Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/06/2020
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000057-16.2017.4.03.6139/SP
2017.61.39.000057-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DANIELA GONCALVES DE MELO
ADVOGADO : SP080269 MAURO DA COSTA e outro(a)
RECORRIDO(A) : PAULO SERGIO HUSSNE CAVANI
ADVOGADO : SP253517 RODRIGO CARNEIRO MAIA BANDIERI e outro(a)
: SP398069B IGGOR DANTAS RAMOS
No. ORIG. : 00000571620174036139 1 Vr ITAPEVA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. DENÚNCIA. NÃO RECEBIMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO IMPROVIDO.
1. Narra a peça acusatória - fatos 03 e 04 - que em 07.07.2010 a denunciada recebeu indevidamente o valor referente ao FGTS e nos dias 19.08.2010, 23.09.2010 e 22.10.2010 recebeu três parcelas indevidas do seguro-desemprego.
2. No entanto, como bem consignado pelo Juízo "a quo", não há elementos de prova capazes de demonstrar que o recebimento dos referidos valores se dera em desconformidade com a lei permissiva do levantamento do FGTS e do seguro desemprego.
3. O fato de a acusada efetuar o levantamento do montante relativo ao FGTS e ao seguro-desemprego, quando legalmente autorizada para tanto e, tempos depois, voltar a trabalhar para o mesmo empregador, não configura o crime de estelionato qualificado.
4. Ademais, quanto ao tópico em comento, não restou demonstrado, de plano, que o réu, empregador, simulou a dispensa da denunciada, empregada, para possibilitar-lhe o recebimento indevido do seguro desemprego e do FGTS.
5. Não provimento do recurso ministerial.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 30 de setembro de 2019.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000057-16.2017.4.03.6139/SP
2017.61.39.000057-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DANIELA GONCALVES DE MELO
ADVOGADO : SP080269 MAURO DA COSTA e outro(a)
RECORRIDO(A) : PAULO SERGIO HUSSNE CAVANI
ADVOGADO : SP253517 RODRIGO CARNEIRO MAIA BANDIERI e outro(a)
: SP398069B IGGOR DANTAS RAMOS
No. ORIG. : 00000571620174036139 1 Vr ITAPEVA/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

Cuida-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão (fls.164/165), que rejeitou parcialmente a denúncia apresentada contra Daniela Gonçalves de Melo e Paulo Sérgio Hussne Cavane pela suposta prática do crime do art. 171, § 3º, do Código Penal quanto aos fatos 01, 02, 03 e 04, recebendo-a apenas quanto aos fatos 05 e 06 descritos na denúncia.

O Ministério Público Federal pugna o recebimento da denúncia em relação aos fatos 01, 02, 03 e 04. Aduz haver comprovação da materialidade e da autoria nos exatos termos da denúncia (fls. 169/178).

O voto do E. Relator é no sentido de dar provimento ao recurso. Dele ouso divergir. Vejamos.

Narra a denúncia que, "in verbis":

