D.E. Publicado em 28/08/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação de JULIANO AFONSO e JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO para reconhecer a nulidade dos laudos periciais produzidos e, diante da insuficiência das demais provas amealhadas durante a instrução processual para a comprovação da materialidade, absolver ambos os réus dos crimes previstos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal e artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal, mantendo-se tão somente a condenação de José Carlos Adão Afonso quanto ao delito do art. 12 da Lei nº 10.826/2003, restando definitiva a pena do réu quanto a tal crime em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto e substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, quais sejam, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, destinada a entidade beneficente, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decide fixar a pena de multa imposta a José Carlos Adão Afonso em 12 (doze) dias-multa, nos termos do voto divergente do Desembargador Federal Nino Toldo, com quem votou o Desembargador Federal José Lunardelli, vencido o Desembargador Federal Relator, que fixava a pena de multa em 45 dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO CONDUTOR
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator para o acórdão): Trata-se de apelações interpostas pela defesa de JULIANO AFONSO e JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO, em face da sentença proferida pela 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP que julgou parcialmente procedente a denúncia.
Na sessão de julgamento realizada em 18 de junho de 2019, o e. Relator, Desembargador Federal Fausto de Sanctis, deu parcial provimento à apelação de JULIANO AFONSO e JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO para reconhecer a nulidade dos laudos periciais produzidos e, diante da insuficiência das demais provas amealhadas durante a instrução processual para a comprovação da materialidade, absolver ambos os réus dos crimes previstos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal e artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal, mantendo-se tão somente a condenação de JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO quanto ao delito do art. 12 da Lei nº 10.826/2003, restando definitiva a pena do réu quanto a tal crime em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, e o pagamento de 45 (quarenta e cinco) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, quais sejam, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, destinada a entidade beneficente.
Na ocasião, acompanhei o e. Relator quanto ao mérito e à maior parte da dosimetria, mas divergi, com a devida vênia, no que tange à pena de multa, pois, conforme precedentes desta Turma, sua fixação deve se dar de forma proporcional à pena privativa de liberdade.
Assim, seguindo os mesmos parâmetros utilizados pelo e. Relator na dosimetria da pena privativa de liberdade, refaço a dosimetria da pena de multa do réu JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO para fixá-la, definitivamente, em 12 (doze) dias-multa.
Posto isso, divirjo do e. Relator apenas para DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação em maior extensão e fixar e pena de multa imposta a JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO em 12 (doze) dias-multa, acompanhando-o no mais.
É o voto.
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RELATÓRIO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
Trata-se de Apelações interpostas pela defesa constituída de JULIANO AFONSO e JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO, em face da r. sentença (fls. 513/526), que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal para:
a) CONDENAR o réu JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO como incurso nos artigos 296, § 1º, I e III, do Código Penal, 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 e 12 da Lei nº 10.826/2003, tudo na forma do art. 69 do Código Penal, à pena unificada de 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 26 (vinte e seis) dias de reclusão, e de 01 (um) ano, 10 (dez) meses e 09 (nove) dias de detenção, a serem cumpridas no regime inicial SEMIABERTO, devendo a de reclusão ser executada em primeiro lugar, por ser mais gravosa, acrescidas de 135 (cento e trinta e cinco) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mas ABSOLVÊ-LO da imputação constante do art. 296, §1º, III, do Código Penal e da imputação constante do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, relativamente à ave com anilha nº 481542, com fulcro no art. 386, II, do Código de Processo Penal;
b) CONDENAR o réu JULIANO AFONSO como incurso nos artigos 296, § 1º, III, do Código Penal e 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena unificada de 02 (dois) anos de reclusão, e de 06 (seis) meses de detenção, a serem cumpridas no regime inicial ABERTO, devendo a de reclusão ser executada em primeiro lugar, por ser mais gravosa, acrescidas de 20 (vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mas ABSOLVÊ-LO da imputação constante do art. 296, §1º, III, do Código Penal e da imputação constante do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998, relativamente às aves com as anilhas alargadas, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Narra a denúncia (fls. 347/348) que:
Diante disso, a peça vestibular denunciou JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO como incurso nas penas do art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998, artigo 296, § 1º, incisos I e III, do Código Penal e artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, todos na forma do artigo 69 do Código Penal, e JULIANO AFONSO como incurso nas penas do art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998, artigo 296, § 1º, incisos I e III, todos na forma do art. 69 do Código Penal.
A denúncia foi recebida em 27 de setembro de 2013 (fls. 349/350).
Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença, cuja baixa em Secretaria deu-se em 18.08.2015 (fl. 532).
