Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 16/04/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002623-45.2015.4.03.6126/SP
2015.61.26.002623-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : ISRAEL DOS SANTOS VALENTIN
ADVOGADO : SP248347 RODRIGO ERNANI MELLO RODRIGUES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00026234520154036126 2 Vr SANTO ANDRE/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. INAPLICABILIDADE. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ERRO DE PROIBIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O bem jurídico tutelado pela norma é a segurança das telecomunicações, razão pela qual, caracterizada a clandestinidade da atividade, não se cogita de mínima ofensividade da conduta e consequente exclusão da tipicidade por aplicação do princípio da insignificância.
2. Por razões de política criminal o legislador optou por erigir a atividade de telecomunicação como bem jurídico fundamental apto a receber a proteção máxima da tutela penal, uma vez que as sanções administrativas não têm apresentado resposta suficiente ao agente.
3. O serviço de comunicação multimídia (internet via rádio ou wireless) caracteriza modalidade de atividade de telecomunicação e, quando operado clandestinamente, configura, em tese, o crime descrito no artigo 183, da Lei nº 9.472/97.
4. A prova de que o agente não possuía potencial consciência da ilicitude é ônus da defesa, ex vi do art. 156 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu nos autos.
5. Recurso da defesa desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da defesa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 08 de abril de 2019.
MAURICIO KATO


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002623-45.2015.4.03.6126/SP
2015.61.26.002623-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : ISRAEL DOS SANTOS VALENTIN
ADVOGADO : SP248347 RODRIGO ERNANI MELLO RODRIGUES (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00026234520154036126 2 Vr SANTO ANDRE/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela defesa de ISRAEL DOS SANTOS VALENTIN contra a sentença de fls. 188/191, que o condenou pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos de detenção e pagamento de 10 (dez) dias-multa no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e na prestação pecuniária de 01 (um) salário mínimo.

Em razões de recurso de fls. 200/209, a defesa pleiteia a absolvição do réu com base na atipicidade da conduta, sob o fundamento de que o serviço por ele desenvolvido era de valor adicionado e não de comunicação multimídia. Afirma, ainda, que a conduta é atípica em razão da incidência dos princípios da insignificância e intervenção mínima. Por fim, aduz a ocorrência de erro de proibição, já que não tinha consciência da ilicitude da conduta.

A acusação apresentou contrarrazões de recurso às fls. 211/217.

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 220/224).

Determinado o envio de ofício a ANATEL solicitando informações sobre o possível enquadramento dos fatos analisados na hipótese de isenção prevista no art. 10-A do Regulamento de Comunicação Multimídia, com a redação dada pela Resolução nº 680 (fl. 228).

Em resposta ao ofício, a ANATEL informou "Considerando que a entidade Fullsky Soluções Ltda-me utilizava-se de radiação restrita e/ou meio confinado e tratar-se de pessoa jurídica, a entidade seria elegível a prestação do Serviço de Comunicação Multimídia com dispensa de autorização da Anatel, desde que cumpridos os demais requisitos elencados no art. 10-A. Entretanto, à época dos fatos não era prática, tampouco mandatório, observar em agências fiscalizatórias o quantitativo de acessos em serviço (se superior ou não a 5000 clientes) e não havia sistema eletrônico para a inserção de dados cadastrais e informação quanto ao início das atividades das prestadoras, conforme preconiza a Resolução nº 680, o que, em tese, prejudica sua aplicação em casos anterior à sua publicação" (fls. 230/231).

As partes se manifestaram sobre a documentação às fls. 233/237.

É o relatório.

Sem revisão, nos termos regimentais.



VOTO

Consta dos autos que o acusado foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, por prestar serviço de comunicação multimídia sem autorização do órgão competente (fls. 77/79).

Narra a denúncia que, no dia 17 de janeiro de 2013, agentes de fiscalização da ANATEL identificaram uma estação de telecomunicação com sistema irradiante instalado de aproximadamente 10 metros de altura em relação ao solo, localizada na Rua Melo Palheta, nº 64, Jardim Aclimação, Santo André/SP.

A peça acusatória menciona que o acusado realizava a prestação de serviço de comunicação multimídia clandestina, operando estação de provedor de internet, sem a competente autorização expedida pela ANATEL, em funcionamento na frequência de 2,4 Ghz.

