Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 07/08/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001766-82.2017.4.03.6108/SP
2017.61.08.001766-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : EDSON FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
EXCLUIDO(A) : CLEUNICE TERTULIANO DA SILVA (desmembramento)
No. ORIG. : 00017668220174036108 2 Vr BAURU/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. HABITUALIDADE DA CONDUTA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. SÚMULA 444 DO STJ. RECONHECIDA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 231 DO STJ. REGIME PRISIONAL. SUBSTITUIÇÃO PENA CORPORAL POR UMA RESTRITIVA DE DIREITOS. RECURSO DA ACUSAÇÃO PROVIDO.
1. Do princípio da insignificância penal. A habitualidade delitiva e a sonegação de tributos superiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) impedem o reconhecimento da irrelevância penal da conduta e afastam a aplicação do princípio da insignificância.
2. Materialidade, autoria e dolo comprovados, o que autoriza a condenação.
3. Dosimetria da pena. Súmula 444 do STJ. Inquéritos e ações penais em curso não configuram maus antecedentes, nem personalidade voltada para a prática de crime, conduta social reprovável ou culpabilidade exacerbada. Há atenuante de confissão, porém, como a pena-base foi fixada no mínimo legal, não se aplica a redução ante o teor da súmula 231 do STJ: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
4. Fixado o regime inicial aberto para início de cumprimento da pena, a teor do artigo 33, § 2º, alínea "c", do Código Penal.
5. Cabível a substituição da pena corporal por uma restritiva de direitos, ante o preenchimento dos requisitos do artigo 44 do Código Penal.
6. Recurso da acusação provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso da acusação para condenar o réu Edson Ferreira da Silva pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, IV, do Código Penal, em regime inicial aberto, substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 29 de julho de 2019.
MAURICIO KATO


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001766-82.2017.4.03.6108/SP
2017.61.08.001766-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : EDSON FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
EXCLUIDO(A) : CLEUNICE TERTULIANO DA SILVA (desmembramento)
No. ORIG. : 00017668220174036108 2 Vr BAURU/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a r. sentença de fls. 271/278 que absolveu o réu Edson Ferreira da Silva pelo delito previsto no artigo 334, § 1º, IV, do Código Penal c/c art. 3º do Decreto-Lei nº 399/68, com fundamento no artigo 386, II, do Código de Processo Penal.

O Ministério Público Federal ofereceu proposta de suspensão condicional do processo à denunciada Cleunice Tertuliano da Silva (fls. 198/203), tendo sido aceita a proposta (fls. 269/270), houve o desmembramento do feito, com o prosseguimento do feito apenas quanto ao denunciado Edson.

Em suas razões recursais (fls. 296/315), a acusação pleiteia a reforma da sentença, sustentando, em síntese:

a) o afastamento do princípio da insignificância; e

b) condenação do réu, bem como a incidência da atenuante de confissão espontânea.

A defesa apresentou as contrarrazões às fls. 322/328.

A Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento da apelação da acusação (fls. 331/334).

É o relatório.

À revisão, nos termos regimentais.

RAQUEL SILVEIRA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001766-82.2017.4.03.6108/SP
2017.61.08.001766-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : EDSON FERREIRA DA SILVA
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
EXCLUIDO(A) : CLEUNICE TERTULIANO DA SILVA (desmembramento)
No. ORIG. : 00017668220174036108 2 Vr BAURU/SP

VOTO

Consta dos autos que Edson Ferreira da Silva foi denunciado como incurso na sanção do art. 334, § 1º, IV do Código Penal c/c artigo 3º do Decreto-Lei n° 399/1968, pela prática dos fatos a seguir descritos:


Relata a denúncia que, no dia 14 de abril de 2017, na Rodovia SP 321, Km 396, município de Iacanga/SP, policiais militares em patrulhamento de rotina, surpreenderam Edson Ferreira da Silva motorista do veículo Peugeot 307, placa EPS 1828, preto, acompanhado de Cleonice no banco de passageiro, transportando no exercício de atividade comercial, grande quantidade de diversas mercadorias estrangeiras, dentre elas, eletrônicos, cremes, perfumes, abajures, ferramentas, materiais de pesca etc, sem documentação ou selo fiscal que pudesse comprovar a origem lícita. (fls. 169/171)


Após regular instrução criminal, o réu Edson Ferreira da Silva foi absolvido da prática do delito descrito na inicial, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal.