"1. DOS FATOS.
1.1. FATO 01.
No dia 10.04.2007, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento indevido de FGTS, no valor de R$ 2.538,28 (dois mil quinhentos e trinta e oito reais e vinte e oito centavos), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.2. FATO 02
Nos dias 14.09.2007, 10.10.2007, 13.11.2007 e 12.12.2007, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento de 04 (quatro) parcelas indevidas do Seguro-Desemprego, no valor de R$ 396,00 (trezentos e noventa e seis reais) cada, totalizando o montante de R$ 1.584,00 (mil quinhentos e oitenta e quatro reais) de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.3 FATO 03
No dia 07.07.10, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento indevido de FGTS, no valor de R$ 2.412,88 (dois mil quatrocentos e doze reais e oitenta e oito centavos), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.4 FATO 04
Nos dias 19.08.2010, 23.09.2010 e 22.10.2010, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento de 03 (três) parcelas indevidas do Seguro-Desemprego, no valor de R$ 517,32 (quinhentos e dezessete reais e trinta e dois centavos) cada, totalizando o montante de R$ 1.591,96 (mil quinhentos e noventa e um reais e noventa e seis centavos) de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.5 FATO 05
No dia 31.03.2015, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento indevido de FGTS, no valor de R$ 2.350,08 (dois mil trezentos e cinquenta reais e oito centavos), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.6 FATO 06.
No dia 02.09.2015, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento de 01 (uma) parcela indevida do Seguro-Desemprego, no valor de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
2. DA AUTORIA E MATERIALIDADE
A materialidade delitiva restou demonstrada por todos os elementos contidos no presente inquérito policial, notadamente, pelo relatório de inspeção (f. 05/Vº), Autos de Infração nº 20.787.967-2, 20.787.913-3 e 20.807.606-9 (f. 06, 07 e 08), termo de rescisão do contrato de trabalho (f. 41/Vº), CTPS de DANIELA GONÇALVES DE MELO (f. 98/108), ofício da CEF nº 103/2016 (f. 66/68) e extrato do CAGED, bem como extrato da conta de FGTS da denunciada (f. 133/135).
Compilamos a seguir os valores e os períodos dos contratos dos recebimentos das parcelas do seguro-desemprego por DANIELA GONÇALVES DE MELO (f. 66/68):
Período Contrato Qnt de Saques Valor do Saque Valor Total
01.11.2003 a 31.03.2007 04 R$ 396,00 R$ 1584,00
02.01.2008 a 30.06.2010 03 R$ 517,32 R$ 1591,96
03.01.2011 a 24.03.2015 01 R$ 788,00 R$ 788,00
TOTAL GERAL R$ 3.963,96
Além disso, DANIELA GONÇALVES DE MELO ainda levantou, indevidamente, saldo existente na conta vinculada ao FGTS (f. 133/135):
Período do Contrato Data do saque Valor Sacado
01.11.2003 a 31.03.2007 10.04.2007 R$ 2.538,28
02.01.2008 a 30.06.2010 07.07.2010 R$ 2.412,88
03.01.2011 a 24.03.2015 31.03.2015 R$ 2.350,08
TOTAL GERAL R$ 7.301.24
A autoria delitiva é igualmente certa e recai sobre os denunciados, uma vez que ambos firmaram diversos acordos ilegais, consistente na simulação de dispensa sem justa causa, para que DANIELA GONÇALVES DE MELO gozasse do seguro-desemprego e levantamento do FGTS, não obstante continuasse prestando serviços normalmente para a empresa de PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI.
Consta dos autos que em 09.09.2015, o Auditor Fiscal do Trabalho, por ocasião da fiscalização realizada na empresa Paulo Sérgio Hussne Cavani, constatou que DANIELA, embora formalmente demitida em 24.03.2015, sem justa causa pelo empregador, continuava informalmente laborando para este sem a devida anotação na CTPS, em razão de estar percebendo indevidamente as parcelas do seguro-desemprego (fl. 04v).
Importa realçar trecho do relatório de inspeção que evidencia o conluio entre DANIELA e o empregador (f. 05):
É de rigor destacar que, não obstante a afirmação de que não estava registrada porque retomara há dias e estava apenas "em experiência", a empregada foi flagrada laborando tal como fazia nos últimos 12 (doze) anos, elementos mais do que suficiente à infringência do trabalho em situação irregular. Isso porque, como se investigou no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, ela vinha trabalhando para o mesmo empregador desde 1º de novembro de 2003, a despeito de oportunas interrupções por demissão sem justa causa, sempre com saque do FGTS e gozo do Seguro-desemprego (v. cópias acostadas), o que demonstra a exaustão a contumácia da reprovável prática e o conclui entre empregado e empregador
Em solo policial, Márcia Glauser Moreira consignou à f. 89 que era locatária de uma sala na clínica Pró Saúde de propriedade de Paulo Sérgio Hussne Cavani, porém, ao contrário do alegado por Daniela e Paulo Sérgio, informou "QUE o levantamento das despesas e o registro das funcionárias sempre foi de responsabilidade do Dr. Paulo Sérgio Hussne Cavani".
Entretanto, após realizadas diversas diligências, restou demonstrado que os denunciados eram contumaz na empreitada criminosa, haja vista que, compulsando a CTPS de Daniela às f. 98/108, verifica-se que todas as vezes que ela era demitida, após o interregno do recebimento das parcelas do seguro-desemprego (f. 66/68), bem como, o do saldo disponível na conta vinculada do FGTS (f. 133/135), ela voltava a trabalhar para a empresa de Paulo Sérgio Hussne Cavani.
Paulo Roberto Warlet da Silva, em suas declarações à f. 113, manteve os exatos termos de seu relatório de f. 06 e 06/vº, sem prejuízo, asseverou ainda que a conduta de Daniela e Paulo Sérgio era contumaz, "sempre com demissões simuladas, seguidas de gozo do seguro-desemprego e imediata reintegração da empregada".
Perante a autoridade policial, DANIELA GONÇALVES DE MELO narrou que foi funcionária do condomínio de Paulo Sérgio Hussne Cavani por, pelo menos, doze anos, desempenhando a função de secretária. Acerca da dispensa contou que no mês de março de 2015 foi demitida e "deveria ter sido registrada pela Dra Márcia, o que não aconteceu"; Depois de dois ou três meses comentou com o Dr. Paulo Cavani que estava sem registro em sua carteira, ainda que por diversas vezes tivesse cobrado a Drª Márcia para que tomasse tal providência". Ante a inércia, deu entrada no seguro-desemprego. No entanto, posteriormente restitui os valores auferidos indevidamente (f. 28).
Por sua vez, PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI confirmou que DANIELA prestou-lhe serviços durante doze anos, tendo sido demitida no mês de março de 2015. Assevera que o registro de trabalho desta ficou a cargo da Drª Márcia fonoaudióloga que integra o condomínio. Afirmou que desconhecia o fato de que DANIELA, após seu retorno ao local, não havia sido registrada por Márcia, bem como o requerimento de seguro-desemprego realizado por DANIELA (f. 26).
Juntou-se aos autos, à f. 98/108, cópia da CTPS de DANIELA, demonstrando que todos os seus registros se referem à mesma pessoa jurídica, qual seja, PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI. Constam as seguintes admissões e demissões:
Admissão Demissão
01.11.2003 31.03.2007
02.01.2008 30.06.2010
03.01.2011 24.03.2015
25.03.2015 03.04.2016
Todas as dispensas da funcionária constaram do CAGED respectivo, exceto a última, tendo em vista que, ato tempo da juntada do extrato, a denunciada ainda fazia parte do quadro de funcionários da referida empresa (f. 49/51).
Observa-se, portanto, que DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO GUSSNE CAVANI (empregador) agiram voluntariamente, com plena consciência da ilicitude de suas condutas, induzindo e mantendo a União em erro, em virtude da simulação da dispensa, e logrando vantagem econômica própria e alheia em prejuízo ao erário, restando a autoria e a materialidade do crime de estelionato majorado (art. 171, § 3º, do Código Penal) indubitavelmente comprovadas, razão pela qual o recebimento da presente denúncia é medida de rigor (...) (fls. 153/163).

O Juízo a quo rejeitou a denúncia em relação aos fatos 01, 02, 03 e 04 por falta de justa causa, sob o seguinte fundamento:


"Consta da peça acusatória, fatos 01 e 02, que no dia 10.04.2007 a denunciada Daniela recebeu indevidamente o valor referente ao FGTS e nos dias 14.09.2007, 10.10.2007, 13.11.2007 e 12.12.2007 recebeu quatro parcelas indevidas do seguro-desemprego.
Dos fatos 03 e 04, extrai-se que em 07.07.2010 a denunciada Daniela recebeu indevidamente o valor referente ao FGTS e nos dias 19.08.2010, 23.09.2010 e 22.10.2010 recebeu três parcelas indevidas do seguro-desemprego.
Sustenta o MPF que tais valores foram obtidos indevidamente, pois após recebê-los, a denunciada Daniela voltava a trabalhar para o denunciado Paulo, conforme consta da cópia da CTPS dela, que possui registros de 01.11.2003 a 31.03.2007, de 02.01.2008 a 30.06.2010, de 03.01.2011 a 24.03.2015 e de 25.03.2015 a 03.04.2016.
Ocorre que, dos autos, inexiste prova de que a denunciada Daniela tenha recebido os valores do FGTS e do seguro-desemprego, nas ocasiões em análise, em desconformidade com a lei.
O fato de ela receber referidos valores e, após, voltar a trabalhar para o mesmo empregador não configura crime.
Ausente justa causa para a persecução penal, impõe a rejeição da denúncia".

