Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/12/2018
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0010271-90.2016.4.03.6110/SP
2016.61.10.010271-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
EMBARGANTE : ELIELSON FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP285654 GERMANO MARQUES RODRIGUES JUNIOR e outro(a)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00102719020164036110 2 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE DE ATRIBUIÇÃO DE NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA INCIDENTE SOBRE OS FATOS DESCRITOS NA INICIAL QUANDO DA EXARAÇÃO DE SENTENÇA PENAL. ANÁLISE DA SITUAÇÃO CONCRETA RETRATADA NESTES AUTOS. FATOS QUE SE AMOLDAM NO CRIME DE CONTRABANDO DE CIGARROS. ART. 334-A, § 1º, II, DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO PROMOVIDA POR FORÇA DA LEI Nº 13.008/2014. DESPROVIMENTO DO RECURSO.
- O acusado se defende, no âmbito do processo penal, dos fatos que lhe são imputados, não produzindo maiores consequências a menção (acertada ou equivocada) ao artigo de lei que teria sido violado por aquela conduta narrada. Mostra-se como requisito primordial da inicial acusatória, a teor do art. 41 do Código de Processo Penal, a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, sendo a classificação do crime mera decorrência lógica do relatado. Precedentes do C. Supremo Tribunal Federal.
- Quando da exaração da sentença (ou do acórdão), é lícito ao magistrado atribuir definição jurídica diversa daquela enquadrada pelo órgão acusatório na denúncia ofertada (ainda que tal proceder culmine na imposição de reprimenda mais severa) desde que não haja modificação da descrição dos fatos (justamente porque o acusado não exerce seu direito constitucional de defesa lastreado no artigo de lei em que subsumida sua conduta comissiva ou omissa, mas sim tendo como supedâneo o que restou descrito na exordial). Inteligência do art. 383 do Código de Processo Penal.
- A classificação jurídica a incidir sobre os fatos constantes dos autos (que restaram efetivamente comprovados pelos elementos coligidos na fase instrutória, não havendo qualquer divergência entre os magistrados que participaram do julgamento dos apelos aviados) aponta no sentido da subsunção, de forma estrita, à figura típica estampada no art. 334-A, § 1º, II, do Código Penal, na redação promovida por força da Lei nº 13.008/2014, o que enseja o reconhecimento da prática do delito de contrabando (nos termos consignados pelo voto condutor) e não da perpetração do crime de descaminho (que configurar-se-ia acaso comprovada a ilusão, no todo ou em parte, do pagamento de direito ou de imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria). Precedentes de E. Supremo Tribunal Federal, do C. Superior Tribunal de Justiça e do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
- Negado provimento aos embargos infringentes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por ELIELSON FERREIRA DA SILVA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 06 de dezembro de 2018.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0010271-90.2016.4.03.6110/SP
2016.61.10.010271-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
EMBARGANTE : ELIELSON FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP285654 GERMANO MARQUES RODRIGUES JUNIOR e outro(a)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00102719020164036110 2 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Embargos Infringentes opostos por ELIELSON FERREIRA DA SILVA (fls. 453/464) em face do v. acórdão prolatado pela 5ª Turma deste E. Tribunal Regional Federal (fls. 437, 441/446 e 448/451) que, por unanimidade, negou provimento ao recurso de Apelação da acusação e, por maioria, negou provimento ao recurso de Apelação do embargante, acolhendo, assim, o voto exarado pelo Eminente Desembargador Federal Andre Nekatschalow - o Eminente Desembargador Federal Mauricio Kato (prolator do voto vencido) dava parcial provimento ao apelo defensivo para desclassificar o delito de contrabando para o de descaminho, bem como para reduzir a pena-base, a redundar em reprimenda definitiva na casa de 01 ano, 01 mês e 10 dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituindo-a por duas restritivas de direito. O v. acórdão encontra-se assim ementado:


PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA EM FACE DE CORRÉU. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. DEFINIÇÃO JURÍDICA. VINCULAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE. RESTRITIVAS DE DIREITOS. CRITÉRIO LEGAL. DIMINUIÇÃO NO VALOR DA PENA PECUNIÁRIA. NÃO CABIMENTO. RECURSOS DESPROVIDOS. 1. Deve ser mantida a absolvição do corréu Gilvan da Costa, uma vez que comprovada a materialidade do crime, mas há dúvida quanto a autoria, portando, aplicado o princípio in dubio pro reo. 2. A definição jurídica do fato existente na denúncia não é vinculante para o juiz nem para o acusado, que se defende dos fatos nela descritos. Basta que o acusado possa deles se defender para que se afaste a alegação de invalidade da denúncia em virtude da qualificação jurídica que a acusação tenha adotado (STF, 1a Turma, HC n. 68.720-2-DF, Rel. Min. Celso de Mello, maioria, j. 10.12.91, DJ 04.09.92, p. 14.091). 3. Apesar de na denúncia constar os valores dos tributos devidos e ter sido requerida a condenação dos réus pelo delito de descaminho, foi requerida a emendatio libelli pelo Ministério Público Federal em fase de alegações finais para que o crime fosse tipificado como contrabando (CP, IV, art. 334-A), a qual foi aceita pelo Juízo a quo, uma vez que a defesa teve oportunidade de se manifestar contra a desclassificação, também, em suas alegações finais. 4. A redação do art. 334-A do Código Penal, que trata inequivocamente do delito de contrabando, inclui no inciso II do § 1º a conduta de importar 'clandestinamente' mercadorias. 5. Especificamente no caso de cigarros de origem estrangeira, a ANVISA apresenta as listas das marcas de cigarros, charutos e outros produtos cadastrados na Resolução RDC nº 90/2007, cujo art. 3º estabelece que 'é obrigatório o registro dos dados cadastrais de todas as marcas de produtos fumígenos derivados do tabaco fabricadas no território nacional, importadas ou exportadas'. As marcas que não constam nas referidas listas divulgadas pela ANVISA ou que tiveram seus pedidos de cadastro indeferidos não podem ser comercializadas no Brasil. Os maços de cigarros estrangeiros não tiveram sua qualidade e conformação a normas sanitárias verificadas pelas autoridades competentes, afora serem desprovidos de selo de controle de arrecadação e apresentarem inscrições em idiomas diversos do português, não possuindo os textos legais exigidos pela legislação vigente como requisito para circulação e comercialização no mercado nacional, em desconformidade com requisitos obrigatórios (Resolução ANVISA - RDC nº 335/2003 e suas alterações). 6. Por tal motivo, eventual referência na denúncia à 'ausência de documentos comprobatórios de regular importação' tem justamente a finalidade de apontar a não comprovação da submissão dos produtos aos controles nacionais e a realização de cálculo de 'tributos iludidos' por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil não faz presumir que estaria caracterizado o crime de descaminho. Referida avaliação tem fins estatísticos, como apontado nas próprias manifestações daquela Secretaria nos autos referentes ao crime envolvendo cigarros no sentido de que são 'valores estimados que incidiriam em uma importação regular, para fins meramente estatísticos para a Secretaria da Receita Federal' (cf., a título de exemplo, fls. 99/101 dos autos da ACr n. 2009.61.08.009428-8, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 06.02.17), mesmo porque não se concebe a incidência de tributos na internalização de mercadorias objeto de contrabando, tanto quanto na internalização de drogas no crime de tráfico transnacional de entorpecentes. Não há, assim, cálculo dos tributos iludidos stricto sensu, mas aferição do 'valor de mercado' dos cigarros e do impacto financeiro advindo da conduta criminosa à economia nacional em decorrência da introdução irregular de cigarros estrangeiros, indicando-se, ainda, o valor de tributos que seriam incidentes sobre a eventual importação regular de cigarros que fossem de internalização permitida. 7. A grande quantidade de cigarros apreendidos, 31.000 (trinta e um mil) maços, deve ser considerada para o aumento da pena-base, conforme observado pelo Juízo a quo. 8. Fixação de pena restritiva de direitos. Trata-se do estabelecido em lei, não havendo motivos para a aplicação de uma pena alternativa, isso porque, dispõe o artigo 44, § 2º, do Código Penal: 'Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos'. No caso em tela, a pena definitiva foi fixada acima de 01 (um) ano, razão pela qual torna-se imperativa a manutenção das 02 (duas) penas restritivas de direitos estabelecidas pela r. sentença, as quais, apenas deverão ser ajustadas a fim de respeitar o limite temporal relativa à pena principal por se tratar de consequência lógica da diminuição da pena. 9. Não é cabível a redução da pena pecuniária, tendo em vista que a defesa não trouxe aos autos elementos probatórios da atual condição financeira do apelante que justificassem a diminuição pleiteada, nos termos do art. 156, do Código de Processo Penal. 10. É admissível a declaração do efeito da condenação estabelecido no inciso III do art. 92 do Código Penal na hipótese de contrabando ou descaminho, constituindo a inabilitação para dirigir veículos medida eficaz para desestimular a reiteração delitiva. 11. Recursos desprovidos.

