Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 29/03/2019
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0002282-48.2013.4.03.6139/SP
2013.61.39.002282-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
EMBARGANTE : ROSANA FATIMA DA CRUZ ROCHA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : MILTON PEREIRA JUNIOR
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00022824820134036139 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

EMBARGOS INFRINGENTES. ART. 19 DA LEI N. 7.492/86. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. FINANCIAMENTO. FRAUDE. VEÍCULO AUTOMOTOR.
1. A obtenção de financiamento mediante fraude perante instituição financeira para a aquisição de veículo automotor tipifica o delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86, ensejando a competência da Justiça Federal.
2. A ré celebrou, junto ao Banco Panamericano S/A, contrato de financiamento ao consumidor no valor de R$ 7.590,00 (sete mil, quinhentos e noventa reais) para a aquisição de veículo automotor.
2. Embargos infringentes desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 21 de março de 2019.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0002282-48.2013.4.03.6139/SP
2013.61.39.002282-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
EMBARGANTE : ROSANA FATIMA DA CRUZ ROCHA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : MILTON PEREIRA JUNIOR
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00022824820134036139 6P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes opostos pela Defensoria Pública da União, em favor de Rosana Fatima da Cruz Rocha, contra o acórdão de fls. 320/321, por meio do qual a 11ª Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, rejeitou a preliminar suscitada de ofício pelo Des. Fed. Relator, por considerar que os fatos se amoldam à figura imputada na denúncia, ou seja, ao art. 19 da Lei n. 7.492/1986, nos termos do voto divergente do Juiz Fed. Conv. Alessandro Diaferia, com quem votou o Des. Fed. José Lunardelli e, prosseguindo, no mérito, decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal, para fins de afastar a aplicação do princípio da insignificância e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para prosseguimento do feito.

A ementa foi lavrada nos seguintes termos:


PENAL E PROCESSO PENAL. OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ARTIGO 19 DA LEI Nº 7.492/1986. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA SUSCITADA DE OFÍCIO PELO E. RELATOR REJEITADA. PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO. ANÁLISE DA APELAÇÃO INTERPOSTA PELO MPF. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO AFASTADA. DETERMINAÇÃO DE RETORNO DOS AUTOS À VARA DE ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO.
1. Para o E. Relator, os fatos narrados na denúncia configurariam, em tese, o delito de estelionato (artigo 171 do Código Penal), e não crime contra o Sistema Financeiro Nacional, de modo que não se justificaria o julgamento da causa perante a Justiça Federal, razão pela qual suscitou, de ofício, preliminar de incompetência absoluta, a fim de que fosse anulada a sentença e declinada a competência. Todavia, nos termos do Voto-Vista apresentado, prevaleceu, por maioria, o entendimento de que os fatos se amoldam à figura imputada na denúncia, ou seja, ao artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986, de modo que o julgamento prosseguiu, passando-se à análise do apelo interposto pelo MPF.
2. O tipo penal delineado no art. 19, caput, da Lei nº. 7.492/1986, diz respeito à obtenção de financiamento em instituição financeira mediante fraude, cuidando-se de crime formal, que independe de resultado naturalístico para sua configuração. Consuma-se, portanto, com a obtenção do financiamento, sem a necessidade da ocorrência do prejuízo econômico para a instituição financeira ou para o mercado financeiro. O Pretório Excelso já se pronunciou acerca do tema, bem esclarecendo que a objetividade jurídica do crime contra o sistema financeiro nacional é a credibilidade das instituições financeiras (Min. Ayres Brito, em 06.09.2012, em seu voto na AP n.º 470 - Mensalão). Tutela-se, portanto, a higidez do Sistema Financeiro. A seu turno, Guilherme de Souza Nucci, in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Volume 2, Editora Revista dos Tribunais, 7º Edição, p. 662, em anotação relacionada ao crime do artigo 19 da Lei nº 7.492/1986, bem ponderou que "o objeto material é o financiamento; os objetos jurídicos são a credibilidade do mercado financeiro e a proteção ao investidor. Pode parecer que seria a tutela do patrimônio da instituição financeira, mas, na essência, é a credibilidade exigida do mercado financeiro. Por isso, o sujeito passivo principal é o Estado e não a instituição eventualmente lesada" (grifei).
3. De outra senda, o princípio da insignificância deve ser interpretado à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima ratio como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal). Dentro desse contexto, a insignificância tem o condão de afastar a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, adequação entre fato e lei penal incriminadora.
4. No caso concreto, os ora acusados foram absolvidos sumariamente quanto à imputação relativa à prática do delito de obtenção fraudulenta de financiamento em instituição financeira, previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/1986, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal, tendo o magistrado a quo aplicado o princípio da insignificância, por reputar que o financiamento no valor de R$ 7.590,00 não teria alcançado proporções que colocassem em risco o Sistema Financeiro Nacional. Todavia, não deve ser admitida a aplicação do princípio da insignificância aos crimes perpetrados contra o Sistema Financeiro Nacional, já que, como visto, estes tutelam, primeiramente, interesse do próprio Estado, traduzido na estabilidade e higidez do mercado financeiro resvalando de forma reflexa no interesse patrimonial eventualmente envolvido.
5. Assim, o valor do prejuízo causado com o financiamento obtido mediante fraude (artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986) não deve ser tomado para fins de aplicação do postulado em comento, ainda que de pequena monta, porquanto, como visto, o crime macula bem jurídico consistente na higidez do Sistema Financeiro Nacional (dano imaterial).
6. O Supremo Tribunal Federal adota critérios para a aplicação do princípio da insignificância que devem incidir cumulativamente: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Como se vê, o Pretório Excelso reconhece o preceito em alguns casos, entretanto, requer a presença cumulativa das quatro condições essenciais a orientar a irrelevância da tipicidade penal. Logo, a jurisprudência de nossa Corte maior determina a aplicação do princípio de forma criteriosa e realizada caso a caso (STF, 1ª Turma, RHC 144675/MS, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 28.09.2017). Inclusive, a nossa corte Maior já dispôs que o princípio da insignificância não haveria de ter como parâmetro tão só o valor do bem, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato e o reflexo da conduta do agente no âmbito da sociedade, para decidir sobre seu efetivo enquadramento na hipótese do crime de bagatela (HC n.º 108.512/BA, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 04.10.2011 - Informativo 643).
7. Portanto, embora o financiamento em questão (cujo valor foi de R$ 7.590,00) não tenha o condão de afetar o patrimônio da instituição financeira, remanesce a significância da lesão, porquanto, como mencionado alhures, é a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional que é objeto da proteção penal. Inclusive, não se pode deixar de considerar que a conduta atinge, também, os consumidores de forma mediata, já que o aumento da inadimplência costuma provocar o aumento do custo dos financiamentos em geral.
8. Apelação do MPF a que se dá provimento, a fim de se afastar a aplicação do princípio da insignificância e se determinar o retorno dos autos à Vara de Origem, para prosseguimento do feito.

Alega-se, em síntese, o seguinte:

a) a recorrente foi denunciada pela prática do delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86, porque segundo consta da peça acusatória, junto com o corréu, em 30.11.11, realizou contrato de financiamento de forma fraudulenta para aquisição de uma moto;
b) foi proferida sentença que absolveu sumariamente a acusada, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal, pois se entendeu que incidia o princípio da insignificância;
c) o Ministério Público Federal interpôs apelação criminal para que a sentença fosse reformada e a ratificação do recebimento da denúncia;
d) o Desembargador Federal Relator proferiu voto vencido em que reconheceu a incompetência absoluta da Justiça Federal para julgamento, uma vez que os fatos descritos na denúncia configurariam o crime de estelionato e não o delito contra o Sistema Financeiro Nacional;
e) no julgamento da apelação, prevaleceu o entendimento de que a conduta analisada no caso se amoldava ao delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86;
f) o fato narrado, qual seja, a obtenção de financiamento para aquisição de motocicleta junto ao Banco Panamericano S. A., não constitui ofensa, nem mesmo potencial, à higidez ou à credibilidade do Sistema Financeiro Nacional, bem jurídico tutelado pelo tipo penal do art. 19 da Lei n. 7.492/86;
g) não se trata de argumento no sentido de que seria necessário prejuízo para configurar o delito, mas de que o fato não se enquadra aquele descrito no tipo penal, considerando que não obstante ser mencionado o termo "financiamento", o que se verifica é que há mero contrato de mútuo, estritamente privado;
h) a destinação dos recursos obtidos (R$ 7.590,00), junto à instituição financeira para aquisição da motocicleta não envolveu relevante transferência de fundos ou reservas do financiador que fosse suficiente para abalar a higidez do Sistema Financeiro Nacional;
i) o contrato de financiamento de bem móvel tem caráter privado, cabendo apenas a fiscalização da adequação normativa e não a proteção de instituições financeiras, considerando que a certeza de ganho vem das próprias garantias previstas em contrato e eventual inadimplemento é compensado levando-se em conta as elevadas taxas de remuneração do crédito concedido;
j) trata-se de atividade de caráter privado, de serviço prestado por instituição financeira para o mercado de consumo;
k) o financiamento se destinou a aquisição de bem de consumo e não para o investimento ou atividade, de maneira que não se configura o tipo previsto do art. 19 da Lei n. 7.492/86, sendo incompetente a Justiça Federal (fls. 325/327).