Narra a peça acusatória - fatos 03 e 04 - que em 07.07.2010 a denunciada Daniela recebeu indevidamente o valor referente ao FGTS e nos dias 19.08.2010, 23.09.2010 e 22.10.2010 recebeu três parcelas indevidas do seguro-desemprego.

No entanto, como bem consignado pelo Juízo "a quo", não há elementos de prova capazes de demonstrar que o recebimento dos referidos valores se dera em desconformidade com a lei permissiva do levantamento do FGTS e do seguro desemprego.

É dizer: o fato de a acusada efetuar o levantamento do montante relativo ao FGTS e ao seguro-desemprego, quando legalmente autorizada para tanto e, tempos depois, voltar a trabalhar para o mesmo empregador, não configura o crime de estelionato qualificado.

Ademais, quanto ao tópico em comento, não restou demonstrado, de plano, que o réu, empregador, simulou a dispensa da denunciada, empregada, para possibilitar-lhe o recebimento indevido do seguro desemprego e do FGTS.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ministerial.

É o voto.



PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067
Nº de Série do Certificado: 11A2170419468351
Data e Hora: 19/06/2019 17:05:58



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000057-16.2017.4.03.6139/SP
2017.61.39.000057-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DANIELA GONCALVES DE MELO
ADVOGADO : SP080269 MAURO DA COSTA e outro(a)
RECORRIDO(A) : PAULO SERGIO HUSSNE CAVANI
ADVOGADO : SP253517 RODRIGO CARNEIRO MAIA BANDIERI e outro(a)
: SP398069B IGGOR DANTAS RAMOS
No. ORIG. : 00000571620174036139 1 Vr ITAPEVA/SP

VOTO-VISTA

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão de fls. 164/165, que rejeitou parcialmente a denúncia apresentada contra Daniela Gonçalves de Melo e Paulo Sérgio Hussne Cavane pela suposta prática do crime do artigo 171, §3º, do Código Penal, recebendo-a apenas quanto à circunstância de os acusados, em 31.03.15, na cidade de Itupeva/SP, induzirem e manterem em erro a União, por meio de simulação de dispensa empregatícia, para o indevido levantamento do FGTS, que implicou aos cofres públicos prejuízo de R$2.358,08 (dois mil trezentos e cinquenta e oito reais e oito centavos), e pelo fato de, em 02.09.15, igualmente na cidade de Itupeva/SP, em razão de simulação de dispensa laboral, em conluio e em unidade de desígnios, agiram para assegurar, por meio de fraude, a indevida percepção por Daniela Gonçalves de uma parcela de seguro-desemprego, o que implicou ao erário prejuízo de R$788,00 (setecentos e oitenta e oito reais).

Pugna o Ministério Público Federal pelo recebimento da denúncia, quanto aos fatos 1, 2, 3 e 4, cuja descrição é feita a seguir, por entender que, quanto a eles, também se encontram suficientemente demonstradas a materialidade delitiva e se encontrarem presentes indícios suficientes de autoria delitiva (cfr. fls. 154/155):

a) FATO 01: em 10.04.07, na cidade de Itapeva/SP, com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, Daniela Gonçalves de Melo (empregado) e Paulo Sérgio Hussne Cavani (empregador), induziram e mantiveram em erro a União, por meio da simulação de dispensa empregatícia, para o indevido levantamento de parcelas do FGTS pela acusada, o que gerou ao erário, prejuízo de R$2.538,28 (dois mil quinhentos e trinta e oito reais e vinte e oito centavos), o que implicou a prática do delito previsto pelo artigo 171, §3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do Código Penal.
b) FATO 02: em 10.09.07, 10.10.07, 13.11.07 e 12.12.07, na cidade de Itapeva/SP, com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, Daniela Gonçalves de Melo (empregado) e Paulo Sérgio Hussne Cavani (empregador), induziram e mantiveram em erro a União, por meio da simulação de dispensa empregatícia, para o indevido recebimento de 4 (quatro) parcelas de seguro-desemprego pela acusada, o que gerou ao erário, prejuízo de R$1.584,00 (mil, quinhentos e oitenta e quatro reais), o que implicou a prática do delito previsto pelo artigo 171, §3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do Código Penal.
c) FATO 03: em 07.07.10, na cidade de Itapeva/SP, com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, Daniela Gonçalves de Melo (empregado) e Paulo Sérgio Hussne Cavani (empregador), induziram e mantiveram em erro a União, por meio da simulação de dispensa empregatícia, para o indevido levantamento de parcelas do FGTS pela acusada, o que gerou ao erário, prejuízo de R$2.412,88 (dois mil, quatrocentos e doze reais e oitenta e oito centavos), o que implicou a prática do delito previsto pelo artigo 171, §3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do Código Penal.
d) FATO 04: em 19.08.10, 23.09.10 e 22.10.10, na cidade de Itapeva/SP, com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, Daniela Gonçalves de Melo (empregado) e Paulo Sérgio Hussne Cavani (empregador), induziram e mantiveram em erro a União, por meio da simulação de dispensa empregatícia, para o indevido recebimento de 4 (quatro) parcelas de seguro-desemprego pela acusada, o que gerou ao erário, prejuízo de R$1.591,96 (mil, quinhentos e noventa e um reais e noventa e seis centavos), o que implicou a prática do delito previsto pelo artigo 171, §3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do Código Penal.

Contrarrazões recursais foram apresentadas pelas defesas de Daniela Gonçalves de Melo (fls. 258/261) e de Paulo Sérgio Hussne Cavani (fls. 262/267).

A decisão recorrida foi mantida (fl. 268).

Determinou-se o retorno dos autos à Vara de origem para desmembramento e formação de novo processo relacionado aos fatos para os quais a denúncia foi recebida (fl. 273).

