONEXÃO PROBATÓRIA. PATROCÍNIO INFIEL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. USO DE DOCUMENTO FALSO. PROVAS DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DELITIVA.
1. Compete ao Juízo das Execuções Penais decidir sobre a unificação das penas, quando verificada a hipótese de crime continuado, a teor do art. 66, III, a, da Lei n. 7.210/84 - Lei de Execução Penal.
2. A conduta do advogado que retém injustificadamente verba recebida em nome do cliente não configura o delito de patrocínio infiel (CPP, art. 355), uma vez que se subsome, em tese, ao delito de apropriação indébita (CP, art. 168, §1º, III), o qual também foi imputado ao acusado, de modo que não há o que reparar.
3. As provas produzidas não são suficientes ao embasamento da condenação pela prática dos crimes de apropriação indébita e de uso de documento falso.
4. Rejeitada a preliminar e desprovido o recurso de apelação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e negar provimento ao recurso de apelação do Minsitério Público Federal, mantendo-se a sentença absolutória recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 03 de setembro de 2018.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001507-14.2013.4.03.6113/SP
2013.61.13.001507-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DALVONEI DIAS CORREA
ADVOGADO : SP197959 SÉRGIO VALLETTA BELFORT e outro(a)
No. ORIG. : 00015071420134036113 2 Vr FRANCA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença que absolveu Dalvonei Dias Correa, por atipicidade da conduta, quanto à imputação relativa à prática do delito do art. 355 do Código Penal, e por insuficiência de provas da prática dos fatos, quanto às imputações relativas à prática dos delitos dos arts. 168, § 1º, III e 304, ambos do Código Penal, com fundamento nos incisos III e VII do art. 386 do Código de Processo Penal, respectivamente (fls.639/646v.).

Recorre com os seguintes argumentos:

- Preliminarmente:
a) é devido o reconhecimento da nulidade da sentença recorrida, remetendo-se os autos ao Juízo a quo para que se aguarde o encerramento da instrução em todas as ações conexas e sejam reunidas para julgamento conjunto, de modo a propiciar o mais completo aproveitamento dos atos processuais nelas realizados, nos termos dos arts. 76, III, 78, II, c, e 79, todos do Código de Processo Penal;
b) a sentença recorrida é nula, tendo causado prejuízo à apuração da verdade real, além do risco de julgamentos contraditórios;
- No mérito:
c) todos os elementos do delito de patrocínio infiel encontram-se presentes, restando satisfatoriamente comprovado que o recorrido apropriou-se de parte da importância devida a sua cliente Graciane Débora de Mendonça, da qual teve a posse em razão de sua profissão, traindo o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe fora confiado, não sendo caso de atipicidade da conduta;
d) superada a atipicidade, o conjunto probatório demonstra a autoria e a materialidade do delito de patrocínio infiel;
e) também restou comprovada a autoria e a materialidade dos delitos de apropriação indébita e de uso de documento falso;
f) a defesa objetiva demonstrar que os fatos em apuração não passam de estratégia articulada por Reginaldo de Mendonça, que não teria se conformado em ter de pagar honorários a Dalvonei, devidos por seu trabalho, e teria instruído os demais inquiridos a inventar história sobre terem assinado recibos em branco e recebido valores inferiores de Dalvonei, o que não se sustenta, não sendo plausível inferir que simples trabalhador rural como Reginaldo tivesse o poder de influir nos depoimentos de mais de 50 (cinquenta) pessoas, perante diversas autoridades;
g) subsidiariamente, impõe-se a reforma da sentença para condenar Dalvonei Dias Correa nas penas dos arts. 168, § 1º, III, 304 e 355, c. c. o art. 69, todos do Código Penal, bem como a fixação do valor mínimo para reparação de danos causados pela infração, considerados os prejuízos sofridos pelo ofendido, nos termos do art. 387, IV, do Código de Processo Penal;
h) não acolhida a preliminar, requer-se que o presente feito aguarde até que as demais ações penais conexas sejam encaminhadas a esta Corte Regional para julgamento unificado, com fundamento nos arts. 15 e 138 do Regimento Interno (fls. 651/663).

A defesa de Dalvonei Dias Correa apresentou contrarrazões (fls. 666/690).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo provimento do recurso de apelação da acusação para declarar a nulidade da sentença, remetendo-se os autos ao Juízo a quo para julgamento conjunto com os autos conexos e, subsidiariamente, pela reforma da sentença para condenar Dalvonei Dias Correa pela prática dos delitos dos arts. 168, § 1º, III, 304 e 355, todos do Código Penal (fls. 693/697v.).

Á revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001507-14.2013.4.03.6113/SP
2013.61.13.001507-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : DALVONEI DIAS CORREA
ADVOGADO : SP197959 SÉRGIO VALLETTA BELFORT e outro(a)
No. ORIG. : 00015071420134036113 2 Vr FRANCA/SP

VOTO

Imputação. Dalvonei Dias Correa foi denunciado como incurso nos arts. 168, § 1º, III, 304 e 355, c. c. o art. 69, todos do Código Penal, em razão de suposta prática dos crimes de apropriação indébita, uso de documento falso e patrocínio infiel, cometidos na condição de advogado e no âmbito de processo trabalhista em que Graciane Débora de Mendonça figura como parte reclamante:


Consta das inclusas peças informativas que Dalvonei Dias Corrêa apropriou-se de coisa alheia móvel de que tinha a posse em razão de sua profissão.
Consta, também, que Dalvonei Dias Corrêa traiu, na qualidade de advogado, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em Juízo, lhe foi confiado.
Consta, por fim, que Dalvonei Dias Corrêa fez uso de documento particular ideologicamente falsificado.
Segundo restou apurado, em 01 de julho de 2011, Dalvonei Dias Corrêa impetrou reclamação trabalhista, como advogado de Graciane Débora de Mendonça, contra Onofre Neves Cintra, perante a Justiça do Trabalho de Franca/SP, processo nº 0001162-60.2011.5.15.0015.
Em 01 de agosto de 2011, foi realizada audiência, na 1ª Vara do Trabalho de Franca, na qual firmou-se acordo entre reclamante e reclamado, sem reconhecimento de relação de emprego ou de trabalho, no valor de R$ 3.457,00, a ser pago em três parcelas, sendo a primeira no importe de R$ 1.152,00 e as demais no valor de R$ 1.152,50, a serem quitadas nos dias 01/08, 01/09 e 03/10 de 2011. Os pagamentos seriam feitos diretamente ao advogado da reclamante, no seu escritório, mediante recibo (fls. 31/32).
Ocorre que, em 30 de março de 2012, Graciane Débora de Mendonça compareceu à secretaria da 1ª Vara do Trabalho noticiando que seu advogado lhe repassou apenas a quantia de R$ 1.000,00 (fls. 43). Informou, ainda, ter assinado um recibo em branco. Declarou ter tentado contato telefônico com o causídico sem sucesso e aduziu ter combinado com ele o pagamento de trinta por cento de honorários. Com base nessas informações, o juiz trabalhista intimou o patrono da reclamante para que se manifestasse.
Atendendo à intimação, em 09 de maio de 2012, Dalvonei Dias Corrêa protocolizou manifestação dizendo que as declarações de Graciane Mendonça não eram verdadeiras. Asseverou que Graciane recebera, de uma só vez, todas as parcelas mencionadas no acordo, nada mais lhe sendo devido. Juntou cópia de um recibo, assinado por ela, no valor de R$ 2.420,00, datado de 01 de agosto de 2011 (fls. 49).
Além de Graciane, o Juízo Trabalhista recebeu outras vinte reclamações em razão de denúncias formuladas por trabalhadores contra o advogado Dalvonei Dias Corrêa, por fatos semelhantes aos ora descritos, encaminhando a documentação ao Ministério Público para as providências cabíveis (fls. 03/04).
A Procuradoria da República em Franca instaurou procedimento administrativo no qual Graciane Débora de Mendonça e Onofre Neves Cintra foram notificados para prestar esclarecimentos.
Ao ser ouvida, em 24 de janeiro de 2013, Graciane declarou que, no dia da audiência na Justiça do Trabalho, leu na tela do computador que tinha direito a três parcelas superiores a R$ 1.000,00. Informou que, após a audiência, uma pessoa, que trabalhava para o advogado Dalvonei, entregou-lhe a quantia de R$ 1.000,00 e lhe disse que era somente aquilo que ela teria para receber. Em seguida, pediu-lhe que assinasse um recibo em branco. Graciane certificou que, depois de pegar os R$ 1.000,00, firmou um documento em branco. Esclareceu, por fim, que após pesquisar seu processo na internet, viu que o valor que teria para receber era superior ao efetivamente recebido (fls. 87).
Onofre Neves Cintra, por sua vez, quando ouvido na Procuradoria da República, informou ter feito o pagamento diretamente ao causídico investigado, tendo, inclusive, apresentado cópias dos recibos (fls. 60 e 71).
As provas até aqui obtidas indicam que Dalvonei Dias Corrêa apropriou-se indevidamente de parte da importância devida à sua cliente, da qual teve a posse em razão de sua profissão, já que o acordo celebrado em Juízo dispunha que os pagamentos seriam feitos diretamente a ele, traindo o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio em Juízo lhe fora confiado. Além disso, fez uso de documento particular falso, perante a Justiça do Trabalho, ao apresentar uma cópia de recibo ideologicamente falso (fls. 94/97).

Do processo. O Juízo da 2ª Vara Federal de Franca (SP) reconheceu a incompetência da Justiça Federal para o julgamento do presente feito, em razão da matéria, e determinou a remessa dos autos para distribuição a uma das Varas Criminais de Franca (SP) (fls. 437/440). Distribuído ao Juízo da 3ª Vara Criminal de Franca (SP), foi suscitado conflito negativo de jurisdição (fls. 446/456). O Superior Tribunal de Justiça declarou competente o Juízo da 2ª Vara Federal de Franca (SP) (fls. 461/462).

Preliminar. Nulidade da sentença. O Ministério Público Federal protesta pelo reconhecimento da nulidade da sentença recorrida, em razão do reconhecimento da conexão probatória entre a presente ação penal e outras 49 (quarenta e nove) ações penais ajuizadas contra o réu, que ensejou a produção conjunta da prova testemunhal no feito originário, considerado "piloto", para posterior julgamento comum. Sustenta que a prolação antecipada da sentença absolutória no presente feito, sem que fosse encerrada a fase instrutória nos feitos conexos, ocasionou o risco de julgamentos contraditórios.

Não lhe assiste razão.