Razões de Apelação de JULIANO AFONSO (fls. 555/566) pleiteando: 1) o reconhecimento da nulidade da sentença em razão da ausência de contraditório na perícia realizada; 2) a absolvição do acusado quanto ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998; 3) a absolvição quanto ao crime do art. 296, § 1º, incisos I e III, do Código Penal; 4) a reforma da pena pecuniária.
Razões de Apelação de JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO (fls. 567/589) pleiteando: 1) o reconhecimento da nulidade da sentença em razão da ausência de contraditório na perícia realizada; 2) a absolvição do acusado quanto ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998; 3) a absolvição quanto ao crime do art. 296, § 1º, incisos I e III, do Código Penal; 4) a absolvição quanto ao delito do art. 12 da Lei 10.826/2003; 5) subsidiariamente, a fixação das penas no mínimo legal.
Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 594/601.
A Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls. 619/623), opina pelo não provimento do recurso defensivo, mantendo-se a r. sentença condenatória em seus exatos termos.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O Senhor Desembargador Federal Fausto De Sanctis:
DA IMPUTAÇÃO
Narra a denúncia (fls. 347/348) que:
aos 05 de janeiro de 2012, por volta das 13hs, JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO franqueou a entrada de policiais militares ambientais em sua residência, os quais constataram que ele mantinha em cativeiro pássaros pertencentes à fauna silvestre nativa. Indagado pelos policiais, ele informou que ele e seu filho JULIANO AFONSO são criadores amadores, apresentando duas relações de passeriformes pertencente a ambos (fls. 10 e 87). |
Foram encontradas 27 (vinte e sete) aves acondicionadas em 23 (vinte e três) gaiolas, sendo 03 (três) "Temperá-viola", 07 (sete) "Canário-da-terra Sicalis flaveola brasiliensis", 07 (sete) "Coleirinho-papa-capim Sporophila caerulescens", 01 (um) "Coleiro-baiano Sporophila nigricollis", 01 (um) "Tico-tico Zonotrichia capensis" e 01 (um) "Sabiá-laranjeira Turdus rufiventris". As aves foram apreendidas (fls. 120/123). |
No local dos fatos, os milicianos além de encontrar tais aves, lograram êxito em localizar diversos petrechos para adulteração de anilhas de marcação de pássaros, um frasco de vidro com 78 anilhas metálicas (conforme a fls. 158, último parágrafo e certidão a fls. 330), além de relações de passeriformes em nome de diversas pessoas (auto de apresentação e apreensão a fls. 14/15). |
Pela medição das anilhas realizada pela autoridade policial, verificou-se que havia irregularidades, razão pela qual elas foram apreendidas e periciadas (fls. 157/174). |
O laudo de perícia criminal federal concluiu que se tratavam de anilhas falsas e adulteradas, estando, portanto, em desacordo com a legislação vigente. |
Consta, ainda, que nas mesmas circunstâncias de tempo e local, os milicianos lograram êxito em localizar armas e munições de uso permitido (fls. 340/341), consistente em 01 (um) revólver calibre 38, municiado com 06 (seis) cartuchos intactos, 01 (uma) garrucha de dois canos, calibre 22, 01 (uma) espingarda de fabricação artesanal, todas sem registro no SINARM/DPF e diversos cartuchos intactos para espingarda e armas de calibre 22, 32 e 38, pertencentes a JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO. As armas e munições foram apreendidas (fls. 14/15) e periciadas (fls. 133/144). |
Assim agindo, ambos os denunciados, de forma consciente e espontânea, fizeram uso indevido de selo público (anilha) falsificado, bem como mantiveram em cativeiro espécimes da fauna silvestre nativa negociando-as com terceiros criadores, sem a devida autorização da autoridade competente. |
JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO, também de forma livre e consciente, manteve no interior de sua casa, sob sua guarda, armas de fogo, com acessórios e munições, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. |
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Diante disso, a peça vestibular denunciou JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO como incurso nas penas do art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998, artigo 296, § 1º, incisos I e III, do Código Penal e artigo 12 da Lei nº 10.826/2003, todos na forma do artigo 69 do Código Penal; e JULIANO AFONSO como incurso nas penas do art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998, artigo 296, § 1º, incisos I e III, todos na forma do art. 69 do Código Penal.
