D.E. Publicado em 02/10/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação para confirmar a sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Nº de Série do Certificado: | 11DE18080664E707 |
Data e Hora: | 20/09/2018 13:44:03 |
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS: Trata-se de apelação interposta pela Caixa Econômica Federal contra sentença que acolheu parcialmente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal.
A ação civil pública foi interposta em face da Caixa Econômica Federal com o intuito de obter condenação da mesma à obrigação de não fazer consistente na abstenção de exigir ou sugerir, por ocasião da assinatura de financiamento imobiliário, a aquisição pelos mutuários de outros produtos oferecidos pela instituição financeira tais como a abertura de conta corrente para facilitar o pagamento das prestações.
A sentença acolheu parcialmente o pedido para condenar a CEF a abster-se de exigir, pressionar, constranger ou impor aos pretendentes a financiamentos imobiliários a aquisição de outros produtos e serviços da Caixa, tais como seguro de vida, seguro residencial, título de capitalização, plano de previdência privada e consórcio de automóveis, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada contrato onde se verificar a infringência a esta decisão. Declarou que a Caixa Econômica Federal somente poderá exigir a abertura de conta corrente para o pagamento dessas prestações com os serviços básicos e gratuitos de que trata a Resolução n. 3.919/2010 do Conselho Monetário Nacional. Declarou a anulabilidade de todas as vendas de produtos e serviços contratados ao tempo da celebração de financiamentos de imóveis das quais resultou prejuízo aos respectivos consumidores, declarando, ainda a possibilidade dos consumidores lesados, com contratos de financiamento firmados a partir de 14/10/2008, pleitearem individualmente a devolução, com correção monetária e juros de mora legais, do quanto foi pago pelo(s) negócio(s) indesejado(s) e aqui caracterizados como vendas casadas.
VOTO
Conforme já relatado, a ação foi interposta, em outras palavras, com o intuito de coibir a prática de venda casada pela Caixa por ocasião da assinatura de contratos de financiamento imobiliário, quando é comum a contratação concomitante pelos mutuários de outros serviços bancários oferecidos pela instituição financeira, tais como a abertura de conta corrente para o débito automático de prestações, cheque especial, ou ainda seguros, cartão de crédito, entre outros.
Nas relações de consumo, deve imperar a harmonia e a transparência entre os contratantes (art. 4º do CDC), objetivo esse que pode ser atingido, entre outras formas, com o oferecimento de informação adequada e com especificação correta a respeito dos produtos ou serviços ofertados pelos fornecedores, práticas que visam garantir a liberdade de escolha dos consumidores, além de representar direitos básicos dos mesmos (art. 6º, II e III do CDC.
O fornecedor que condiciona a oferta de um produto ou de um serviço à aquisição de outro produto ou serviço incorre em prática abusiva, popularmente conhecida como "venda casada" (artigo 39, I do CDC). A prática em questão ganha especial gravidade quando combinada com outra prática considerada abusiva, é dizer, se o fornecedor vier a se prevalecer da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social (artigo 39, IV do CDC).
A Caixa sustenta que não há qualquer abuso em oferecer e celebrar, concomitantemente, mais de um contrato de serviço bancário com seus clientes. Afirma que a coincidência das contratações é acompanhada de uma sistemática de premiação e pontuação por meio da qual seus clientes obtêm expressivas vantagens econômicas, tais como isenções ou cobrança de taxas e juros em patamares inferiores àqueles que seriam praticados em contratações isoladas. Nestas condições, não haveria a prática de venda casada, mas apenas a oferta de pacotes de relacionamento que, quando contratados, respeitariam a autonomia da vontade de seus clientes. Entende que a prática representa técnica de venda regular, não havendo qualquer indício de efetivo condicionamento ou constrangimento de mutuários para aquisição de serviços adicionais.
Pela argumentação apresentada pela CEF, a questão só poderia ser analisada de modo casuístico, e exigiria a prova cabal de conduta ilícita, demonstrando o dolo ou culpa de seu representante por ocasião da celebração do mútuo. A adoção deste entendimento praticamente impossibilitaria a realização de prova pelos consumidores, relegando ao acaso o reconhecimento da prática abusiva. A questão, como é a regra num contexto de relações jurídicas massificadas, deve ser tratada de modo objetivo, tendo em vista a opção do legislador pela proteção da parte hipossuficiente ao distribuir o ônus da prova.
A redação do artigo 39, I do CDC, ao tratar da venda casada não faz qualquer ressalva quanto a eventual vantagem econômica obtida pelo consumidor ao adquirir os produtos ou contratar os serviços de modo conjunto em comparação com a soma dos valores quando adquiridos de forma isolada.
O abuso consiste na limitação da possibilidade de escolha do consumidor, quando o fornecedor, ciente do interesse do consumidor por apenas um determinado produto ou serviço, deixa de realizar a oferta de modo isolado, aproveitando a oportunidade para oferecer àquele um pacote de produtos ou serviços.