O embargante pleiteia a reforma do julgado a fim de que prevaleça o posicionamento constante do voto vencido de modo que os fatos restem subsumidos no delito de descaminho (e não no de contrabando), ressaltando, ademais, que não teria importado ou exportado mercadoria e que cigarros de origem estrangeira não têm importação proibida no país.


O Parquet federal, em contrarrazões, pugnou pelo não provimento dos embargos infringentes (fls. 466/469 e 474).


É o relatório.


À revisão.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0010271-90.2016.4.03.6110/SP
2016.61.10.010271-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
EMBARGANTE : ELIELSON FERREIRA DA SILVA
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VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Embargos Infringentes opostos por ELIELSON FERREIRA DA SILVA com o objetivo de que prevaleça o voto vencido proferido pelo Eminente Desembargador Federal Mauricio Kato que dava parcial provimento ao apelo defensivo para desclassificar o delito de contrabando para o de descaminho, bem como para reduzir a pena-base, a redundar em reprimenda definitiva na casa de 01 ano, 01 mês e 10 dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituindo-a por duas restritivas de direito (fls. 442/446). Já o voto vencedor, proferido pelo Eminente Desembargador Federal Andre Nekatschalow, consignou que os fatos descritos na inicial acusatória configurariam o delito de contrabando (art. 334-A do Código Penal).


DA EMENDATIO LIBELLI E DA POSSIBILIDADE DE ATRIBUIÇÃO DE NOVA CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA INCIDENTE SOBRE OS FATOS DESCRITOS NA INICIAL QUANDO DA EXARAÇÃO DE SENTENÇA PENAL - DA ANÁLISE DA SITUAÇÃO CONCRETA RETRATADA NESTES AUTOS


De início, importante ser dito que o acusado se defende, no âmbito do processo penal, dos fatos que lhe são imputados, não produzindo maiores consequências a menção (acertada ou equivocada) ao artigo de lei que teria sido violado por aquela conduta narrada. Nesse diapasão, mostra-se como requisito primordial da inicial acusatória, a teor do art. 41 do Código de Processo Penal, a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, sendo a classificação do crime mera decorrência lógica do relatado. Nesse sentido:


Inquérito. Requisitos de validade da denúncia. Descrição fática consistente. Material probatório que impede o reconhecimento da atipicidade da conduta. Denúncia recebida. 1. O exame da admissibilidade da denúncia se limita à existência de substrato probatório mínimo e à validade formal da inicial acusatória. 2. A acusada se defende dos fatos descritos pela acusação e não propriamente da classificação jurídica dos fatos. Precedentes. 3. Não é inepta a denúncia que, ao descrever fato certo e determinado, permite à acusada o exercício da ampla defesa. Precedentes. (...) (STF, Inq 3113, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 02/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-025 DIVULG 05-02-2015 PUBLIC 06-02-2015) - destaque nosso.

Dentro desse contexto, quando da exaração da sentença (ou do acórdão), é lícito ao magistrado atribuir definição jurídica diversa daquela enquadrada pelo órgão acusatório na denúncia ofertada (ainda que tal proceder culmine na imposição de reprimenda mais severa) desde que não haja modificação da descrição dos fatos (justamente porque, conforme anteriormente aduzido, o acusado não exerce seu direito constitucional de defesa lastreado no artigo de lei em que subsumida sua conduta comissiva ou omissa, mas sim tendo como supedâneo o que restou descrito na exordial). A propósito, o art. 383 do Código de Processo Penal chancela o que se acaba de expor, permitindo a atuação judicial de reconhecimento de novel classificação jurídica ao que restou relatado inicialmente pela acusação:


Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1º. Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. § 2º. Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.