PRELIMINARES
DA NULIDADE DO LAUDO PERICIAL
A Apelação dos acusados pleiteou, preliminarmente, o reconhecimento da nulidade da sentença em razão da falta de contraditório na perícia realizada, requisitando que os laudos periciais sejam considerados nulos de pleno direito e desconsiderados a embasar o decreto condenatório. Ademais, segundo sua argumentação, "referida perícia diferida ou não para o momento processual, também deixou de apreciar pontos patentes que deveriam ser levados em consideração e questionados com a defesa e colocados sumariamente de lado, isto é, não se especificou se as anilhas que estavam nos pássaros de fato se encontravam alargadas ou adulteradas, de tal forma que o boletim de ocorrência às fls. 75/78, que aduziu estarem os pássaros com anilhas 'violadas' restou duvidosa e ausente de prova a corroborar qualquer condenação".
Primeiramente, é importante ressaltar que, com relação à suposta violação à ampla defesa, a douta defesa limitou-se a arguir, de maneira genérica, que, uma vez que as perícias haviam sido realizadas sem o respeito ao contraditório, não poderiam ser utilizadas quando do julgamento do processo.
Como bem apontou a r. sentença a quo, "as perícias realizadas na fase pré processual são, em regra, irrepetíveis, enquadrando-se, portanto, na exceção prevista no art. 155 do Código de Processo Penal. No caso, verifico que as perícias realizadas obedeceram ao disposto nos artigos 158, 159, 170, 172 e 175, todos do Código de Processo Penal, razão pela qual não vislumbro alguma irregularidade que ensejasse a renovação de tais exames. E, de todo modo, as perícias tiveram seu contraditório diferido para o momento processual, durante o qual a defesa poderia tê-los questionado, inclusive indicando assistente técnico. Mas, não, a defesa tão somente alegou que as perícias não respeitaram o contraditório e, que por isso, não poderiam ser consideradas na decisão deste Julgador, ou seja, não indicou os pontos que estariam irregulares".
Nesse sentido:
Com relação à alegação de que o laudo não especificou quais eram as anilhas que estavam nos pássaros, a seu turno, verifico que assiste razão a defesa e há de ser declarada a nulidade dos laudos periciais produzidos.
Isto porque, em análise minuciosa, verifico que os laudos periciais produzidos (Laudo nº 189/2012- fls. 157/174; Laudo nº 618/2012 - fls. 300/304 e Laudo de Constatação - fl. 09 do Apenso nº 0006606-20.2012.403.6106) possuem uma série de informações divergentes e incongruentes entre si e também com os demais elementos presentes no inquérito policial, maculando-se a credibilidade do quanto afirmado nestes.
Como já relatado anteriormente, a ambos os réus foram imputadas as condutas de "fazer uso indevido de selo público (anilha) falsificada (art. 296 do Código Penal)", bem como "manter em cativeiro espécimes da fauna silvestre nativa negociando-as com terceiros criadores, sem a devida autorização da autoridade competente (art. 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998)". Com relação a JULIANO AFONSO, tais imputações referiram-se tão somente às anilhas encontradas nas aves constantes em sua lista de passeriformes, ao passo que, no que se refere a JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO, além das anilhas dos tarsos dos pássaros de seu plantel, a imputação do artigo 296 também se referia às anilhas soltas dentro de um vidro encontrado no forro de seu banheiro de uso pessoal.
Segundo consta do Auto de Apreensão e Apresentação (fls. 14/15), durante a abordagem, no referido pote de vidro de JOSÉ CARLOS teriam sido encontradas 74 (setenta e quatro) anilhas e, do tarso das 27 aves da residência dos acusados, teria sido possível a retirada de somente 04 (quatro) anilhas metálicas de modo a preservar o tarso dos pássaros com as cautelas devidas para se evitar lesões.
Nesse ínterim, o próprio Auto de Apreensão e Apresentação já falha ao não explicitar os números das anilhas que efetivamente puderam ser retiradas ou, ao menos, apontar a lista de qual dos acusados tais pássaros pertenciam.
Ocorre que, para a realização do exame pericial nº 189/2012, acostado às fls. 157/174, consta que foi encaminhado 01 (um) frasco de vidro com tampa na cor vermelha contendo 83 (oitenta e três) anilhas metálicas e uma argola metálica, tendo sido misturado seu conteúdo, sem qualquer individualização de quais eram as anilhas provenientes do tarso das aves e quais eram aquelas que estavam no pote de vidro pertencente ao réu JOSÉ CARLOS.
Esta diferenciação mostra-se de relevo ímpar no caso em concreto, uma vez que o delito do art. 29 da Lei de Crimes Ambientais refere-se tão somente à manutenção em cativeiro de espécimes da fauna silvestre nativa sem autorização da autoridade competente, ou seja, especificamente àquelas aves do plantel dos acusados que ostentavam anilhas falsificadas/adulteradas, e não ao total de anilhas falsificadas encontradas em poder dos acusados.