Passo à análise das razões recursais.


Da tese de inaplicabilidade do princípio da insignificância.

O MPF requer que seja afastada a aplicação do princípio da insignificância tendo em vista a habitualidade criminosa do réu.


Assiste-lhe razão.


O princípio da insignificância também conhecido como "princípio da bagatela" ou "infração bagatelar própria" constitui uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material e que deve ser analisado em consonância com os primados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal.


Atualmente tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça entendem que no crime de descaminho o valor a ser considerado como limite para aplicação do princípio da insignificância é o de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (STJ, 3ª Seção, REsp 1.709.029, Min. Rel. Sebastião Reis Júnior, j. 28.02.2018 [recurso repetitivo]).


Ademais, o Supremo Tribunal Federal elencou quatro requisitos objetivos para a aplicação do princípio da insignificância, sendo eles adotados pela jurisprudência do STF e do STJ: a) mínima ofensividade da conduta; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412-0/SP).


"O princípio da insignificância não foi estruturado para resguardar e legitimar constantes condutas desvirtuadas, mas para impedir que desvios de condutas ínfimas, isoladas, sejam sancionados pelo direito penal, fazendo-se justiça no caso concreto. Comportamentos contrários à lei penal, mesmo que insignificantes, quando constantes, devido a sua reprovabilidade, perdem a característica de bagatela e devem se submeter ao direito penal" (STF. 1ª Turma. HC 102.088/RS, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJe de 21/05/2010).


No caso particular, verifica-se claramente que o réu Edson agiu juntamente com a corré Cleunice, em unidade de desígnios, para que a totalidade da mercadoria oculta no veículo Peugeot 307, placa EPS 1828, fosse introduzida em território nacional, razão pela qual, não há que se falar na eventual divisão do valor dos tributos entre os corréus.


Registre-se que a circunstância de o delito ter sido praticado em coautoria não autoriza o rateio dos tributos sonegados, ao passo que o valor total de tributos sonegados na ilícita importação das mencionadas mercadorias somou R$ 31.667,63 (fls. 99/100), o que supera em muito o limite R$ 20.000,00 (vinte mil reais), fato impeditivo da aplicação do princípio da insignificância.


Além disso, pesa em desfavor do réu a habitualidade criminosa, o que se verifica pelos vários registros de infrações administrativas na Receita Federal (fls. 102/127) e o apontamento criminal (fls. 176/177).


Nesse ponto, a jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou-se no sentido de que a habitualidade criminosa é circunstância que impede a aplicação do princípio da insignificância, cuja constatação prescinde de condenação definitiva, sendo bastante a comprovação da contumácia da conduta.


Assim, no presente caso, diante da considerável lesão ao bem jurídico tutelado e o fato de o acusado praticar o delito com habitualidade, como meio de vida e obtenção de renda, não há que se falar em aplicação do princípio da insignificância.


Do mérito.

A materialidade delitiva encontra-se suficientemente demonstrada pelos seguintes elementos: Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 13/14), Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (fls. 85/87), Relação de Mercadorias (fls. 88/98-v°) e Demonstrativo Presumido dos Tributos (fls. 99/100).


A autoria e o dolo também são incontestes, especialmente, pela prisão em flagrante do réu (fls. 02/05), pelo depoimento testemunhal e pelo seu próprio interrogatório judicial.


Em Juízo, o réu confessou a prática do crime, ao confirmar que comprou a mercadoria em Cidade do Leste/Paraguai, que venderia os produtos para família e amigos; questionado sobre a acusada Cleunice informou que algumas mercadorias apreendidas pertenciam a ela, não soube dizer quais, que ela estava indo a passeio para Ribeirão Preto, mas venderia alguns produtos lá para reduzir as despesas; disse que ia esporadicamente ao Paraguai, que responde a outro processo por fato anterior ao ora analisado; informou que comercializava roupas, varejo na rua, expunha os produtos no porta-malas (mídia de fls. 282).