A Procuradoria Regional da República, por seu ilustre representante, Dr. José Ricardo Meirelles, manifestou-se pelo provimento recursal (cfr. fls. 282/286).

Em sessão de julgamento ocorrida em 18.02.19, após o voto do Relator, Des. Federal André Nekatschalow, no sentido de dar provimento ao recurso em sentido estrito, para receber a denúncia quanto aos fatos 01, 02, 03 e 04 nela descrito, e do voto proferido pelo Des. Federal Paulo Fontes, pelo qual negava provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, pedi vista dos autos, para maior reflexão sobre o tema.

Os elementos dos autos indicam que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de Daniela Gonçalves de Melo (empregada) e Paulo Sérgio Hussne Cavane (empregador) pela prática de delitos previstos pelo artigo 171, §3º c. c. o artigo 29, ambos do Código Penal, porque em períodos verificados em 2007 e 2010, teriam mantido em erro a União, para possibilitar indevidos percebimentos de parcelas de seguro-desemprego e levantamentos de valores depositados em conta vinculada do Fundo de Garantia e Tempo de Serviço (cfr. fls. 154/155).

As condutas delitivas imputadas aos acusados foram discriminadas nos seguintes termos (fls. 143/147):

Consta do incluso inquérito policial que, no período 15/05/2012 a 13/08/2012, no município de Porto Ferreira/SP, EDIVAN JOSE DA SILVA e DEIVIDI ROSA, agindo em comunhão de vontades e unidade de propósitos, obtiveram, em favor do primeiro, vantagem ilícita consistente na percepção do benefício de seguro-desemprego, em prejuízo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no importe de R$3.260,40 (três mil duzentos e sessenta reais e quarenta centavos), induzindo em erro o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mediante o artificio fraudulento de não anotar contrato de trabalho em CTPS.
Conforme apurado, EDIVAN JOSE DA SILVA ingressou com Reclamação Trabalhista perante a 2ª Vara do Trabalho de União dos Palmares/AL, a qual foi distribuída sob o nº 0000337-44.2014.5.19.0260. Em referida demanda, ajuizada em face da pessoa jurídica "DEIVIDI ROSA - ME", situada no município de Porto Ferreira/SP. EDIVAN pleiteou, dentre outros direitos, o reconhecimento do vínculo laboral no período compreendido entre 10/05/2012 e 08/11/2013, ressaltando que sua CTPS somente fora anotada a partir de 01/02/2013.
Por ocasião de seu depoimento na condição de reclamante, EDIVAN confirmou o trabalho para a reclamada durante o período de 10/05/2012 a 08/11/2013. Entretanto, na mesma ocasião, afirmou que sua dispensa/rescisão teria sido simulada.
Ao sentenciar o feito, e reconhecendo o vínculo laboral de EDIVAN com a reclamada a partir de 10/05/2012, o Juiz do Trabalho oficiante determinou a expedição de oficio para apuração de eventual delito.
Nessa toada, a investigação policial logrou apurar que EDIVAN laborara para a pessoa jurídica "PONTUAL COMERCIO ATACADISTA DE MÓVEIS E ARTIGOS DE COLCHOARIA" até o dia 10/02/2012, quando foi demitido sem justa causa.
Em função dessa demissão, EDIVAN recebeu 04 (quatro) parcelas de seguro-desemprego, aos 15/05/2012, 12/06/2012, 12/07/2012 e 13/08/2012, cada uma delas no valor de R$815,10 (oitocentos e quinze reais e dez centavos) (fl. 112).
Ocorre, todavia, que, conforme reconheceu a demanda trabalhista retromencionada, o inicio do vínculo laboral entre EDIVAN e a pessoa jurídica "DEIVIDI ROSA - ME", titularizada por DEIVIDI, deu-se a partir de 10/05/2012. Em outras palavras, no momento em que recebia as parcelas de seguro-desemprego decorrentes do rompimento de seu vínculo labora anterior, EDIVAN já se encontrava trabalhando para DEIVIDI, embora, propositalmente, sem o devido registro em sua CTPS.
O conluio entre os dois denunciados restou claríssimo, especialmente em virtude das declarações de EDIVAN à Policia Federal, no sentido de que "antes de ter sua CTPS assinada pela empresa DEIVIDI, o seu patrão não assinou a CTPS num período de quatro meses porque o declarante ainda estava recebendo o seguro-desemprego de outra firma" (fl. 74).
Observa-se que as ações apresentam entre si similitude de tempo (saques realizados mensalmente no período de 15/05/2012 a 13/08/2012, ou seja, durante quatro meses), lugar, modo de execução, entre outras semelhantes, em ordem a evidenciar a presença do elo da continuidade delitiva entre essas ações.

A denúncia, quanto aos já mencionados fatos, foi rejeitada nos termos seguintes (fls. 149/149v.):

Entretanto, não há justa causa para receber a denúncia, pois não há prova da fraude, o que descaracteriza a materialidade.
Com efeito, o único elemento de prova da fraude é frágil. Consiste na declaração de EDIVAN, na Polícia Federal, de que a razão da omissão da anotação na CTPS foi a necessidade de continuar recebendo seguro-desemprego (fls. 74). Porém, não era EDIVAN, empregado, o responsável pela anotação. A declaração de apenas uma pessoa não implica a responsabilidade de quem detinha poderes para cometer o ato. O depoimento de DEIVIDI, o empregador, nada esclarece sobre a tese da fraude (fls. 96).
A concomitância do período de recebimento das parcelas do seguro-desemprego (maio a agosto de 2012 - fls. 109) com o da omissão da anotação na CTPS (maio de 2012 a janeiro de 2013 - v. relatório, fls. 132), também é elemento frágil de prova da fraude. Segundo sugere a acusação, o único móvel da falta de anotação da CTPS é a percepção do seguro-desemprego. Como a última parcela deste foi paga em 13/08/2012 (fls. 109/v), faria sentido que a anotação da CTPS fosse feita em seguida. Porém, demoraram-se 6 meses para a anotação ocorrer. Isso pode indicar motivo diverso para se omitir a anotação.
Portanto, vista isoladamente, a declaração de EDIVAN às fls. 74 não é prova da fraude. Ademais, a falta de anotação não é sempre e necessariamente conduta de quem pretende fraudar o seguro-desemprego. Mais comum é se referir à intenção de iludir contribuição previdenciária. A acusação havia de produzir prova objetiva sobre a fraude, para que, caracterizada a materialidade, houvesse justa causa ao recebimento da denúncia. Por ora, há apenas suspeita, que embora justifique o inquérito, é insuficiente a sustentar a ação penal.
Do exposto:
1. Rejeito a denúncia. (...)

