Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/06/2019
REVISÃO CRIMINAL Nº 0004365-82.2017.4.03.0000/SP
2017.03.00.004365-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
REQUERENTE : FLAVIO SANTANA DA ROCHA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
REQUERIDO(A) : Justica Publica

EMENTA

REVISÃO CRIMINAL. ARMAZENAMENTO E DIVULGAÇÃO DE MATERIAL COM CONTEÚDO DE CENAS PORNOGRÁFICAS ENVOLVENDO CRIANÇA E ADOLESCENTE. ARTS. 241-A E 241-B DA LEI N. 8.069/90. HIPÓTESES DE CABIMENTO DA AÇÃO REVISIONAL. REVISÃO CRIMINAL IMPROCEDENTE.
1. A desconstituição da coisa julgada por meio da ação revisional é admissível tão somente em hipóteses excepcionais taxativamente previstas.
2. A contrariedade ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos deve ser frontal e evidente.
3. Não cabe revisão criminal por contrariedade à lei quando a decisão revisanda tiver se baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
4. Os delitos dos artigos 241-A e 241-B da Lei n. 8.069/90 são independentes e, se o acusado praticar, efetivamente, as duas figuras delitivas, ou seja, "armazenar" e "compartilhar", não há que se falar em aplicação do princípio da consunção.
5. Revisão criminal improcedente.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer da revisão criminal e julgar improcedente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 30 de maio de 2019.
RAQUEL SILVEIRA
Juíza Federal Convocada


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REVISÃO CRIMINAL Nº 0004365-82.2017.4.03.0000/SP
2017.03.00.004365-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
REQUERENTE : FLAVIO SANTANA DA ROCHA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
REQUERIDO(A) : Justica Publica

RELATÓRIO

Trata-se de revisão criminal ajuizada por Flávio Santana da Rocha, com fundamento no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, contra a condenação proferida nos autos da ação penal nº 004116-45.2015.4.03.6130, que tramitou perante o Juízo Federal da 1ª. Vara Federal de Osasco/SP.

O magistrado de primeiro grau condenou o revisionando à pena de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 110 (cento e dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, pela prática dos crimes previstos nos artigos 241-A, na forma do artigo 71, do Código Penal, c.c. o artigo 241-B, caput, ambos da Lei nº 8.069/90, em concurso material (fls. 461/474-verso dos autos de origem).

A defesa do revisionando interpôs recurso de apelação (fls. 534/544 dos autos originários).

Em sessão de julgamento realizada no dia 30.05.2017, a Décima Primeira Turma desta Corte, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação do revisionando para conceder os benefícios da justiça gratuita e reconhecer a atenuante da confissão na fração de 1/24 (um vinte e quatro avos), com a redução da pena para 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 27 (vinte e sete) dias de reclusão e 34 (trinta e quatro) dias-multa, em regime inicial fechado (fls. 591/598-verso dos autos de origem).

O acordão transitou em julgado em 31.08.2017 (certidão de fl. 612).

Os autos foram distribuídos a esta Corte Regional em 19.12.2017 (fl. 08).

A presente revisão criminal foi proposta de próprio punho pelo revisionando (fls. 02/03), sob o fundamento de que ele foi condenado a uma pena muito elevada e desproporcional aos crimes que praticou e, por isso, solicitou a revisão ou a anulação do processo.

A Defensoria Pública da União apresentou as razões de revisão criminal (fls. 23/36) e alegou, em resumo, que se aplica ao caso o Princípio da Consunção, com a absorção do delito previsto no artigo 241-B pelo crime do artigo 241-A, ambos da Lei nº 8.069/90. Fundamentou, ainda, que as imagens com conteúdo de sexo explícito e pornografia envolvendo criança ou adolescente eram armazenadas em mídias para o fim de compartilhamento e, por esse motivo, a conduta descrita no artigo 241-B estaria absorvida pelo delito do artigo 241-A.

O revisionando pede, também, que seja reduzida a pena-base fixada para o delito previsto no artigo 241-A, pois na primeira fase da dosimetria, entre outras circunstâncias judiciais, a pena foi exasperada em razão da quantidade de imagens disponibilizadas, o que serviu também para aumentar a pena-base relativa ao crime do artigo 241-B.