Foram apresentadas contrarrazões, nas quais se alegou, em síntese, o seguinte:

a) em 30.11.11, Rosana e Milton Pereira Júnior obtiveram, mediante fraude, financiamento, junto ao Banco Panamericano S. A., para adquirir uma motocicleta;
b) Milton desejava comprar a motocicleta e Rosana precisava de dinheiro, de maneira que entraram em acordo para que a ré financiasse o bem, e em contrapartida o acusado lhe providenciaria algum valor;
c) os corréus contataram a concessionária para realizar o cadastro de Rosana, e essa forneceu dados e documentos de sua irmã: Ivani Fátima Rocha, fazendo se passar por essa, que não concordara com a operação;
d) as informações foram encaminhadas para a instituição financeira, que aprovou o financiamento, e a fraude foi descoberta quando Ivani recebeu o carnê de cobrança do IPVA da motocicleta e encontrou o comprovante de renda falso que foi apresentado para a concessão do financiamento;
e) a sentença absolveu os réus, por entender que incidia o princípio da insignificância, contra a qual foi interposto recurso e no julgamento da apelação o Desembargador Federal Relator proferiu voto em que entendeu que os fatos narrados configuram o delito do art. 171 do Código Penal, e que era incompetente a Justiça Federal, o qual a defesa pretende que prevaleça;
f) a fraude perpetrada não deve ser analisada considerando apenas o valor, mas o seu efeito, que poderia resultar na multiplicidade de fraudes do mesmo gênero e atingir o Sistema Financeiro Nacional;
g) prejuízos para a estabilidade do Sistema Financeira não precisam provir de apenas um único grande agente e embora o inadimplemento individualmente considerado não pudesse causar lesão com magnitude suficiente, o conjunto deles pode abalar a ordem econômica, havendo um impacto cumulativo, ou seja, pela sua reiteração por grande número de pessoas;
h) a punição do fraudador não pode depender da instituição financeira ter adotado maiores cautelas;
i) não é possível concluir se determinado financiamento específico teria ou não condão de atingir a saúde financeira da instituição, porque não há dados se esse somado aos demais créditos concedidos e não pagos causaria impacto suficiente;
j) conforme entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, não incide o princípio da insignificância para crimes contra o Sistema Financeiro Nacional;
k) financiamentos para a aquisição de bens móveis não podem ser equiparados a simples empréstimos, considerando que cada um tem destinação específica;
l) há entendimento do Superior Tribunal de Justiça, de que se configura o crime do art. 19 da Lei n. 7.492/86, e não ao delito de estelionato, os casos de fraudes no financiamento para aquisição de veículo automotor, e, por conseguinte, é competente a Justiça Federal (fls. 332/339).

É o relatório.

Encaminhem-se estes autos ao revisor, nos termos regimentais.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0002282-48.2013.4.03.6139/SP
2013.61.39.002282-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
EMBARGANTE : ROSANA FATIMA DA CRUZ ROCHA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : MILTON PEREIRA JUNIOR
ADVOGADO : LEONARDO JOSE DA SILVA BERALDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00022824820134036139 6P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

A defesa de Rosana Fátima da Cruz Rocha opôs embargos infringentes para fazer prevalecer o voto do Desembargador Federal Relator Fausto de Sanctis na parte em que, de ofício, anulou a sentença e declinou da competência, determinando que o feito fosse encaminhado à Justiça Estadual de Itapeva (SP), tudo nos termos do § 2º, do art. 383 e primeira parte do art. 70, ambos do Código de Processo Penal, porque entendeu que os fatos não se amoldam ao tipo descrito no artigo 19 da Lei n. 7.492/1986.

Rosana Fátima da Cruz Rocha e Milton Pereira Junior foram denunciados pela prática do crime do art. 19 da Lei n. 7.492/86, porque em 30.11.11, obtiveram mediante fraude, financiamento junto ao Banco Panamericano S. A., no valor de R$ 7.590,00 (sete mil, quinhentos e noventa reais), para a aquisição de uma motocicleta. A ré precisava de dinheiro e o acusado queria adquirir o bem, de maneira que pediu que ela o financiasse e em contrapartida lhe daria algum valor.

A acusada Rosana compareceu na concessionária e se apresentou como Ivani de Fatima Rocha, sua irmã, fornecendo os documentos de identificação originais dessa e comprovante de renda falso. Foi realizado o cadastro e concedido o financiamento.

A fraude foi descoberta quando Ivani de Fatima Rocha recebera carnê de cobrança de IPVA da motocicleta e encontrou o comprovante de renda falso, que foi apresentado para a concessão do financiamento.

A denúncia descreveu os fatos, nos seguintes termos:


No dia 30 de novembro de 2011, ROSANA FÁTIMA DA CRUZ ROCHA e MILTON PEREIRA JÚNIOR, obtiveram, mediante fraude, financiamento junto ao Banco Panamericano S. A., no valor de R$ 7.590,00 (sete mil, quinhentos e noventa reais). O financiamento teve por objetivo a compra da motocicleta CG 150 FAN-ESI MIX BAS, marca Honda, cor preta, ano/modelo 2012/2011, junto à concessionária TP MOTOS E PEÇAS LTDA.
ROSANA conheceu MILTON na lanchonete em que trabalhava e, na ocasião, ela afirmou precisar de dinheiro e ele de uma motocicleta, razão pela qual ele pediu para que ela financiasse a motocicleta em nome dela e, em contrapartida, ele lhe arrumaria algum dinheiro.
Desta feita, com o intuito de obter financiamento para a compra da motocicleta, o denunciado realizou contato telefônico como funcionário de nome Pedro da TP MOTOS E PEÇAS LTDA. e, ao se passar por patrão de ROSANA, pediu cotação de preços de motocicletas.
Diante das informações obtidas, MILTON entrou em contato novamente com Pedro com interesse de realizar cadastro a fim de obter o financiamento da motocicleta em questão. Na oportunidade, transmitiu ao funcionário os dados que ROSANA lhe fornecera. No entanto, estes referiam-se a Ivani de Fátima Rocha, irmã de ROSANA, que nunca havia concordado com a operação.
Ademais, para efetivação do contrato de financiamento, ROSANA compareceu pessoalmente à TP MOTOS E PEÇAS LTDA e, apresentando-se como Ivani, apresentou os documentos originais da irmã, bem como, um comprovante de renda falso (fls. 06)
Posteriormente, tendo sido os documentos apresentados copiados e o cadastro realizado, foi encaminhado para a financeira, a qual aprovou e efetivou o contrato de financiamento, no valor de R$ 7.590,00 (sete mil, quinhentos e noventa reais), ficando a motocicleta à disposição para retirada (fls. 09/10).
Destarte, em novo contato telefônico como funcionário Pedro, MILTON pediu para que a motocicleta fosse entregue à Roberto, seu amigo, alegando que Ivani, na verdade, a denunciada ROSANA, não poderia buscá-la.
Roberto, imaginando estar realizando apenas um favor para MILTON, em 05 de dezembro de 2011, compareceu a loja, retirou a motocicleta (fls. 08, 12/13, 18) e levou-a até a casa de MILTON (fl. 33).
A fraude foi descoberta ao ter Ivani de Fátima Rocha recebido em sua casa, a qual reside sua irmã, ora denunciada, um carnê de cobrança do IPVA da motocicleta (fls. 07), razão pela qual dirigiu-se ao quarto de ROSANA e lá encontrou o comprovante de renda falso apresentado no momento de concessão do referido financiamento (fls. 06).
Ademais, o sócio da TP MOTOS E PEÇAS LTDA, de nome Alessandro Henrique de Proença, ao constatar ter sido ROSANA quem efetivamente comparecera a loja e se apresentara como se Ivani fosse dirigiu-se ao 4º D. P. Itapeva e fez lavrar o boletim de ocorrência 830/2011 (fls. 03/06).
Dessa forma, ROSANA FÁTIMA DA CRUZ ROCHA e MILTON PEREIRA JUNIOR ao obterem financiamento, mediante fraude, junto à instituição financeira incorreram nas penas do artigo 19 da Lei nº 7.49286.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer a instauração da correspondente ação penal, com a citação dos acusados, prosseguindo-se nos demais termos do processo até ulterior condenação (fls. 137/140).

Foi proferida sentença pelo Juízo de 1º grau, por meio da qual absolveu os réus, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal e que considerando que os fatos narrados poderiam se subsumir em outras figuras típicas (arts. 171, 297, 304 e 307, todos do Código Penal), determinou a remessa dos autos para a Justiça Estadual:


O delito capitulado no artigo 19 da Lei nº 7.492/86 possui o seguinte teor:
"Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira.
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) aos, e multa."
É expressivo o volume de ações penais de teor semelhante à presente que congestionam as Varas Federais de Lavagem de Capitais, sem que as entidades interessadas tomem providências administrativas e diminuam as fraudes.
Isso dá ao Juízo o convencimento de que cálculos atuariais desautorizam esse modo de agir das casas bancárias; caso contrário, entidade financeira operaria com cautela maior na concessão de créditos destinados a, por exemplo, compra de veículos.
Com a cultura dos juros elevados, as instituições financeiras têm expressivos ganhos no volume de negócios e, por isso, emprestam dinheiro sem critérios satisfatórios de segurança, dispensando-se de realizar percuciente análise nos documentos apresentados quando do pedido de crédito.
No caso, o procedimento foi montado com documentos irregulares que, caso tivessem sido verificados com atenção, não teriam idoneidade bastante para enganar o mais crédulo dos gerentes. Tanto que em verificação posterior, feita de forma mais atenta pela instituição financeira, constatou indícios de falsificação dos documentos apresentados pelo acusado, que vieram a ser notificados à autoridade policial.
Note-se que a norma penal cabe ser aplicada na estrita proteção do bem jurídico que tutela. No caso, a higidez do Sistema Financeiro Nacional. Conforme lições de MANOEL PEDRO PIMENTEL e RODOLFO TIGRE MAIA. Para o primeiro o objeto jurídico do tipo penal é a "execução da política econômica do Governo, ofendida com a conduta fraudulenta do agente" (Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional. Editora Revista dos Tribunais/SP, 1987, p. 49). Para o segundo, "a objetividade jurídica imediata é a proteção dos interesses patrimoniais das instituições integrantes do SFN e, por extensão, de seus investidores, poupadores, acionistas etc." (Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, São Paulo; Malheiros, 1996, p. 144-145). Se o ilícito de que se tem notícia não embute o risco de abalar as finanças do banco inexiste a potencialidade de lesão ao Sistema Financeiro Nacional. Não se vislumbra, pois, lesão jurídica à capitulação do artigo 19, da Lei nº 7492/86.
É preciso considerar que o Direito é uma ciência eminentemente axiológica, não cabendo a positividade penal ser plicada como um "prius". Exige-se para a condenação a presença de todas as forças, objetivas e subjetivas, que formam o delito. Por isso, no Estado Democrático de Direito, impõe-se detida apreciação judicial que garanta acusados a valoração do "substantive process", em cumprimento ao artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. Com isso, afastam-se imperfeições da lei. Donde Francesco Carrara ("Programa de Direito Criminal", Edição Saraiva/SP, 1956, volume I, p. 69) haver observado, de passagem, que ao julgar os juízos são convertidos em legisladores do caso.
Ensina Eros Roberto Grau que "as normas são o resultado da interpretação dos textos legais na aplicação do direito, o que vem a ser a função essencial dos juízes." ("Efeito vinculante e totalitarismo", artigo publicado na "Folha de São Paulo, 22.11.1998, p. 3).
Para José Juan Moreso a "aplicação das normas jurídicas está intimamente relacionada à natureza institucional do Direito, porque uma norma só e capaz de ter efeitos jurídicos quanto é aplicada por juízes e tribunais." ("La indeterminacion del derecho y la interpretacion de la Constitucion" - Madrid: Centro de Estudios políticos y Constitucionales", 1998, p. 153).
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que "o ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota de definitividade." (Agr. No Agravo de Instrumento nº 259.421-1, Min. Celso de Mello, DF 16/02/2001, p. 96).
Não é despropósito pensar-se no artigo 19 como norma penal em branco, com a necessidade de complementação administrativa".
Enfim, o fato, financiamento de R$ 7.590,00, não alcançou proporções que pudesse colocar em risco o funcionamento da instituição financeira, tampouco o Sistema Financeiro Nacional, sendo esta circunstância cardeal para o deslinde do processo.
Destarte, conhecendo pela primeira vez dos autos, reconheço na espécie a situação jurídica prevista no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE a denúncia para o fim de absolver ROSANA FÁTIMA DA CRUZ ROCHA e MILTON PEREIRA JUNIOR, acima qualificados, em relação à imputação do artigo 19 da Lei nº 7.492/1986, com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Contudo, considerando que os fatos ora apurados podem se subsumir a outras figuras típicas, precipuamente as previstas nos artigos 171, 297, 304 e 307 do Código Penal, de competência da Justiça Estadual, determino a REMESSA dos autos à Justiça Estadual de São Paulo, visando a apreciação dos eventuais crimes remanescentes. (fls. 159/160v.)