De qualquer maneira, é fato que tal separação poderia ser realizada com a comparação dos números das 83 anilhas listados no laudo pericial com aqueles presentes nas relações de passeriformes de cada um dos acusados (fls. 86/87). Contudo, realizada tal análise no presente voto, ainda assim não houve a perfeita congruência das anilhas, uma vez que somente 03 (três) anilhas (OA 3,5 277435; OA 3,5 573398; OA 2,8 311567) das 83 (oitenta e três) periciadas constavam na lista de passeriformes dos acusados, quando, em verdade, deveriam constar 04 (quatro) anilhas apreendidas do tarso dos pássaros, nos termos do Auto de Apreensão e Apresentação (fls. 14/15).
Ademais, além das anilhas terem sido desacertadamente misturadas, ainda que somadas, o número de anilhas encaminhadas para perícia não bate com aquele constante do Boletim de Ocorrência. Instada a se manifestar, a Delegacia de Polícia Federal em São José do Rio Preto/SP informou que "nada foi acrescentado à apreensão posteriormente à lavratura do flagrante, tendo sido garantida a cadeia de custódia. Acredita que, pela natureza dos materiais, ou seja, anilhas metálicas, o que ocorreu foi um equívoco na contagem, em razão da grande quantidade de anilhas, bem como uma vez que haviam anilhas parcialmente seccionadas, anilhas de diferentes diâmetros e, assim, umas poderiam estar presas à outras, bem como, ainda, as de menor diâmetro poderiam estar dentro de outra de maior, acreditando, assim, tratar-se apenas de erro material na contagem, não tendo o mesmo, outrossim, manipulado referidas anilhas após a data da apreensão" (fl. 330).
Não bastasse, ainda com relação ao Laudo acostado às fls. 157/174, estudando-o pormenorizadamente, é possível verificar a existência de erro ainda mais grave, uma vez que existem discrepâncias dentro do próprio laudo entre a tabela com fotografias e dimensões das anilhas (fls. 161/169) e aquela (fl. 171/172) que supostamente compilava as conclusões da análise das mesmas.
Apenas a título exemplificativo, verifiquemos os itens nº 48 e 49. Enquanto na primeira tabela estes constam como anilhas violadas, ou seja, com cortes; na segunda tabela, a conclusão referente às mesmas é de que são autênticas sem adulterações.
Ou seja, torna-se absolutamente impossível distinguir qual das duas tabelas detêm a conclusão correta acerca das anilhas, não havendo outra alternativa a não ser o reconhecimento da total imprestabilidade e nulidade do Laudo nº 189/2012 - UTEC/DPF/POR/SP (fls. 157/174).
Da mesma forma, não é diferente a conclusão com relação aos outros dois laudos acostados aos autos (Laudo nº 618/2012 - fls. 300/304 e Laudo de Constatação - fl. 09 do Apenso nº 0006606-20.2012.403.6106). Tais laudos referem-se às anilhas encontradas no tarso das 23 (vinte e três) aves que não puderam ser retiradas no momento da abordagem, sendo que o Laudo de Constatação (fl. 09), efetuado pelo IBAMA, trata das medidas de todas estas; enquanto que o Laudo nº 618/2012, efetuado por perito federal, diz respeito a tão somente 06 (seis) destas anilhas, que puderam ser posteriormente retiradas do tarso das aves e enviadas para a perícia.
Entretanto, apesar de tratarem do mesmo objeto, no que se refere à anilha OA 2,8 433440, cada um dos laudos exprime uma conclusão diversa acerca de sua legalidade. Enquanto o Laudo de Constatação (fl. 09) aponta que as medidas ostentadas pela anilha em questão estavam em desconformidade com aquelas esperadas por uma anilha autêntica do IBAMA, o Laudo nº 618/2012, ao contrário, aponta que as dimensões apresentadas são exatamente idênticas às originais.
Além disso, a anilha OA nº 404152, mencionada no Laudo de Constatação acostado à fl. 09, não consta da lista de passeriformes de nenhum dos dois acusados (fls. 86/87), em mais uma clara incompatibilidade de informações que reafirma a pouca credibilidade das perícias realizadas no presente caso.
