Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/12/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000149-82.2016.4.03.6121/SP
2016.61.21.000149-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : EDSON BUENO DE TOLEDO
ADVOGADO : SP292391 DOMINGOS SÁVIO DE MORAES e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00001498220164036121 2 Vr TAUBATE/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE PRECONCEITO. ART. 20, CAPUT E § 2º, DA LEI 7.716/1989. MATERIALIDADE INCONTROVERSA. AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. OFENSAS POR MEIO DE REDES SOCIAIS. MANIFESTAÇÃO PRECONCEITUOSA QUE EXCEDE OS LIMITES JURÍDICOS DA MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA DE MULTA REFORMADA DE OFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. A materialidade não foi objeto de recurso, ademais, restou devidamente comprovada nos autos pelas cópias das mensagens enviadas pelo réu à fl. 08 dos autos, assim como pelas declarações prestadas pelo próprio acusado tanto em sede policial quanto em sede judicial.
2. A autoria também restou plenamente comprovada, vez que o próprio apelante assumiu a titularidade do perfil e admitiu ser o autor das publicações de fl. 08.
3. O texto escrito pelo réu deixa claro seu pensamento e, por sua vez, o conteúdo indica que houve invasão do bem jurídico tutelado pelo sistema normativo pelo qual foi denunciado. Conquanto assegure o direito à livre manifestação, o sistema jurídico impõe limites a essa liberdade, certo de que, em outra ponta, se encontram outros direitos e garantias que desfrutam de igual proteção, agasalhados, inclusive, por diversos diplomas internacionais.
4. O réu transpôs os limites do direito de expressão ao se referir à inferioridade dos negros, com termos de conotação pejorativa e que demonstra menoscabo e desprezo. Não procede, portanto, o argumento defensivo, no sentido de que não houve discriminação, tendo, no máximo, tecido alguns outros comentários, tratados como "inflamados", a respeito de uma discussão que participava, por meio de redes sociais, naquele momento. Não há como falar-se em ausência do elemento volitivo por parte do acusado, já que presente o dolo em sua conduta. O fato de estar com ânimos exaltados e expressar sua opinião a um grupo de pessoas em rede social, não desnatura sua vontade, livre e consciente de, naquele momento, ofender e discriminar. A conduta diz respeito ao fato de ter, por qualquer forma, exteriorizado o preconceito, no caso, por meio da internet como forma clara de exteriorização da conduta.
5. O sujeito passivo do crime em comento é a sociedade, em especial a raça ou grupo atingido pela ofensa a ele dirigida, em violação ao princípio da igualdade. E as mensagens postadas pelo réu foram dirigidas a uma coletividade indistinta de sujeitos, motivo pelo qual não se sustenta o argumento de que se restringiam aos eleitores que votaram na presidente eleita.
6. Dosimetria da pena. Pena-base fixada no mínimo legal. Incidiu a atenuante prevista no art. 65, inc. III, alínea "d", do Código Penal. Todavia, a pena não foi reduzida, de forma acertada, haja vista o disposto na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça. Ausentes outras causas de aumento e de diminuição, foi apenas reconhecida a incidência da continuidade delitiva, na fração de 1/6 (um sexto), tendo em vista o número de condutas praticadas, do que resultou a pena definitiva de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
7. No que tange à pena de multa, arbitrada em 48 (quarenta e oito) dias-multa, restou reformada, de ofício, vez que não foi fixada de forma adequada e proporcional à pena privativa de liberdade. Pena de multa fixada em 11 (onze) dias-multa, mantendo congruência com a pena privativa de liberdade aplicada. Mantido o valor do dia- multa fixado na r. sentença, qual seja, 1/30 (um trinta avos) salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido.
8. O regime de cumprimento da pena foi fixado no aberto, nos termos do art. 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.
9. Por fim, preenchidos os requisitos previstos no art. 44, do Código Penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu primário e com bons antecedentes e circunstâncias judiciais favoráveis), a reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no montante de 02 (dois) salários mínimos.