O E. Relator Desembargador Federal Fausto de Sanctis proferiu voto vencido na parte pela qual, de ofício, anulou a sentença e declinou da competência, determinando que o feito fosse encaminhado à Justiça Estadual de Itapeva (SP), tudo nos termos do § 2º, do art. 383 e primeira parte do art. 70, ambos do Código de Processo Penal. Asseverou que acaso vencido nesse ponto, ou seja, na hipótese de ser considerado que os fatos se amoldam ao disposto no artigo 19 da Lei n. 7.492/1986, dava provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal, para fins de afastar a aplicação do princípio da insignificância e determinar o retorno dos autos à Vara de Origem para prosseguimento do feito:


O Ministério Público Federal denunciou ROSANA FÁTIMA DA CRUZ ROCHA e MILTON PEREIRA JÚNIOR, nos seguintes termos:
(...)
No dia 30 de novembro de 2011, ROSANA FÁTIMA DA CRUZ ROCHA e MILTON PEREIRA JÚNIOR, obtiveram, mediante fraude, financiamento junto ao Banco Panamericano S.A., no valor de R$ 7.590,00 (sete mil, quinhentos e noventa reais). O financiamento teve por objetivo a compra da motocicleta CG 150 FAN-ESI MIX BAS, marca Honda, cor preta, ano/modelo 2012/2011, junto à concessionária TP MOTOS E PEÇAS LTDA.
ROSANA conheceu MILTON na lanchonete em que trabalhava e, na ocasião, ela afirmou precisar de dinheiro, e ele de uma motocicleta, razão pela qual ele pediu para ela que financiasse a motocicleta em nome dela e, em contrapartida, ele lhe arrumaria algum dinheiro.
Desta feita, com o intuito de obter financiamento para a compra da motocicleta, o denunciado realizou contato telefônico com o funcionário de nome Pedro da TP MOTOS E PEÇAS LTDA. e, ao se passar por patrão de ROSANA, pediu cotação de preços de motocicletas.
Diante das informações obtidas MILTON entrou em contato novamente com Pedro com o interesse em realizar cadastro a fim de obter o financiamento da motocicleta em questão. Na oportunidade, transmitiu ao funcionário os dados que ROSANA lhe fornecera. No entanto, estes referiam-se a Ivani de Fátima Rocha, irmã de ROSANA, que nunca havia concordado com a operação.
Ademais, para a efetivação do contrato de financiamento, ROSANA compareceu pessoalmente à TP MOTOS E PEÇAS LTDA. e, apresentando-se como Ivani, apresentou os documentos originais da irmã, bem como, um comprovante de renda falso (fls. 06).
Posteriormente, tendo sido os documentos apresentados copiados e o cadastro realizado, foi encaminhado para a financeira, a qual aprovou e efetivou o contrato de financiamento, no valor de R$ 7.590,00 (sete mil, quinhentos e noventa reais), ficando a motocicleta à disposição para retirada (fls. 09/10).
Destarte, em novo contato telefônico com o funcionário Pedro, MILTON pediu que a motocicleta fosse entregue a Roberto, seu amigo, alegando que Ivani, na verdade, a denunciada ROSANA, não poderia buscá-la.
Roberto, imaginando estar realizando apenas um favor para MILTON, em 05 de dezembro de 2011, compareceu a loja, retirou a motocicleta (fls. 08, 12/13, 18) e levou-a até a casa de MILTON (fls. 33).
A fraude foi descoberta ao ter Ivani de Fátima Rocha recebido em sua casa, a qual também reside sua irmã, ora denunciada, um carnê de cobrança do IPVA da motocicleta (fls. 07), razão pela qual dirigiu-se ao quarto de ROSANA e lá encontrou o comprovante de renda falso apresentado no momento da concessão do referido financiamento (fls. 06).
Ademais, o sócio da TP MOTOS E PEÇAS LTDA. de nome Alessandro Henrique de Proença, ao constatar ter sido ROSANA quem efetivamente comparecera à loja e se apresentara como se Ivani fosse, dirigiu-se ao 4º D. P. Itapeva e fez lavrar o boletim de ocorrência 830/2011 (fls. 03/06).
Dessa forma, ROSANA FÁTIMA DA CRUZ ROCHA e MILTON PEREIRA JÚNIOR ao obterem financiamento, mediante fraude, junto à instituição financeira, incorreram nas penas do artigo 19 da Lei nº 7.492/86.
(...)
A denúncia foi recebida aos 25.08.2014, tendo baixado em Secretaria na mesma data (fls. 141/142).
O Juízo de Primeiro Grau absolveu sumariamente os acusados quanto à imputação atinente a prática do crime de obtenção fraudulenta de financiamento em instituição financeira, previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/1986, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal).
Em sua fundamentação, embora não expressamente, o magistrado aplicou o princípio da insignificância, consignando que é expressivo o volume de ações penais de teor semelhante à presente que congestionam as Varas Federais de Lavagem de Capitais, sem que as entidades interessadas tomem providências administrativas que diminuam as fraudes (...)o fato, financiamento de R$ 7.590,00, não alcançou proporções que pudessem colocar em risco o funcionamento da instituição financeira, tampouco o Sistema Financeiro Nacional, sendo esta circunstância cardeal para o deslinde do processo, tendo, ao final, reputado que contudo, considerando que os fatos ora apurados podem se subsumir a outras figuras típicas, precipuamente as previstas nos artigos 171, 297, 304 e 307 do Código Penal, de competência da Justiça Estadual de São Paulo, determino a REMESSA dos autos à Justiça Estadual de São Paulo, visando a apreciação dos eventuais crimes remanescentes.
Da Competência
Impende, neste ponto, trazer à baila questão atinente à incompetência absoluta, que, em se tratando de matéria de ordem pública, é de enfrentamento necessário em qualquer fase processual.
Anote-se que, em regra, o momento processual para que se proceda à adequação da capitulação jurídica do fato narrado na denúncia ao tipo penal previsto na lei, é a prolação da sentença, ante a aplicação da emendatio libelli, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, que dispõe o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.
Todavia, em situações excepcionais, como a presente, é possível ao julgador imiscuir-se na capitulação do delito antes mesmo da sentença, especialmente quando implicarem no reconhecimento de tema de ordem pública, a fim de evitar que a inadequada subsunção típica macule o instituto da competência, permitindo-se, para tal consecução, inclusive, adentrar à fundamentação necessária ao correto enquadramento jurídico.
Nesse sentido colaciono o seguinte julgado:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. EMENDATIO LIBELLI. DIREITOS PROCESSUAIS OU MATERIAIS. TEMAS DE ORDEM PÚBLICA. DECISÃO POSSÍVEL EM QUALQUER FASE DO PROCESSO. FUNDAMENTAÇÃO COM EXAME DA CORRETA ADEQUAÇÃO TÍPICA. LEGALIDADE. ANULAÇÃO DA DECISÃO FAVORÁVEL À DEFESA SEM RECURSO ACUSATÓRIO. REFORMATIO IN PEJUS. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...)
2. Se a aplicação do direito aos fatos denunciados dá-se em regra pela sentença, mantendo ou não a tipificação indicada pela inicial acusatória - arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal -, o reconhecimento de incontroversos direitos processuais ou materiais, caracterizados como temas de ordem pública, pode dar-se em qualquer fase do processo, inclusive com fundamentação então necessária de correto enquadramento típico.
3. Nada impede possa o magistrado, mesmo antes da sentença condenatória, evitando a mora e os efeitos de indevida persecução criminal, reconhecer desde logo clara incompetência, prescrição, falta de justa causa, direitos de transação, sursis processual, ou temas outros de ordem pública, relevantes, certos e urgentes.
(...)
(STJ, HC 241.206/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 11/12/2014).
Feitas tais considerações, tem-se que o artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986 dispõe:
Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa." (grifei)
A questão da competência jurisdicional para o tratamento dos casos de crime previsto no artigo supramencionado tem ganhado bastante realce com o avolumar dos fatos em investigação, notadamente quando se percebe que meros financiamentos chamados de Abertura de Crédito para Financiamento de Bens e/ou Serviços, têm atraído a competência da Justiça Federal, basicamente por força da qualificação de um dos pólos contratantes.
Por exemplo, veículos automotores, como carros e motocicletas, têm sido obtidos pela população graças ao grande volume creditício oferecido por várias instituições, inclusive financeiras, com a intermediação de concessionárias do setor.
Insta perquirir se o fato de um banco ou instituição figurar no pólo da relação creditícia ou se houver vinculação do valor concedido ao bem teria o condão de deslocar a competência para a Justiça Federal.
Numa análise perfunctória, fácil seria a conclusão de que tais fatos amoldar-se-iam ao disposto no artigo 19 da Lei n.º 7.492, de 16.06.1986, sendo de competência desta Justiça Federal, consoante artigo 109, inciso VI, da Constituição Federal de 05.10.1988, que dispõe:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;(grifei)
Não parece ser tão simples a questão.
O tipo penal delineado em referido artigo tutela bem intangível, que corresponde à credibilidade do próprio Sistema Financeiro, à proteção do investidor e do Mercado, desejando de fato constituir num instrumento para a proteção do Sistema Financeiro Nacional. Disso não há qualquer dúvida.
Mas, todo e qualquer financiamento, tendo por pólo passivo uma instituição financeira, quando obtido de forma fraudulenta, deve merecer a apreciação pela Justiça Federal?
Não resta dúvida que o tipo excogitado nada mais difere do crime de estelionato comum a não ser pela qualidade de um dos sujeitos da operação creditícia. Trata-se de uma forma especial de estelionato.
Com efeito, a prática do delito previsto na Lei n.º 7.492/1986, quando para a satisfação de uma necessidade qualquer de seu protagonista, atinge reflexamente o patrimônio alheio. Mas daí entender que enseja o comprometimento do Sistema Financeiro Nacional como um todo, seria consagrar interpretação que confere extrema cautela do legislador e uma desarrazoada subtração de competência.