Vale ressaltar, por fim, que, apesar de os policiais terem afirmado expressamente no Auto de Prisão em Flagrante Delito que, na abordagem, "se depararam com 27 pássaros silvestres, das espécies trinca-ferro, canário do reino, coleirinha papa capim e outras, distribuídos em gaiolas e devidamente anilhados; que JOSÉ CARLOS apresentou aos policiais relação de passeriformes do IBAMA em seu próprio nome e em nome de seu filho JULIANO; que mediante conferência entre os dados das anilhas encontrados nos pássaros e os dados declarados nas relações de passeriformes apresentadas, verificou-se a regular coincidência dos dados" (fls. 05/06), tal afirmação não mostrou-se verdadeira. Isto porque, segundo o Auto de Prisão em Flagrante Delito foram encontradas 27 (vinte e sete) aves na residência dos acusados e, da lista de passeriformes existentes em nome destes, constam 12 (doze) animais na lista de JULIANO AFONSO e 16 (dezesseis) na lista de JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO, somando-se 28 (vinte e oito), não sendo possível, entretanto, saber qual ave constante do plantel não se encontrava na residência, uma vez que não foi discriminado no Boletim de Ocorrência o número das anilhas dos pássaros apreendidos.
É realmente de se lamentar o cometimento de seguidos erros no decorrer do inquérito policial e na elaboração dos laudos periciais, especialmente porquanto relacionados com o objeto de comprovação da ação delitiva, que deve ser tratado com a máxima cautela e rigor, sob pena de desacreditar todo o futuro processo penal.
Inclusive, tais graves discrepâncias na contagem do número de anilhas não se restringiram tão somente ao inquérito policial, sendo constantes também novos erros quando do oferecimento da denúncia e, inclusive, da própria sentença a quo.
Assim, realmente, não é razoável a desconsideração de tamanha insegurança jurídica gerada por repetidos erros no curso da presente ação penal, sendo de rigor a constatação da efetiva contaminação dos laudos periciais, que devem ser excluídos e desconsiderados na aferição da materialidade e autoria delitivas.
E, diante da desconsideração do laudo pericial, em consonância com o previsto no art. 158 do Código de Processo Penal, há que se reconhecer que a materialidade delitiva de ambos os delitos do artigo 29 da Lei nº 9.605/1998 e artigo 296 do Código Penal não restou devidamente demonstrada.
Eventualmente, ainda que pudesse dispensar-se prova pericial quando outros elementos probatórios se mostrassem suficientes a embasar o reconhecimento da falsificação de selo ou de sinal público, (v.g: REsp 1552157/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 02/02/2017), este, entretanto, não é o caso dos presentes autos, no qual, diante de tantos e seguidos erros no decorrer do inquérito policial e na elaboração dos laudos periciais, não se pode afirmar de maneira firme e indene de dúvidas sequer quantas anilhas foram apreendidas no pote de vidro, quantas no tarso das aves, quais delas estavam efetivamente adulteradas e a quem pertenciam.
Ressalto que não desconheço o contexto probatório indiciário que pesa em desfavor dos réus, consubstanciado especialmente nos depoimentos das testemunhas de acusação e no Boletim de Ocorrência que dão conta da existência de anilhas fora das medidas. Importante divisar, no entanto, quanto à formação do convencimento do magistrado, que o art. 155 do Código de Processo Penal desautoriza que os elementos colhidos no inquérito policial sejam os únicos a influir no juízo de valoração probatória, sendo válida, a contrario sensu, a sua utilização quando estiverem corroborados, complementados ou reforçados pela prova judicial.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NAS INFORMAÇÕES DO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA. LAUDO PERICIAL QUE CORROBORA OS TESTEMUNHOS PRESTADOS. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não pode o magistrado fundamentar a sentença condenatória exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvada as provas cautelares não repetíveis, sendo admitido a sua utilização desde que em harmonia com a prova colhida na fase judicial. 2. Na espécie, a sentença condenatória está fundamentada em depoimentos prestados na esfera policial e na perícia realizada no local do acidente, não havendo que se falar, portanto, em ofensa ao artigo 155 do Código de Processo Penal, haja vista a ressalva prevista na parte final do referido dispositivo. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. |
(AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 762483 2015.02.05298-0, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:30/08/2017) |
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HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO. PROVAS INQUISITORIAIS. EXCLUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 155 DO CPP. PROVAS JUDICIAIS SUBMETIDAS AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. PENA-BASE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. Não se admite, no ordenamento jurídico pátrio, a prolação de um decreto condenatório fundamentado exclusivamente em elementos informativos colhidos durante o inquérito policial, no qual inexiste o devido processo legal (com seus consectários do contraditório e da ampla defesa). O juiz pode deles se utilizar para reforçar seu convencimento, desde que corroborados por provas produzidas durante a instrução processual ou desde que essas provas sejam repetidas em juízo. 2. O Juiz sentenciante confrontou elementos obtidos na fase extrajudicial com as demais provas colhidas judicialmente, submetidas, portanto, ao crivo do contraditório, de modo que não há como se proclamar a nulidade da sentença condenatória ou a absolvição do paciente. 3. Havendo as instâncias ordinárias considerado que as provas amealhadas eram suficientes a demonstrar que o paciente cometeu o delito a ele imputado, eventual pretensão absolutória enseja a necessidade de dilação probatória incompatível com a via escolhida. 4. As supostas irregularidades perpetradas na pena-base não foram objeto de exame pelo Tribunal a quo, circunstância que impede o conhecimento delas por esta Corte, sob pena de vedada supressão de instância. 5. Habeas corpus não conhecido. |
(HC - HABEAS CORPUS - 258786 2012.02.34900-5, ROGERIO SCHIETTI CRUZ, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:29/08/2016) |
Ademais, considero de maior relevo a certeza que deve pairar sobre a decisão do julgador ao proferir uma decisão condenatória, imperando-se a aplicação do princípio in dubio pro reo.