Além disso, a defesa requer que seja aplicada a fração de 1/6 (um sexto) para a diminuição da pena como consequência ao reconhecimento da atenuante da confissão, pois o acórdão fixou em 1/24 (um vinte e quatro avos), mas sem a devida fundamentação.

O revisionando pede, por fim, que seja reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes dos artigos 241-A e 241-B da Lei nº. 8.069/90, bem como seja reduzido para ¼ (um quarto) o patamar relativo ao crime continuado, com a imposição de regime inicial de cumprimento de pena mais brando para o revisionando.

A defesa requer os benefícios da justiça gratuita.

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pela procedência parcial da revisão criminal, para retificar a fração de incidência da atenuante de confissão de 1/24 (um vinte e quatro avos) para 1/6 (um sexto), bem como seus reflexos na pena definitiva (fls. 38/43-verso).

É o relatório.

À revisão.




MAURICIO KATO
Desembargador Federal Relator


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REVISÃO CRIMINAL Nº 0004365-82.2017.4.03.0000/SP
2017.03.00.004365-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
REQUERENTE : FLAVIO SANTANA DA ROCHA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
REQUERIDO(A) : Justica Publica

VOTO

O pedido de revisão é improcedente.

A desconstituição da coisa julgada por meio da revisão criminal, ação autônoma de impugnação de sentenças transitadas em julgado, é admissível tão somente em hipóteses excepcionais, taxativamente previstas no artigo 621 do Código de Processo Penal:

I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

A contrariedade ao texto expresso da lei penal e à evidência dos autos deve ser frontal e evidente.

Com efeito, a divergência de interpretação da norma não constitui fundamento do pedido revisional com base no artigo 621, inciso I, 1ª parte, do Código de Processo Penal. A contrariedade ao texto legal deve ser notória, não cabendo a revisão se foi dada interpretação razoável ao dispositivo invocado.

A jurisprudência é no sentido de que não cabe revisão criminal com amparo em questão jurisprudencial controvertida nos tribunais: STJ, 5ª Turma, Resp nº 759.256/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 02/02/2006.

Ademais, não cabe revisão criminal com fundamento no artigo 621, inciso I, 2ª parte, do Código de Processo Penal se a condenação estiver amparada em prova válida e consistente, em observância ao princípio do livre convencimento do juiz.

A ação revisional não constitui meio comum de impugnação de sentença equiparável à apelação e não se presta à reapreciação de prova já analisada pelo Juízo de primeiro grau e em grau recursal pelo Tribunal.

Na presente ação, o revisionando alega que foi condenado a uma pena muito elevada para os crimes que praticou e pede que seja aplicado o princípio da consunção, com a absorção do delito previsto no artigo 241-B pelo crime do artigo 241-A, ambos da Lei nº 8.069/90, pois as imagens com conteúdo de sexo explícito e pornografia que envolvem criança ou adolescente foram armazenadas em mídias para o fim de compartilhamento.

A defesa do revisionando pede, também, que seja reduzida a pena-base fixada para os delitos.

Quanto ao crime previsto no artigo 241-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente, o revisionando alega que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, ou seja, em 04 (quatro) anos de reclusão, em razão da quantidade de imagens disponibilizadas, por terem sido transmitidas através da rede mundial de computadores e por envolverem duas afilhadas do revisionando.

A defesa diz que as circunstâncias desfavoráveis que majoraram a pena-base do delito previsto no artigo 241-A, da Lei nº 8.069/90, na verdade, estariam relacionadas ao crime do artigo 241-B da mesma lei. Assim, como tais circunstâncias já serviram para aumentar a pena-base do delito previsto no artigo 241-B, não poderiam ser consideradas como desfavoráveis para a exasperação da pena-base do delito do artigo 241-A.

No entanto, tais pleitos não devem prosperar.

Segundo consta dos autos, o revisionando armazenava grande quantidade de imagens e vídeos contendo pornografia infanto-juvenil, em computadores, pendrives, disco rígido externo e 39 (trinta e nove) mídias ópticas (CDs e DVDs), que foram encontrados na residência do acusado e em suas contas de e-mail.