10. Recurso não provido.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da defesa e, de ofício, reformar a pena de multa para 11 (onze) dias-multa, no valor 1/30 (um trinta avos) salário mínimo vigente à época dos fatos, mantendo-se, no mais, a r. sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 26 de novembro de 2018.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000149-82.2016.4.03.6121/SP
2016.61.21.000149-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : EDSON BUENO DE TOLEDO
ADVOGADO : SP292391 DOMINGOS SÁVIO DE MORAES e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00001498220164036121 2 Vr TAUBATE/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por EDSON BUENO DE TOLEDO em face da sentença de fls. 136140V, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Taubaté/SP, que o condenou pela prática do crime previsto no art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/89, à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
A reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no montante de 02 (dois) salários mínimos.
Em sede de razões recursais (fls. 165/172), a defesa requereu a absolvição do apelante, alegando ausência de dolo específico em sua conduta.
Contrarrazões às fls. 176/179v.
A Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, a fim de que a r. sentença seja mantida em seus exatos termos (fls. 183/186).
É O RELATÓRIO.
À revisão, nos termos regimentais.

PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000149-82.2016.4.03.6121/SP
2016.61.21.000149-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : EDSON BUENO DE TOLEDO
ADVOGADO : SP292391 DOMINGOS SÁVIO DE MORAES e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00001498220164036121 2 Vr TAUBATE/SP

VOTO

Do caso dos autos. EDSON BUENO DE TOLEDO foi denunciado pela prática do crime previsto no art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/89, por duas vezes, nos termos do art. 71 do Código Penal.
Narra a denúncia (fls.49/50v) o que se segue:
"... Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 26 de outubro de 2014 e em data posterior, em Taubaté/SP, Edson Bueno de Toledo, agindo de forma livre e consciente, publicou na rede mundial de computadores, por duas vezes, dizeres e textos que incitavam e induziam o preconceito e a discriminação racial e de procedência nacional contra habitantes das regiões norte e nordeste, bem como da cidade do Rio de Janeiro/RJ.
Segundo apurado, Edson Bueno de Toledo publicou por meio de seu perfil na rede social "Facebook", em duas oportunidades, manifestações cujo conteúdo evidenciava preconceito e discriminação contra habitantes das regiões norte e nordeste, bem como a cidade do Rio de Janeiro (fl. 08- grifos nossos ):
"Parabéns especial para o povo nordestino, nortistas e para os cariocas também!!! Mais uma vez vcs acabaram de foder o Brasil seus bostas!!! Na hora de pedir comida, teto, saúde e o caramba a quatro, veem para SP pedir nossa ajuda. Parabéns povinho de merda!!!" (26 de outubro de 2014) e
"Não tenho dúvida alguma, por esse motivo sou a favor da criação do imposto sobre jegue e o burro. Imaginem a receita que teríamos principalmente no norte e nordeste do Brasil!!!! (6h)"
Nota-se que a primeira mensagem recebeu ao menos 35 (trinta e cinco) curtidas e também 01 (um) compartilhamento, o que por si só demonstra a efetiva disseminação de seu conteúdo a um número incalculável de usuários da rede social.
Em depoimento à polícia judiciária, Edson Bueno de Toledo assumiu a autoria das postagens, alegando que elas teriam sido motivadas pelo grande número de votos que a presidente reeleita recebeu nas regiões norte e nordeste, bem como no estado do Rio de Janeiro (fls. 18/19). Ainda, segundo ele, sua intenção não foi depreciar os cidadãos do norte, nordeste e do Rio de Janeiro, pois não teria nenhum tipo de preconceito com os nascidos no estados dessas regiões, possuindo, inclusive, amigos, familiares e esposa que são da Bahia, além de colegas de trabalho."
Após regular instrução processual, sobreveio sentença de fls. 136/140v, que condenou o apelante nos exatos termos da peça acusatória.
Não havendo arguições preliminares, passa-se ao mérito recursal.
Do mérito recursal. Consoante a exordial, após a divulgação do resultado das eleições para a escolha do Presidente da República do ano de 2014, o acusado, por meio de inserção de publicações em redes sociais, mais precisamente no "Facebook", ofendeu os habitantes do Norte e Nordeste do Brasil e da cidade do Rio de Janeiro/RJ, pregando a terceiros a promoção de atos semelhantes.