Em que pese a prevenção da 2ª Vara Federal de Franca (SP) para conhecer das ações penais envolvendo fatos semelhantes atribuídos ao mesmo acusado, inicialmente em curso perante a 1ª e a 3ª Varas Federais de Franca (SP), e a concentração da oitiva das testemunhas e do interrogatório do acusado no feito originário, considerado "piloto", Processo n. 0001487-23.2013.403.6113, não ocorreu a unificação dos feitos, conforme se verifica da decisão de fls. 336/342v., de modo que as ações penais estão sendo julgadas de forma independente.

O Juízo a quo esclareceu que as condutas atribuídas ao acusado não são coincidentes em todos os processos, porém a condução absolutamente independente de cada qual poderia resultar em uma multiplicidade de intimações dirigidas a mesma pessoa, considerando que as testemunhas de acusação e de defesa repetem-se em muitos feitos, com risco de atraso na instrução e comprometimento da eficácia da prestação jurisdicional. Relatou que foi estabelecido cronograma para inquirição de todas as testemunhas arroladas em todas as ações penais ajuizadas contra o acusado, bem como para o interrogatório, o qual foi apenas parcialmente cumprido, não havendo sucesso na tentativa de se obter o andamento conjunto das ações penais.

No que toca ao pedido do Ministério Público Federal de unificação das ações penais, asseverou o seguinte:


A despeito de ser possível se vislumbrar, desde sempre, a existência de continuidade delitiva entre os fatos tidos como delituosos, além da possibilidade de a prova de uma das infrações influir na apreciação da ocorrência das demais infrações, o Ministério Público Federal optou por oferecer denúncias individualizadas em relação a cada uma das vítimas, resultando no alto número de ações penais (...).
Em resposta à acusação oferecida nestes autos, a defesa insurgiu-se contra o procedimento adotado pelo Ministério Público Federal. Naquela oportunidade, requereu a defesa a reunião dos processos, o que se configuraria num direito do acusado, além de facilitar a apuração das provas e o exercício do direito de defesa (fl. 141).
O Ministério Público Federal, contudo, contrapôs-se a essa pretensão (fls. 302-303), negando, inclusive, que estariam evidenciados os requisitos indispensáveis para a configuração do crime continuado, afirmando que competiria ao juízo da execução a tarefa de melhor apreciar essa questão, quando então seria possível "visualizar amplamente o quadro de condenações do réu" (fl. 303).
(...) o Ministério Público Federal sempre foi contrário à unificação das ações penais movidas em desfavor do acusado Dalvonei Dias Corrêa, inclusive questionando a efetiva ocorrência da continuidade delitiva em face das diversas imputações contra o réu dirigidas. Nas suas manifestações sobre esse ponto, o Ministério Público Federal sempre remeteu a uma futura avaliação do juízo da execução penal quanto à eventual unificação das penas, que, porventura, fossem aplicadas ao acusado, em razão do reconhecimento do crime continuado.
De outro giro, essa posição do Ministério Público Federal foi secundada por este juízo, o qual, usando da faculdade insculpida no art. 80 do CPP, recusou a unificação do processo e julgamento das ações penais (...).
Por consequência, as cerca de cinco dezenas de ações penais movidas em face de Dalvonei Dias Corrêa estão tendo tramitação independente (...).
Considero, portanto, superada a questão relacionada à unificação da instrução e julgamento dessas ações penais, a qual já foi objeto de apreciação e decisão por este juízo.
O novo posicionamento do Ministério Público Federal sobre a unificação de processos é intempestivo, pois deveria ter sido objeto de consideração quando do próprio oferecimento das ações penais em desfavor do réu, ou, mesmo, quando a defesa se insurgiu quanto à separação dos processos.
Ademais, como bem aduziu o acusado em sua petição de fls. 1.675/1.677, ante a pulverização das instruções criminais determinada pelo ajuizamento de múltiplas ações penais, a unificação desses processos, apenas para fins de julgamento conjunto, acarretar-lhe-ia sérios prejuízos, por dificultar sobremaneira o exercício de seu direito de defesa. O réu tem se defendido de cada uma das imputações que lhe foi feita, separadamente, em face das provas colhidas em cada um dos respectivos processos. Exigir do acusado que agora se defenda de todas essas imputações em conjunto tem o potencial de prejudicar a estratégia defensiva adotada isoladamente em cada uma dessas ações penais, causando surpresa à defesa, e impondo-lhe um ônus exacerbado.
Em outros termos, o juízo atentaria contra a boa-fé processual se revisse decisão proferida nestes autos há quase três anos, contrária à unificação dos processos, tanto mais por já estar encerrada a instrução criminal.
Anoto, por fim, que, ao contrário do aduzido pelo Ministério Público Federal em sua manifestação de fl. 1.671, o reconhecimento da conexão, com a reunião dos feitos para processamento perante esta 2ª Vara Federal, não determina, por si só, o julgamento conjunto das ações. O reconhecimento da conexão é medida processual indeclinável, pois define o juízo competente para a apreciação de determinado processo. O processo e julgamento conjunto das ações penais conexas, ao contrário, é facultativo, conforme explicitado no art. 80 do CPP. Nesse sentido, esclarecedor precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) (...). (fls. 536v./538)

Como se vê, o Ministério Público Federal optou por não oferecer uma denúncia única contra o acusado e contrapôs-se à pretensão de unificação dos feitos deduzida pela defesa em resposta à acusação. Alegando dúvida sobre a efetiva caracterização da continuidade delitiva entre as diversas ações ajuizadas contra o acusado, o Parquet sustentou a possibilidade de a continuidade delitiva ser reconhecida para fins de unificação das penas pelo Juízo das Execuções Penais, entendimento que foi acolhido pelo Juízo a quo, tendo as ações ajuizadas em face do acusado tramitado de forma independente.