De acordo com a acusação, o laudo pericial concluiu que o equipamento apreendido estaria apto a causar interferências prejudiciais em serviços de comunicação, ao passo que o réu informou ser sócio da empresa e responsável pela irradiação do sinal.

Após regular instrução, o acusado foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, com imposição de pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de detenção, em regime inicial aberto.

Em suas razões recursais, a defesa pleiteia, em síntese, a absolvição do réu, com fundamento na atipicidade da conduta, incidência dos princípios da insignificância e intervenção mínima e ocorrência de erro de proibição.

Passo as matérias devolvidas.

Inicialmente, afasto a tese da atipicidade penal da conduta decorrente da aplicação do princípio da insignificância.

A jurisprudência é firme no sentido de que o princípio da insignificância é aplicável a determinadas espécies de crimes, desde que preenchidos os requisitos objetivos e cumulativos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Aqui, o delito de desenvolvimento de atividades de telecomunicações de forma clandestina consubstancia-se na conduta de prestar serviço de comunicação multimídia sem autorização da autoridade competente, ação dotada de alto grau de reprovabilidade, fato que por si só afastaria a aplicação do princípio da bagatela.

Além disso, o bem jurídico tutelado pela norma é a segurança das telecomunicações, pois a utilização de radiação restrita sem autorização da ANATEL interfere nos sistemas legalizados de irradiação, nas redes de comunicação das polícias militar e civil e no controle de tráfego aéreo e marítimo, de modo a colocar em risco a vida de passageiros e tripulantes, bem como de todos os cidadãos.

Ademais, tratando-se de crime formal e de perigo abstrato, o qual não exige a ocorrência de um dano concreto para a sua consumação, inviável a incidência do princípio da insignificância e a consequente atipicidade da conduta.

Nestes termos, caracterizada a clandestinidade da atividade de telecomunicação, é irrelevante a pequena potência do aparelho transmissor ou a extensão da área de cobertura da transmissão, de modo que não se cogita de mínima ofensividade da conduta e consequente exclusão da tipicidade por aplicação do princípio da insignificância.

Igualmente rejeito a incidência do princípio da intervenção mínima.

Com efeito, por razões de política criminal o legislador optou por erigir a atividade de telecomunicação e a respectiva conduta de "desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação" como bem jurídico fundamental apto a receber a proteção máxima da tutela penal, uma vez que as sanções administrativas não têm apresentado resposta suficiente ao agente. Assim, não há que falar em violação aos postulados da intervenção mínima, fragmentariedade e subsidiariedade inerentes ao Direito Penal.

A alegação defensiva de que o serviço prestado pelo réu seria de valor adicionado e não de comunicação multimídia também não prospera.

Dispõe o caput do artigo 183 da Lei nº 9.472/97: desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Do delito penal em questão, importante conceituar o que se entende por "atividades de telecomunicação", a fim de melhor adequar a conduta ao tipo penal previsto pela Lei nº 9.472/97.

De acordo com o art. 60 da referida lei, entende-se por serviço de telecomunicação "o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação", a qual, por sua vez, constitui na "transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza".

Já o serviço de valor adicionado consiste na atividade que acrescenta novas utilidades relacionadas ao acesso, ao armazenamento, à apresentação, à movimentação ou à recuperação de informações, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.472/97.

O conceito de serviço de comunicação multimídia ou "internet via rádio ou wireless" engloba os dois conceitos acima, já que compreende a conexão à Internet mediante um serviço de telecomunicações que lhe oferece suporte.

Neste sentido, confiram-se os conceitos previstos nas Resoluções da ANATEL nº 272/2001 e 614/2013, respectivamente, in verbis:

"Art. 3º O Serviço de Comunicação Multimídia é um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço";
"Art. 3º O SCM é um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, permitindo inclusive o provimento de conexão à internet, utilizando quaisquer meios, a Assinantes dentro de uma Área de Prestação de Serviço".

Ressalte-se que a atividade de telecomunicações supramencionada depende de uma autorização prévia da Anatel, nos termos do art. 131 da Lei nº 9.472/97.