A materialidade não foi objeto de recurso, ademais, restou devidamente comprovada nos autos pelas cópias das mensagens enviadas pelo réu à fl. 08 dos autos, assim como pelas declarações prestadas pelo próprio acusado tanto em sede policial (fls. 18/19) quanto em sede judicial (mídia de fl. 119).
A autoria também restou plenamente comprovada, vez que o próprio apelante assumiu a titularidade do perfil e admitiu ser o autor das publicações de fl. 08 (mídia de 119).
Destarte, sendo certo que as mensagens indicadas nos autos existiram e partiram, inequivocamente, do acusado, resta saber se o conteúdo destas estaria inserido nos limites da liberdade de manifestação de pensamento, assegurada como direito fundamental, ou se desborda o razoável - mesmo visto sob o prisma da tolerância com os intolerantes - para se caracterizar como delito criminal.
A Constituição Federal consagra, dentre os direitos, a liberdade de manifestação de pensamento (vedado o anonimato) e expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (artigo 5º, incisos V e IX). Na perspectiva da comunicação social e na mesma linha, reza o artigo 220 da Lex Magna que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição.
Daí não resulta, porém, que tal direito seja absoluto quanto ao seu exercício. Tanto pela teoria interna (ou da imanência) quanto pela teoria externa que estudam limites a direitos fundamentais, há em regra limites ao exercício dos direitos indispensáveis ao ser humano ou à vida em sociedade, como bem destacou o Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do pedido de habeas corpus n.º 82424/RS, o famoso caso Ellwanger, in verbis:
"(....) 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o 'direito à incitação ao racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica." (STF, Pleno, HC 82424/RS, rel. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, j. 17/9/2003)."

A liberdade de expressão do pensamento e seus correlatos não são mantos protetores contra punições por atos ilícitos, de tal modo que os excessos são sempre puníveis pela via e pela maneira próprias, sobretudo quando envolvam preconceitos ou discriminações de origem, raça, sexo, cor e idade, dentre outros aspectos da personalidade.
Outro não é o entendimento das Cortes Regionais, in verbis:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E PENAL. CRIME DE PRECONCEITO CONTRA INDÍGENAS COMETIDO POR INTERMÉDIO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. ART. 20, § 2º, DA LEI Nº 7.716 /89. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA, INÉPCIA DA DENÚNCIA, POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO SURSIS PROCESSUAL E INOBSERVÂNCIA DO RITO QUANTO AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. NULIDADES. INOCORRÊNCIA. REJEIÇÃO DAS PREFACIAIS. MÉRITO. AUTORIA MATERIALIDADE E DOLO DEVIDAMENTE COMPROVADOS. INJÚRIA RACIAL. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DECRETO CONDENATÓRIO MANTIDO. PENA. SUBSTITUIÇÃO. RESTRITIVAS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E PECUNIÁRIA. 1. Consoante o disposto no art. 231 da Constituição da República incumbe à União o dever de preservar as populações indígenas quanto à sua cultura (organização social, costumes, línguas, crenças e tradições) suas terras (as que tradicionalmente ocupam) seus bens, e, principalmente, como valor inestimável sua vida, a qual engloba a integridade física e a honra dos índios, quer em sua coletividade ou mesmo individualmente. 2. Destarte, havendo ofensa (contenda/disputa) a alguma destas garantias, ressai evidente o interesse da União, e por consequência, a vis atractiva da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, XI da Constituição Federal. 3. A denúncia deve observar criteriosamente os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, sob pena de inépcia. Entretanto, nos delitos dolosos, mostra-se dispensável a descrição do elemento subjetivo do tipo, bastante a menção do preceito legal, em tese, violado, razão por que inviável a rejeição liminar da peça acusatória. 4. Para a proposição do benefício insculpido no art. 89 da lei nº 9.099/95, a pena mínima que não pode ultrapassar 01 (um) ano, bem como devem restar preenchidos os demais requisitos. Hipótese inocorrente nos autos. 