Com efeito, compete ao Juízo das Execuções Penais decidir sobre a unificação das penas, quando verificada a hipótese de crime continuado, a teor do art. 66, III, a, da Lei n. 7.210/84 - Lei de Execução Penal.

Reputo adequada a consideração do MM. Magistrado a quo sobre a possibilidade de se ocasionar prejuízo à defesa na adoção de sistemática diversa, a essa altura, impondo-lhe ônus processual exacerbado ao exigir que altere a estratégia de defesa para abranger todas as imputações em conjunto.

Preliminar que se rejeita.

Do delito de patrocínio infiel (CP, art. 355). O Parquet afirma que todos os elementos do delito de patrocínio infiel encontram-se presentes, de modo que não deveria prevalecer a atipicidade da conduta reconhecida na sentença.

A insurgência ministerial não prospera.

Conforme julgado de minha relatoria (RSE n. 0004749-84.2013.4.03.6111), mencionado na sentença (fls. 642/643), a conduta do advogado que retém injustificadamente verba recebida em nome do cliente não configura o delito de patrocínio infiel (CPP, art. 355), uma vez que se subsome, em tese, ao delito de apropriação indébita (CP, art. 168, §1º, III), o qual também foi imputado ao acusado, de modo que não há o que reparar.

Do delito de apropriação indébita (CP, art. 168, § 1º, III) e do delito de uso de documento falso (CP, art. 304).

O Parquet protesta pela condenação do acusado Dalvonei Dias Corrêa pela prática dos delitos de apropriação indébita e de uso de documento falso.

Entretanto, a prova produzida não é suficiente para embasar a reforma do decreto absolutório recorrido.

De acordo com a denúncia, em 01.07.11, Dalvonei Dias Corrêa impetrou reclamação trabalhista, Processo n. 0001162-60.2011.5.15.0015, como advogado de Graciane Débora de Mendonça, contra Onofre Neves Cintra, perante a Justiça do Trabalho de Franca (SP). Em 01.08.11, foi realizada audiência, na 1ª Vara do Trabalho de Franca (SP), da qual resultou a celebração de acordo no valor de R$ 3.457,00 (três mil, quatrocentos e cinquenta e sete reais), a ser pago, em favor da reclamante, em 3 (três) parcelas, sendo a primeira no importe de R$ 1.152,00 (um mil, cento e cinquenta e dois reais) e as demais no valor de R$ 1.152,50 (um mil, cento e cinquenta e dois reais e cinquenta centavos), a serem quitadas em agosto, setembro e outubro de 2011, mediante entrega dos valores diretamente ao advogado da reclamante, no seu escritório, mediante recibo. Em 30.03.12, Graciane compareceu à secretaria da 1ª Vara do Trabalho, noticiando que Dalvonei repassou-lhe apenas a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais), que assinou recibo em branco e que não foi possível contato telefônico com o causídico. Em 09.05.12, Dalvonei apresentou manifestação em que negou as declarações de Graciane e informou que ela recebera, de uma só vez, todas as parcelas mencionadas no acordo, tendo juntado cópia de recibo, assinado por ela, no valor de R$ 2.420,00 (dois mil, quatrocentos e vinte reais), datado de 01.08.11 (fls. 94/97).

Em relação ao delito de apropriação indébita, encontram-se presentes tão somente os seguintes elementos documentais:

a) ata de audiência da 1ª Vara do Trabalho de Franca (SP), com data de 01.08.11, relativa ao Processo n. 0001162-60.2011.5.15.0015, por intermédio da qual restou formalizado acordo entre a reclamante, Graciane Débora de Mendonça, representada pelo acusado Dalvonei Dias Corrêa, e o reclamado Onofre Neves Cintra, que assumiu o compromisso de lhe pagar a importância de R$ 3.457,00 (três mil quatrocentos e cinquenta e sete reais) em 3 (três) parcelas, sendo a primeira de R$ 1.152,00 (um mil cento e cinquenta e dois reais), a ser paga no ato e em espécie, e as demais de R$ 1.152,50 (um mil, cento e cinquenta e dois reais e cinquenta centavos), a serem pagas nos dias 01.09.11 e 03.10.11, no escritório do acusado Dalvonei, mediante recibos (fls. 32/33);
b) termo de declaração da 1ª Vara do Trabalho de Franca (SP), com data de 30.03.12, firmado por Graciane Débora de Mendonça, de acordo com o qual declarou que, no dia 01.08.11, recebeu o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) do acusado Dalvonei, relativo ao acordo celebrado em audiência perante o mesmo juízo, tendo assinado recibo em branco e não tendo recebido nenhuma outra importância, nem logrado contato telefônico com o acusado (fl. 44).

Em relação ao delito de uso de documento falso, foram juntados aos autos recibo coletivo, sem registro de valor, com data de 01.08.11, bem como recibo individual, este no valor de R$ 2.420,00 (dois mil, quatrocentos e vinte reais), igualmente com data de 01.08.11, ambos assinados por Graciane Débora de Mendonça, apresentado pelo acusado Dalvonei, perante o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Franca (SP) (fls. 47/50).