No caso em apreço, verifica-se que a Agência Nacional de Telecomunicações recebeu denúncia pelo sistema Focus a respeito da prestação irregular do serviço de telecomunicação pela empresa FULLSKY SOLUCÇÕES LTDA - ME, localizada na Rua Melo palheta, nº 164, Jardim Aclimação, na cidade de Santo André (fl. 12).

Ao promover a vistoria no referido local, os agentes de fiscalização constataram que "a entidade FULLSKY SOLUÇÕES LTDA - ME, ofertando serviços, mantinha de forma clandestina, perante esta Agência, estação de Telecomunicação operando no local, e que auferia lucro sobre a exploração do Serviço de Comunicação Multimídia - SCM, motivo pelo qual se lavrou o Auto de Infração nº 0008SP20130001 de entidade não outorgada e procedeu-se à interrupção do serviço e à apreensão cautelar do equipamento necessário à execução do serviço" (fl. 07).

As faturas eletrônicas emitidas pela empresa GVT em nome do réu (fls. 18/19), proprietário da FULLSKY, corroboram que o serviço de internet a ele oferecido se dava na condição de usuário final, conforme salientado pela fiscal da Anatel em seu depoimento.

Tais fatos, em conjunto, demonstram que o denunciado se valia da internet a ele oferecida pela GTV para desenvolver o próprio serviço de telecomunicação, na categoria serviço de comunicação multimídia, compartilhando o sinal de internet de forma clandestina com os seus clientes por meio de uma torre de irradiação.

Desta feita, não há dúvida de que ao operar estação de provedor de internet sem autorização da ANATEL, o acusado desenvolveu serviço de comunicação multimídia (internet via rádio ou wireless) de forma clandestina, o que configura, em tese, o crime descrito no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.

Logo, rejeito a tese da atipicidade.

No mais, ressalte-se que a materialidade e autoria delitiva restaram confirmadas pelo conjunto probatório (fls. 04/19, 25, 31, 54, 60/65, 122, 156 e 167) e não houve insurgência específica das partes quanto a estas questões.

No entanto, a defesa ainda sustenta a absolvição do acusado sob o fundamento de erro de proibição.

Sem razão.

O erro de proibição exclui a potencial consciência da ilicitude e, por conseguinte, afasta a culpabilidade. Tem previsão no art. 21 do Código Penal, servindo como causa de isenção de pena na hipótese de ser escusável e como causa de diminuição se evitável.

No caso vertente, as provas constantes dos autos demonstram que o acusado tinha conhecimento do caráter ilícito de sua conduta. Isso porque em seu interrogatório ele afirmou que não tinha plena ciência da clandestinidade da atividade, mas sabia da dificuldade para a obtenção da autorização porque algumas pessoas haviam comentado. Também não soube explicar a presença de uma antena localizada a mais de dez metros do solo no imóvel em que mantinha a sede da sua empresa, limitando-se a dizer que ela pertencia ao morador do andar superior, de quem não sabia o nome e nem o motivo dele usar uma antena de irradiação (fl. 167).

Ademais, mostra-se pouco crível que uma pessoa afirme desconhecer a necessidade de autorização da ANATEL para prestar serviço de internet, mas se empenhe em conferir uma suposta legalidade à atividade desenvolvida por sua empresa, a ponto de possuir uma quantidade razoável de clientes e emitir a eles boletos bancários para pagamentos dos serviços (fls. 16/17).

Não bastassem tais circunstâncias, destaco que a testemunha Luciane Cristiane Moreira foi clara no sentido de que o acusado tinha ciência de que havia necessidade de autorização para exploração do serviço de internet (fls. 122 e 156).

Por fim, insta salientar que a prova de que o agente incidiu em erro de proibição é ônus da defesa, ex vi do art. 156 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu no caso dos autos.

Portanto, patente a prova da materialidade, autoria delitiva e dolo, razão pela qual mantenho a condenação de Israel dos Santos Valentin pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.

Por derradeiro, observo que não houve insurgência das partes quanto à dosimetria da pena, motivo pelo qual a preservo nos termos estabelecidos na sentença.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso da defesa.

É como voto.

MAURICIO KATO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MAURICIO YUKIKAZU KATO:10061
Nº de Série do Certificado: 5EA8542F3E456DC1
Data e Hora: 10/04/2019 14:28:35