Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/12/2018
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000731-45.2007.4.03.6106/SP
2007.61.06.000731-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
EMBARGANTE : AMADO ANDRE MESSIAS
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00007314520074036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). COBRANÇA DE CONSULTA MÉDICA. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE APELAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO EM PARTE DOS EMBARGOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REDUÇÃO DA PENA-BASE. PROPORCIONALIDADE. CAUSA DE AUMENTO DO §1º DO ARTIGO 317, DO C.P. INCIDÊNCIA AFASTADA.
1. Nos termos do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, os embargos infringentes e de nulidade são restritos à matéria objeto de divergência.
2. É competente a Justiça Federal para julgar a ação penal decorrente da prática de delito por servidor público federal, no exercício de suas funções, conforme disposição do artigo 109, IV, da Constituição Federal.
4. Pena-base fixada com base na existência de apenas uma circunstância judicial desfavorável e para atender ao princípio da proporcionalidade.
5. Para a incidência da causa de aumento prevista no §1º do artigo 317 do Código Penal, o acusado deve deixar de praticar ato de ofício em consequência da vantagem indevida.
6. Embargos infringentes conhecidos em parte e, na parte conhecida, acolhidos.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, rejeitar a preliminar de incompetência da Justiça Federal; por unanimidade, conhecer em parte dos embargos infringentes e, na parte conhecida, por maioria, reduzir a pena-base e afastar a causa de aumento do §1º do artigo 317 do Código Penal e, também por maioria, determinar a expedição de guia de execução provisória da pena somente após o esgotamento das instâncias ordinárias, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 08 de novembro de 2018.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000731-45.2007.4.03.6106/SP
2007.61.06.000731-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
EMBARGANTE : AMADO ANDRE MESSIAS
ADVOGADO : SP065371 ALBERTO ZACHARIAS TORON
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No. ORIG. : 00007314520074036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes opostos por Amado André Messias, contra o acórdão de fls. 475/476 vº, proferido pela Egrégia Primeira Turma desta Corte que, por unanimidade, rejeitou a matéria preliminar e, no mérito, deu parcial provimento ao recurso de apelação do embargante para reduzir a pena fixada pela prática do delito previsto no artigo 317, §1º, do Código Penal e aplicar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do voto médio do Des. Fed. Hélio Nogueira.

Vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy (fls. 471/473) que, no seu voto-vista, dava parcial provimento à apelação do embargante, para estabelecer a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o presente feito. Após ser vencido na matéria preliminar, o Des. Fed. Wilson Zauhy afastou a valoração negativa relativa à personalidade do embargante e não aplicou a causa de aumento do §1º do artigo 317, do Código Penal, o que resultou na pena definitiva de 01 (um) ano, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime inicial aberto, e 18 (dezoito) dias-multa, com a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Determinou a expedição da guia de execução somente após o trânsito em julgado, em observância ao disposto no artigo 147 da LEP.

O acórdão foi assim ementado:

"PENAL. PROCESSO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA MAJORADA. ART. 317, § 1º DO CP. NULIDADE. ART. 514 DO CPP. INOCORRÊNCIA. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. PROPORCIONALIDADE. RECURSO PACIALMENTE PROVIDO.
1 - Apelação em face de sentença que, julgamento procedente a ação penal, condenou o acusado como incurso nas sanções do art. 317, § 1º, do Código Penal.
2 - Preliminar de nulidade. Rito especial do art. 514 do CPP. Não aplicação. Súmula 330 do STJ. Prévia instauração de inquérito policial. Questão decidida pelo Juízo a quo, contra a qual não houve interposição de recurso.
3 - Ademais, trata-se de nulidade de relativa, que demanda a demonstração do prejuízo, o que não se verificou na hipótese. Precedentes jurisprudenciais.
4 - Materialidade e autoria delitivas demonstradas pela carta da vítima comunicando os fatos ao Secretário Municipal da Saúde de Olímpia, pela receita médica de clínica particular emitida em 06/11/2003 pelo acusado, pelo Cartão de Medicação da Secretaria Municipal da Saúde de Olímpia e pela oitiva das testemunhas de acusação, que apontam que o acusado, de forma livre e consciente, deixou de realizar o atendimento clínico no posto de saúde Santa Efigênia à paciente, condicionando o fornecimento de receita médica e guia para a realização de exames ao pagamento de uma consulta em sua clínica particular.
5 - Dosimetria da pena. Não se divisa como circunstância judicial desfavorável o fato do réu ocupar cargo de médico, não servindo para macular sua personalidade.
6 - Desproporcionalidade da pena-base. Ao delito, à época dos fatos, praticado anteriormente a alteração ocorrida em 11/2003, previa uma pena mínima abstrata em 01 ano de reclusão. Pena-base fixada em 02 anos de reclusão, além do pagamento de 20 dias-multa, tendo em vista ser desfavoráveis as circunstâncias do crime, sendo certo que o agente se aproveitou da situação de vulnerabilidade da vítima.
7 - A circunstância agravante prevista no art. 61, II, "g", do CP, "in casu" é elementar do delito, de modo que sua aplicação acarreta "bis in idem".
8 - Na terceira fase, incidência da causa de aumento prevista no § 1º, do art. 317, do CP, uma vez que o acusado deixou de praticar ato de ofício.
9 - Regime inicial semiaberto (art. 33, § 3º, do CP). Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44 do CP).
10 - Recurso parcialmente provido".

