Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/06/2019
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0012677-70.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.012677-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : MANOEL DE JESUS PEREIRA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00126777020134036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 183 DA LEI N. 9.472/97. TELECOMUNICAÇÕES. DENÚNCIA REJEITADA. FALTA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE FÁTICA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 08/95. CONDUTA TÍPICA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO. DENÚNCIA RECEBIDA.
1. A denúncia foi rejeitada, com fundamento no artigo 395, III, do Código de Processo Penal.
2. É descabida a interpretação de que, com a edição da Emenda Constitucional 08/95, o termo telecomunicação deve ser entendido como algo distinto da radiodifusão, abrangendo somente serviços de telefonia. Telecomunicações é gênero da qual a radiodifusão é uma das espécies. Ademais a jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido de que subsiste a vigência tanto do artigo 70 da Lei nº 4.117 /62 quanto do artigo 183 da Lei nº 9.472 /97. A diferença entre os dois tipos penais dependerá da caracterização da existência ou não da habitualidade da conduta. A conduta de operar equipamento de radiodifusão sem prévia autorização é, de fato, típica.
3. Sendo delito formal e de perigo abstrato, basta que a conduta do agente crie o risco não permitido para que seja consumado, prescindindo-se da indagação acerca do dano concreto eventualmente causado pela atividade. Inaplicabilidade do princípio da insignificância.
4. A denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41, do Código de Processo Penal.
5. Destaque-se, ainda, o teor da Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento.
6. Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 27 de maio de 2019.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0012677-70.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.012677-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : MANOEL DE JESUS PEREIRA
ADVOGADO : SP197789 ANTONIO ROVERSI JUNIOR (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00126777020134036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face de decisão de fls. 183/187, proferida pela 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP, que rejeitou a denúncia oferecida em desfavor de Manoel de Jesus Pereira, pela suposta prática do delito do artigo 183, da Lei nº 9.472/97.

Narra a inicial acusatória (fls. 180/181) que:


"Consta dos autos que, pelo menos durante dois meses do ano de 2012, Manoel de Jesus Pereira desenvolveu clandestinamente atividade de telecomunicação ao instalar, operar e manter em funcionamento a emissora de radiodifusão denominada "RÁDIO VITÓRIA FM", sem a devida autorização do órgão administrativo competente.
No dia 22 de maio de 2012, por volta de 15:00h, o policial civil Júlio César Solda dirigiu-se até a Estrada da Servidão, nº 08, bairro Vila Marcela, nesta capital, após ter recebido uma denúncia após ter recebido uma denúncia apócrifa informando que, naquele endereço, funcionaria uma rádio clandestina. Chegando no local, visualizou uma antena instalada em uma torre metálica e dentro de um cômodo havia em funcionamento um (01) transmissor de FM, um receptor, em conversa com o proprietário do imóvel foi informado que o mesmo foi alugado pra Manoel.
(...) Conforme consta do laudo pericial de fls. 112/117, a rádio clandestina operava na faixa de frequência modulada em 104,5 MHZ, com potência aferida de 75 Watts. Segundo a perícia, o aparelho transmissor FM utilizado para operar a "RÁDIO VITÓRIA FM" não possuía o certificado de homologação da ANATEL e era capaz de causar interferência em estações de rádio licenciadas que operem na mesma frequência ou em frequências próximas, na mesma área de cobertura".

O juízo a quo rejeitou a denúncia (fls. 183/187), sob o fundamento de que não há justa causa para a ação penal em decorrência das alterações constitucionais introduzidas pela EC nº 08/95, de maneira que a Lei nº 9.472/97 não seria aplicável às atividades de radiodifusão de pequeno alcance. Assim, a conduta do denunciado seria atípica. Além disso, também considera aplicável aos autos o princípio da insignificância, em face da ausência de potencial lesivo ao sistema de telecomunicações.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso em sentido estrito (fls.189/196), requerendo a reforma da decisão para que a denúncia seja recebida. Sustenta, em síntese, que a instalação e operação de radiodifusão, ainda que em âmbito reduzido ou meramente comunitário, de forma clandestina ou irregular, é conduta que se amolda ao artigo 183, da Lei nº 9.472/97.

As contrarrazões foram apresentadas às fls. 224/237.

Em juízo de retratação, o MM. Juízo de primeiro grau manteve a decisão por seus próprios fundamentos (fl. 239).

O Parquet, representado pela Procuradora Regional da República Rosane Cima Campiotto, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 244/248).

É o Relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.


VOTO

O recorrido foi denunciado pelo cometimento do delito definido no artigo 183, da Lei 9.472/97.

A denúncia foi rejeitada, com fundamento no artigo 395, III, do Código de Processo Penal, por falta de justa causa.

Da análise dos autos, contudo, entendo merecer reforma a r. decisão.

A tese da atipicidade da conduta não prospera. É descabida a interpretação de que, com a edição da Emenda Constitucional 08/95, o termo telecomunicação deve ser entendido como algo distinto da radiodifusão, abrangendo somente serviços de telefonia.

Telecomunicações é gênero da qual a radiodifusão é uma das espécies.

Ademais, a jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido de que subsiste a vigência tanto do artigo 70, da Lei nº 4.117/62, quanto do artigo, 183, da Lei nº 9.472 /97. A diferença entre os dois tipos penais dependerá da caracterização da existência ou não da habitualidade da conduta.

Assim, a tipificação dependerá, quanto ao crime do artigo 183, da Lei nº 9.472 /97, da existência do caráter habitual da conduta, enquanto ao crime do artigo 70, da Lei nº 4.117/62, inversamente, quando não se caracteriza a habitualidade.