O perito Wladimir Luiz Caldas Leite (fl. 300), ouvido na audiência de instrução (fls. 298/299 e mídia de fl. 309), informou que participou da Busca e Apreensão na residência do revisionando no dia 16.06.2015 e que analisou os registros que constavam no disco rígido e mídias apreendidas.

O referido perito afirmou que algumas fotos e vídeos haviam sido produzidos na residência do acusado, pois era fácil de identificar, nas imagens, o dormitório e o banheiro do revisionando. Disse, ainda, que encontrou peças íntimas e brinquedos infantis no interior do imóvel, e que a genitora do acusado reconheceu duas das crianças nas imagens, pois convivam com a sua família.

Além disso, o perito narrou que, em mais de 9 (nove) anos de trabalho junto à Polícia Federal, uma das ocasiões em que encontrou o maior número de material de conteúdo de pornografia infanto-juvenil foi na diligência realizada na residência do revisionando.

Assim, o réu disponibilizava e armazenava imagens de pornografia infantil que, na espécie, são condutas distintas.

Ademais, consta dos autos que não havia correspondência entre os arquivos que foram disponibilizados com os arquivos que estavam armazenados no computador do acusado, motivo pelo qual não incide o princípio da consunção.

Ainda que assim não fosse, a aplicação do princípio da consunção só poderia ser invocada, em tese, se houvesse uma relação de dependência entre a prática do compartilhamento (art. 241-A) e a prática do armazenamento (art. 241-B), ou seja, se o embargante tivesse compartilhado exatamente o mesmo número e idêntico conteúdo de imagens de cunho pedófilo que tinha armazenado/guardado em seu computador.

Como o réu praticou as duas condutas delitivas, ou seja, "armazenar" e "compartilhar", deve incidir a regra do concurso material quanto aos crimes previstos nos artigos 241-A e 241-B, ambos da Lei n. 8.069/90.

Portanto, correta a condenação pelas duas figuras delitivas, em concurso material.

Em relação à pena-base, as alegações do revisionando não merecem acolhimento.

A pena-base do artigo 241-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente foi fixada em 04 (quatro) anos de reclusão e 13 (treze) dias-multa, em razão da quantidade de imagens disponibilizadas, do fato de terem sido transmitidas por meio da rede mundial de computadores e por envolverem duas afilhadas do revisionando.

Na primeira fase da dosimetria da pena para o crime previsto no artigo 241-B, a pena-base foi fixada em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, pela quantidade de material armazenado.

No julgamento da apelação, foi mantida a pena-base para os dois delitos com a seguinte fundamentação:

"Com efeito, as circunstâncias judiciais com que os dois crimes foram praticados são exorbitantes.
A quantidade de arquivos de conteúdo pornográfico infanto-juvenil compartilhados considerados na denúncia, bem como os milhares de arquivos armazenado em diversas mídias pertencentes ao réu são aviltantes, ponderando-se que foi feito pela rede mundial de computadores, restando, portanto, disponível a um número imenso e incontrolável de pessoas.
No entanto, para mim, o caráter mais abominável da conduta reside no fato de o réu ter envolvido em suas publicações uma criança que lhe depositava absoluta confiança e era de seu convívio familiar, para a qual, inclusive, aos olhos dos outros dispensava amor paternal.
O caráter sórdido da conduta do réu com sua afilhada Camile, que aparentava ter cerca de 03 ou 04 anos de idade, é ainda mais acentuado ao se notar pelas fotos que compartilhava, que reiteradamente explorou a imagem desta criança em suas atividades cotidianas de infância, num típico ambiente de confiabilidade, e durante um bom tempo de sua vida, eis que claramente se nota seu desenvolvimento físico.
Soma-se a isso, que o réu declarou no momento de sua prisão que assim agia também com outra afilhada de nome Julia, cujas fotos naquela ocasião foram confirmadas pela mãe da criança e mãe do réu.
Ainda, no quarto do réu, foram encontradas 04 peças íntimas infantis (04 calcinhas) que o réu disse que pertencia às suas duas afilhadas e eram utilizadas na produção das fotos, situação que denota persistência na conduta criminosa especificamente com tais crianças.
A ausência de contato físico, conforme alegou a defesa, em nada ajuda o réu, visto que se houvesse, poder-se ia configurar o crime autônomo de estupro. E o fato de as provas revelarem mais acentuadamente uma das afilhadas (Camile) não reduz a elevada culpabilidade de sua conduta, mormente porque o réu não foi denunciado ou condenado pelo crime do artigo 240 do ECA ("Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente..").
O mesmo se diz com relação a aventada ausência de ofensa à pureza das crianças exploradas, eis que só tempo dirá os efeitos dos atos práticados pelo réu na vida e no desenvolvimento psíquico e social das mesmas.
Não há, também, que se falar em bis in idem na argumentação utilizada na sentença para majorar a pena base e a continuidade delitiva.
Nos termos da denúncia, as publicações em comento ocorreram por meio do registro de 12 correios eletrônicos enviados pelo réu nas datas de 07/12/2013, 09/12/2013, 15/12/2013, 18/12/2013, 21/01/2014, 27/01/2014, 04/02/2014, 05/02/2014, 18/02/2014, 19/02/2014 e 20/02/2014 (duas vezes).
De outro lado, nos termos do Laudo Pericial de nº 4784/2015, houve "registro de compartilhamento de 68 (sessenta e oito) arquivos, sendo 03 (três) arquivos de imagem, 63 (sessenta e três) arquivos de vídeo e 02 (dois) arquivos compactados com imagens e vídeos, totalizando mais de 05 GB (cinco gigabytes de arquivos compartilhados. Esses arquivos receberam mais de 2.500 (duas mil e quinhentas) requisições de "download" por outros usuários da internet, das quais 2.315 (duas mil, trezentos e quinze) foram aceitas, o que resultou na transferência de cerca de 11 GB (onze gigabytes) de arquivos de pornografia envolvendo pessoas com aparência de menoridade a outros usuários da internet, isso somente considerando os arquivos dessa natureza localizado nos materiais apreendidos com o CONDUZIDO. Considerando todas as requisições, o arquivo possui registro de 7.982 (sete mil novecentas e oitenta e duas) requisições, das quais 7.366 (sete mil, trezentos e sessenta e seis) foram bem sucedidas, totalizando mais de 36 GB de dados enviados, que incluem outros arquivos, além dos que contém pornografia envolvendo pessoas com aparência de menoridade(...) "
Diante desses dados, a enorme quantidade de vídeos compartilhados em nada conflita com a continuidade delitiva configurada com o envio dos 12 correios eletrônicos, visto que a cada mensagem enviada, uma abundante quantidade de arquivos eram compartilhados.
Em reforço, ressalto que o argumento da defesa relativo ao bis in idem não aproveita o crime do artigo 241-B, uma vez que este, tratando-se de crime permanente, não foi majorado pelo artigo 71 do Código Penal.
Dessa forma, mantenho a pena base determinada na sentença, para os dois crimes em comento".

De início, a denúncia narra que o revisionando praticou 12 (doze) compartilhamentos de material pornográfico envolvendo crianças, no período de 07.12.2013 a 20.02.2014, que foram apurados no Laudo Pericial n. 4784/2015 (fls. 420/433). Em cada compartilhamento, foram enviados vários arquivos de conteúdo pornográfico envolvendo crianças e até mesmo as afilhadas do revisionando (Camila e Júlia).

Assim, com relação ao crime previsto no artigo 241-A do ECA, correta a majoração da pena-base em razão da quantidade de imagens disponibilizadas, do fato de terem sido transmitidas por meio da rede mundial de computadores e por envolver duas afilhadas do revisionando.

Quanto ao crime previsto no artigo 241-B, o Laudo Pericial nº 3933/2015 (fls. 205/232) informou que foram encontrados mais de 270.000 (duzentos e setenta mil) arquivos contendo imagens de pornografia infantil no disco rígido do computador do revisionando, no dia 16.06.2015.