Nestas condições, o fornecedor, mesmo na ausência de dolo ou má-fé, acaba por tratar a aquisição nestes termos como a praxe comercial, considerando pressuposta, evidente ou irrecusável a oportunidade de negócio e a vantagem comercial. A prática tem o intuito de dissuadir a aquisição de modo separado ou ocultar do consumidor tal possibilidade.
Ocorre, no entanto, que por maior que seja o desconto oferecido para a aquisição do produto ou serviço adicional, o valor da contratação total dificilmente implicará num custo inferior à aquisição isolada daquele único produto ou serviço que inicialmente despertou o interesse do consumidor. Ao mesmo tempo, o fornecedor tem ganhos de escala, auferindo um lucro maior pelo incremento do número de vendas, mesmo com uma suposta diminuição de sua margem de lucro em relação a transações isoladas e individualizadas - que com frequência sequer seriam concretizadas se não fossem ofertadas por meio de venda casada.
É certo que o consumidor, efetivamente, pode optar e ter interesse na aquisição em conjunto dos produtos e serviços. No entanto, a avaliação ou a prova de qual era esse elemento subjetivo, a posteriori, não deve representar uma presunção contrária à parte hipossuficiente. Por essas razões, o que deve diferenciar a mera técnica de vendas da prática abusiva é a demonstração por parte do fornecedor da transparência na contratação, comprovando que o consumidor, após ser informado da possibilidade de aquisição isolada dos produtos ou serviços ofertados, conscientemente fez a opção pela contratação de um pacote.
É de se destacar que o ônus em questão seria excessivo em transações ordinárias nas quais se espera que o consumidor tenha uma mínima consciência da prática abusiva do fornecedor. Esta expectativa se reforça quanto mais o consumidor, com facilidade, puder recusar a oferta e optar por contratar com outro fornecedor que lhe ofereça condições mais vantajosas num mercado onde impera a livre concorrência.
Esta não é, no entanto, a realidade do mercado de serviços bancários no país, marcado por evidentes características oligopolistas. A contratação de um financiamento imobiliário não representa, em regra, um ato ordinário na vida dos consumidores. Muito embora o contrato de adesão esteja previsto no artigo 54 do CDC, não é incomum que, nas próprias denominações ou no teor das cláusulas dos contratos redigidos pelas instituições financeiras, mais de um serviço seja adquirido por meio de um mesmo instrumento contratual.
A título de exemplo, cumpre mencionar que não são raras as controvérsias apresentadas ao Poder Judiciário em que mutuários contratam, num mesmo ato, um financiamento imobiliário, uma conta corrente, além de um crédito pela modalidade "cheque especial". Nestas condições, o pagamento do financiamento principal com frequência é realizado por débito automático. A aquisição do pacote de serviços, à primeira vista, representa uma maior comodidade para o consumidor consciente e diligente.
São frequentes, porém, as situações em que os mutuários realizam depósitos mensais nas contas em questão com o intuito de pagar as prestações do financiamento imobiliário, mas acabam se descuidando dos valores relativos às taxas de administração e demais custos de outros serviços contratados. Em pouco tempo a dívida dos serviços se confunde e passa a sofrer incidência dos juros remuneratórios mais altos do crédito de curto prazo. Ao tentar regularizar a dívida do financiamento imobiliário, as instituições financeiras acabam por oferecer toda espécie de óbice, compelindo os mutuários a regularizar, de uma só vez, as dívidas de todos os serviços contratados, que passam a ser tratadas como se fossem uma só.
A situação pode acarretar, no limite, até mesmo na execução do imóvel dado como garantia. Hipóteses como essa poderiam ser menos frequentes se o mutuário tivesse adquirido tão somente o serviço que inicialmente lhe interessava, ou se tivesse optado pelo pagamento por meio de boletos bancários. A aludida vantagem econômica na oferta de um pacote de serviços pode vir a representar grande constrangimento para os consumidores quando, por uma razão qualquer, tornam-se inadimplentes e desejam regularizar sua situação.
Por todo exposto, é dever da instituição financeira, enquanto fornecedora, ser o máximo transparente possível em relação às possibilidades de contratação pelos consumidores. Um simples formulário apartado no ato da contratação, com as opções a respeito da forma de pagamento e seus custos, ou ainda um formulário com a declaração de opção pela contratação do pacote, com ciência de que os serviços não são condicionados uns aos outros, seria suficiente para robustecer sensivelmente a posição dos fornecedores. Se a transparência pode prejudicar as técnicas de venda, ao prestar as informações de maneira minuciosa, o fornecedor acaba por diminuir sensivelmente a margem de dúvidas quanto à sua conduta, ou qualquer alegação de abuso em suas práticas. Nem mesmo na hipótese de abertura de conta corrente para financiamento de construção de imóveis, a venda casada seria justificada.
Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
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