Ouvida em Juízo, Graciane Débora de Mendonça Lima aduziu que o acusado Dalvonei ajuizou reclamação trabalhista, em seu favor, em razão do trabalho efetuado na fazenda Democrata, de propriedade de Onofre, restando estabelecido que receberia 30 % (trinta por cento) do montante que lhe fosse devido, a título de honorários advocatícios. Recebeu apenas a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais), tendo assinado recibo em branco. Posteriormente, uma amiga sua acessou o site da Justiça trabalhista e verificou que teria de ter recebido R$ 3.000,00 (três mil reais), em conformidade com o acordo realizado (fl. 534). No mesmo sentido o depoimento que prestou perante a 1ª Vara do Trabalho de Franca (SP) (fl. 44) e o relato de diligência da Procuradoria da República de Franca (SP), que instruiu o Procedimento Investigatório Criminal n. 1.34.005.000213/2012-08 (fl. 88).

Destaca-se de suas declarações prestadas em Juízo que "os pagamentos eram feitos em uma salinha no fórum trabalhista de Franca por outra pessoa que não o Dalvonei; que era a pessoa de Reginaldo quem chamava as pessoas para entrarem na sala e receber os valores" (fl. 534).

A versão de Graciane Débora de Mendonça converge com a de diversos trabalhadores rurais. Ouvidos na Procuradoria da República de Franca (SP), Alice Aparecida dos Santos de Castro, André Santos da Silva, Anésio Faustino do Nascimento, Antonia Luiza de Oliveira, Benedita Imaculada da Silva, Daniela de Oliveira, Edinalva da Silva Santos, Eliel Luis Rufino, José Venir, José Wilson Ferreira de Castro, Luis Antonio Rufino, Maraísa Silva Rufino, Marcia Aparecida Pereira, Maria Conceição de Oliveira, Maria de Jesus Santos, Maria Honória dos Santos Ribeiro, Marli dos Santos Silva, Nair das Graças Silva, Neide Maria de Jesus, Osmar Donizete, Sebastião Teodoro da Silva Filho, Tuane Cristina Paraíso Correa, Vivaldo Brito, tendo prestado serviços na Fazenda "Da Mata" ou "Democrata", em Capetinga (MG), sem registro em carteira profissional, disseram que ajuizaram reclamação trabalhista contra seu proprietário, Onofre Neves Cintra, com o patrocínio do acusado Dalvonei, que lhes foi apresentado por Reginaldo de Mendonça, turmeiro, que também trabalhava para a fazenda. Informaram a realização de acordo na Justiça Trabalhista, que lhes reconheceu o direito ao recebimento de valores. Aduziram que, após a audiência, em pequena sala do fórum trabalhista, cada um deles foi atendido individualmente pelo assistente do acusado Dalvonei, tendo recebido parcela única, em espécie, relativa ao acordo e, em contrapartida, assinaram recibo, em branco, sendo orientados a não comentarem, uns com os outros, do montante efetivamente recebido. Declararam que receberam importância inferior à estabelecida no acordo, o que motivou que efetuassem reclamação contra o acusado Dalvonei perante a OAB. Dalvonei, que receberia 30% (trinta por cento) do valor devido aos reclamantes, a título de honorários advocatícios, apropriou-se de aproximadamente 70% (setenta por cento) das quantias destinadas a cada um deles. Alguns deles afirmaram que sofreram ameaças do acusado Dalvonei, quando lhe indagaram sobre a diferença de valores (mídia à fl. 60). No mesmo sentido as declarações prestadas em Juízo por Marli dos Santos Silva (fls. 420/421).

Tais versões ainda restaram corroboradas pelo depoimento de Francisco Luis Pessoni, na Procuradoria da República de Franca (SP), que declarou que, como pedreiro, auxiliou na construção de barracão na Fazenda Democrata. Foi instruído por Reginaldo a procurar o acusado Dalvonei para receber valores pelos serviços prestados na fazenda. Não reconheceu sua assinatura em recibo de R$ 4.720,00 (quatro mil, setecentos e vinte reais). Não reconheceu sua assinatura em contrato firmado com o acusado Dalvonei, tampouco em procuração outorgada a ele (mídia à fl. 60). Também Sebastião Pedro de Carvalho e Suzi Moreira da Silva, ouvidos na Procuradoria da República de Franca (SP), declararam que nunca trabalharam na Fazenda Democrata, nem reconheceram suas assinaturas apostas nos documentos relativos à reclamação trabalhista ajuizada, em seu nome, contra a fazenda, com o patrocínio do acusado Dalvonei. Receberam R$ 2.000,00 (dois mil reais) do acusado Dalvonei para que desistissem de reportar a falsidade praticada em seus nomes (mídia à fl. 60). Ouvidos na Procuradoria da República de Franca (SP), Rogério Donizete Faria declarou que assina a rogo, de modo que sua assinatura constante de documentos apresentados por Dalvonei teria sido falsificada, assim como Rita de Cássia dos Santos Silva também não reconheceu sua assinatura em diversos documentos (mídia à fl. 60).

Interrogado em Juízo, Dalvonei Dias Corrêa negou as acusações. Disse que é advogado há 27 (vinte e sete) anos e aufere entre R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) mensais. Ele, sua esposa, secretária de seu escritório de advocacia, e seus 3 (três) filhos, estudantes de Direito, são profissionais idôneos, possui 3 (três) fazendas e nunca se apropriou de valores pertencentes aos seus clientes, em razão das causas por ele patrocinadas, contando, atualmente, com o patrocínio de 8.000 (oito mil) reclamações trabalhistas perante a Justiça do Trabalho de Franca (SP).