Para o efeito da legislação específica, tem-se entendido que financiamento significa a operação de crédito concedida com destinação específica o que obriga a demonstração da aplicação de recursos, sendo que em se tratando de fraude perpetrada, em tese, para a suposta obtenção de financiamento perante instituição financeira, a competência para processamento e julgamento do delito é, em regra, desta Justiça Federal. Nesse sentido:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSO PENAL. CONDUTA EM APURAÇÃO: OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO, MEDIANTE FRAUDE, PERANTE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TIPO PREVISTO NO ART. 19 DA LEI 7.492/86. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Nos termos do art. 109, VI, da CF, os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira são da competência da Justiça Federal nos casos determinados em lei. O art. 26 da Lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, dispõe que a ação penal, nesses casos, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.
2. O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar esse dispositivo, fixou o entendimento de que o crime do art. 19 da Lei 7.492/86 será da competência da Justiça federal quando os recursos obtidos mediante fraude perante instituição financeira possuírem destinação específica.
3. In casu, a conduta em apuração diz respeito à concessão de fraudulenta de financiamentos por instituição financeira com finalidade definida (aquisição de veículo automotor), o que se subsume, em tese, ao tipo previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos do art. 26 daquele normativo.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do juízo suscitado (JUÍZO FEDERAL DA 10A VARA CRIMINAL ESPECIALIZADA EM CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E CRIMES DE LAVAGEM DE VALORES DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO).
(STJ, CC 151.188/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2017, DJe 23/06/2017) (grifei).
Nos termos da Circular de lavra do Banco Central do Brasil n.º 1.273, de 29.12.1987, empréstimos são as operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos, sendo certo que os financiamentos são as operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos.
Nessa toada, apesar de alguns julgados diferenciarem financiamento de empréstimo, este gênero do qual aquele configura espécie, caracterizado, o primeiro, pela finalidade empreendedora, isto é, a necessidade de subsidiar diversas atividades de fomento (cf. STJ, Conflito de Competência n.º 112.244/SP, v.u., j. 25.08.2010; STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial n.º 510779/MT, Ministro Convocado Celso Limongi, v.u., j. 23.02.2010; e TRF/4, Apelação Criminal n.º 2003.71.00.042536-3/RS, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, v.u., j. em 19.03.2009), certo é que para o suposto efeito de firmar a competência da Justiça Federal, aparentemente não houve a análise sob o enfoque da natureza da operação e sua relevância frente ao Sistema Financeiro Nacional.
Sob esta ótica, não obstante esta definição conceitual de financiamento, trata-se, na hipótese aventada, de mero contrato de empréstimo, o que não autoriza, em termos materiais, apesar da peculiaridade, o deslocamento de competência.
Ora, o que deve nortear a interpretação não seria meramente a qualidade de um dos sujeitos da relação negocial, ou seja, inserir-se no rol das instituições financeiras ou a estas equiparadas (artigo 1º da Lei n.º 7.492/1986), tampouco o fato de os recursos servirem para a aquisição de um determinado bem, mas, tão-somente, a natureza efetiva da operação e sua relevância para o Sistema Financeiro Nacional.
Desta feita, não haveria a perfeita subsunção de fatos à norma do artigo 19 da Lei 7.492/1986, quando houver financiamento perante instituição financeira, a despeito de possuir alguma destinação específica e vinculação dos recursos, na hipótese, por exemplo, de inexistir uma orquestração hábil a abalar a higidez do Sistema Financeiro Nacional.
A interpretação não poderia enveredar por conclusão que apenas levasse em conta a distinção entre empréstimo e financiamento, e assim concluir esta última modalidade como sendo de competência federal.
Na verdade, os contratos firmados para o financiamento de um bem móvel possui a nítida natureza de contrato de caráter privado, cabendo ao Poder Público, tão-somente, a fiscalização e a adequação normativa, uma atividade de regulação que visa à proteção e defesa do consumidor evitando que haja práticas abusivas por parte de instituições bancárias. Inserem-se no campo das relações de consumo o que força as instituições financeiras evitarem a imposição de obrigações excessivamente onerosas, reconhecendo-se a vulnerabilidade do consumidor.
Não caberia proteção desnecessária às instituições financeiras, com a inclusão de tal modalidade de contratação na definição do tipo de colarinho branco, até pelo fato de, em várias hipóteses, elas próprias concederem, por interpostas pessoas (um terceiro, uma concessionária ou empresa comercial) tais financiamentos a pessoas sem condições financeiras para honrar suas dívidas, ou que estas comprometam significativamente os vencimentos percebidos, ou mesmo, a indivíduos desconhecidos ou sequer objeto de uma verificação da capacidade econômica mais detida, tamanha é a certeza do ganho com a atividade desenvolvida, que encontra lastro nas próprias e extensas garantias previstas, cujas eventuais inadimplências normalmente são compensadas apenas com as taxas elevadas de remuneração do crédito concedido.
Portanto, está-se diante de uma atividade de caráter essencialmente privado, um serviço prestado por instituição financeira ao mercado de consumo, mediante remuneração, com cobertura mais que suficientemente garantida, o que faz incidir a regra do artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei n.º 8.078, de 11.09.1990 (Código de Defesa do Consumidor), considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADIN n.º 2591, em 07.06.2006), in verbis:
Art. 3º (...)
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Como discorre Milton Fornazari Júnior (in Da Distinção do Financiamento das Demais Operações de Crédito para fins da Configuração do Crime Previsto no Artigo 19 da Lei nº 7.492/86, Revista Criminal, Ano 03, vol. 06, jan/mar 2009, p. 151/162), bens duráveis destinados ao mero consumo, tais como a aquisição de veículos, motos, microcomputadores etc., ainda que se denominem 'financiamentos', na verdade são espécies de contratos de mútuo/empréstimos estritamente privados sem a presença do caráter empreendedor ou da atividade estatal de fomento, concedidos muitas das vezes em terminais eletrônicos ou via Internet, sem a observância de rigorosas cautelas.
Ora, parece que não seria defensável que um mero ato jurídico básico que retrate com fidelidade as relações entre a moeda e o crédito, típico contrato de empréstimo de coisa fungível, ainda que vinculado a um determinado bem, fosse atingir o Sistema Financeiro Nacional em sua integralidade. Não se vislumbra sequer risco potencial a este.
O artigo 19 da excogitada lei federal somente pode possuir efetividade quando a fraude ao contrato de financiamento implicar numa orquestração relevante, atingindo ou não mais de uma instituição financeira, ou na hipótese de financiamento de vários bens visando a atividade de fomento mercantil.
Aí, nestas hipóteses, haveria que se invocar o artigo 109, inciso VI (crimes contra o S.F.N.), da Constituição Federal, porquanto o inciso IV (delitos contra bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas) não há de ter aplicação diante de previsão específica (inciso VI).
Assim, na hipótese dos autos (financiamento para obtenção de motocicleta perante o Banco Panamericano S.A.), por não se verificar ofensa, nem mesmo potencial, ao Sistema Financeiro Nacional em sua integralidade, porquanto a natureza de tal modalidade de concessão de crédito volta-se exclusivamente ao interesse privado de forma preponderante, risco calculado, digerido pelo mercado e pouco consistente (quantidade e grau de garantias previstas e interveniência de terceiros no controle do preenchimento das condições econômicas devidas), não há que se falar no crime previsto no artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986, porquanto, em verdade, toca e releva apenas a interesses de cunho exclusivamente patrimonial e privado.
Destarte, considerando que os fatos em apreço configuram, em tese, delito de estelionato (artigo 171 do Código Penal), mas não crime contra o Sistema Financeiro Nacional, bem ainda que a vantagem ilícita teria sido obtida em Itapeva/SP junto ao Banco Panamericano S.A (fls. 09/10), não se justifica o julgamento da causa perante a Justiça Federal.
Por tais razões e de ofício, deve o feito ser encaminhado à Justiça Estadual de Itapeva/SP, tudo nos termos do parágrafo 2º do artigo 383 e primeira parte do artigo 70, ambos do Código de Processo Penal.
Todavia, acaso vencido neste ponto, ou seja, na hipótese de ser considerado que os fatos se amoldam ao disposto no artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986, analisa-se o recurso ministerial.
Crime Contra o Sistema Financeiro Nacional. Artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986. Não aplicação do Princípio da Insignificância.
Os ora acusados foram absolvidos sumariamente quanto à imputação relativa à prática do delito de obtenção fraudulenta de financiamento em instituição financeira, previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/1986, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal, tendo o magistrado a quo aplicado o princípio da insignificância, por reputar que o financiamento no valor de R$ 7.590,00 não teria alcançado proporções que colocassem em risco o Sistema Financeiro Nacional.
O tipo penal delineado no art. 19, caput, da Lei nº. 7.492/1986, diz respeito à obtenção de financiamento em instituição financeira mediante fraude, cuidando-se de crime formal, que independe de resultado naturalístico para sua configuração. Consuma-se, portanto, com a obtenção do financiamento, sem a necessidade da ocorrência do prejuízo econômico para a instituição financeira ou para o mercado financeiro.
Vale salientar que os crimes contra o Sistema Financeiro não têm como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, quantificável, porquanto precipuamente tutelam bem intangível, que corresponde à credibilidade do próprio Sistema Financeiro, à proteção do investidor e do Mercado.
O Pretório Excelso já se pronunciou acerca do tema, bem esclarecendo que a objetividade jurídica do crime contra o sistema financeiro nacional é a credibilidade das instituições financeiras (Min. Ayres Brito, em 06.09.2012, em seu voto na AP n.º 470 - Mensalão). Tutela-se, portanto, a higidez do Sistema Financeiro.