As testemunhas em comum Fagner Duarte e Juliano Soares Silva, os policiais militares rodoviários que participaram da ocorrência, relataram os fatos de forma uníssona, ao afirmarem que o carro conduzido pelo réu, estava em velocidade um pouco acima da permitida, que estavam em duas pessoas; no momento da abordagem já avistaram diversas mercadorias no banco de trás do carro e as demais estavam no porta-malas; que indagados, os réus afirmaram que a mercadoria era oriunda do Paraguai; ambos os policiais, questionados pela defesa de Edson, informaram que cada um assumiu parte da mercadoria sem as discriminar (mídia de fls. 282).


Nota-se que não há se desvalorizar o depoimento prestado por policiais haja vista que de acordo com jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça são válidos e revestidos de eficácia probatória os testemunhos prestados por policiais envolvidos com a ação investigativa, mormente quando em harmonia com as demais provas e confirmados em juízo, sob a garantia do contraditório. Precedentes. (AGARESP 201302495730, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA: 27/03/2014 ..DTPB:.).


Da análise do conjunto probatório, nota-se que o réu tinha pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta, vez que o mesmo transportava grande quantidade de mercadorias desprovidas de documentação legal descritas às fls. 56/73, tendo inclusive o valor dos tributos federais ultrapassado o patamar de 20mil reais que admite a incidência do princípio da insignificância, ao perfazer o total de R$ 31.667,63 (fls. 99/100), de modo que não é crível que alguém transporte tantas mercadorias nessas condições sem ter ciência da ilicitude.


Diante dos fortes fundamentos para a condenação, merece acolhida as razões apresentadas pela acusação.


Assim, comprovadas a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo do tipo (dolo), a condenação de Edson Ferreira da Silva pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, IV, do Código Penal, é medida que se impõe.


Passo à dosimetria da pena.

Nesse ponto, a acusação requereu a condenação do acusado, além de pugnar pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea prevista no art. 65, III, "d", do CP.


Assiste-lhe razão.


Na primeira fase, estabelece o artigo 59 do Código Penal as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena, a saber: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.


Inexistem elementos técnico-objetivos que permitam a majoração da pena em razão da conduta social do réu e tampouco de sua personalidade ou culpabilidade.


Os motivos do crime são, efetivamente, aqueles próprios dos delitos dessa natureza. Não houve vítima que pudesse ser individualizada e cujo comportamento pudesse interferir na dosimetria da pena. As consequências e circunstâncias do crime não são de molde a autorizar uma exacerbação da pena.


Pesa em desfavor do acusado alguns apontamentos criminais de fls. 175/195 e 213/221, mas verifico que não consta informação do trânsito em julgado de condenação penal, o que faz incidir a Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece que inquéritos e ações penais em curso, bem como processos em que foi extinta a punibilidade não configuram maus antecedentes, nem personalidade voltada para a prática de crime, nem conduta social reprovável.


Assim, ante as circunstâncias judiciais serem inteiramente favoráveis, fixo a pena-base do acusado no mínimo legal, ou seja, 1 ano de reclusão.


Na segunda fase, pelo fato de o acusado ter admitido a prática delitiva, incide a atenuante da confissão espontânea, pois o réu admitiu a prática delitiva. No entanto, em observância à Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça, que veda a redução da pena abaixo do mínimo legal em razão da incidência de circunstância atenuante, mantenho a pena intermediária em 1 ano de reclusão.


Na terceira fase, ausentes causas de aumento e diminuição da pena, fixo como definitiva a pena de 1 ano de reclusão.


Do regime prisional. Para a fixação do regime, devem ser observados os seguintes fatores: modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas a, b e c, CP); caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas b e c, CP) e circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do CP).


Tendo em vista o quantum da pena aplicada (1 ano de reclusão), fixo o regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, "c").


Substituição. Por fim, levando em consideração a pena ora estabelecida, substituo a pena privativa de liberdade por 1 (uma) restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade em favor de entidade beneficente ou assistencial, pelo tempo de duração da pena corporal, a ser designada pelo Juízo da Execução Penal, nos termos do art. 44, incisos I a III, e § 2º, do CP.


Ante o exposto, dou provimento ao recurso da acusação para condenar o réu Edson Ferreira da Silva pela prática do crime previsto no artigo 334, § 1º, IV, do Código Penal, em regime inicial aberto, substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.


É como voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MAURICIO YUKIKAZU KATO:10075
Nº de Série do Certificado: 11DE1907113F47FF
Data e Hora: 02/08/2019 10:52:03