Comungo do entendimento esposado por Sua Excelência.

De acordo com o artigo 41 do Código de Processo Penal, a peça acusatória deve conter a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a indicação da qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas. Busca-se, com isso, possibilitar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.

Por sua vez, o artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal estabelece que a denúncia será rejeitada quando faltar justa causa para a ação penal.

Nesse particular, ausentes elementos que demonstrem a existência de fundamento de direito e de fato para a instauração do processo, não há justa causa para a ação penal.

O fundamento de direito está consubstanciado na subsunção da conduta descrita a um tipo penal.

Por outro lado, o fundamento de fato é identificado na acusação em conformidade com a prova, relacionada com a existência material de um fato típico e ilícito (materialidade), indícios suficientes de autoria e um mínimo de culpabilidade.

Nestes termos, o reconhecimento da atipicidade da conduta é causa de rejeição liminar da denúncia.

É essa a hipótese quanto ao particular.

Consta dos autos que Daniela Gonçalves e seu empregador Paulo Sérgio Hussne Cavane foram denunciados pela prática do delito previsto pelo artigo 171, §3º, do Código Penal, porque a primeira denunciada teria, em conluio com seu empregador, durante alguns meses de 2007 e 2010, simulado demissão trabalhista, para assegurar à primeira acusada o indevido percebimento de parcelas de seguro-desemprego e o descabido saque de valores depositados em sua conta vinculada do Fundo de Garantia e Tempo de Serviço (cfr. fls. 143/147).

Segundo o órgão ministerial, a conduta delitiva imputada aos acusados teria se revelado em razão de ambos firmarem diversos acordos ilegais, consistentes em simulação de dispensa sem justa causa, para manter a União em erro, e, por conseguinte, permitir a indevida percepção de benefícios por Daniela Gonçalves.

A despeito da conduta delitiva imputada aos denunciados, os elementos dos autos não demonstram, com a necessária certeza, a materialidade delitiva.

De fato, o único elemento de prova indicativo da prática delitiva descrita pela denúncia decorreu da circunstância de o Auditor Fiscal do Trabalho, por ocasião da fiscalização realizada na empresa Paulo Sérgio Hussne Cavani, indicar que Daniela Gonçalves, embora formalmente demitida em 24.03.15, sem justa causa pelo empregador, continuasse a informalmente laborar para ela sem qualquer anotação em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social.

Observe-se que referidos fatos referem-se a condutas verificadas em 2015, não podendo, por conseguinte, serem estendidos, por conseguinte, aos anos de 2007 e 2010.

Nesse particular, o que levou o oferecimento de denúncia em desfavor dos acusados, quanto aos fatos relacionados aos itens 1, 2, 3 e 4, descritos às fls. 154/155, foi a circunstância de constar da Carteira de Trabalho e Previdência Social da acusada, vários períodos com demissões e admissões, tal como descrito às fls. 157.

Tais fatos não se me afiguram suficientes para demonstrar, estreme de dúvidas, a materialidade delitiva exigida pelo já mencionado artigo 41 do Código de Processo Penal.

Ocorre que, a despeito de a Carteira de Trabalho e Previdência Social pertencente a Daniela Gonçalves de Melo indicar vínculos empregatícios mantidos com Paulo Sérgio Hussne Cavani, de 01.11.03 a 24.03.15, com interrupções intercaladas, relacionadas às seguintes circunstâncias: demitida em 30.03.07, recontratada em 02.01.08; demitida em 30.06.10, recontratada em 03.01.11; e demitida em 24.03.15, recontratada em 25.03.15, apenas o último vínculo empregatício foi questionado por inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego verificada em 2015 (cfr. fls. 42/47v.).

Nesse particular, milita em favor dos acusados a presunção de que os vínculos laborais e suas respectivas interrupções, durante o interregno de 2007 a 2010, se deram de forma regular, já que, quanto a eles, não houve qualquer anotação contrária efetivada por Fiscal Trabalhista.

Com efeito, penso que, no particular, o Ministério Público Federal não se desincumbiu de demonstrar a presença de dolo, com o fim específico de agir (ou seja com o fim específico de obter vantagem ilícita), na medida em que o período em que se deu as já mencionadas interrupções sazonais do vínculo empregatício mantido entre Daniela Gonçalves e Paulo Sérgio Hussne Cavane, não foi demonstrado como ilícito pelo Ministério Público Federal, e, por conseguinte, não houve a indicação do necessário nexo causal subjetivo necessário à prática do delito previsto pelo artigo 171, §3º, do Código Penal.

Observe-se que, conforme fundamentado pelo Juízo sentenciante às fls. 164/165, as provas em sede investigativa não se mostraram precisas quanto à circunstância de Paulo Sérgio Hussne Cavane em conluio com Daniela Gonçalves de Melo proceder à demissões fictícias relacionadas aos anos de 2007 e 2010 para o fim específico de garantir a ela a indevida percepção de seguro-desemprego e proceder ao descabido levantamento de valores depositados em conta vinculada ao Fundo de Garantia e Tempo de Serviço, já que houve referida constatação apenas quanto à simulação trabalhista verificada em 2015.

Note-se que a denúncia se apoia na circunstância de ser provável que referida simulação verificada em 2015, também tenha ocorrido nos anos anteriores de 2007 e 2010, já que, igualmente nesse período, teria corrido sucessivos rompimentos e restauração de vínculos laborais entre Daniela Gonçalves e Paulo Sérgio.