Nos embargos infringentes (fls. 493/503), a defesa requer o acolhimento do voto vencido para o reconhecimento da competência da Justiça Estadual para julgar o feito e, caso não seja acolhido tal pleito, que seja afastada a valoração negativa quanto à personalidade do embargante na fixação da pena-base, bem como a causa de aumento do artigo 317, §1º, do Código Penal, com a consequente redução da pena do embargante para 01 (um) ano, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

O embargante pede, ainda, que seja sanada a omissão em relação à perda da função pública.

Os embargos infringentes foram admitidos (fl. 514) e redistribuídos, nos termos do artigo 266, §2º, do Regimento Interno desta Corte.

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo não conhecimento, em parte, dos embargos infringentes e, no mérito, pela rejeição dos embargos (fls. 504/511).

É o relatório.

À revisão.



MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000731-45.2007.4.03.6106/SP
2007.61.06.000731-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
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VOTO

Inicialmente, a Procuradoria Regional da República, em parecer de fls. 504/511, manifestou-se pelo conhecimento em parte dos embargos infringentes, sob o fundamento de que a análise da imposição da penalidade de perda da função pública vai além dos limites abrangidos pelo acórdão, especialmente no que se refere à matéria de divergência, pois tal questão não foi objeto do recurso de apelação do Embargante, tratando-se de inovação recursal.

Com razão.

A aplicação da pena de perda do cargo público foi fixada na sentença, nos seguintes termos (fls. 394-vº):

"O réu violou dever funcional no seu cargo público, ao solicitar o recebimento de vantagens pessoas a determinada paciente. A pena aplicada é superior a 1 ano, o que enseja na perda da função pública pelo réu. O cargo público é um sacerdócio, e jamais deve ser utilizado em proveito pessoal, não apenas por trazer prejuízos à sociedade como um todo, mas também por macular a honra da instituição.
Ao solicitar favores pessoais em razão da função que exercia, o réu demonstrou que não utilizava o cargo para servir ao público, o que enseja na necessidade de seu afastamento, motivo pelo qual aplico a penalidade de perda da função pública, nos termos do art. 92, I e parágrafo único do CP".

Tendo em vista o limite da divergência, ou seja, considerando que a questão sobre a perda da função pública não foi objeto de discordância perante o órgão fracionário e, em consequência, não foi devolvida à Quarta Seção, o pedido de reavaliação da imposição da referida penalidade não deve ser conhecido.

De fato, o embargante interpôs apelação (fls. 403/410), mas não pediu a reforma da sentença com relação à perda do cargo. Assim, não há divergência sobre a referida penalidade imposta.

Por conseguinte, conheço em parte dos embargos infringentes.

Nos termos do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, os embargos infringentes e de nulidade são restritos à matéria objeto de divergência.

No presente caso, a discordância cinge-se, preliminarmente, ao reconhecimento da competência da Justiça Estadual para julgar o feito e, no mérito, à valoração negativa da personalidade do embargante na fixação da pena-base e à causa de aumento do artigo 317, §1º, do Código Penal, reduzindo-se a pena do embargante para 01 (um) ano, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

Passo, pois, a analisar a questão devolvida à Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região por meio deste recurso.

O voto condutor rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito, acompanhando o voto do Des. Fed. Relator, com a seguinte fundamentação (fls. 464):

"Inicialmente, anoto que se encontram presentes as condições da ação e os pressupostos para o desenvolvimento válido e regular do processo, tendo o MM. Juiz a quo, com relação à competência, anotado a "inequívoca competência da Justiça Federal" (fls. 120) e, não bastasse isso, o réu era servidor da Previdência Social à época dos fatos (fl. 129), qualificando-se, pois, como funcionário público para fins penais, nos termos do artigo 327 do Código Penal, ressaltando-se, no mais, que a prática do delito de corrupção passiva se deu em virtude das funções exercidas pelo acusado como médico perito do INSS e como médico do SUS, restando evidente a lesão à Administração Pública Federal".