5. Conforme precedentes do STJ e desta Corte, além da posição majoritária da doutrina, o recebimento da denúncia para todos os efeitos - inclusive, obviamente, para fins de interrupção do prazo prescricional - ocorre na forma inscrita no artigo 396 do CPP, e não na fase do artigo 399 do referido Codex. 6. Uma situação de conflito, como a caracterizada pelo lançamento de um olhar não-indígena sobre uma cultura indígena, é facilmente traduzida pela estigmatização do grupo minoritário. Essa ideia de classificação leva da estigmatização à etnização dos grupos. Daí, por certo, a atribuição de qualificativos como "vagabundos", "sujos", "semi-civilizados" e "ignorantes", bem como da expressão "vivendo das benesses do poder branco" além de veicular o preconceito étnico, robustece o argumento de sua marginalização. 7. A imposição de diferenças por intermédio de atributos negativamente valorizados como os constantes no artigo que motivou a denúncia, mais a afirmação da suposta falta de identidade legítima, pode levar a uma política de segregação. É essa luta constante de negociação das fronteiras simbólicas entre os grupos em conflito que encontramos subjacente na atribuição de características negativas aos índios. 8. É a desqualificação dos indígenas, em especial os assentados neste Estado que procura marcar o lugar da etnia indígena como "outros", aqueles que não somos nós. E pouco importa quem sejam os identificados como "nós", pois são aqueles em posição de atribuir uma identidade vinculada a características negativas, o que resulta na conduta típica da incitação ao preconceito, prevista no artigo 20 da lei nº 7.716 /89. 10. Por intermédio dessa atribuição de características negativas que se dirigem genericamente aos índios, é que se pratica a discriminação étnica. 11. É cediço que discriminar significa: promover qualquer tipo de distinção, exclusão, restrição ou preferência. Também discrimina quem não reconhece as diferenças culturais das diversas etnias que compõem o tecido social, tencionando eliminá-las de forma antidemocrática. Consiste na negação dos princípios da igualdade e do pluralismo, mediante imposição de restrições ou exigências desarrazoadas. 12. Já o preconceito diz respeito à esfera da intimidade. Se a discriminação é posta como exteriorização objetiva, o preconceito, ao contrário, refere-se à atitude interior. Tem a ver com o modo de compreensão da realidade, situa-se no campo ideológico ou simbólico, enquanto a discriminação no campo real. 13. No que tange à caracterização do racismo penalmente relevante, é possível afirmar que o preconceito precede à discriminação, ordenando-a como ação plena de sentido. A rigor, o preconceito é tanto um estado intelectual quando um estado de ânimo (predisposição para agir). 14. O preconceito funciona como móvel da ação discriminatória, integrando, ao lado do dolo, o aspecto subjetivo do juízo de tipicidade dos crimes raciais. Exerce, pois, o papel de elemento motivador da prática discriminatória, deflagrando-a e saltando de um estado puramente anímico (racismo em estado latente) para dar vazão ao injusto penal (racismo em ato). Ou seja, o preconceito como algo intrínseco ao agente pode transformar-se em conduta discriminatória típica e ilícita. 15. In casu, no afã de externar sua posição contrária ao processo de demarcação da área da Raposa Terra do Sol no estado de Roraima, região Norte do país, o acusado, não se atendo apenas ao seu pensamento crítico, externou, com viés incitador e discriminatório, em sua coluna semanal do Jornal NH, sentimentos pessoais desprezíveis aos índios, em especial aos que habitam no Vale dos Sinos, incorrendo, portanto, no delito inscrito no art. 20, § 2º, da lei 7.716 /89. 16. Se as expressões discriminatórias revelam preconceito à coletividade (grupo) de índios, não há falar em tipificação no crime de injúria racial, previsto no art. 140 § 3º do Código Penal, mas sim no art. 20 da lei 7.716 /89, posto que aquele tipo penal prevê ofensa à honra subjetiva de um determinado indivíduo em razão da sua etnia. 17. Condenação mantida. 18. Pena corretamente aplicada (02 anos e 10 dias-multa) substituída por duas restritivas de direitos - prestação de serviços à comunidade e pecuniária - na forma do artigo 44 do CP. 19. Os valores da multa e da prestação pecuniária, fixados com sólidos fundamentos e alicerçados ainda na favorável situação econômica do réu, devem ser mantidos. Nada obsta que tais valores possam ser objeto de parcelamento, a critério do Juízo da Execução."(ACR 000494315 20 094047108, DESEMBARGADORA FEDERAL SALISE MONTEIRO SANCHOTENE - TRF4 - Sétima Turma - D.E. 27/05/2013)