Aduziu que, após diversas audiências e reuniões, foram realizados acordos nas reclamações trabalhistas que moveu contra Onofre Neves Cintra, em agosto de 2011, para 57 (cinquenta e sete) pessoas, e em janeiro de 2012, para os restantes. Antes das audiências, houve reunião para explicar aos reclamantes como seriam realizados os acordos. Por ocasião dos primeiros acordos celebrados, em agosto de 2011, Onofre determinou que Eduardo, pessoa de sua confiança, levasse aproximadamente R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) ao fórum trabalhista para proceder aos pagamentos respectivos, o que se deu na sala da OAB, por motivo de segurança.

Informou que Reginaldo foi o primeiro a receber o valor acordado de sua reclamação trabalhista, equivalente a R$ 9.000,00 (nove mil reais), tendo assinado recibo coletivo. Reginaldo não assinou recibo individual, não se recordando o motivo. Não pagou despesas de ônibus para Reginaldo, pagou o valor do acordo, com o desconto dos honorários. Após o pagamento de Reginaldo, os demais reclamantes foram pagos, recebendo os valores acordados constantes das atas de audiência, com o desconto de 30% (trinta por cento) de honorários advocatícios, de Gleberson, seu auxiliar, sendo acompanhados por Reginaldo, que detinha o controle do período que cada reclamante havia trabalhado na fazenda Democrata. Gleberson colheu a assinatura dos reclamantes em recibo coletivo e individual. Nos casos de pagamento parcelado do acordo em 2 (duas) prestações, a segunda parcela se deu em seu escritório, ou na casa de Reginaldo, ou na casa do reclamante favorecido.

Adicionou que sofreu processo disciplinar na OAB, sendo absolvido. No processo disciplinar, restou concluído que Reginaldo de Mendonça queria prejudicá-lo. Reginaldo procurou-o em seu escritório para lhe exigir o valor dos honorários advocatícios descontados do montante que lhe era devido em razão do acordo celebrado na reclamação trabalhista ajuizada em seu favor, bem como comissão sobre os honorários que havia recebido nas demais reclamações trabalhistas ajuizadas contra Onofre, que totalizaram 137 (cento e trinta e sete) processos. Expulsou Reginaldo de seu escritório porque estava sendo vítima de extorsão. Nada combinou com Reginaldo sobre a dispensa de pagamento de honorários advocatícios relativamente a sua reclamação trabalhista. Reginaldo tinha interesse em eleger-se prefeito de Capetinga (MG). Todos os reclamantes ouvidos perante a Procuradoria da República de Franca (SP) foram orientados por Reginaldo a informar que receberam valor inferior ao acordado e assinaram recibos em branco. Reginaldo foi avistado por vigilante conhecido seu, orientando essas pessoas, nas proximidades da Procuradoria da República de Franca (SP) (fls. 561/562 e mídia à fl. 570).

Reginaldo de Mendonça, conhecido por "Nardo", ouvido em Juízo, como informante, declarou que, como turmeiro da fazenda de propriedade de Onofre Neves Cintra, era responsável pelo transporte dos trabalhadores da fazenda, efetuando também o controle da produtividade diária de cada trabalhador e do período trabalhado. Onofre depositava o pagamento dos trabalhadores rurais em sua conta bancária, que ele distribuía aos respectivos destinatários. Admitiu que foi quem, por primeiro, procurou Dalvonei para ajuizar reclamação trabalhista, em seu favor e de diversos trabalhadores rurais. Dalvonei foi indicado, não se recordando a pessoa que o indicou. Onofre estabeleceu negociação com Dalvonei. Dalvonei propôs-lhe o ajuizamento de reclamação trabalhista, sem cobrança de honorários advocatícios. Nunca recebeu o valor do acordo celebrado perante a Justiça trabalhista, em seu favor, com o patrocínio do acusado Dalvonei, sendo que lhe era devida a soma de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais). Todos os reclamantes assinaram recibos em branco, o que presenciou. Não suspeitou de nenhuma irregularidade pelo fato de os recibos estarem sendo assinados em branco. Recebeu apenas o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) relativo às despesas com o ônibus que foi fretado. Acreditava que receberia ao término do pagamento de todos os demais. Não assinou nenhum recibo. Ele e Dalvonei tiveram uma discussão no escritório de advocacia dele. Na OAB, cerca de 50 (cinquenta) trabalhadores rurais da fazenda Democrata reclamaram de Dalvonei porque não receberam os valores determinados em acordo. Desconhece sobre a realização posterior de acordo entre Dalvonei e os trabalhadores rurais para acerto da diferença entre os valores recebidos e os constantes dos acordos. Foi feito boletim de ocorrência contra Dalvonei. É atualmente vereador de Capetinga (MG), pelo terceiro mandato consecutivo. As correspondências em nome dos trabalhadores rurais enviadas ao seu endereço podem ter sido a eles entregues quando se dirigiam a sua residência para retirar o pagamento do trabalho realizado na fazenda Democrata (fls. 554 e 634/635 mídia às fls. 555 e 636).

Quando inquirido na Procuradoria da República de Franca (SP), Reginaldo adicionou que Dalvonei não restituiu a ninguém os valores de que se apropriou, com exceção de 3 (três) pessoas, para quem pagou R$ 2.000,00 (dois mil reais) cada, em relação às quais falsificou documentação para ajuizar reclamação trabalhista contra Onofre Neves Cintra, em nome delas, sem que elas tivessem sequer trabalhado na Fazenda Democrata (mídia à fl. 60).