O voto vencido do Desembargador Federal Wilson Zauhy (fls. 471/473), por sua vez, considerou competente a Justiça Estadual para julgar o feito, nos seguintes termos:

"Entretanto, com a devida vênia, o fato de o acusado ser servidor da Previdência Social à época dos fatos não interfere na competência para processamento e julgamento da ação penal, uma vez que a exigência de pagamento de valores para concessão de receita e guia médica ocorreu na condição de médico do SUS e não de perito. Não obstante o médico do SUS seja equiparado ao funcionário público nos termos do artigo 327, §1º do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.983/2000, a exigência de vantagem indevida não acarretou qualquer prejuízo aos cofres da União, pois quem efetivamente realizou o pagamento foi o particular, dessa forma, exsurge-se a competência da Justiça Estadual para processar e julgar o presente feito.
(...)
Dessa forma, entendo que a competência para processar e julgar o presente feito é da Justiça Estadual. No entanto, tendo em vista já estar vencido nesta questão, consoante tira de julgamento de fl. 462, passo à análise do mérito.
Acompanho o E. Relator quanto à manutenção da condenação do acusado, eis que comprovadas a autoria e materialidade delitivas".

A defesa alega a competência da Justiça Estadual para julgar o processo.

Sem razão.

Consta na denúncia que o embargante é médico e, durante um atendimento pelo Sistema Único de Saúde - SUS na cidade de Olímpia/SP, recusou-se a fornecer receita e guia para realização de exames a uma paciente, exigindo pagamento prévio de consulta médica.

Verifica-se que o SUS recebe verba proveniente do orçamento da seguridade social e, por consequência, da União Federal.

Assim, como embargante praticou o delito como servidor público federal, no exercício de suas funções, a Justiça Federal é competente para julgar o feito, conforme dispõe o artigo 109, IV, da Constituição Federal:

"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral".

Ademais, o sujeito passivo do crime previsto no artigo 317 do Código Penal é, em primeiro lugar, o Estado, especialmente no que diz respeito à sua moralidade. No presente caso, trata-se de crime praticado contra a Administração Pública Federal, o que atrai a competência da Justiça Federal.

Afasto a preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal para julgar a ação penal.

No mérito, assiste razão ao embargante.

O voto condutor do Des. Fed. Hélio Nogueira fixou a pena-base acima do mínimo legal e reconheceu a causa de aumento prevista no § 1º do artigo 317 do CP, nos seguintes termos:

"O e. Relator apresentou voto no sentido de rejeitar a preliminar de nulidade do feito e, quanto ao mérito, negar provimento ao recurso defensivo, sendo que, de ofício, reduzia a pena de multa para 47 dias-multa.
Peço vênia ao e. Relator para divergir parcialmente no que tange à dosimetria da pena.
Acompanho o Relator em relação à rejeição da matéria preliminar e quanto ao mérito da pretensão condenatória.
Neste ponto, anoto que o conjunto probatório é seguro e amplamente desfavorável ao apelante, estando bem demonstradas a materialidade do delito e a autoria, conforme exposto no voto do Relator.
Contudo, no que concerne à dosimetria da pena, não diviso como circunstância judicial desfavorável o fato do réu ocupar cargo de médico, não servindo para macular a sua personalidade.
Assim, e ainda considerando a desproporcionalidade da pena-base estabelecida na sentença, posto que ao delito, à época dos fatos, praticado anteriormente a alteração ocorrida em 11/2003, previa uma pena mínima abstrata em 01 ano de reclusão, fixo-a em 02 anos de reclusão, além do pagamento de 20 dias-multa, tendo em vista ser desfavoráveis as circunstâncias do crime, sendo certo que o agente se aproveitou da situação de vulnerabilidade da vítima.
Na segunda fase da dosimetria, afasto a aplicação da circunstância do art. 61, II, "g", do CP, eis que a agravante "in casu" é elementar do delito, de modo que sua aplicação acarreta "bis in idem".
Na terceira fase, com a incidência da causa de aumento prevista no § 1º, do art. 317, do CP, em 1/3, fica a pena definitivamente estabelecida em 02 anos e 08 meses de reclusão, além do pagamento de 26 dias-multa.
O regime inicial de cumprimento da pena fica mantido no semiaberto (art. 33, § 3º, do CP).
Aplico a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, nos termos do art. 44 do CP, sendo a primeira de prestação de serviços à comunidade pelo tempo da pena privativa de liberdade substituída; a segunda, prestação pecuniária mensal de um salário mínimo, também pelo tempo da condenação.
Portanto, dou parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena, nos termos expostos.
É como voto".