"PENAL. CRIME DE PRECONCEITO. LEI N.º 7.716 /1989, ARTIGO 20, § 2º. ARTIGO PUBLICADO EM JORNAL. TEXTO QUE ALUDE A ÍNDIOS COMO "BUGRADA" E CONSIDERA A PRÁTICA DA CAÇA E DA PESCA COMO ATOS DE VADIAGEM. TEXTO QUE DEFENDE A SUPREMACIA DA INTELIGÊNCIA DOS BRANCOS EM RELAÇÃO AOS ÍNDIOS E CONSIDERA RETRÓGRADO PRESERVAR A CULTURA E A CIVILIZAÇÃO INDÍGENA. MANIFESTAÇÃO PRECONCEITUOSA E QUE DESBORDA DOS LIMITES DO LEGÍTIMO EXERCÍCIO DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. 1. Configura o crime previsto no artigo 20, § 2º, da lei n.º 7.716 /1989 a publicação, em jornal, de texto que se refere aos índios como "a bugrada", que considera a prática da caça e pesca como atos de vadiagem, que sustenta a superioridade da inteligência dos brancos e reputa retrógrado preservar a cultura e a civilização indígena. 2. A liberdade de manifestação do pensamento, prevista na Constituição Federal, encontra limites no respeito à dignidade humana e na vedação ao preconceito, dentre outros princípios consagrados em nossa Lex Magna. 3. Não havendo circunstâncias que justifiquem a exasperação da pena-base, esta deve ser fixada no patamar mínimo previsto em lei. 4. Recursos desprovidos. (ACR 000048162 20094036002, DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS - TRF3 - Segunda Turma - e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO)

Os textos publicados pelo réu deixam claro seu pensamento e, por sua vez, o conteúdo indica que houve ofensa ao bem jurídico tutelado pelo sistema normativo pelo qual foi denunciado. Conquanto assegure o direito à livre manifestação, o sistema jurídico impõe limites a essa liberdade, certo de que, em outra ponta, se encontram outros direitos e garantias que desfrutam de igual proteção, agasalhados, inclusive, por diversos diplomas internacionais. Vejamos.
Na primeira mensagem, o acusado transpôs os limites do direito de expressão ao se referir aos habitantes do Norte e Nordeste do Brasil e da cidade do Rio de Janeiro/RJ mediante os seguintes termos de conotação pejorativa - "seus bostas e povinho de merda", qualificando-os como hipossuficientes e inferiores perante os paulistas, bem como atribuindo-lhes a responsabilidade pelas mazelas que assolam o Brasil. Valho-me da transcrição a seguir:
"Parabéns especial para o povo nordestino, nortistas e para os cariocas também!!! Mais uma vez vcs acabaram de foder o Brasil seus bostas!!! Na hora de pedir comida, teto, saúde e o caramba a quatro, veem para SP pedir nossa ajuda. Parabéns povinho de merda!!!"
Como bem mencionou o ilustre Procurador da República, o discurso afigura-se carregado de preconceito e discriminação, na medida em que marginaliza e inferioriza determinados grupos com base em estereótipos relacionados à raça e à procedência nacional.
Por sua vez, na segunda mensagem, com a mesma ideia de inferiorização e marginalização do povo que habita as regiões Norte e nordeste, o acusado afirmou:
"Não tenho dúvida alguma, por esse motivo sou a favor da criação do imposto sobre jegue e o burro. Imaginem a receita que teríamos principalmente no norte e nordeste do Brasil!!!! (6h)"
Verifica-se, assim, que o réu ultrapassou o limite jurídico que deve guiar as pessoas em sua vida social, ultrapassando, também, os limites constitucionais e internacionais de sua liberdade de expressão.
Coletividades, entes despersonalizados, grupos regionais, povos e nações também são protegidos contra preconceitos. Não procede, portanto, o argumento defensivo, no sentido de que não houve discriminação, tendo, no máximo, tecido alguns outros comentários, tratados como "inflamados", a respeito de uma discussão de que participava, por meio de redes sociais, naquele momento, como quer fazer crer em seu interrogatório judicial e em sua defesa técnica.