A seu turno, Guilherme de Souza Nucci, in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, Volume 2, Editora Revista dos Tribunais, 7º Edição, p. 662, em anotação ao crime do artigo 19 da Lei nº 7.492/1986, bem ponderou que "o objeto material é o financiamento; os objetos jurídicos são a credibilidade do mercado financeiro e a proteção ao investidor. Pode parecer que seria a tutela do patrimônio da instituição financeira, mas, na essência, é a credibilidade exigida do mercado financeiro. Por isso, o sujeito passivo principal é o Estado e não a instituição eventualmente lesada." (grifei).
De outra senda, o princípio da insignificância deve ser interpretado à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima ratio como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal).
Dentro desse contexto, a insignificância tem o condão de afastar a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, adequação entre fato e lei penal incriminadora.
Diante deste cenário, não deve ser admitida a aplicação do princípio da insignificância aos crimes perpetrados contra o Sistema Financeiro Nacional, já que, como visto, estes tutelam, primeiramente, interesse do próprio Estado, traduzido na estabilidade e higidez do mercado financeiro resvalando de forma reflexa no interesse patrimonial eventualmente envolvido.
Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 19 DA LEI 7.492/86. FINANCIAMENTO EM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA MEDIANTE FRAUDE. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO. MULTA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. PARCELAMENTO. LIMITE DE 30% DA RENDA DECLARADA. POSSIBILIDADE. VALOR FIXADO. SÚMULA 7/STJ. REVOLVIMENTO EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. RECURSOS IMPROVIDOS.
1. Firmou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que inaplicável o princípio da insignificância aos crimes contra o sistema financeiro, tendo em vista a necessidade de maior proteção à sua estabilidade e higidez (AgRg no AREsp 975.414/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 30/05/2017). Precedentes.
(...)
(STJ, T1 - Sexta Turma, REsp 1580638/RS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 22/08/2017, Dje 31/08/2017) (grifei).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. DESCLASSIFICAÇÃO. ESTELIONATO MAJORADO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DOMINANTE.
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra o Sistema Financeiro Nacional - ex vi art. 26 da Lei 7.492/1986 e art. 109, VI, da Constituição. Precedente da 3ª Seção.
2. A pretensão do recorrente voltada à desclassificação de sua conduta para a figura típica do art. 171, § 3º, do CP, é obstada pelo óbice da Súmula 7/STJ, que veda o reexame aprofundado de aspectos fático-probatórios em sede de recurso especial.
3. A jurisprudência desta Corte Superior não admite a incidência do princípio da insignificância como causa supralegal de exclusão da tipicidade de conduta enquadrada como crime contra o Sistema Financeiro Nacional. Precedentes.
4. O agravante não trouxe elementos suficientes para infirmar a decisão agravada, que, de fato, apresentou a solução que melhor espelha a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça
sobre a matéria.
5. Agravo regimental improvido."
(STJ, T5 - Quinta Turma, AgRg no AREsp 830806/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 10/05/2016, Dje 16/05/2016) (grifei).
Esta Décima Primeira Turma igualmente tem entendido que:
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ARTIGO 19 DA LEI 7.492/86. CRIME FORMAL. INAPLICABILIDADE PRINCÍPIO DA INSGNIFICANCIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INOCORRÊNCIA DE HIPÓTESE. SENTENÇA REFORMADA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA RATIFICADO. APELO PROVIDO.
1. O delito de obter empréstimo em instituição financeira utilizando-se de meio ou expediente fraudulento configura crime formal, que independe de prejuízo ou lesão efetiva à vítima direta para sua configuração, bastando que se perfaça o nexo entre o texto abstrato do tipo e a circunstância concreta apurada em um processo criminal. Precedente do C. STJ. Doutrina.
2. O tipo contido no art. 19 da Lei 7.492/86 tutela na esfera penal não somente a solidez do sistema financeiro, mas também sua credibilidade e suas condições de operação, que são afetadas por tentativas ou operações como as descritas na denúncia de fls. 107/108. Não se protegem, pois, apenas os recursos do sistema financeiro como um todo, ou da instituição financeira especificamente vitimada pelo delito concreto, mas a higidez do sistema em sentido amplo, que pode ser traduzida como todas as condições de credibilidade e proteção não apenas das instituições financeiras, mas, principalmente, de todo o sistema econômico que as utiliza, em especial os pequenos clientes e consumidores que são indiretamente afetados pelos crimes contra o sistema financeiro, por terem que arcar (mediante pagamento das "taxas bancárias" e demais cobranças para fundos efetivadas para fins de cobertura das fraudes que alguns perpetram), ao fim e ao cabo, com os custos gerados às próprias instituições financeiras por fraudes de toda espécie. Esse fenômeno constitui verdadeira translação econômica dos impactos de práticas delitivas contra o sistema financeiro, e deve ser avaliado como consequência dos crimes praticados contra este.
3. Trata-se, em suma, de delito pluriofensivo, instituído em defesa de diversos bens jurídicos, e que, nesses termos, independe de uma mensuração exata e concreta de lesão para sua configuração, mormente se tal mensuração de potenciais ou efetivos prejuízos for feita tomando por base apenas o poderio econômico de uma instituição do porte da suposta vítima direta da prática apurada nestes autos (o Banco Itaú S.A.).
4. O valor exato do financiamento não possui relação com a configuração concreta do tipo penal constante do art. 19 da Lei 7.492/86. O elemento essencial é que se obtenha financiamento de qualquer valor, utilizando-se, para tanto, de expediente fraudulento apto a, ao menos de início, conseguir operar o resultado (ainda que a ação eficiente dos mecanismos de controle da própria instituição ou do aparato estatal impeça a consumação final do delito, ou ainda, seu exaurimento). Tal fato constitui, por si, o delito, afetando os bens jurídicos afetados pelo enunciado normativo em comento.
5. O princípio da insignificância não poderia ser aplicado à espécie, ainda que se entenda que o tipo constante do art. 19 da Lei 7.492/86 constitui crime material (de resultado). A significância da lesão (nos termos do que descreveu a preambular acusatória) é clara, e, embora não pudesse causar abalo grave no patrimônio da vítima (banco de grande porte), afeta tanto os seus recursos (ainda que em pequena escala) quanto, e em maior medida, a credibilidade do sistema financeiro e da própria eficácia social das normas penais, no seu aspecto preventivo geral, ou seja, do próprio sentimento social generalizado de ausência de efetividade da norma que pune condutas consideradas pelo ordenamento como penalmente ilícitas.
6. Inocorrentes in concreto as hipóteses para absolvição sumária, deve o recebimento da denúncia ser ratificado, com o regular seguimento do feito no juízo de origem.
7. Apelo ministerial provido.
(TRF3, ACR n.º 0001997-58.2012.4.03.6117/SP, Décima Primeira Turma, Relator Desembargador Federal José Lunardelli, D.E 16.12.2015) (grifei).
Assim, o valor do prejuízo causado com o financiamento obtido mediante fraude (artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986) não deve ser tomado para fins de aplicação do postulado em comento, ainda que de pequena monta, porquanto, como visto o crime macula bem jurídico consistente na higidez do Sistema Financeiro Nacional (dano imaterial).
Vale consignar que o Supremo Tribunal Federal adota critérios para a aplicação do princípio da insignificância, que devem incidir cumulativamente: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Como se vê, o Pretório Excelso reconhece o preceito em alguns casos, entretanto, requer a existência cumulativa das quatro condições essenciais a orientar a irrelevância da tipicidade penal. Logo, a jurisprudência de nossa Corte maior determina a aplicação do princípio de forma criteriosa e realizada caso a caso (STF, 1ª Turma, RHC 144675/MS, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe 28.09.2017).
A nossa corte Maior também já dispôs que o princípio da insignificância não haveria de ter como parâmetro tão só o valor do bem, devendo ser analisadas as circunstâncias do fato e o reflexo da conduta do agente no âmbito da sociedade, para decidir sobre seu efetivo enquadramento na hipótese do crime de bagatela (HC n.º 108.512/BA, rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 04.10.2011 - Informativo 643).
A par de tais considerações, mesmo que se tome o suposto valor do financiamento de R$ 7.590,00, embora não tenha o condão de afetar o patrimônio da instituição financeira, ainda remanesce a significância da lesão, porquanto como mencionado alhures, é a credibilidade do Sistema Financeiro Nacional que é o objeto da proteção penal. Também não se pode deixar de considerar que a conduta atinge consumidores de forma mediata já que afetados pelo crime financeiro diante do aumento do custo dos financiamentos dado a inadimplência, não atendendo, portanto, a todos os requisitos adotados pelo Pretório Excelso como necessários à aplicação do princípio da insignificância.
Por tais razões, impossível afastar a tipicidade da conduta apurada nesta relação processual, razão pela qual deve ser provido o pleito ministerial para que se seja afastada a aplicação do princípio da insignificância.
Dispositivo.
Ante o exposto, de ofício, voto por anular a sentença e declinar da competência, encaminhando o feito à Justiça Estadual de Itapeva/SP, tudo nos termos do parágrafo 2º do artigo 383 e primeira parte do artigo 70, ambos do Código de Processo Penal. Acaso vencido nesse ponto, ou seja, na hipótese de ser considerado que os fatos se amoldam ao disposto no artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986, voto por dar provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal, para fins de afastar a aplicação do princípio da insignificância e determinar o retorno dos autos à Vara de Origem para prosseguimento do feito. (destaques originais) (fls. 203/210).