Dessa forma, correta a exasperação da pena-base para o crime previsto no artigo 241-B, que foi fixada em 01 ano e 06 meses de reclusão e 15 (quinze) dias-multa em decorrência da grande quantidade de material armazenado.

Verifica-se, ainda, que a exasperação das penas-bases teve supedâneo nas provas dos autos e foi proporcional à reprovação das condutas. Não há, portanto, motivo para alteração das penas-bases.

A defesa pede, também, que seja aplicada a fração de 1/6 (um sexto) para a atenuante da confissão, pois no julgamento da apelação, a pena foi reduzida no patamar de 1/24 (um vinte e quatro avos), sem a devida fundamentação.

Tal pedido também é improcedente.

O magistrado de primeiro grau, ao apreciar a autoria delitiva, considerou que (fl. 469/469-verso dos autos originários):

"Em suas declarações prestadas na Delegacia de Polícia o acusado afirmou que oferecia e vendia imagens com conteúdo de pornografia infantil em site do qual não se recorda o nome na "internet" (fls. 15/16 do IP nº 0072/2015-3).
Em juízo, o réu apresentou versão fantasiosa, tentando se esquivar da responsabilidade pelos ilícitos, afirmando que teria sido coagido por outrem (um desconhecido) a realizar os crimes a ele imputados, apresentando versão totalmente inverossímil e completamente divorciada das provas dos autos, razão pela qual não merece crédito.
Com efeito, não é crível que alguém tenha, sem qualquer razão para tanto, ameaçado o acusado, a fim de que este transmitisse e trocasse com diversas outras pessoas em ambiente virtual material contendo pornografia infantil.
Além disso, não apresentou o acusado qualquer comprovação das supostas mensagens ameaçadoras a ele enviadas por meio eletrônico pelo internauta desconhecido; ou prova de que este lhe teria enviado um HD externo (contendo material ilícito) ou qualquer mínimo indício que apontasse a ocorrência de qualquer ameaça por ele sofrida".

No julgamento da apelação, foi aplicada a atenuante da confissão com o seguinte fundamento (fl. 595):

"Na segunda fase, porém, não há como deixar de reconhecer a atenuante da confissão para o réu para os dois crimes.
Com efeito, embora as provas documentais da prática dos crimes sejam óbvias, o réu, de fato, confessou o cometimento de ambos os crimes em duas ocasiões distintas na fase extrajudicial, não havendo, para mim, como negar que suas confissões fortaleceram a convicção de sua autoria.
Assim, para ambos os crimes, aplico a atenuante da confissão prevista no artigo 65, inciso III, "d", do Código Penal, reduzindo as penas na fração de 1/24, resultando, para o crime do 241-A fixada em 03 anos e 10 meses de reclusão e 12 dias-multa, e para o crime do artigo 241-B em 01 ano, 05 meses e 07 dias de reclusão e 14 dias-multa".

Verifica-se que o revisionando, ao tempo que admitiu ter praticado os fatos, alegou ter agido sob o manto de excludente de culpabilidade, caracterizando uma confissão qualificada.

Na fixação da dosimetria, é pacífico o entendimento de que a confissão deva ser considerada como atenuante, ainda que qualificada (STJ. 6ª Turma. HC 319.664/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 18/08/2015).

Por outro lado, a fração utilizada para atenuar a pena, na segunda fase da dosimetria, não segue um critério cartesiano, podendo ser estabelecida de acordo com a relevância probatória da confissão. Há, portanto, uma certa discricionariedade do juízo, motivada pelos fatos e circunstâncias em que se operou a confissão.

Assim, a redução da pena no patamar de 1/24 (um vinte e quatro avos) representa a convicção da E. Décima Primeira Turma, extraída das peculiaridades do caso (confissão qualificada) e não revela arbitrariedade ou ilegalidade a justificar qualquer modificação do acórdão.

O patamar de 1/24 (um vinte e quatro avos), portanto, foi fixado de forma correta, de modo que não procede a insurgência do revisionando para a sua modificação, sob pena de se proceder ao julgamento de um segundo apelo, pois seu pleito não possui supedâneo nas hipóteses elencadas taxativamente no artigo 621 do Código de Processo Penal.