A doutrina é firme a respeito da certeza na convicção do julgador ao emitir decreto condenatório. Confira-se sobre o assunto, os comentários de Guilherme de Souza Nucci ao artigo 386 do Código de Processo Penal (in "Código de Processo Penal Comentado", 15ª Edição, ano 2016, Editora Revista dos Tribunais, pág. 857):
Prova insuficiente para a condenação: é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu - in dubio pro reo. Se o Juiz não possui provas sólidas para a formação de seu convencimento, sem poder indica-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição. Logicamente, neste caso, há possibilidade de se propor ação indenizatória na esfera cível. |
No mesmo sentido, decisão desta C. 11ª Turma acerca de crime ambiental, na qual a ausência de exame de corpo de delito também maculou a materialidade delitiva, in verbis:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, PARÁGRAGO ÚNICO, INCISO II, C.C ART. 36, DA LEI Nº 9.605/98. MATERIALIDADE. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. |
1. Foi imputada ao réu a conduta de praticar atos de pesca mediante a utilização de petrecho proibido, prevista no art. 34, parágrafo único, inciso II, c.c. art. 36, ambos da Lei nº 9.605/98. |
2. No tocante à materialidade delitiva, os elementos probatórios coligidos não permitem a formação do juízo de certeza necessário para embasar um decreto condenatório. |
3. Apelação não provida. |
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71614 - 0001476-23.2015.4.03.6113, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 05/06/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/06/2018 ) |
Assim, como corretamente pleiteado pela defesa dos acusados, reconhecida a nulidade dos laudos periciais (Laudo nº 189/2012- fls. 157/174; Laudo nº 618/2012 - fls. 300/304 e Laudo de Constatação - fl. 09 do Apenso nº 0006606-20.2012.403.6106) e, diante disso, considerando-se a incerteza quanto à materialidade delitiva, a r. sentença que os condenou merece ser reformada para que ambos os réus sejam absolvidos dos crimes previstos nos artigos. 296 do Código Penal e 29 da Lei nº 9.605/1998, nos termos do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal.
MÉRITO
DO DELITO DE POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO
O art. 12 da Lei nº 10.826/2003 prevê, in verbis:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: |
Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. |
A condenação de JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO foi impugnada pela defesa do réu em suas razões de Apelação.
Não assiste razão.
Como bem apontou a sentença a quo, há materialidade inconteste no crime, uma vez que foram apreendidos: 06 cartuchos vazios para espingarda de calibre 36; 03 (três) cartuchos recarregados para espingardas dos calibres 12, 36 e 32; 01 (um) cartucho vazio para espingarda do calibre 32; 10 cartuchos íntegros do calibre 38; 02 estojos vazios do calibre 38; 10 cartuchos íntegros do calibre 32; 79 cartuchos íntegros do calibre 22; 1 revólver do calibre 38; 01 garrucha de dois canos, calibre 38; e 01 espingarda cartucheira de fabricação artesanal, cano único, calibre 36 (Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 14/15).
Submetidos à perícia (fls. 133/144), concluiu-se que o revólver calibre 38, a garrucha calibre 38 e a espingarda mostraram-se eficientes e aptas a efetuar disparos, bem como 09 (nove) cartuchos foram atestados como eficientes. Além disso, atestou o laudo pericial que os cartuchos calibre 12, 32 e 22 não puderam ser testados devido à indisponibilidade de arma de fogo com calibre compatível.