O E. Desembargador Federal José Lunardelli proferiu voto-vista, pelo qual acompanhou a divergência parcial inaugurada pelo E. Juíz Federal Convocado Alessandro Diaféria, rejeitando a preliminar suscitada pelo Relator, e no mérito, o acompanhou para reformar a sentença de absolvição sumária e determinou a baixa dos autos à origem, para o regular seguimento do feito:


Registro, de início, que o relatório pertinente à ação penal em exame consta das fls. 196/197, e a ele me reporto para fins descritivos. Pedi vista dos autos para melhor refletir a respeito de algumas das questões aqui veiculadas - em especial, no que tange à tipificação dos fatos, tendo em vista os relevantes fundamentos trazidos no voto do e. Des. Fed. Fausto De Sanctis.
Após refletir detidamente a respeito dos fatos e do plexo normativo pertinente à matéria, peço vênia a Sua Excelência para divergir quanto à matéria preliminar, pelas razões que passo a expor.
Anoto, por primeiro, que o crime de obter financiamento em instituição financeira utilizando-se de meio ou expediente fraudulento configura crime formal, que independe de resultado naturalístico para sua configuração, bastando que se perfaça o nexo entre o texto abstrato do tipo e a circunstância concreta apurada em um processo criminal. Tal fato constitui uma grande diferença entre este tipo específico e o estelionato genérico (Código Penal, art. 171), em cuja dicção consta expressamente a previsão de efetivo prejuízo da vítima para configuração do nexo típico. No mesmo sentido quanto à classificação do crime previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, trago precedente do C. STJ:
RECURSO ESPECIAL. FRAUDE NA OBTENÇÃO DE RECURSOS FINANCEIROS EM CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, NA MODALIDADE LEASING FINANCEIRO. FATO QUE SE ENQUADRA NO TIPO PENAL DO ARTIGO 19 DA LEI 7.492/86. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO QUANTO À QUESTÃO SUBSIDIÁRIA SUSCITADA NO RECURSO ESPECIAL: SÚMULA/STF Nº 282. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, EM PARTE, E NESSA PARTE, NÃO PROVIDO. 1. No presente recurso especial, os recorrentes alegam, inicialmente, que o contrato de arrendamento mercantil, na modalidade leasing financeiro, não se identifica com o contrato de financiamento propriamente dito, e, portanto, ainda que efetivado mediante fraude, não configura o delito previsto no artigo 19 da Lei 7.492/86, o que seria imprescindível para atrair a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito (artigo 109, inciso VI, da Constituição da República, combinado com o artigo 26 da Lei 7.492/86). 2. Não se nega que, realmente, a operação de arrendamento mercantil, na modalidade leasing financeiro, constitui um negócio autônomo, com características próprias que o diferenciam do financiamento propriamente: basta ver que, no financiamento, o objeto financiado passa a ser, desde logo, do mutuário, o que não ocorre com o leasing. 3. Ocorre que o fato de o leasing financeiro não constituir financiamento não afasta, por si só, a configuração do delito previsto no artigo 19 da Lei 7.492/86: embora não seja um financiamento, este constitui o núcleo ou elemento preponderante dessa modalidade de arrendamento mercantil (v.g., RE 547.245, Relator Ministro EROS GRAU, julgado em 02/12/2009, DJe 04/03/2010). Logo, ao se fazer um leasing financeiro, se obtém, invariavelmente, um financiamento, e o tipo penal em análise - artigo 19 da Lei 7.492/86 - se refere, exatamente, à obtenção de financiamento mediante fraude, sem exigir que isto ocorra num contrato de financiamento propriamente dito. 4. Quanto à tese subsidiária suscitada pelos recorrentes, no sentido de que as condutas a eles imputadas, de qualquer modo, não configurariam o delito do artigo 19 da Lei 7.492/86, já que "o leasing obtido pelos acusados foi deferido pelo Banco Santander Noroeste Leasing Arrendamento Mercantil S/A", e, "portanto, sem recursos do estado ou com recursos por ele administrados", o que, segundo defendem, seria imprescindível para a configuração do delito em questão (fls. 620), o recurso não pode se conhecido, tendo em vista a ausência, nessa parte, do indispensável prequestionamento (Súmula/STF nº 282). 5. Ressalte-se, ademais, que, ainda que ultrapassado este óbice, o recurso, no ponto, seria igualmente inviável: para a configuração do delito, basta a obtenção, mediante fraude, de financiamento "em instituição financeira", e a própria Lei 7.492/86, em seu artigo 1º, define o que, para os seus efeitos, deve se considerar instituição financeira, definição que não leva em consideração se há, ou não, a utilização de recursos advindos do Estado ou por este administrados, e que, além disso, abrange perfeitamente a instituição financeira com a qual, na espécie, os recorrentes teriam firmado o negócio jurídico. A única diferenciação que se faz é que, em tese, se o crime for praticado em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento, incide, ainda, a causa de aumento da pena prevista no parágrafo único do artigo 19 da Lei 7.492/86. Cuida-se, por outro lado, de delito formal, que tem como como sujeito passivo principal o Estado e não a instituição financeira eventualmente lesada, até porque a norma penal objetiva assegurar, em última análise, a própria credibilidade do mercado financeiro e a proteção do investidor, o que não se cumpriria a contento, acaso o seu âmbito de incidência não abarcasse todas as instituições financeiras, quer se utilizem, ou não, de recursos advindos ou administrados pelo Estado. 6. Recurso especial conhecido, em parte, e, nessa parte, não provido. (RESP 200401693680, REL. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:02/08/2010 ..DTPB:.)
Ainda nessa linha, Guilherme de Souza Nucci preleciona ser o referido delito de natureza formal, porquanto "não depende da ocorrência de efetivo prejuízo para a instituição ou para o mercado financeiro" (Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 662). Cezar Roberto Bitencourt e Juliano Breda, conquanto classifiquem tal delito como material (em virtude da efetivação de fraude para a configuração concreta do delito), também asseveram que o crime previsto no art. 19 da Lei 7.492/86 resta configurado sem que haja necessidade de prejuízo efetivo da instituição financeira (cf. Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional & Contra o Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, pp. 227-229). A desnecessidade de comprovação de efetivo prejuízo para a instituição financeira que concede o financiamento (ou quase concede, mas por seus mecanismos de controle ou por ação externa consegue impedir a tempo a consumação do delito) decorre do próprio texto normativo do art. 19 da Lei 7.492/86, o qual claramente não exige a ocorrência de resultado naturalístico consistente em prejuízo da vítima direta (a instituição financeira). Cito a dicção do tipo:
Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento.
O dispositivo em exame tutela na esfera penal não somente a solidez do sistema financeiro, mas também sua credibilidade e suas condições de operação, que são afetadas por tentativas ou operações como as descritas na denúncia que inaugura os presentes autos. Não se protegem, pois, apenas os recursos do sistema financeiro como um todo, ou da instituição financeira especificamente vitimada pelo delito concreto, mas a higidez do sistema em sentido amplo, que pode ser traduzida como todas as condições de credibilidade e proteção não apenas das instituições financeiras, mas, principalmente, de todo o sistema econômico que as utiliza, em especial os pequenos clientes e consumidores que são indiretamente afetados pelos crimes contra o sistema financeiro, por terem que arcar (mediante pagamento das "taxas bancárias" e demais cobranças para fundos efetivadas para fins de cobertura das fraudes que alguns perpetram), ao fim e ao cabo, com os custos gerados às próprias instituições financeiras por fraudes de toda espécie. Esse fenômeno constitui verdadeira translação econômica dos impactos de práticas delitivas contra o sistema financeiro, e deve ser avaliado como consequência dos crimes praticados contra este.
Trata-se, em suma, de delito pluriofensivo, instituído em defesa de diversos bens jurídicos, e que independe, nesses termos, de lesão para sua configuração, mormente se a mensuração de potenciais ou efetivos prejuízos for feita tomando por base apenas o poderio econômico da instituição lesada ou a capacidade de lesar materialmente o sistema financeiro como um todo.
Interpretação outra, além de escapar aos limites semânticos de disposição legal que não possui em si qualquer vício de inconstitucionalidade, faria puníveis pela Lei 7.492/86 apenas crimes de grande escala. No caso do artigo 19 da Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, qual seria o montante suficiente do financiamento para abalar a solidez do sistema como um todo (ou, se se quiser, de uma instituição de maior porte)? A própria história recente de problemas de ordem bilionária em instituições financeiras (inclusive levando algumas à bancarrota) mostra que estes não afetaram o sistema como um todo, se isso for entendido como sinônimo de risco real de quebra das grandes instituições, corrida de saques ou queda desabalada nas ações comercializadas por bancos em bolsas de valores.
Poder-se-ia, então, dizer que fraudes da ordem dos milhões de reais não configuram sob o prisma material condutas típicas para fins de aplicação da Lei 7.492/86? Considero não ser tal interpretação a mais consentânea seja com a referida Lei, seja com o ordenamento em seu todo, e a consequente vinculação dos órgãos jurisdicionais aos comandos (válidos) que emanam das normas superiores do sistema.
Pelo que expus até aqui, concluo que o valor exato do empréstimo não possui relação com a configuração concreta do tipo penal constante do art. 19 da Lei 7.492/86. O elemento essencial é que se obtenha financiamento de qualquer valor em instituição financeira, utilizando-se, para tanto, de expediente fraudulento apto a, ao menos de início, conseguir operar o resultado (ainda que a ação eficiente dos mecanismos de controle da própria instituição ou do aparato estatal impeça a consumação final do delito, ou ainda, seu exaurimento). Tal fato constitui, por si, o delito, afetando os bens jurídicos afetados pelo enunciado normativo em comento.
Em síntese: havendo operação de financiamento, ou seja, concessão, por instituição financeira, de mútuo com destinação específica, tem-se conduta amoldada ao tipo especial constante do art. 19 da Lei 7.492/86, independentemente do valor exato da operação, ou de este não ser capaz de colocar em risco o sistema financeiro ou uma instituição que seja componente desse mesmo sistema.