Nesse particular, destaque-se a ausência de qualquer elemento concreto capaz de apontar, quanto a referidos interregnos, a presença de dolo específico na conduta dos acusados, o que, a meu ver, impossibilita o recebimento da denúncia em desfavor de Daniela Gonçalves de Melo e de Paulo Sérgio Hussne Cavane quanto aos fatos relacionados aos itens 1, 2, 3 e 4 da denúncia.

A despeito de prevalecer, no momento do recebimento da denúncia, o princípio do in dubio pro societate, entendo que no caso concreto não restaram preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal já que não se observou os fundamentos de direito e de fato mínimos a legitimar a instauração do processo.

Ante o exposto, pelo meu voto, acompanho o entendimento adotado pelo Des. Federal Paulo Fontes, para, igualmente, NEGAR PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito.

É como voto.



MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 02/10/2019 13:14:11



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000057-16.2017.4.03.6139/SP
2017.61.39.000057-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DANIELA GONCALVES DE MELO
ADVOGADO : SP080269 MAURO DA COSTA e outro(a)
RECORRIDO(A) : PAULO SERGIO HUSSNE CAVANI
ADVOGADO : SP253517 RODRIGO CARNEIRO MAIA BANDIERI e outro(a)
: SP398069B IGGOR DANTAS RAMOS
No. ORIG. : 00000571620174036139 1 Vr ITAPEVA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão de fls. 164/165, que rejeitou parcialmente a denúncia apresentada contra Daniela Gonçalves de Melo e Paulo Sérgio Hussne Cavane pela suposta prática do crime do art. 171, § 3º, do Código Penal quanto aos fatos 01, 02, 03 e 04, recebendo-a apenas quanto aos fatos 05 e 06 descritos na denúncia.

Pugna o Ministério Público Federal pelo recebimento da denúncia em relação aos fatos 01, 02, 03 e 04. Aduz haver comprovação da materialidade e da autoria nos exatos termos da denúncia (fls. 169/178).

Daniela Gonçalves de Melo apresentou contrarrazões (fls. 258/261).

Paulo Sérgio Hussne Cavani apresentou contrarrazões (fls. 262/267).

A decisão recorrida foi mantida (fl. 268).

Foi determinado o retorno dos autos à Vara de origem para desmembramento e formação de novo processo em relação aos fatos para os quais a denúncia foi recebida (fl. 273).

Cumprida a diligência, retornaram os autos para julgamento do recurso (fl. 275).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. José Ricardo Meirelles, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 282/286).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


VOTO

Denúncia. Recebimento. In dubio pro societate. Aplicabilidade. O juiz, ao apreciar a denúncia, deve analisar o seu aspecto formal e a presença das condições genéricas da ação (condições da ação) e as condições específicas (condições de procedibilidade) porventura cabíveis:


Pode o Magistrado rejeitar a denúncia ou queixa. Para tanto, deve atentar para o aspecto formal da peça vestibular da ação penal e para as condições genéricas da ação, e, se for o caso, para eventual condição específica, nos termos do art. 43 do CPP.
(TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo penal, 25a ed., São Paulo, Saraiva, 2003, v. 1, p. 530)

Em casos duvidosos, a regra geral é de que se instaure a ação penal para, de um lado, não cercear a acusação no exercício de sua função e, de outro, ensejar ao acusado a oportunidade de se defender, mediante a aplicação do princípio in dubio pro societate:


PROCESSO PENAL - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - REJEIÇÃO DA DENÚNCIA - ARTIGO 43, INCISO III DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA - INDÍCIOS DE AUTORIA - DENÚNCIA RECEBIDA - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
(...)
4. É sabido que, na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico 'in dubio pro societate' deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal. Outra providência, ou seja, a rejeição da denúncia, representa, na verdade, uma antecipação do juízo de mérito, e o cerceamento do direito de acusação do Órgão Ministerial (...).

Do caso dos autos. Daniela Gonçalves de Melo e Paulo Sérgio Hussne Cavani foram denunciados pela prática do crime do art. 171, § 3º, do Código Penal, em concurso material de delitos, nos seguintes termos:


1. DOS FATOS.
1.1. FATO 01.
No dia 10.04.2007, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento indevido de FGTS, no valor de R$ 2.538,28 (dois mil quinhentos e trinta e oito reais e vinte e oito centavos), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.2. FATO 02
Nos dias 14.09.2007, 10.10.2007, 13.11.2007 e 12.12.2007, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento de 04 (quatro) parcelas indevidas do Seguro-Desemprego, no valor de R$ 396,00 (trezentos e noventa e seis reais) cada, totalizando o montante de R$ 1.584,00 (mil quinhentos e oitenta e quatro reais) de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.3 FATO 03
No dia 07.07.10, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento indevido de FGTS, no valor de R$ 2.412,88 (dois mil quatrocentos e doze reais e oitenta e oito centavos), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.4 FATO 04
Nos dias 19.08.2010, 23.09.2010 e 22.10.2010, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento de 03 (três) parcelas indevidas do Seguro-Desemprego, no valor de R$ 517,32 (quinhentos e dezessete reais e trinta e dois centavos) cada, totalizando o montante de R$ 1.591,96 (mil quinhentos e noventa e um reais e noventa e seis centavos) de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.5 FATO 05
No dia 31.03.2015, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento indevido de FGTS, no valor de R$ 2.350,08 (dois mil trezentos e cinquenta reais e oito centavos), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
1.6 FATO 06.
No dia 02.09.2015, na cidade de Itapeva/SP com vontade livre e plena consciência de seus atos, com unidade de desígnios e identidade de propósitos, DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI (empregador), induziram e mantiveram em erro a União Federal, por meio fraudulento - simulação de dispensa empregatícia, obtendo vantagem ilícita, em prejuízo do erário, consistente no recebimento de 01 (uma) parcela indevida do Seguro-Desemprego, no valor de R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais), de modo que incorreram na prática do delito de estelionato, previsto no artigo 171, § 3º, do Código Penal, na forma do artigo 29 do mesmo Diploma Legal.
2. DA AUTORIA E MATERIALIDADE
A materialidade delitiva restou demonstrada por todos os elementos contidos no presente inquérito policial, notadamente, pelo relatório de inspeção (f. 05/Vº), Autos de Infração nº 20.787.967-2, 20.787.913-3 e 20.807.606-9 (f. 06, 07 e 08), termo de rescisão do contrato de trabalho (f. 41/Vº), CTPS de DANIELA GONÇALVES DE MELO (f. 98/108), ofício da CEF nº 103/2016 (f. 66/68) e extrato do CAGED, bem como extrato da conta de FGTS da denunciada (f. 133/135).
Compilamos a seguir os valores e os períodos dos contratos dos recebimentos das parcelas do seguro-desemprego por DANIELA GONÇALVES DE MELO (f. 66/68):
Período Contrato  Qnt de Saques  Valor do Saque  Valor Total 
01.11.2003 a 31.03.2007  04  R$ 396,00  R$ 1584,00 
02.01.2008 a 30.06.2010  03  R$ 517,32  R$ 1591,96 
03.01.2011 a 24.03.2015  01  R$ 788,00  R$ 788,00 
TOTAL GERAL      R$ 3.963,96 
Além disso, DANIELA GONÇALVES DE MELO ainda levantou, indevidamente, saldo existente na conta vinculada ao FGTS (f. 133/135):
Período do Contrato  Data do saque  Valor Sacado 
01.11.2003 a 31.03.2007  10.04.2007  R$ 2.538,28 
02.01.2008 a 30.06.2010  07.07.2010  R$ 2.412,88 
03.01.2011 a 24.03.2015  31.03.2015  R$ 2.350,08 
TOTAL GERAL    R$ 7.301.24 
A autoria delitiva é igualmente certa e recai sobre os denunciados, uma vez que ambos firmaram diversos acordos ilegais, consistente na simulação de dispensa sem justa causa, para que DANIELA GONÇALVES DE MELO gozasse do seguro-desemprego e levantamento do FGTS, não obstante continuasse prestando serviços normalmente para a empresa de PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI.
Consta dos autos que em 09.09.2015, o Auditor Fiscal do Trabalho, por ocasião da fiscalização realizada na empresa Paulo Sérgio Hussne Cavani, constatou que DANIELA, embora formalmente demitida em 24.03.2015, sem justa causa pelo empregador, continuava informalmente laborando para este sem a devida anotação na CTPS, em razão de estar percebendo indevidamente as parcelas do seguro-desemprego (fl. 04v).
Importa realçar trecho do relatório de inspeção que evidencia o conluio entre DANIELA e o empregador (f. 05):
É de rigor destacar que, não obstante a afirmação de que não estava registrada porque retomara há dias e estava apenas "em experiência", a empregada foi flagrada laborando tal como fazia nos últimos 12 (doze) anos, elementos mais do que suficiente à infringência do trabalho em situação irregular. Isso porque, como se investigou no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, ela vinha trabalhando para o mesmo empregador desde 1º de novembro de 2003, a despeito de oportunas interrupções por demissão sem justa causa, sempre com saque do FGTS e gozo do Seguro-desemprego (v. cópias acostadas), o que demonstra a exaustão a contumácia da reprovável prática e o conclui entre empregado e empregador
Em solo policial, Márcia Glauser Moreira consignou à f. 89 que era locatária de uma sala na clínica Pró Saúde de propriedade de Paulo Sérgio Hussne Cavani, porém, ao contrário do alegado por Daniela e Paulo Sérgio, informou "QUE o levantamento das despesas e o registro das funcionárias sempre foi de responsabilidade do Dr. Paulo Sérgio Hussne Cavani".
Entretanto, após realizadas diversas diligências, restou demonstrado que os denunciados eram contumaz na empreitada criminosa, haja vista que, compulsando a CTPS de Daniela às f. 98/108, verifica-se que todas as vezes que ela era demitida, após o interregno do recebimento das parcelas do seguro-desemprego (f. 66/68), bem como, o do saldo disponível na conta vinculada do FGTS (f. 133/135), ela voltava a trabalhar para a empresa de Paulo Sérgio Hussne Cavani.
Paulo Roberto Warlet da Silva, em suas declarações à f. 113, manteve os exatos termos de seu relatório de f. 06 e 06/vº, sem prejuízo, asseverou ainda que a conduta de Daniela e Paulo Sérgio era contumaz, "sempre com demissões simuladas, seguidas de gozo do seguro-desemprego e imediata reintegração da empregada".
Perante a autoridade policial, DANIELA GONÇALVES DE MELO narrou que foi funcionária do condomínio de Paulo Sérgio Hussne Cavani por, pelo menos, doze anos, desempenhando a função de secretária. Acerca da dispensa contou que no mês de março de 2015 foi demitida e "deveria ter sido registrada pela Dra Márcia, o que não aconteceu"; Depois de dois ou três meses comentou com o Dr. Paulo Cavani que estava sem registro em sua carteira, ainda que por diversas vezes tivesse cobrado a Drª Márcia para que tomasse tal providência". Ante a inércia, deu entrada no seguro-desemprego. No entanto, posteriormente restitui os valores auferidos indevidamente (f. 28).
Por sua vez, PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI confirmou que DANIELA prestou-lhe serviços durante doze anos, tendo sido demitida no mês de março de 2015. Assevera que o registro de trabalho desta ficou a cargo da Drª Márcia fonoaudióloga que integra o condomínio. Afirmou que desconhecia o fato de que DANIELA, após seu retorno ao local, não havia sido registrada por Márcia, bem como o requerimento de seguro-desemprego realizado por DANIELA (f. 26).
Juntou-se aos autos, à f. 98/108, cópia da CTPS de DANIELA, demonstrando que todos os seus registros se referem à mesma pessoa jurídica, qual seja, PAULO SÉRGIO HUSSNE CAVANI. Constam as seguintes admissões e demissões:
Admissão  Demissão 
01.11.2003  31.03.2007 
02.01.2008  30.06.2010 
03.01.2011  24.03.2015 
25.03.2015  03.04.2016 
Todas as dispensas da funcionária constaram do CAGED respectivo, exceto a última, tendo em vista que, ato tempo da juntada do extrato, a denunciada ainda fazia parte do quadro de funcionários da referida empresa (f. 49/51).
Observa-se, portanto, que DANIELA GONÇALVES DE MELO (empregado) e PAULO SÉRGIO GUSSNE CAVANI (empregador) agiram voluntariamente, com plena consciência da ilicitude de suas condutas, induzindo e mantendo a União em erro, em virtude da simulação da dispensa, e logrando vantagem econômica própria e alheia em prejuízo ao erário, restando a autoria e a materialidade do crime de estelionato majorado (art. 171, § 3º, do Código Penal) indubitavelmente comprovadas, razão pela qual o recebimento da presente denúncia é medida de rigor.
3. TIPICIDADE
(...)
4. DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS
(...) (fls. 153/163)

