Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/10/2018
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001894-77.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.001894-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00018947720174036181 7P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. LAUDO MÉDICO FALSO. PROPRIEDADE DO MEIO EMPREGADO. DENÚNCIA RECEBIDA. PREVALÊNCIA DOS VOTOS VENCEDORES.
1. A divergência estabeleceu-se no recebimento ou rejeição da denúncia oferecida em face do embargante, pela prática do delito previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, na forma tentada.
2. Embora o laudo médico apresentado pelo segurado, por si só, não tenha a aptidão para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença, sua apresentação pode influenciar a conclusão do perito, pelo que se denota que o meio empregado pelo agente para a prática do estelionato tinha aptidão suficiente para enganar o homem médio, não se tratando de meio absolutamente ineficaz.
3. Comprovada, ao menos em tese, a falsidade do laudo apresentado, há indícios suficientes para justificar a ação penal, devendo ser mantida a solução adotada pela maioria da Quinta Turma, que recebeu a denúncia.
4. Embargos infringentes não providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO aos embargos infringentes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 18 de outubro de 2018.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001894-77.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.001894-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00018947720174036181 7P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de embargos infringentes opostos por ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA (fls. 270/272), por intermédio da Defensoria Pública da União (DPU), em face do acórdão da Quinta Turma deste Tribunal (fls. 257/265v) que, por maioria, deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) para receber a denúncia, nos termos do voto do Relator, Desembargador Federal André Nekatschalow, que foi acompanhado pelo voto do Desembargador Federal Paulo Fontes. A ementa do acórdão é a seguinte:

PENAL. TENTATIVA DE ESTELIONATO CONTRA O INSS. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA NO JUÍZO AD QUEM. POSSIBILIDADE. STF, SÚMULA N. 709. DECISÃO REFORMADA.
1. O crime impossível somente se configura quando o agente utiliza meios absolutamente ineficazes ou se volta contra objetos absolutamente impróprios, tornando inviável a consumação do crime.
2. Depreende-se dos autos que a falsidade do laudo médico utilizado pelo réu não foi prontamente detectada pelo INSS. Com efeito, a falsificação só foi constatada após consulta ao Centro de Referência da Saúde da Mulher da Prefeitura de Taboão da Serra (SP), órgão em que trabalhava o médico que teria subscrito o laudo. Também devem ser consideradas as ponderações tecidas pelo Ministério Público Federal em suas razões recursais, denotativas da potencialidade lesiva do meio empregado pelo réu.
3. Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela (STF, Súmula n. 709).
4. Recurso em sentido estrito provido. Denúncia recebida.

Ficou vencido o Desembargador Federal Mauricio Kato, que negava provimento ao recurso.


O embargante pretende que prevaleça o voto vencido. Para tanto, argumenta que era impossível a consumação do delito de estelionato previdenciário por absoluta ineficácia do meio empregado, uma vez que a incapacidade laboral necessária à obtenção do benefício pretendido pelo acusado deve necessariamente ser constatada por médico perito do INSS, não servindo como meio de prova a apresentação de atestado médico falso. Pede, assim, que seja acolhida a tese adotada pelo voto vencido, mantendo-se a rejeição da denúncia.


A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos embargos infringentes (fls. 277/279v).


É o relatório.


À revisão.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001894-77.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.001894-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00018947720174036181 7P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) como incurso no art. 171, § 3º, c.c. o art. 14, II, ambos do Código Penal, por ter tentado obter, para si, vantagem ilícita consistente no recebimento indevido de auxílio-doença previdenciário, mediante falsidade documental.


Pela decisão de fls. 210/201v, a 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo rejeitou a denúncia, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que o falsum atribuído na denúncia não possuía potencialidade lesiva, tendo o MPF interposto recurso em sentido estrito contra essa decisão.


A Quinta Turma desta Corte, por maioria, deu provimento ao recurso para receber a denúncia e determinar o prosseguimento da ação penal, sendo que o voto vencido negava provimento ao recurso para manter a decisão de rejeição da denúncia.


O voto do Relator tem os seguintes fundamentos:


Depreende-se dos autos que a falsidade do laudo médico utilizado pelo réu não foi prontamente detectada pelo INSS. Com efeito, a falsificação só foi constatada após consulta ao Centro de Referência da Saúde da Mulher da Prefeitura de Taboão da Serra (SP), órgão em que trabalhava o médico que teria subscrito o laudo (cfr. fls. 48/50).
(...)
Portanto, não há provas da absoluta impropriedade do objeto material do delito, o que impede o reconhecimento do crime impossível.
Nada obstante, a denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código Penal, pois indica o provável autor do crime, qualificando-o; expõe o fato criminoso e todas as suas circunstâncias elementares, viabilizando o exercício do contraditório. Ademais, constata-se a existência de elementos de convicção denotativos da materialidade e autoria delitivas (cfr. fls. 4/82, 98/99, 115/116, 127/128, 139/140), os quais conferem justa causa à imputação formulada contra o acusado.
(fls. 259v/260)

O voto vencido, por sua vez, valeu-se dos seguintes fundamentos para manter a rejeição da denúncia:


A questão controvertida refere-se à configuração ou não do estelionato quando a fraude é aplicada por meio de processo administrativo.
No caso, falta justa causa à ação penal, pois entendo que o estelionato, neste caso, constitui fato atípico.
(...)
Em casos semelhantes, convencionou-se denominar "estelionato judiciário" ou "estelionato judicial" a conduta delitiva em que uma ação judicial é utilizada como meio para obter vantagem indevida, mediante fraude, ardil ou engodo.
Não há, contudo, previsão legal desta figura típica. Por esta razão, não configurado o crime contra a fé pública (ou qualquer outra infração penal), como é o caso destes autos, o fato é atípico.
Isto porque a Constituição Federal assegura a todos os litigantes o acesso ao Poder Judiciário (artigo 5º, inciso XXXV), de modo que não se pode punir o agente que, a despeito de formular pedido indevido, obtém (ou tenta obter) a tutela jurisdicional pretendida.
A ordem constitucional também garante o direito de petição (artigo 5º, inciso XXXIV, a, CF/88), "instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de qualquer interessado, com a explícita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva" (STF, Rel. Ministro Celso de Mello, ADI 1247 MC, julgado em 17/08/1995, DJ de 8-9-1995). Ainda que se trate de processo administrativo, não é vedado ao agente formular prévio requerimento, mesmo nos casos em que forem indeferidos. Não se pune o autor pelo exercício do direito de requerer ao Poder Público em defesa de direito ou interesse legítimo.
Aqui, a natureza dialética do processo possibilita o exercício do contraditório e a interposição dos recursos cabíveis. Assim, o magistrado (ou a autoridade administrativa) não está vinculado aos pedidos das partes, não é obrigado a atendê-los e não pode ser "induzido em erro" em feito judicial (ou administrativo).
Em outros termos, quando uma das partes introduz um documento em um processo, independentemente do fato de ser ele falso ou não, a outra parte tem do direito de impugná-lo, mediante, inclusive, requerimento de instauração de incidente de falsidade documental.
Ainda, a obtenção do benefício demanda perícia médica realizada pela autarquia.
Além do mais, eventual vantagem ilícita obtida pelo agente não decorreria do próprio ato fraudulento em si, mas de decisão judicial (ou administrativa), proveniente do exercício constitucional do direito de ação (ou de petição), sujeito ao contraditório.
Desta forma, não admitida a "indução em erro" do julgador e inexistente a elementar relativa ao artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, não há estelionato. O fato é atípico e a absolvição de Antônio Carlos de Oliveira é medida de rigor.
Eventual contrafação de documento utilizado como fundamento de pedido judicial constituiria, eventualmente, crime autônomo.
(fls. 262/263v)

Entendo que a razão está com os votos vencedores.


O art. 395 do Código de Processo Penal prevê a falta de justa causa para o exercício da ação penal entre as hipóteses de rejeição da denúncia. Isso significa que a denúncia deve descrever suficientemente a conduta, baseada em lastro probatório mínimo indispensável para o início da ação penal (prova da materialidade e indícios suficientes de autoria), possibilitando ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Considerando que o processo penal causa diversos constrangimentos ao indivíduo, não é possível manejá-lo sem qualquer substrato mínimo acerca da existência do crime, sob pena de configurar o uso abusivo do poder estatal.


No caso, a decisão que rejeitou a denúncia está fundada na impropriedade do meio utilizado pelo recorrido para a prorrogação do benefício de auxílio-doença, pois o laudo médico falso não teria potencial ofensivo.


Pois bem. Verifica-se dos autos que o recorrido foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal, na forma tentada, porque, em 19.01.2011, ao efetuar o requerimento do benefício previdenciário de auxílio-doença, teria apresentado ao INSS um laudo médico cuja falsidade foi posteriormente comprovada.


Embora o laudo médico apresentado pelo segurado, por si só, não tenha a aptidão para a concessão do benefício previdenciário, fazendo-se necessária a realização de perícia realizada por médico da própria autarquia, sem dúvida a sua apresentação pode influenciar a conclusão do perito, eis que, em princípio, foi subscrito por profissional da área médica, apto a emitir juízo técnico sobre o paciente submetido aos seus cuidados, inclusive no tocante ao diagnóstico de eventual doença, seu prognóstico e evolução.


Assim, com base na descrição da denúncia, não se pode falar em ineficácia absoluta do meio empregado, haja vista que o laudo apresentado poderia, em conjunto com os exames realizados pelo perito oficial, levar à conclusão pela incapacidade do segurado e, portanto, à concessão do benefício previdenciário.


A propósito, cito o seguinte precedente da Décima Primeira Turma desta Corte em caso análogo, do qual fui relator:


DIREITO PENAL. ESTELIONATO. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA. APTIDÃO PARA ENGANAR.
1. Os atestados médicos eram necessários para o requerimento do benefício, servindo de base para o exame pericial. Por assim ser, há, em tese, crime de estelionato na forma tentada, uma vez que os atestados médicos falsificados apresentados ao INSS foram meios eficazes para que o requerimento do benefício fosse devidamente processado e a perícia médica agendada.
2. O meio empregado pelo agente tinha aptidão suficiente para enganar e induzir em erro o homem médio, não se tratando de meio absolutamente ineficaz para a obtenção do auxílio-doença.
3. Apelação provida.
(ACR 00121710720074036181, Décima Primeira Turma, v.u., Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. em 25.11.2014, e-DJF3 Judicial 1 01.12.2014)

Portanto, comprovada, ao menos em tese, a falsidade - conforme declaração do médico Ichiro Akiho, que afirmou não ser sua a assinatura aposta no laudo (fls. 98/99) -, há indícios suficientes para justificar a ação penal, cabendo ressaltar, neste momento, que o meio empregado pelo agente tinha aptidão suficiente para enganar o homem médio, não se tratando de meio absolutamente ineficaz.


Assim, preenchendo a denúncia os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal e havendo prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria, deve prevalecer a solução adotada pela maioria da Quinta Turma, que recebeu a denúncia e determinou o prosseguimento da ação penal.


Posto isso, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11A2170626662A49
Data e Hora: 18/10/2018 17:56:19