O voto vencido do Desembargador Federal Wilson Zauhy (fls. 471/473) afastou a valoração negativa quanto à personalidade do acusado e manteve a circunstância negativa do delito, por ser a vítima hipossuficiente. Na terceira fase da dosimetria, afastou a causa de aumento do §1º do artigo 317 do Código Penal, tendo em vista que a conduta narrada na denúncia caracterizou o núcleo do tipo penal e que não restou comprovada a omissão na prática de ato de ofício ou a infringência ao dever funcional, com esses fundamentos:

"Acompanho o E. Relator quanto à manutenção da condenação do acusado, eis que comprovadas a autoria e materialidade delitivas.
Em relação à dosimetria, o magistrado a quo fixou a pena-base em 03 anos, 01 mês e 07 dias de reclusão, ponderando negativamente a personalidade do acusado e as circunstâncias do crime. Na segunda fase da dosimetria, aplicou a agravante disposta no artigo 61, II, "g" do Código Penal, exasperando a pena para 03 anos, 07 meses e 13 dias de reclusão. Na terceira fase da dosimetria, reconheceu-se a incidência da causa de aumento do §1º do artigo 317, majorada a pena em 1/3 para 04 anos, 09 meses e 27 dias de reclusão. A pena de multa foi fixada em 178 dias-multa, arbitrado cada dia-multa em ½ salário mínimo.
O E. Relator manteve incólume a pena corporal e reduziu de ofício a pena de multa para 47 dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa.
Com a devida vênia, entendo que deva ser reformada a dosimetria da pena.
Na primeira fase, a valoração negativa quanto à personalidade do acusado deve ser afastada, pois o fato de o réu exercer a Medicina e ter cometido crime, violando a ética profissional médica, é ínsito de qualquer prática delitiva, assim, não pode ser ponderado negativamente em seu desfavor. Por outro lado, deve ser mantida a circunstância negativa do delito, pois a vítima é hipossuficiente. Considerando a proporção de 1/8 sedimentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça (HC 325.306-RS - Rel. Min. Ribeiro Dantas), fixo a pena-base em 01 ano, 10 meses e 15 dias. Já na segunda fase da dosimetria, deve ser afastada a agravante de violação de dever de ofício, já que é parte do tipo penal do artigo 317, do Código Penal. Pela mesma razão, na terceira fase da dosimetria, igualmente deve ser afastada a causa de aumento do §1º do artigo 317, do Código Penal, tendo em vista que a conduta conforme narrada na denúncia caracterizou o núcleo do tipo penal, não tendo restado suficientemente comprovado que a vítima efetivamente obteve de outro profissional médico tais documentos, não havendo a certeza exigida quanto à omissão na prática de ato de ofício ou em infringência ao dever funcional para aplicar a causa de aumento.
Assim, tornada definitiva a pena em 01 ano, 10 meses e 15 dias. Respeitado o critério trifásico, a pena de multa deve ser adequada para 18 dias-multa. Mantenho o valor unitário de ½ salário mínimo.
O regime inicial de cumprimento de pena deve ser o aberto, em consonância com artigo 33, §2º, "c", do Código Penal.
A pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos, em observância ao artigo 44 do Código Penal, consistentes em prestação de serviços à comunidade, a ser regulamentada pelo Juízo da Execução, bem como prestação pecuniária, arbitrada em 10 salários mínimos, vigentes à época dos fatos.
Ante o exposto, divirjo do E. Relator para determinar a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a presente ação penal; em restando vencido, dou parcial provimento à apelação de AMADO ANDRÉ MESSIAS para reduzir a pena-base e afastar a incidência de agravante e causa de aumento, tornada definitiva a pena em 01 ano, 10 meses e 15 dias, em regime inicial aberto e pagamento de 18 dias-multa. Substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
Por fim, quanto ao imediato início do cumprimento da pena, o C. STJ, recentemente, firmou entendimento que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em observância ao disposto no artigo 147 da LEP (EREsp 1619087/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Acórdão Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, DJe 24/08/2017). Dessa forma, tendo sido a pena privativa de liberdade substituída por penas restritivas de direitos, é vedada sua execução provisória. Assim, deixo de expedir a guia de execução provisória.
É o voto".