Especificamente tendo como base o caso concreto retratado nos autos, importante consignar que a denúncia então ofertada nesta relação processual penal (fls. 129/131), a despeito de ter capitulado as condutas imputadas no delito estampado no art. 334, § 1º, IV, e § 2º, do Código Penal (o que não tem o condão de vincular o magistrado nos termos anteriormente tecidos), relatou a dinâmica dos acontecimentos da seguinte maneira:


(...) No dia 30 de novembro de 2016, por volta das 10:50 horas, na altura do Km 85 da rodovia Castello Branco/SP, policiais militares rodoviários, em fiscalização de rotina, abordaram um veículo GM/Vectra, placas CMR-1118, estacionado no acostamento, onde estava GILVAN DA COSTA, e logo em seguida, um automóvel VW/Kombi, placas AVJ-5931, conduzido por ELIELSON FERREIRA DA SILVA, no qual havia mercadorias de origem/procedência estrangeira (cigarros), sem de (sic) documentação legal correspondente. Durante tais abordagens, mostrou-se nervoso GILVAN DA COSTA, então, quando o veículo VW/Kombi passou, conduzido por ELIELSON FERREIRA DA SILVA, diminuiu a velocidade, o que tornou a situação mais suspeita, ocasionando também sua abordagem, localizando-se, no interior deste veículo, caixas com cigarros estrangeiros de fabricação paraguaia, marcas Eight e Mill, em um total de 31.000 maços (...). Conforme depoimentos dos policiais que efetuaram as abordagens (...), os dois motoristas dos mencionados veículos, ELIELSON FERREIRA DA SILVA e GILVAN DA COSTA, a princípio não confessaram que estavam vinculados, mas depois GILVAN DA COSTA acabou confirmando que era o possuidor dos cigarros encontrados no VW/Kombi, bem como que o estava escoltando com seu veículo GM/Vectra. Ademais, a Receita Federal do Brasil avaliou os referidos cigarros, em R$ 52.700,00 no total, bem como os tributos iludidos em R$ 86.482,25 (II: R$ 10.540,00, IPI: R$ 69.750,00 e PIS/COFINS: R$ 6.192,25), conforme fls. 120/123. Em sede policial, ELIELSON FERREIRA DA SILVA confessou o transporte dos referidos cigarros e a escolta pelo veículo GM/Vectra (...). GILVAN DA COSTA exerceu o direito constitucional de permanecer calado em relação aos fatos aqui tratados (...). Conclui-se, desse modo, que ELIELSON FERREIRA DA SILVA e GILVAN DA COSTA, com vontade livre e consciente, em comunhão de desígnios, receberam e ocultavam, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial irregular, mercadorias de procedência estrangeira, desacompanhadas de documentação legal (...) - destaque no original.

Ainda, cumpre destacar que o Parquet federal, quando da apresentação de suas Alegações Finais (fls. 279/282), pugnou pela melhor capitulação jurídica dos fatos descritos na denúncia para que os então denunciados (ELIELSON FERREIRA DA SILVA e outro) fossem condenados pelo crime insculpido no art. 334-A, § 1º, IV, do Código Penal (contrabando) - a propósito:


(...) Capitulação jurídica dos fatos descritos na denúncia: Em que pese tenham sido os fatos descritos na denúncia tipificados no artigo 334, § 1º, inciso IV, e § 2º, do Código Penal (descaminho), entende-se que melhor se amoldam ao delito previsto no artigo 334-A, inciso IV, do Código Penal (contrabando). Isso porque para a importação de cigarros para fins de posterior comercialização exige-se a constituição e registro prévio de pessoa jurídica, de modo que uma pessoa física nunca pode importar cigarros para depois os revender, ainda que deseje se submeter a todos os registros exigidos por órgãos públicos, inclusive de vigilância sanitária. Há requisitos para a importação de cigarros produzidos no estrangeiro, tais como a inscrição de registro de sociedade da importadora, consoante determinado pelo artigo 1º, do Decreto-Lei nº 1.593/77, e pelo artigo 47, da Lei nº 9.532/97, bem como a autorização prévia de importação e licenciamento de importação, conforme determina o artigo 3º, inciso II, da Instrução Normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento nº 67/02. Considerando-se então que a importação fraudulenta de cigarros para posterior comercialização é totalmente proibida, quando se trate de conduta praticada por pessoa física, a imputação formulada na denúncia é da prática de crime de contrabando, e não de descaminho. Nesse sentido é reproduzida abaixo a emenda referente a um precedente jurisprudencial: (...). Ressalte-se que, como o que se propõe é apenas a alteração da definição jurídica dos fatos expostos na denúncia, em relação aos quais os réus exerceram plenamente a defesa, trata-se de hipótese de emendatio libelli, a qual permite que, na sentença, a classificação do delito seja modificada, independentemente da anterior abertura de nova vista às partes, conforme preceitua o artigo 383, do Código de Processo Penal. Dessa forma, reconhecida a responsabilidade criminal dos réus pela conduta descrita na denúncia, devem ser condenados como incursos nas sanções do artigo 334-A, § 1º, inciso IV, c.c. o artigo 29, ambos do Código Penal (...) - destaque no original.