A autoria igualmente restou devidamente comprovada. As testemunhas de acusação, ouvidas em juízo, foram enfáticas ao afirmar que encontraram as armas e munições apreendidas no forro do banheiro de uso privativo de JOSÉ CARLOS. Ademais, o próprio réu, em seu interrogatório judicial, confessou que as armas e munições eram de sua propriedade, segundo ele, "coisas antigas de família".
Com relação à alegação defensiva de que haveria de reconhecer-se a atipicidade da conduta, verifico que tal argumento não merece prosperar. A defesa argumenta que, uma vez que dos 111 cartuchos apreendidos, 102 foram considerados inaptos à produção de disparos, deveria ser reconhecida a ausência de potencialidade lesiva também das armas encontradas.
O crime de posse irregular de munição classifica-se como de mera conduta e de perigo abstrato, dispensando a comprovação do prejuízo para sua caracterização, sendo o risco à incolumidade pública inerente ao simples fato do agente possuir ou portar armas, munição ou acessório sem a autorização ou em desacordo com determinação regulamentar.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO (ART. 16, CAPUT, DA LEI 10.826/2003 - ESTATUTO DO DESARMAMENTO). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO CITRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS PELA CORTE ESTADUAL. INOCORRÊNCIA. 1. A figura incriminadora de posse de arma de fogo de uso restrito, de seus acessórios ou de munições contempla crime de perigo abstrato, cujo objeto jurídico é a segurança pública. 2. Delineado nos autos quadro revelador de perigo de lesão (potencial, em termos de risco) à coletividade e, por consequência, ao bem jurídico tutelado, o fato se reveste de contornos penalmente relevantes, o que afasta a alegada atipicidade material da conduta. 3. Não há falar em decisão citra petita quando todos os fundamentos apontados pela defesa foram examinados, ainda que a conclusão seja contrária aos seus interesses, nem em reformatio in pejus se os motivos expendidos pelo julgador em sede de apelação exclusiva da defesa não representaram advento de situação mais gravosa para o réu. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.(HC 151435 AgR, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 17/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG 29-08-2018 PUBLIC 30-08-2018) |
No caso concreto, além de as três armas encontradas terem sido atestadas como eficientes, 09 (nove) munições também foram consideradas aptas para efetuar disparos, causando estranheza a argumentação defensiva de que ausente potencialidade lesiva quando armas são encontradas sem munição.
Ainda que assim não fosse, o fato de que uma arma de fogo seja encontrada sem a presença de munições não tem o condão de macular a tipicidade do delito.
Nesse sentido, entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. INADEQUAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. POTENCIALIDADE OFENSIVA DO ARTEFATO DEMONSTRADA EM EXAME PERICIAL. MUNIÇÕES INAPTAS A CAUSAR DANOS. IRRELEVÂNCIA. TIPICIDADE DA CONDUTA. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONDENAÇÃO SEM TRÂNSITO EM JULGADO. SÚMULA 444/STJ. REGIME SEMIABERTO. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. |
POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS. WRIT NÃO CONHECIDO E ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. |
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. |
2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita. Precedente. |
3. A conclusão do Colegiado a quo se coaduna com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, pacificada nos autos do AgRg nos EAREsp n. 260.556/SC, no sentido de que o crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo abstrato, sendo irrelevante o fato de a arma estar desmuniciada ou, até mesmo, desmontada, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, e sim a segurança pública e a paz social, colocados em risco com o porte de arma de fogo sem autorização ou em desacordo com determinação legal, revelando-se despicienda a comprovação do potencial ofensivo do artefato através de laudo pericial. Precedentes. 4. Considerando que o artefato foi submetido a exame pericial, no qual foi reconhecida a sua potencialidade lesiva, o simples fato de os cartuchos igualmente apreendidos estarem "picotados" não afasta a tipicidade da conduta, devendo, pois, ser mantida a condenação ao agente pela prática do delito do art. 14 da Lei n. 10.826/2003. |
5. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido de que inquéritos e processos penais em andamento, ou mesmo condenações ainda não transitadas em julgado, não podem ser negativamente valorados para fins de elevação da reprimenda-base, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência. A propósito, esta é a orientação trazida pelo enunciado na Súmula 444 desta Corte: "É vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base." 6. Deve ser afastada a valoração negativa da culpabilidade e da personalidade do réu, pois baseada tão somente em uma condenação ainda não transitada em julgado, o que não configura fundamento idôneo para a exasperação da pena-base. 7. De acordo com a Súmula 440/STJ, "fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito". De igual modo, as Súmulas 718 e 719/STF, prelecionam, respectivamente, que "a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada" e "a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea". |
8. Malgrado a fixação da pena-base no mínimo legal e a primariedade do réu não conduzam, necessariamente, à fixação do regime prisional menos severo, os fundamentos genéricos utilizados no decreto condenatório não constituem motivação suficiente para justificar a imposição de regime prisional mais gravoso do que o estabelecido em lei (art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal). |
9. No que tange à substituição da pena corporal por restritiva de direitos, afastada a valoração negativa das circunstâncias judiciais, deve ser reconhecida a inidoneidade dos fundamentos declinados pelo magistrado processante, restando evidente a viabilidade da concessão da benesse prevista no art. 44 do CP. |
10. Writ não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, com o fim de reduzir a pena para 2 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida em regime prisional aberto, salvo se, por outro motivo, o paciente a estiver descontando reprimenda em meio mais severo, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, e reconhecer a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a serem fixadas pelo Juízo das Execuções. |
(HC 396.863/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 22/06/2017) |
De rigor, portanto, a manutenção da condenação de JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO quanto ao delito do art. 12 da Lei nº 10.826/2003.