O Juízo a quo rejeitou a denúncia em relação aos fatos 01, 02, 03 e 04 por falta de justa causa, com a seguinte fundamentação:


Falta de justa causa com relação aos fatos 01, 02, 03 e 04
Consta da peça acusatória, fatos 01 e 02, que no dia 10.04.2007 a denunciada Daniela recebeu indevidamente o valor referente ao FGTS e nos dias 14.09.2007, 10.10.2007, 13.11.2007 e 12.12.2007 recebeu quatro parcelas indevidas do seguro-desemprego.
Dos fatos 03 e 04, extrai-se que em 07.07.2010 a denunciada Daniela recebeu indevidamente o valor referente ao FGTS e nos dias 19.08.2010, 23.09.2010 e 22.10.2010 recebeu três parcelas indevidas do seguro-desemprego.
Sustenta o MPF que tais valores foram obtidos indevidamente, pois após recebê-los, a denunciada Daniela voltava a trabalhar para o denunciado Paulo, conforme consta da cópia da CTPS dela, que possui registros de 01.11.2003 a 31.03.2007, de 02.01.2008 a 30.06.2010, de 03.01.2011 a 24.03.2015 e de 25.03.2015 a 03.04.2016.
Ocorre que, dos autos, inexiste prova de que a denunciada Daniela tenha recebido os valores do FGTS e do seguro-desemprego, nas ocasiões em análise, em desconformidade com a lei.
O fato de ela receber referidos valores e, após, voltar a trabalhar para o mesmo empregador não configura crime.
Ausente justa causa para a persecução penal, impõe a rejeição da denúncia.
Recebimento da denúncia quanto aos fatos 05 e 06
Nos Fatos 05 e 06 da exordial acusatória consta que em 31.03.2015 a denunciada Daniela recebeu indevidamente o FGTS e na data de 02.09.2015 obteve vantagem ilícita consistente no recebimento de uma parcela do seguro-desemprego.
No que atine aos mencionados fatos, verifica-se da denúncia que Daniela "embora formalmente demitida em 24.03.2015, sem justa causa pelo empregador, continuava informalmente laborando para este sem a devida anotação na CTPS" (fl. 06), narração esta corroborada pelo relatório de inspeção firmado pelo auditor-fiscal do trabalho (fl. 05).
Dessa forma, com relação aos Fatos 05 e 06, os documentos que acompanham a denúncia constituem razoável prova da materialidade dos fatos narrados e apontam para a autoria relatada. (fl. 164/164v.)

Pugna a acusação pelo recebimento da denúncia.

Assiste-lhe razão.

Segundo consta, em 09.09.15, foi realizada inspeção trabalhista no consultório médico do empregador Paulo Sérgio Hussne Cavani, constatando-se que a empregada Daniela Gonçalves de Melo estava trabalhando sem o necessário registro e havia sido demitida sem justa causa alguns meses antes, especificamente, em 24.03.15.

Foram lavrados autos de infração, dos quais constou, dentre outras condutas, que a empregada Daniela laborava havia 12 (doze) anos no consultório médico, desde 01.11.03, mas houve interrupções do contrato de trabalho com por demissão sem justa causa, em que a empregada sacava o FGTS e gozava de seguro desemprego, em decorrência de conluio entre empregador e empregada (cfr. fls. 5/8).

Em que pese tenha sido recebida a denúncia apenas quanto aos fatos 05 e 06 da denúncia, ou seja, aqueles verificados no ano de 2015, há elementos probatórios mínimos para o recebimento da denúncia quanto aos fatos 01, 02, 03 e 04.

Há indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva.

A Carteira de Trabalho e Previdência Social de Daniela Gonçalves de Melo demonstra que manteve vínculo de trabalho com o empregador Paulo Sérgio Hussne Cavani desde 01.11.03 até 24.03.15, mas com interrupções, visto ter sido demitida em 30.03.07; novamente contratada em 02.01.08 e dispensada em 30.06.10; novamente contratada em 03.01.11 e dispensada em 24.03.15; novamente contratada em 25.03.15, após a inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego (fls. 42/47v.).

Em decorrência das demissões, Daniela Gonçalves de Melo procedeu ao levantamento das parcelas de seguro desemprego e FGTS nos anos de 2007 e 2010, conforme demonstram os documentos encaminhados pela Caixa Econômica Federal às fls. 66/71 e 132/135.

A despeito de não ser ilícito, por si só, o retorno ao antigo emprego, por meio de novo vínculo de trabalho, na espécie, a fraude decorre de suposto conluio entre empregador e empregado para simulação da dispensa sem justa causa.

Os indícios de fraude para recebimento do seguro desemprego e FGTS decorrem das declarações prestadas por Paulo Roberto Warlet, Auditor Fiscal do Trabalho, que confirmou os termos da fiscalização, disse ter encontrado Daniela trabalhando, sem registro formal, e em gozo indevido de seguro desemprego, bem como que "pelos elementos colacionados pode concluir que a conduta de empregado e empregador era contumaz e se repetia ao longo dos doze anos que perdurava o contrato de trabalho, sempre com demissões simuladas, seguidas de gozo de seguro desemprego e imediata reintegração da empregada" (fl. 113).

Ressalte-se que, no início da ação penal, incide o princípio in dubio pro societate, a determinar o recebimento da denúncia em casos duvidosos, de modo que o esclarecimento dos fatos ocorra durante a instrução criminal, com observância do devido processo legal.

De acordo com a Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito para receber a denúncia em relação aos fatos 01, 02, 03 e 04 nela descritos.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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