A corroborar a versão dos fatos apresentada pelo acusado Dalvonei Dias Corrêa, as declarações de Onofre Neves Cintra, proprietário da Fazenda Democrata, demonstram que Reginaldo de Mendonça, como turmeiro, influía na conduta dos demais que, por algum período, trabalharam na lavoura do café em sua propriedade rural.

Inquirido na Procuradoria da República de Franca (SP), Onofre declarou que foram ajuizadas dezenas de reclamações trabalhistas contra ele por trabalhadores rurais diversos, não lhe restando outra alternativa senão realizar acordo. Disse que muitos dos reclamantes não trabalharam para ele, ou trabalharam por período inferior ao declarado perante a justiça trabalhista. Procurou pelo acusado Dalvonei, que se limitou a confirmar o ajuizamento das reclamações trabalhistas. Foram realizados acordos no valor total de R$ 340.000,00 (trezentos e quarenta mil reais), montante que pagou integralmente e em espécie, no dia de sua homologação, para o acusado Dalvonei e seu assistente, para repassarem aos reclamantes, com os descontos dos honorários entre eles acordado (mídia à fl. 60). Juntou os documentos de fls. 63/87.

Na fase judicial, Onofre esclareceu que foram realizados diversos acordos nas reclamações trabalhistas contra ele ajuizadas, em agosto de 2011 e em janeiro de 2012. Os pagamentos realizados em janeiro de 2012 foram realizados em 2 (duas) ou 3 (três) parcelas. Não soube dizer como se procederam os pagamentos, ao advogado dos reclamantes, ou a cada um deles diretamente. Reginaldo de Mendonça é vereador em Capetinga (MG). Como era turmeiro, líder de muitos trabalhadores rurais, Reginaldo gozava de sua confiança e tinha facilidade de conseguir votos (fls. 630/631 e mídia à fl. 636).

Adicionou, em Juízo, que esses acordos beneficiaram pessoas que não chegaram a trabalhar na fazenda, o que não contestou porque não contava com seus controles, anotados em caderno, que permaneceu em poder de Reginaldo. Foi realizado o primeiro acordo, favorecendo "Landinho" e, com base nele, foram celebrados todos os demais. À época dos acordos, uma média de 25 (vinte e cinco) pessoas trabalhava na sua propriedade, na colheita de café, no período entre julho e agosto. Atualmente, conta com aparelhagem utilizada na colheita e contrata uma média de 8 (oito) pessoas, por período de safra. Na sua fazenda, os pagamentos dos trabalhadores rurais era efetuado, semanalmente, para Reginaldo, que distribuía os valores devidos a cada um deles. O desentendimento entre ele e Reginaldo que motivou a cessação do trabalho na sua fazenda na véspera da colheita do café, no ano de 2011, foi desencadeado pela sua vontade de registrar cada trabalhador, com o que Reginaldo discordou. Os trabalhadores liderados por Reginaldo não entendiam o que estava acontecendo, desconheciam a razão pela qual estavam cessando seu trabalho na fazenda. Reginaldo apropriou-se de seu caderno em que eram anotados os dados de cada trabalhador da fazenda, com produção e período trabalhado, perdendo todo o seu controle. Reginaldo chegou a dizer-lhe que se perdesse a eleição naquele ano, atribuiria culpa a ele (fls. 632/633 e mídia à fl. 636).

As declarações do acusado Dalvonei Dias Corrêa também restaram reforçadas pelas oitivas de Cássio Pereira Mauro Filho, Gleberson Machado, Liliana Fenato Trematore e Maura Soares.

Cássio Pereira Mauro Filho declarou, em Juízo, que é servidor da Justiça trabalhista. Conhece o acusado Dalvonei e apenas manteve contato com ele em razão do trabalho. Atendeu os reclamantes dos processos trabalhistas ajuizados contra Onofre Neves Cintra, trabalhadores rurais, os quais apresentaram reclamação padrão contra Dalvonei, no sentido do descumprimento do acordo realizado, com a percepção de valor inferior ao devido. Reginaldo de Mendonça acompanhava essas pessoas. Reginaldo afirmava que queria prejudicar Dalvonei. É usual que os acordos sejam pagos pelo advogado da parte. Não presenciou os pagamentos efetuados, nem a assinatura de recibos. Presenciou Reginaldo acionar a Polícia para reportar fato relacionado a Dalvonei (fl. 549 e mídia à fl. 555).

Gleberson Machado aduziu, judicialmente, que é auxiliar no escritório de advocacia do acusado Dalvonei. Foi quem realizou os pagamentos aos reclamantes das ações trabalhistas ajuizadas contra Onofre Neves Cintra. Após a realização dos pagamentos, Reginaldo de Mendonça procurou Dalvonei, alegando que faria jus à devolução de valor cobrado a título de honorários advocatícios relativamente à reclamação trabalhista ajuizada em favor dele, em razão do trabalho exercido na Fazenda Democrata, bem como à vantagem relativamente às reclamações trabalhistas ajuizadas em favor dos demais trabalhadores. Dalvonei não concordou com tais solicitações e, posteriormente, sofreu reclamações. Reginaldo afirmou que seu interesse era político. Ele era político na cidade e queria reeleger-se, por isso acompanhou os trabalhadores rurais até o escritório de Dalvonei e até o fórum trabalhista. Os pagamentos resultantes dos acordos nas reclamações trabalhistas ajuizadas contra Onofre Neves Cintra eram realizados separada e individualmente, após a leitura da ata de audiência, sendo assinado recibo coletivo e recibo individual, sendo que neste constava data e valor. Os trabalhadores da fazenda que não se encontravam no fórum no dia do acordo receberam os valores devidos na casa de Reginaldo, na cidade de Capetinga (MG). Os pagamentos não foram realizados pessoalmente por Dalvonei porque ele necessitava acompanhar as demais audiências. Os reclamantes insurgiram-se contra os pagamentos recebidos, por influência de Reginaldo. Desconhece sobre o frete de ônibus para os reclamantes. Todos os reclamantes receberam os pagamentos com base na ata de audiência, descontados 30% (trinta por cento) de honorários advocatícios devidos a Dalvonei. O pagamento efetuado por Onofre a Dalvonei se deu na sala da OAB, no dia da audiência e em espécie. Reginaldo é atualmente vereador (fl. 551 e mídia à fl. 555).