DOSIMETRIA DA PENA
Deve o magistrado, ao calcular a reprimenda a ser imposta ao réu, respeitar os ditames insculpidos no art. 68 do Código Penal, partindo da pena-base a ser aferida com supedâneo no art. 59 do mesmo Diploma, para, em seguida, incidir na espécie as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena.
Na primeira fase de dosimetria da pena, o r. juízo sentenciante fixou a pena-base em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, e o pagamento de 45 (quarenta e cinco) dias-multa, por entender que as circunstâncias delitivas mostraram-se negativas, uma vez que JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO estava em posse de três armas aptas a efetuar disparos, e não apenas uma.
A Apelação defensiva pleiteou a redução da pena, em termos gerais, ao que não assiste razão, uma vez que o aumento procedido pela sentença a quo mostrou-se adequado e proporcional ao caso em concreto, diante da quantidade de armas de fogo apreendidas em poder do acusado.
Na segunda e terceira fases, inexistentes, agravantes, atenuantes, causas de aumento e causas de diminuição, mantida, portanto, a pena tal como fixada, qual seja, em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, e o pagamento de 45 (quarenta e cinco) dias-multa.
PENA DE MULTA
A aplicação da pena de multa, in casu, deverá observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).
Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.
Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.
Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.
Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21/07/2017).
Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal a que foi citada anteriormente).
No caso concreto, tendo restado fixada a pena de 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, proporcionalmente, a pena de multa deverá permanecer em 45 (quarenta e cinco) dias-multa, tal como fixado pelo r. juízo sentenciante.
DO REGIME INICIAL
A sentença a quo, considerando que anteriormente o réu JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO havia sido condenado pelos três delitos a que foi denunciado, estabeleceu o regime inicial SEMIABERTO para cumprimento de pena, uma vez que a somatória das penas ultrapassava quatro anos.
Considerando-se que, no presente voto, remanesceu tão somente a condenação do art. 12 da Lei nº 10.826/2003 e, tendo a pena restado fixada em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, de rigor a fixação do regime inicial ABERTO de cumprimento de pena para o acusado, nos termos do art. 33, §2º, c, do Código Penal.
DA SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO
Presentes os requisitos constantes no art. 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade de JOSÉ CARLOS deve ser substituída por duas penas restritivas de direito, quais sejam, prestação de serviços à comunidade, nos termos a serem fixados pelo juízo da Execução Penal, além de prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, ao tempo do pagamento, a entidade beneficente.
No tocante ao valor da prestação pecuniária, apenas observo que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.
No que tange à destinação da prestação pecuniária, saliente-se que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação. Sob este espeque, a destinação da prestação pecuniária ora determinada alcança fins sociais precípuos que o direito penal visa alcançar, de maneira eficaz e objetiva.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação de JULIANO AFONSO e JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO para reconhecer a nulidade dos laudos periciais produzidos e, diante da insuficiência das demais provas amealhadas durante a instrução processual para a comprovação da materialidade, absolver ambos os réus dos crimes previstos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal e artigo 29, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.605/1998, nos termos do art. 386, II, do Código de Processo Penal, mantendo-se tão somente a condenação de JOSÉ CARLOS ADÃO AFONSO quanto ao delito do art. 12 da Lei nº 10.826/2003, restando definitiva a pena do réu quanto a tal crime em 01 (um) ano, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de detenção, e o pagamento de 45 (quarenta e cinco) dias-multa, a ser cumprida em regime inicial ABERTO e substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito, quais sejam, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo, destinada a entidade beneficente.
É o voto.
Comunique-se o Juízo das Execuções Penais.
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