A defesa alega, ainda, que deve ser reconhecida a continuidade delitiva entre os crimes do artigo 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois foram praticados em condições semelhantes de tempo, modo de execução e lugar, ou seja, num intervalo máximo de 30 dias, na mesma comarca e com o mesmo modus operandi.

Além disso, o revisionando alega que houve unidade de desígnios, pois os delitos foram praticados com uma programação inicial de realização em etapas sucessivas.

Sem razão a defesa.

Os crimes foram cometidos com desígnios autônomos e em momentos distintos, conforme bem fundamentado na sentença de primeiro grau.

As imagens pornográficas de crianças foram compartilhadas no período de 07.12.2013 a 20.02.2014 (Laudo Pericial n. 4784/2015 - fls. 420/433), enquanto que os arquivos de conteúdo de pornografia infantil foram encontrados no disco rígido do computador do revisionando no dia 16.06.2015.

Assim, não há que se falar em reconhecimento de continuidade delitiva entre os delitos e correta a aplicação do concurso material.

O revisionando pede, ainda, que seja reduzida a fração de aumento aplicada pela continuidade delitiva na terceira fase da dosimetria do crime previsto no artigo 241-A, da Lei nº. 8.069/90, pois a fixação em 2/3 (dois terços) mostrou-se excessiva e não foi devidamente fundamentada.

No entanto, este pleito também não merece ser acolhido.

O acórdão manteve a fração de aumento da pena fixada na sentença, pela continuidade delitiva do crime previsto no artigo 241-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente, sob o fundamento de que era expressiva a quantidade de publicações de imagens de pornografia infantil.

De fato, o revisionando compartilhou diversos arquivos de conteúdo pornográfico que envolviam crianças, em 12 (doze) ocasiões distintas, dentro de um período de quase 3 (três) meses (de 07.12.2013 a 20.02.2014).

Assim, o acusado praticou 12 (doze) vezes o delito previsto no artigo 241-A, da Lei nº. 8.069/90, ou seja, em 12 (doze) ocasiões diferentes ele compartilhou, por meio da rede mundial de computadores, imagens pornográficas envolvendo crianças ou adolescentes.

Dessa forma, correta a fração de aumento da pena fixada na sentença e que restou mantida no julgamento da apelação.

Por conseguinte, as provas produzidas no curso da ação penal foram suficientes para a condenação do réu.

Ademais, note-se que o requerente, ao alegar contrariedade à lei e às provas dos autos, pretende uma reanálise de fatos já julgados. Contudo, suas alegações não foram minimamente comprovadas.

Pelo exposto, verifica-se que o conjunto probatório foi exaustivamente examinado pela Turma Julgadora desta Corte Regional. Todos os julgadores, portanto, deram à prova dos autos interpretação aceitável e ponderada, não havendo fundamento para a desconstituição do decreto condenatório.

Além disso, em relação aos pedidos acima formulados pela defesa, o acórdão foi devidamente fundamentado.

Por fim, deve ser mantido o regime inicial fechado para o cumprimento da pena.

No julgamento da apelação, considerou-se que "as circunstâncias judiciais com que os dois crimes foram praticados são exorbitantes" (fls. 594 dos autos originários) e que o caráter sórdido da conduta do réu com sua afilhada Camile, que aparentava ter cerca de 03 ou 04 anos de idade, e também com a outra afilhada de nome Julia, denotam persistência na conduta criminosa especificamente com tais crianças, o que demonstra elevada culpabilidade de sua conduta.

Assim, as circunstâncias judiciais subjetivas, que serviram para majorar a pena-base, não possibilitam a fixação de regime prisional mais benéfico.

Aqui, considerando que a quantidade de imagens armazenadas e disponibilizadas, o fato de terem sido transmitidas por meio da rede mundial de computadores e as circunstâncias subjetivas do acusado valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com fundamento artigo 33, §3º do Código Penal.

Por fim, defiro o benefício da gratuidade da justiça, nos termos da Lei nº 1.060/50, diante do pedido do revisionando e da ausência de provas para a sua negativa.

Ante o exposto, conheço da revisão criminal e julgo improcedente o pedido.

É o voto.


RAQUEL SILVEIRA
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