Note-se que a diferença entre as normas mencionadas mostra-se tênue, porém isenta de maiores dúvidas.

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 93870/SP, em 24/04/2010, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, assentou que o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472 /97 somente ocorre quando houver habitualidade. Se esta estiver ausente, ou seja, quando o acusado vier a instalar ou se utilizar de telecomunicações clandestinamente, mas apenas uma vez ou de modo não rotineiro, a conduta fica subsumida no artigo 70, da Lei nº 4.117/62, pois não haverá aí um meio de vida, um comportamento reiterado ao longo do tempo, que seria punido de modo mais severo pelo artigo 183, da Lei nº 9.472 /97.

Acerca do tema, colaciono os seguintes julgados:

"HABEAS CORPUS. PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472 /1997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DO ART. 70 DA LEI 4.117 /1962. INVIABILIDADE. CONDUTA HABITUAL. PARA CRIME DO ART. 70 DA LEI 4.117 /1962. INVIABILIDADE. CONDUTA HABITUAL.
1. (...)
5. Ambas as Turmas desta já decidiram que "a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de telecomunicações por força do requisito da habitualidade" (HC 120602, Primeira Turma, DJe de 18/3/2014). Assim, ante a patente habitualidade descrita na denúncia, improcede o pleito desclassificatório.
6. Ordem denegada." (STF, HC n. 128.567, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 08 .09.15)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES . RÁDIO COMUNITÁRIA. TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA. PRETENSÃO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO DO ART. 70 DA LEI N° 4.117 /1962. IMPOSSIBILIDADE. HABITUALIDADE E CLANDESTINIDADE DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI N° 9.472 /1997. ORDEM DENEGADA.
1. A conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de telecomunicações por força do requisito da habitualidade. Precedente: (HC 93.870/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe de 10/09/2010).
2. A atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica delito previsto no art. 183 da Lei 9.472 /1997 e não aquele previsto no art. 70 da Lei 4.117 /1962.
3. Ordem denegada." (STF, HC n. 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.12.13)
HABEAS CORPUS. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES CONTRA O DISPOSTO EM LEI. TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA. ART. 70 DA LEI N° 4.117 /62. IMPOSSIBILIDADE. HABITUALIDADE DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI N° 9.472 /97. ORDEM DENEGADA.
1. A diferença entre a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de telecomunicações e a do art. 183 da nova lei de telecomunicações está na habitualidade da conduta.
2. Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo habitual, a conduta tipifica o disposto no art. 183 da Lei n° 9.472 /97, e não o art. 70 da Lei n° 4.117 /62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem habitualidade a atividade ilícita em questão.
3. (...).
4. Ordem denegada." (STF, HC n. 93.870, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20.04.10).

Nesse contexto, a conduta de operar equipamento de radiodifusão sem prévia autorização é, de fato, típica.

A alegação de que incidiria, ainda, o princípio da insignificância também deve ser afastada. Vejamos.

O crime em questão é formal e de perigo abstrato, razão pela qual sua consumação independe da indagação acerca do efetivo dano concreto, bastando que a conduta do agente crie o risco não permitido.

Nesse sentido, cumpre transcrever os seguintes arestos:


"AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO DE RADIO DIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. BAIXA POTÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO APLICAÇÃO. (...) 2. A jurisprudência de ambas as Turmas da 3ª Seção do STJ orienta-se no sentido de que, em relação ao delito do artigo 183 da Lei n. 9.472 /1997, "não há como reconhecer o reduzido grau de reprovabilidade ou a mínima ofensividade da conduta, de forma a ser possível a aplicação do princípio da insignificância . A instalação de estação clandestina de radio frequência, sem autorização dos órgãos e entes com atribuição para tanto - o Ministério das Comunicações e a ANATEL -, já é, por si, suficiente a comprometer a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações, o que basta à movimentação do sistema repressivo penal" (AgRg no AREsp n. 108.176/BA, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, DJe 9/10/2012). Incidência da Súmula 83/STJ (AgRg no AREsp n. 291.445/BA, Ministro Jorge Mussi, DJe 12/6/2014).3. Agravo regimental improvido." (STJ - AgRg no AREsp 277964/BA - 6ª Turma - rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, j. 09/09/2014, v.u., DJe 25/09/2014)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RÁDIO CLANDESTINA. INSTALAÇÃO. PERIGO ABSTRATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. É também pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a instalação de estação de radiodifusão clandestina é delito de natureza formal de perigo abstrato que, por si só, é suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não tendo aplicação o princípio da insignificância mesmo que se trate de serviço de baixa potência (AgRg no REsp 1566462/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016). 2. Agravo regimental improvido." (AGRESP 201701550558, NEFI CORDEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:26/03/2018 ..DTPB:.)

Dessa forma, apresenta-se irrelevante eventual discussão acerca do baixo alcance da potência de transmissão - que não se confunde com ofensa mínima ao bem jurídico tutelado - e da pretensa incapacidade de as instalações causarem qualquer sorte de prejuízos a terceiros.

Portanto, merece ser reformada a decisão recorrida para que a ação penal tenha seu regular curso, máxime quando a denúncia preenche os requisitos formais elencados no artigo 41, do Código de Processo Penal, não restando caracterizadas, de seu turno, nenhuma das causas impeditivas previstas no artigo 395, do Código de Processo Penal.

Destaque-se, ainda, o teor da Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento:

"Súmula 709: Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela".

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia proposta em desfavor de Manoel de Jesus Pereira, devendo os autos retornar ao juízo de origem para regular prosseguimento da ação penal.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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