Aqui, deve prevalecer o voto vencido.

De fato, ao fixar a pena-base, o voto condutor afastou a circunstância judicial desfavorável relativa ao fato do réu ocupar cargo de médico, por não servir para macular a sua personalidade.

No entanto, considerou as circunstâncias do crime como desfavoráveis, tendo em vista que o agente se aproveitou da situação de vulnerabilidade da vítima para cometer o delito.

Dessa forma, na primeira fase da dosimetria da pena foi reconhecida apenas uma circunstância judicial para o aumento da pena acima do mínimo legal previsto.

A majoração da pena-base efetivada pelo voto condutor representou um aumento do dobro da pena mínima prevista para o delito, ou seja, a pena foi aumentada de 1 (um) ano para 2 (dois) anos.

Diante da existência de apenas 1 (uma) circunstância judicial desfavorável e para atender ao princípio da proporcionalidade, mostra-se suficiente a majoração da pena-base do embargante nos moldes do voto vencido, ou seja, fixada em 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, o que representa uma majoração de 7/8 (sete oitavos) sobre a pena mínima prevista para o delito.

Também assiste razão ao embargante em relação ao pedido de afastamento da incidência da causa de aumento prevista no § 1º, do art. 317, do CP.

A vítima Marta Aparecida Maria da Silva (fls. 336) narrou que foi atendida pelo embargante em um posto de saúde do SUS, por ser portadora das moléstias fibromialgia e artrite reumatoide. Em seguida, o réu teria determinado que ela o procurasse em seu consultório particular e pagasse pela consulta.

O voto condutor aplicou a causa de aumento prevista no §1º, do artigo 317, do Código Penal, sob o fundamento de que o acusado deixou de praticar ato de ofício em razão da vantagem ilícita, pois não prescreveu receita médica à vítima ao atendê-la pelo SUS, apesar da obrigação de fazê-lo.

Aqui, deve ser afastada a referida causa de aumento.

Para a incidência do aumento de um terço na pena, o acusado deve deixar de praticar ato de ofício em consequência da vantagem indevida.

No presente caso, o embargante deixou de prescrever receita médica não em consequência da vantagem, mas em desfavor do administrado, ou seja, em prejuízo da paciente Marta Aparecida.

Assim, os embargos infringentes devem ser acolhidos para fixar a pena-base em 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa e afastar a causa de aumento do §1º do artigo 317, do Código Penal, o que torna a pena definitiva do acusado em 1 (um) ano, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, em regime inicial aberto, em consonância com o artigo 33, §2º , "c", do Código Penal.

Conforme o voto vencido, a pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade, a ser regulamentada pelo Juízo da Execução, bem como prestação pecuniária, arbitrada em 10 salários mínimos, vigentes à época dos fatos.

Por fim, o voto vencido deve prevalecer em relação ao início do cumprimento da pena, com a expedição da guia de execução somente após o trânsito em julgado.

O princípio da presunção de inocência previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, é absoluto e não comporta exceções.

No particular, ainda que mantida a condenação proferida em primeiro grau, entendo não ser o caso de determinar a execução provisória da decisão penal condenatória.

Isto porque, no momento do julgamento da apelação, ainda não se verifica o esgotamento das vias ordinárias, razão pela qual não há falar em execução provisória da pena, ainda que por força de precedente do Supremo Tribunal Federal (HC nº 126.292).

O paradigma acima apontado não determina a execução provisória da pena diante de um julgamento de segundo grau; apenas a possibilita uma vez exauridas as instâncias ordinárias criminais, o que não se verifica no momento em que o julgador aprecia o recurso de apelação. Neste momento processual, ainda são cabíveis outros recursos.

Antes do trânsito em julgado da condenação, que ocorre com o esgotamento de todos os recursos, só é possível a prisão de natureza cautelar.

Desta feita, ainda que encerradas as vias ordinárias, a execução provisória da pena, com a consequente decretação da prisão do réu, dependeria da comprovação dos requisitos legais e da imprescindibilidade da medida (artigos 282, §6º, 312, caput e 313, todos do Código de Processo Penal).

Ante o exposto, conheço em parte dos embargos infringentes e, na parte conhecida, rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Federal e, no mérito, acolho integralmente o recurso para reduzir a pena-base, afastar a causa de aumento do §1º do artigo 317 do Código Penal e para determinar a expedição de guia de execução provisória somente após a certificação do trânsito em julgado.

É como voto.




MAURICIO KATO
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