Quanto à tipificação de fatos como os narrados no feito, cito precedentes do C. STJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. INQUÉRITO POLICIAL. CONTRATAÇÃO DE FINANCIAMENTO DE CRÉDITO DIRETO AO CONSUMIDOR (CDC) JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, MEDIANTE O USO DE DOCUMENTO FALSO, COM A FINALIDADE DE ADQUIRIR VEÍCULO. ART. 19 DA LEI 7.492/86 (CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL) X ESTELIONATO. DISTINÇÃO ENTRE A CARACTERIZAÇÃO DE EMPRÉSTIMO E DO FINANCIAMENTO VINCULADA À DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DOS RECURSOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL QUANDO A CONDUTA ENVOLVER FINANCIAMENTO. 1. O crime do art. 19 da Lei n. 7.492/1986 ficará caracterizado quando envolver financiamento, "e só há 'financiamento' quando os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica, não se confundindo, assim, com mútuo obtido a título pessoal, conduta que caracteriza o crime de estelionato" (CC 122.257/SP, Rel. Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (Desembargadora Convocada do TJ/PE), Terceira Seção, DJE de 12/12/2012). 2. Se a fraude é praticada para a obtenção de qualquer tipo de empréstimo cujos valores não tenham destinação específica, a conduta caracteriza o delito de estelionato, de competência da Justiça Estadual. Contudo, se a fraude tem em vista o objetivo específico de ter acesso a financiamento, está-se diante de crime contra o Sistema Financeiro Nacional (CC 140.386/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2015, DJe 20/08/2015). 3. Contratado o mútuo perante instituição financeira privada, com a destinação específica de aquisição de automóvel, valendo-se de documento falso, enquadra-se a operação no conceito de "financiamento" e a conduta investigada melhor se amolda ao tipo penal previsto no art. 19 da Lei n. 7.492/86 (Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira), cujo processamento e julgamento é da competência da Justiça Federal, nos termos do art. 26 da Lei n. 7.492/1986. Precedentes desta Corte: CC 151.188/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2017, DJe 23/06/2017 e AgRg no REsp 1427122/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 21/10/2016. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGRCC 201800000558, REL. MIN. REYNALDO SOARES DA FONSECA - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:27/03/2018. Grifei.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. COMPETÊNCIA. COMPRA DE VEÍCULO POR MEIO DE CONTRATOS BANCÁRIOS FRAUDADOS. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, AINDA QUE A OPERAÇÃO TENHA SIDO REALIZADA PERANTE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PRIVADA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DESNECESSÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE PREVISTO NA SÚMULA 7/STJ. SÚMULA 126/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - A jurisprudência desta eg. Corte firmou-se no sentido de que, tratando-se de financiamento obtido em instituição financeira, mediante fraude, com finalidade específica, fica caracterizado o crime contra o Sistema Financeiro Nacional, a atrair a competência da Justiça Federal para processo e julgamento do feito. Precedentes. II - A jurisprudência desta Corte Superior não reputa descaracterizado o financiamento, nem, por conseguinte, a competência da Justiça Federal, apenas em virtude de a operação ter sido realizada perante instituições financeiras privadas. III - A análise da quaestio, in casu, não perpassa pelo exame do conjunto probatório, pois delineados todos os aspectos fáticos da conduta praticada pelos recorrentes, ensejando, destarte, tão-somente, a definição da correta adequação típica dessa conduta, pelo que não incide a Súmula 7/STJ. IV - Também não merece acolhida a tese de incidência da Súmula 126/STJ ao presente caso. Com efeito, o fundamento constitucional do v. acórdão vergastado não basta para a manutenção do decisum colegiado. Agravo regimental desprovido. (AGRESP 201304172264, REL. MIN. FELIX FISCHER - QUINTA TURMA, DJE DATA:21/10/2016 ..DTPB:.)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO EM NOME DE TERCEIRO. INADIMPLEMENTO TOTAL DAS PARCELAS DO FINANCIAMENTO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE CONFIGURAÇÃO DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A competência para processar e julgar a conduta de obtenção fraudulenta de empréstimo bancário é definida em razão da espécie da operação pretendida ou realizada: se o mútuo é concedido para que o dinheiro seja empregado em uma finalidade específica, compete à Justiça Federal processar e julgar o delito, enquadrado no tipo penal do artigo 19 da Lei nº 7.492/86; caso contrário, está-se diante de estelionato. 2. No caso dos autos, a conduta investigada consistiu na obtenção de financiamento, mediante uso de documentos falsos em nome de terceira pessoa, para uma finalidade específica, qual seja, a aquisição de uma motocicleta. 3. É irrelevante, para a definição da competência jurisdicional, que, desde o início, o agente não pretendesse pagar as parcelas do financiamento, desde que tivesse a intenção de celebrar o contrato fraudulento. Todo financiamento é meio de obtenção de dinheiro para emprego em um investimento específico previamente acordado. 4. Caracterização de crime contra o sistema financeiro nacional. 5. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 14ª VARA FEDERAL DE CURITIBA/PR, ora suscitante. (CC 201501108477, REL. MIN. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:20/08/2015 ..DTPB:.)
No mesmo sentido, julgado desta E. Corte, de minha relatoria:
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ARTIGO 19 DA LEI 7.492/86. CRIME FORMAL. INAPLICABILIDADE PRINCÍPIO DA INSGNIFICANCIA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INOCORRÊNCIA DE HIPÓTESE. SENTENÇA REFORMADA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA RATIFICADO. APELO PROVIDO. 1. O delito de obter empréstimo em instituição financeira utilizando-se de meio ou expediente fraudulento configura crime formal, que independe de prejuízo ou lesão efetiva à vítima direta para sua configuração, bastando que se perfaça o nexo entre o texto abstrato do tipo e a circunstância concreta apurada em um processo criminal. Precedente do C. STJ. Doutrina. 2. O tipo contido no art. 19 da Lei 7.492/86 tutela na esfera penal não somente a solidez do sistema financeiro, mas também sua credibilidade e suas condições de operação, que são afetadas por tentativas ou operações como as descritas na denúncia de fls. 107/108. Não se protegem, pois, apenas os recursos do sistema financeiro como um todo, ou da instituição financeira especificamente vitimada pelo delito concreto, mas a higidez do sistema em sentido amplo, que pode ser traduzida como todas as condições de credibilidade e proteção não apenas das instituições financeiras, mas, principalmente, de todo o sistema econômico que as utiliza, em especial os pequenos clientes e consumidores que são indiretamente afetados pelos crimes contra o sistema financeiro, por terem que arcar (mediante pagamento das "taxas bancárias" e demais cobranças para fundos efetivadas para fins de cobertura das fraudes que alguns perpetram), ao fim e ao cabo, com os custos gerados às próprias instituições financeiras por fraudes de toda espécie. Esse fenômeno constitui verdadeira translação econômica dos impactos de práticas delitivas contra o sistema financeiro, e deve ser avaliado como consequência dos crimes praticados contra este. 3. Trata-se, em suma, de delito pluriofensivo, instituído em defesa de diversos bens jurídicos, e que, nesses termos, independe de uma mensuração exata e concreta de lesão para sua configuração, mormente se tal mensuração de potenciais ou efetivos prejuízos for feita tomando por base apenas o poderio econômico de uma instituição do porte da suposta vítima direta da prática apurada nestes autos (o Banco Itaú S.A.). 4. O valor exato do financiamento não possui relação com a configuração concreta do tipo penal constante do art. 19 da Lei 7.492/86. O elemento essencial é que se obtenha financiamento de qualquer valor, utilizando-se, para tanto, de expediente fraudulento apto a, ao menos de início, conseguir operar o resultado (ainda que a ação eficiente dos mecanismos de controle da própria instituição ou do aparato estatal impeça a consumação final do delito, ou ainda, seu exaurimento). Tal fato constitui, por si, o delito, afetando os bens jurídicos afetados pelo enunciado normativo em comento. 5. O princípio da insignificância não poderia ser aplicado à espécie, ainda que se entenda que o tipo constante do art. 19 da Lei 7.492/86 constitui crime material (de resultado). A significância da lesão (nos termos do que descreveu a preambular acusatória) é clara, e, embora não pudesse causar abalo grave no patrimônio da vítima (banco de grande porte), afeta tanto os seus recursos (ainda que em pequena escala) quanto, e em maior medida, a credibilidade do sistema financeiro e da própria eficácia social das normas penais, no seu aspecto preventivo geral, ou seja, do próprio sentimento social generalizado de ausência de efetividade da norma que pune condutas consideradas pelo ordenamento como penalmente ilícitas. 6. Inocorrentes in concreto as hipóteses para absolvição sumária, deve o recebimento da denúncia ser ratificado, com o regular seguimento do feito no juízo de origem. 7. Apelo ministerial provido. (Ap. 00019975820124036117, REL. DES. FED. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/12/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Trata-se de opção especialmente protetiva e severa adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro por meio da disposição penal em comento. Não sendo esta inconstitucional, deve ela ser aplicada, a meu sentir, em seus exatos termos. Portanto, entendo se tratar de caso de competência da Justiça Federal, devendo ser mantida a tipificação contida na denúncia.
Ultrapassada a questão preliminar suscitada pelo e. Relator, acompanho Sua Excelência no mérito, reformando a sentença de fls. 159/160 e determinando a baixa dos autos à origem, para regular seguimento do feito, afastando-se a aplicação do princípio da insignificância no caso dos autos, pelos fundamentos expostos no voto do Relator.
Ante o exposto, peço vênia ao e. Des. Fed. Fausto De Sanctis para acompanhar a divergência parcial inaugurada pelo e. Juiz Federal Convocado Alessandro Diaféria, rejeitando a preliminar suscitada pelo Relator, e, no mérito, acompanho Sua Excelência, para reformar a sentença de absolvição sumária e determinar a baixa dos autos à origem, com regular seguimento do feito. (fls. 315/319)