O embargante ELIELSON FERREIRA DA SILVA, quando do ofertamento de suas Alegações Finais (fls. 351/354), teve a oportunidade de externar seu entendimento (e, assim, efetivar o contraditório e a ampla defesa sob o pálio do devido processo legal) acerca da alteração da capitulação jurídica apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pugnando pela exaração de édito penal condenatório (porque confesso na prática delitiva) por mácula ao tipo contido no art. 334 do Código Penal (descaminho).


Desta feita, tendo como premissa os excertos anteriormente transcritos, constata-se que o embargante ELIELSON FERREIRA DA SILVA, desde o início desta relação processual penal, teve a oportunidade de se defender da importação irregular e ilegal de maços de cigarros (ao total de 31.000 - trinta e um mil), o que restou mais do que aclarado quando da apresentação das alegações finais acusatórias, nas quais expressamente há a imputação do crime de contrabando. Consigne-se que a menção a valores de tributos não adimplidos ocorreu como reforço de argumentação tendo em vista que o respectivo parágrafo em que tocada a questão foi precedido pelo advérbio "ademais", a referendar expressão no sentido de "além disso" ou "sem prejuízo do exposto" - assim, não se pode tomar o que foi escrito como reafirmação argumentativa como se fosse a imputação principal (que, no caso concreto, está centrada na importação ao arrepio da legislação de regência de maços de cigarro de origem estrangeira).


Portanto, plenamente possível cogitar-se do expediente levado a efeito pelo magistrado sentenciante que, lançando mão da regra inserta no art. 383 anteriormente transcrito, entendeu por bem classificar juridicamente os fatos descritos na inicial acusatória imputados ao embargante como sendo subsumíveis ao crime de contrabando, o que restou mantido quando da exaração do voto vencedor (fls. 448/449).


Cumpre, entretanto, perquirir se efetivamente o embargante ELIELSON FERREIRA DA SILVA perpetrou o crime de descaminho ou o delito de contrabando tendo como premissa os fatos narrados anteriormente. E, nesse diapasão, constata-se que a infração penal foi levada a efeito em momento em que já se encontrava em vigor a Lei nº 13.008 (de 26 de junho de 2014), que separou topologicamente no Diploma Repressor os crimes de descaminho e de contrabando criando as figuras dos arts. 334 - descaminho - e 334-A - contrabando.


Partindo do pressuposto de que tanto autoria quanto materialidade restaram efetivamente demonstradas (uma vez que não houve divergência entre os julgadores acerca de tais aspectos) e adentrando ao narrado pelo órgão acusatório tanto na denúncia como em sede de alegações finais, depreende-se que os fatos descritos configuram efetivamente a prática do delito de contrabando na justa medida em que restou apurado (e também devidamente comprovado) que o embargante ELIELSON FERREIRA DA SILVA importou clandestinamente mercadoria (cigarros) que depende de registro, análise ou autorização de órgão público competente.


Desta feita, a classificação jurídica a incidir sobre os fatos anteriormente tecidos (que restaram efetivamente comprovados pelos elementos coligidos na fase instrutória, não havendo qualquer divergência entre os magistrados que participaram do julgamento dos apelos aviados) aponta no sentido da subsunção, de forma estrita, à figura típica estampada no art. 334-A, § 1º, II, do Código Penal, na redação promovida por força da Lei nº 13.008/2014, o que enseja o reconhecimento da prática do delito de contrabando (nos termos consignados pelo Eminente Desembargador Federal Andre Nekatschalow) e não da perpetração do crime de descaminho (que configurar-se-ia acaso comprovada a ilusão, no todo ou em parte, do pagamento de direito ou de imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria).