Evidente que o sistema normativo não pode tutelar o pensamento das pessoas, tampouco seus íntimos sentimentos. Contudo, a manifestação do pensamento pode ser punida quando, pelo excesso, envolver preconceitos ou discriminações de origem, raça, sexo, cor e idade, dentre outros aspectos da personalidade. Cabe, ainda, levar em conta a rápida difusão dessas manifestações proporcionada pela utilização de meios digitais (redes sociais).
Não há como falar-se em ausência do elemento volitivo por parte do acusado, já que presente o dolo em sua conduta. O fato de estar participando de momento político em que ânimos estão exaltados e expressar sua opinião a um grupo de pessoas em rede social, não desnatura sua vontade, livre e consciente de, naquele momento, ofender os habitantes do Norte, do Nordeste e os cariocas.
Frise-se ainda, por oportuno, que não se está aqui julgando o acusado por seus relacionamentos diários e suas atitudes em relação a terceiros durante toda a sua vida, mas sim o fato descrito na exordial acusatória. Como confessado em interrogatório, ele postou os comentários ofensivos em rede social, cujo acesso não se limita a um número determinado de pessoas, pelo contrário, tem alcance mundial. Também há que se observar que o réu possui formação universitária e era, à época, ocupante de cargo relacionado à gestão de pessoas, não havendo como aceitar que não sabia da repercussão que seus comentários teriam.
Além disso, por mais que estivesse indignado e insatisfeito com o resultado das eleições presidenciais do ano de 2014, o fato é que o réu poderia ter exteriorizado sua opinião de forma diversa, de maneira lícita, sem incitar o preconceito. Certo também é que a conduta do acusado foi consciente, visto que o réu tinha pleno conhecimento do significado das publicações.
Por fim, ao contrário do que alega a defesa, o sujeito passivo do crime em comento é a sociedade, em especial a raça ou grupo atingido pela ofensa a ele dirigida, em violação ao princípio da igualdade. E as mensagens postadas pelo réu foram dirigidas a uma coletividade indistinta de sujeitos, motivo pelo qual não se sustenta o argumento de que se restringiam aos eleitores que votaram na presidente eleita.
Logo, não merece reparos a conclusão do juízo a quo, nesse mesmo sentido, in verbis:
"... Edson Bueno de Toledo declarou ser o responsável pelas publicações mencionadas à fl. 08; que não imaginava que "ia acontecer uma coisa dessas, não era essa a intenção, só que a gente fica um pouco indignado com a atual situação política", afirmando ter sido revoltante a vitória da então presidente à época e por este motivo postou aqueles comentários e que estava sob o efeito de álcool. Em relação ao comentário postado às 6 horas, declarou que o motivo dessa postagem foi "na verdade a concessão de muitos benefícios sociais a pessoas que não precisam necessariamente desses benefícios", enquanto outros que precisam não os conseguem. Em relação à expressão "jegue" e "burro", confessou que tais expressões referiam-se aos "eleitores, diante de tudo o que estava acontecendo, porque votar de novo no governante que não vai fazer com o que o Brasil vá para frente, foi essa a ideia", pois nos estados do norte, nordeste e Rio de Janeiro a presidente estava ganhando. Que lendo o que escreveu, se sente "muito envergonhado de ter feito isso, ok? Assim, não faria de novo, não foi uma atitude civilizada, tanto é que, quem me conhece, estou abalado emocionalmente", inclusive externou vontade de pedir desculpas para quem se sentiu ofendido, tendo cancelado sua conta no facebook logo que saiu do seu depoimento da Polícia Federal.
Extrai-se do conjunto probatório que o réu confessou, nas fases inquisitorial e judicial, ser o responsável pelas condutas descritas na denúncia, restando cabalmente demonstrada a autoria delitiva e a presença de dolo por parte do acusado Edson Bueno de Toledo, o qual, por meio de comunicação social viabilizada através da internet, no sítio de relacionamento facebook, postou dois comentários de natureza discriminatória e preconceituosa em razão da procedência das pessoas residentes no norte, nordeste e Rio de Janeiro.