A divergência se refere a tipificação dos fatos.

Financiamento. Fraude. Veículo automotor. A obtenção de financiamento mediante fraude perante instituição financeira para a aquisição de veículo automotor tipifica o delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86, ensejando a competência da Justiça Federal:


CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSO PENAL. CONDUTA EM APURAÇÃO: OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO, MEDIANTE FRAUDE, PERANTE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TIPO PREVISTO NO ART. 19 DA LEI 7.492/86. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Nos termos do art. 109, VI, da CF, os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira são da competência da Justiça Federal nos casos determinados em lei. O art. 26 da Lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, dispõe que a ação penal, nesses casos, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.
2. O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar esse dispositivo, fixou o entendimento de que o crime do art. 19 da Lei 7.492/86 será da competência da Justiça federal quando os recursos obtidos mediante fraude perante instituição financeira possuírem destinação específica.
3. In casu, a conduta em apuração diz respeito à concessão de fraudulenta de financiamentos por instituição financeira com finalidade definida (aquisição de veículo automotor), o que se subsume, em tese, ao tipo previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos do art. 26 daquele normativo.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do juízo suscitado (...).
(Superior Tribunal de Justiça, CC n. 151188, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 14.06.17)
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. COMPRA DE VEÍCULO POR MEIO DE FINANCIAMENTO. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DA 14ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARANÁ.
1. Caracteriza-se o crime do art. 19 da Lei n. 7.492/1986 nos casos em que os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica. Nesse contexto, a competência é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, c/c o art. 26 da Lei n. 7.492/1986.
2. Conheço do conflito para reconhecer a competência do Juízo Federal da 14ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Paraná, o suscitante.
(STJ, CC n. 140381, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 24.06.15)
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. JUSTIÇA ESTADUAL X JUSTIÇA FEDERAL. COMPRA DE VEÍCULO. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CONFIGURAÇÃO DE FINANCIAMENTO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. PRECEDENTES. 2. DÚVIDAS QUANTO À EFETIVA UTILIZAÇÃO DE FRAUDE. NECESSIDADE DE MAIORES INVESTIGAÇÕES. COMPETÊNCIA DEFINIDA DE FORMA APRIORÍSTICA. 3. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DA 4ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS/MG.
1. A jurisprudência do STJ firmou entendimento no sentido de que, a depender espécie da operação realizada, pode ou não configurar-se o crime contra o sistema financeiro. Dessa forma, caracteriza-se o crime do art. 19 da Lei n. 7.492/1986 "quando os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica, não se confundindo, assim, com mútuo obtido a título pessoal, conduta que caracteriza o crime de estelionato". (CC 122.257/SP). No caso, verifica-se que houve a obtenção de financiamento, haja vista ter ficado estabelecida destinação específica para o dinheiro - aquisição de uma moto.
2. A definição da competência em casos como o que se apresenta, em que ainda não se iniciou a instrução probatória, deve ser firmada de forma apriorística. Dessa forma, definida a espécie da operação realizada - financiamento - e diante do contexto apresentado até o momento, o qual se subsume, em tese, ao delito do art. 19 da Lei n.
7.492/1986, deve se dar prevalência à investigação pela Justiça Federal, nos termos do art. 26 da Lei n. 7.492/1986. Após a instrução processual, acaso não fique caracterizada a obtenção fraudulenta do financiamento, não há óbice ao declínio da competência para o Juízo competente para analisar o ilícito residual.
3. Conheço do conflito para reconhecer a competência do Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais/MG, o suscitante.
(STJ, CC n. 130795, Rel. Des. Conv. Walter de Almeida Guilherme, j 22.1014)
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. COMPRA DE VEÍCULO POR MEIO DE FINANCIAMENTO. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986.
1. A competência para processar e julgar a conduta de obtenção fraudulenta de empréstimo bancário é definida em razão da espécie da operação pretendida ou realizada.
2. Assim, se o mútuo é concedido para uma finalidade específica, compete à Justiça Federal processar e julgar o delito, enquadrado no tipo penal do artigo 19 da Lei nº 7.492/86; caso contrário, está-se diante de estelionato.
3. In casu a conduta investigada consistiu na obtenção de financiamento em nome de terceira pessoa, para a aquisição de um automóvel, caracterização de crime contra o sistema financeiro nacional.
4. Conflito conhecido e provido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande/MS, o suscitado, para a condução do feito de origem, inquérito policial nº 0007471-65.2015.403.6000.
(TRF da 3ª Região, 4ª Seção, CC n. 00125972020164030000, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 18.08.16)
PENAL. PROCESSO PENAL. DELITO DO ART. 19, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 7.492/86. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. TIPICIDADE.
1. Wanderson Silva Pinho foi denunciado pela prática do delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86 porque, em 01.06.07, obteve, mediante fraude, financiamento na agência do Banco Finasa S.A., no valor de R$ 5.778,00 (cinco mil, setecentos e setenta e oito reais), com a finalidade de adquirir a motocicleta Yamaha YBR 125K, placa DYL - 5033, Cajati (SP), consistindo a fraude na apresentação de comprovante de renda falso.
2. Depreende-se dos autos que o réu efetivamente apresentou comprovante de renda que sabia ser falso, com registro de renda mensal superior à auferida, para contratação de financiamento destinado à aquisição da motocicleta Yamaha YBR 125K, placa DYL - 5033, Cajati (SP), que logrou obter, no valor de R$ 5.778,00 (cinco mil, setecentos e setenta e oito reais) em 36 (trinta e seis) parcelas de R$ 266,68 (duzentos e sessenta e seis reais e sessenta e oito centavos), totalizando o prejuízo de R$ 9.600,48 (nove mil e seiscentos reais e quarenta e oito centavos) à instituição financeira.
3. A despeito de não se exigir que o agente aufira proveito econômico para a consumação do delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86, consta dos autos que o financiamento foi concedido e a motocicleta foi adquirida pelo acusado (cfr. cópia de certificado de registro de veículo, fl. 12).
4. É insubsistente a fundamentação da sentença quanto à utilização, pelo acusado, de recurso inábil a iludir a instituição financeira, que não teria tomado as cautelas necessárias à concessão de financiamento de veículo, o que importaria numa inversão, responsabilizando-se a vítima pela consumação do delito. Nesse sentido, a Procuradoria Regional da República manifestou que o comportamento da vítima não há de ser sopesado como fator excludente da tipicidade, sendo possível sua consideração como circunstância judicial favorável ao agente para abrandamento da pena-base (fls. 485v./486).
5. Provido o recurso de apelação do Ministério Público Federal.
(TRF da 3ª Região, 5ª Turma, ACr n. 00033438020114036181, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 11.04.16)
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ARTIGO 19 DA LEI 7.492/86. CRIME FORMAL. COMPRA DE VEÍCULO MEDIANTE FRAUDE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AFASTADA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.
1. Os contratos acostados às fls. 100/114, contrariamente ao afirmado pelo Juízo a quo, se enquadram no conceito de financiamento, dado pelo próprio Banco Central do Brasil (BACEN): "Assim como o empréstimo bancário, o financiamento também é um contrato entre o cliente e a instituição financeira, mas com destinação específica dos recurso tomados, como, por exemplo, a aquisição de veículo ou de bem imóvel. Geralmente o financiamento possui algum tipo de garantia, como, por exemplo, alienação fiduciária ou hipoteca." (http://bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/servicos9.asp#2)
2. O crime de obter financiamento em instituição financeira utilizando-se de meio ou expediente fraudulento configura crime formal, que independe de resultado naturalístico para sua configuração, bastando que se perfaça o nexo entre o texto abstrato do tipo e a circunstância concreta apurada em um processo criminal. Tal fato constitui uma grande diferença entre este tipo específico e o estelionato genérico (Código Penal, art. 171), em cuja dicção consta expressamente a previsão de efetivo prejuízo da vítima para configuração do nexo típico. Trata-se, em suma, de delito pluriofensivo, instituído em defesa de diversos bens jurídicos, e que, nesses termos, independe de uma mensuração exata e concreta de lesão para sua configuração.
3. A desnecessidade de comprovação de efetivo prejuízo para a instituição financeira que concede o financiamento decorre do próprio texto normativo do art. 19 da Lei 7.492/86, o qual claramente não exige a ocorrência de resultado naturalístico consistente em prejuízo da vítima direta (a instituição financeira).
4. Nesse contexto, a suposta fraude realizada para conseguir financiamento de veículo por meio de alienação fiduciária, enquadra-se perfeitamente ao delito previsto no art. 19 da lei nº 7492/86. Precedente do STJ.
5. Não obstante o fato narrado na denúncia seja típico, ou seja, em tese subsume-se ao art. 19 da Lei n.º 7.492/86, a absolvição do apelado deve ser mantida, entretanto, por insuficiência de provas para sua condenação.
6. Verifica-se que, diferentemente do narrado na denúncia, o apelado não se valeu de número de CPF necessariamente falso para obter o financiamento do veículo, junto à instituição financeira Bradesco, pois o número de CPF utilizado, qual seja, n.º 046.268.641-80, está cadastrado em nome do apelado na Receita Federal, em situação regular.
7. O que ocorre, no caso dos autos, é que o apelado possui uma multiplicidade de números de CPF registrados na própria Receita Federal, conforme informado no Ofício nº 1636/2011 - IPL 0262/2011-4-DPF/PCA/SP.
8. Ademais, além dos elementos de prova produzidos na fase investigativa, não foi produzida qualquer prova em sede judicial, sob o crivo do contraditório. Na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal nada requereu. Também não foi arrolada qualquer testemunha judicial pela acusação.
9. Conforme dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas."
10. Recurso ministerial desprovido. Absolvição mantida.
(TRF da 3ª Região, 11ª Turma, ACr n. 00119825320124036181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 25.04.17)

Do caso dos autos. Afirma a defesa a incompetência da Justiça Federal para o processamento do feito, ao argumento de que se trata de houve empréstimo ente pessoas de direito privado, sem lesão ao Sistema Financeiro Nacional, bem jurídico tutelado pelo art. 19 da Lei n. 7.492/86.

A preliminar não merece prosperar.

A ré celebrou, junto ao Banco Panamericano S/A, contrato de financiamento ao consumidor no valor de R$ 7.590,00 (sete mil, quinhentos e noventa reais) para a aquisição de veículo automotor (cf. Proposta de Crédito n. 10771580 de fl. 9, nota fiscal da motocicleta de fl. 10, pedido da motocicleta, fl. 11 e comprovante de entrega do veículo, fl. 12), fazendo-se passar por Ivani de Fátima Rocha sua irmã, agindo junto com o acusado. Portanto, não se trata de mútuo, mas de financiamento no qual foi estabelecida destinação específica para os recursos: aquisição de veículo automotor, a caracterizar o delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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