A corroborar o entendimento ora exposto, de rigor a transcrição de julgados a referendar que a importação de cigarros deve ser enquadrada no delito de contrabando (inclusive a impossibilitar a aplicação do princípio da insignificância):


HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. ARTIGO 334, § 1º, d, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR). HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ARTIGO 20 DA LEI N.º 10.522/2002. PORTARIAS N.º 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. CIGARROS. IMPORTAÇÃO IRREGULAR. CRIME DE CONTRABANDO. REITERAÇÃO DELITIVA. COMPROVAÇÃO. INVIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO PELO JUÍZO DE ORIGEM. NOVO TÍTULO PRISIONAL. PREJUDICIALIDADE. 1. O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que, além do valor material, os bens jurídicos que o ordenamento jurídico busca tutelar são os valores éticos-jurídicos e a saúde pública. Precedentes: HC 120550, Primeira Turma, Relator Min. Roberto Barroso, DJe 13/02/2014; ARE 924.284 AgR, Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 25/11/2015, HC 125847 AgR, Primeira Turma, Relator Min. Rosa Weber, DJe 26/05/2015, HC 119.596, Segunda Turma, Relator: Min. Cármen Lúcia, DJe 26/03/2014. (...) (STF, HC 129382 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 23/08/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016) - destaque nosso.
Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Penal e Processual Penal. Contrabando de cigarros. Condenação. 3. Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Precedentes. (...) (STF, ARE 924284 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 10/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-237 DIVULG 24-11-2015 PUBLIC 25-11-2015) - destaque nosso.
Habeas corpus. Importação fraudulenta de cigarros. Contrabando. 1. A importação clandestina de cigarros estrangeiros caracteriza crime de contrabando e não de descaminho. Precedentes. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a aplicação do princípio da insignificância ao delito de contrabando. 3. Habeas corpus denegado (STF, HC 120550, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 17/12/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 12-02-2014 PUBLIC 13-02-2014) - destaque nosso.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CONTRABANDO. CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 4. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o crime de contrabando de cigarros não comporta aplicação do princípio da insignificância, haja vista o elevado grau de reprovabilidade da conduta, que ofende a saúde e a segurança públicas. Precedentes. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1226987/RJ, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 02/04/2018) - destaque nosso.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PLEITO DE SUSTENTAÇÃO ORAL. ART. 159 DO RISTJ. NÃO CABIMENTO. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) II - O entendimento jurisprudencial predominante no Superior Tribunal de Justiça é o sentido de que a importação clandestina de cigarros não implica apenas lesão ao erário e à atividade arrecadatória do Estado, como nas hipóteses de descaminho, mas atinge também a outros bens jurídicos, como a saúde, a ordem pública e a moralidade administrativa, o que desautoriza o reconhecimento da atipicidade material pela incidência do princípio da insignificância. Agravo regimental desprovido (STJ, AgRg no REsp 1656382/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 12/06/2017) - destaque nosso.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE RECURSO COM EFEITO SUSPENSIVO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 267/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. PEDIDO DEFERIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a introdução clandestina de cigarros, em território nacional, em desconformidade com as normas de regência, configura o delito de contrabando, ao qual não se aplica o princípio da insignificância, por tutelar interesses que transbordam a mera elisão fiscal. Precedentes. (...) (STJ, AgRg no AREsp 697.456/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 28/10/2016) - destaque nosso.
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONTRABANDO. CIGARROS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PREVALÊNCIA DOS VOTOS VENCEDORES. MANTIDA A CONDENAÇÃO. EMBARGOS INFRINGENTES DESPROVIDOS. (...) 5. Tratando-se do delito de contrabando, o mero valor do tributo iludido não pode ser utilizado como parâmetro para eventual aplicação do princípio da insignificância, pois a questão relativa à evasão tributária é secundária. Aqui, o bem jurídico tutelado é, notadamente, a saúde pública, razão pela qual o princípio da insignificância não tem, em regra, aplicação. Precedentes. (...) (TRF3, QUARTA SEÇÃO, EIFNU - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 70080 - 0005341-24.2014.4.03.6102, Rel. Des. Fed. NINO TOLDO, julgado em 17/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/08/2017) - destaque nosso.

DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por ELIELSON FERREIRA DA SILVA, nos termos anteriormente expendidos.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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