A existência de dolo é inconteste, pois o réu, pessoa com formação universitária e ocupante de cargo relacionado à gestão de pessoas, possuía clara consciência do potencial danoso do conteúdo de suas postagens discriminatórias e preconceituosas, tanto que manifestou em juízo intenso arrependimento, afirmando estar envergonhado e que "não faria de novo".
Outrossim, não prospera o argumento da defesa técnica no sentido de que a postagem citando as palavras "jegue" e "burro" aludia a animais, e não a pessoas, pois o próprio réu, em seu interrogatório judicial, declarou que estava se referindo aos "eleitores" do norte, nordeste e Rio de Janeiro, por serem locais onde a presidente obteve significativa votação a seu favor. Extrai-se, das provas coligidas aos autos, que o contexto político da época apenas serviu de pano de fundo para o desenrolar dos fatos, ocorrendo inequívoco abuso do direito de liberdade de expressão por parte do réu, cujas declarações transbordaram a seara do legítimo debate político ao externar opiniões preconceituosas e discriminatórias capazes de atingir a honra objetiva das pessoas vinculadas às regiões supracitadas.
Portanto, mostra-se desarrazoada a tentativa da defesa de qualificar a conduta criminosa como mero protesto realizado pelo réu contra eleitores de determinado candidato, especialmente ao considerarmos que as manifestações externadas pelo réu deram-se em meio de comunicação social com amplo acesso a um número ilimitado de pessoas." (fls. 138/138v)

O caso é, portanto, de manter-se a sentença condenatória.
Da dosimetria da pena. A pena restou concretizada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
A reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no montante de 02 (dois) salários mínimos.
Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada no mínimo legal, qual seja, 02 (dois) anos de reclusão.
Na segunda fase, ausentes agravantes. Incidiu, porém, a atenuante prevista no art. 65, inc. III, alínea "d", do Código Penal. Todavia, a pena não foi reduzida, de forma acertada, haja vista o disposto na Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça.
Na terceira fase, ausentes outras causas de aumento e de diminuição, foi apenas reconhecida a incidência da continuidade delitiva, na fração de 1/6 (um sexto), tendo em vista o número de condutas praticadas, do que resultou a pena definitiva de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
No que tange à pena de multa, arbitrada em 48 (quarenta e oito) dias-multa, deve ser reformada, de ofício, vez que não foi fixada de forma adequada e proporcional à pena privativa de liberdade.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENA - BASE. FUNDAMENTAÇÃO. EXISTÊNCIA. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS. 41 KG DE COCAÍNA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. REQUISITOS. AFERIÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. PENA PECUNIÁRIA. QUANTIDADE DE DIAS- MULTA . ESTABELECIMENTO NO MÍNIMO. DESCABIMENTO. PROPORCIONAL IDADE COM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. VALOR UNITÁRIO. FIXAÇÃO NO MÍNIMO. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL.
(...) 3. A estipulação da quantidade de dias- multa não leva em consideração a capacidade financeira do condenado, mas, a partir das cominações mínima e máxima abstratamente previstas para a pena pecuniária, estabelece-se a quantidade de dias que seja proporcional ao quantum da pena privativa de liberdade, com observância das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código pena l.(...) 6. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 1263860/PA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 05/12/2014)
Assim, a pena de multa deve ser fixada em 11 (onze) dias-multa, mantendo congruência com a pena privativa de liberdade aplicada.
Mantido o valor do dia- multa fixado na r. sentença, qual seja, 1/30 (um trinta avos) salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido.
O regime de cumprimento da pena foi fixado no aberto, nos termos do art. 33, §2º, alínea "c", do Código Penal.
Por fim, preenchidos os requisitos previstos no art. 44, do Código Penal (pena não superior a quatro anos, crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, réu primário e com bons antecedentes e circunstâncias judiciais favoráveis), a reprimenda foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo prazo da pena substituída, e prestação pecuniária no montante de 02 (dois) salários mínimos.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso da defesa e, de ofício, reformo a pena de multa para 11 (onze) dias-multa, no valor 1/30 (um trinta avos) salário mínimo vigente à época dos fatos, mantendo-se, no mais, a r. sentença em seus exatos termos.
É COMO VOTO.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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