Liliana Fenato Trematore aduziu, judicialmente, que é auxiliar administrativo da OAB e conhece o acusado Dalvonei em razão do trabalho apenas. Presenciou os pagamentos relativos aos acordos realizados nas reclamações trabalhistas ajuizadas em desfavor de Onofre Neves Cintra, na sala da OAB. No momento dos pagamentos, estavam presentes Reginaldo de Mendonça, que acompanhou os reclamantes, um a um, bem como Gleberson Machado, funcionário de Dalvonei, que realizava a entrega dos valores. Visualizou alguns recibos entregues aos reclamantes e observou que eram preenchidos no ato da entrega dos valores. Não visualizou todos os recibos, apenas os que foram por ela xerocopiados, a pedido dos reclamantes favorecidos. Reginaldo recebeu diretamente de Dalvonei a quantia de R$ 8.000,00 (oito mil reais) ou R$ 10.000,00 (dez mil reais), em espécie. Nenhum dos reclamantes presenciou o repasse de valores de Dalvonei para Reginaldo. Dalvonei foi ameaçado por Reginaldo. Reginaldo pretendia concorrer a mandato eletivo em cidade de Minas Gerais (fl. 550 e mídia à fl. 555).

Maura Soares afirmou, em Juízo, na condição de informante, que conhece o acusado Dalvonei em razão de reclamação trabalhista que ajuizou em seu favor. Seu genro, Moisés Rodrigues, trabalhou na fazenda Democrata. Reginaldo de Mendonça, turmeiro na Fazenda Democrata, é também vereador em Capetinga (MG). Dalvonei já foi advogado de outros conhecidos seus e desconhece se ele já se apropriou de valores de que teve a posse em razão de causa por ele patrocinada. Os reclamantes da ação trabalhista ajuizada contra Onofre Neves Cintra com os quais teve contato disseram que receberam o valor justo e estavam satisfeitos (fl. 552 e mídia à fl. 555).

Resulta do conjunto probatório que o acusado Dalvonei Dias Corrêa não efetuou, pessoalmente, o pagamento devido à suposta vítima Graciane Débora de Mendonça, que competiu a Gleberson Machado, na presença de Liliana Fenato Trematore, bem como de Reginaldo de Mendonça, na sala da OAB, no fórum trabalhista.

É pouco crível que Reginaldo, vereador na cidade de Capetinga (MG), que assumiu a indicação do acusado Dalvonei e o transporte dos trabalhadores rurais à audiência, os quais confiavam, absolutamente, em suas orientações, tivesse presenciado a assinatura de diversos recibos em branco, bem como a entrega de valores inferiores ao devido, reiteradamente, sem que tais procedimentos levantassem qualquer suspeita.

O recibo individual assinado por Graciane Débora de Mendonça, no valor de R$ 2.420,00 (dois mil, quatrocentos e vinte reais), corresponde exatamente ao valor de R$ 3.457,00 (três mil, quatrocentos e cinquenta e sete reais), acordado em audiência (fls. 32/33), com o desconto de 30% (trinta por cento) de honorários advocatícios.

Nem o referido recibo, nem o recibo coletivo de fls. 48/49 constituíram objeto de impugnação do Parquet, não sendo realizada perícia que constatasse eventual falsidade das assinaturas de Graciane deles constantes, falsidade que não foi alegada por Graciane em nenhum dos seus depoimentos.

Não ficou comprovada a tentativa de extorsão perpetrada por Reginaldo de Mendonça contra o acusado Dalvonei Dias Corrêa, tampouco que os trabalhadores rurais ouvidos perante a Procuradoria da República de Franca (SP) tivessem imputado falsamente a prática dos crimes descritos na denúncia ao acusado Dalvonei, por influência de Reginaldo de Mendonça.

Restaram mal esclarecidas as circunstâncias em que se deram os pagamentos relativos aos acordos celebrados nas reclamações trabalhistas ajuizadas contra Onofre Neves Cintra, causando estranheza, no caso presente, o fato de Graciane Débora de Mendonça ter levado 8 (oito) meses da data da realização do acordo (01.08.11) para reclamar o recebimento de valor inferior ao devido perante a Vara Trabalhista (30.03.12).

Como se vê, as provas produzidas não são suficientes ao embasamento da condenação pela prática dos crimes de apropriação indébita e de uso de documento falso, pelo que mantenho a absolvição do acusado Dalvonei Dias Corrêa.

Ante o exposto, REJEITO a preliminar e NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação do Ministério Público Federal, mantendo-se a sentença absolutória recorrida.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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