Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/09/2019
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000171-09.2018.4.03.6142/SP
2018.61.42.000171-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : JOSE CARLOS DE SOUZA CUNHA
ADVOGADO : SP391731 JOSE FERNANDO DO AMARAL JUNIOR (Int.Pessoal)
EXTINTA A PUNIBILIDADE : LIMAR PEREIRA DE SOUZA
No. ORIG. : 00001710920184036142 1 Vr LINS/SP

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO INDEVIDA DA DENÚNCIA. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL DA CONDUTA. DESCAMINHO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CONTUMÁCIA DELITIVA.
- Rejeição da denúncia. Para que a persecução penal possa ser instaurada e também para que possa ter continuidade no decorrer de um processo-crime, faz-se necessária a presença de justa causa para a ação penal consistente em elementos que evidenciem a materialidade delitiva, bem como indícios de quem seria o autor do ilícito penal.
- Princípio da insignificância. Surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade. O quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo o parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância, ante o argumento de que se a conduta é considerada irrelevante na seara administrativa, deve de igual modo, ser tida na seara penal. Sob esta ótica, o valor a ser considerado deve ser o aferido no momento da constituição definitiva do crédito tributário, excluído os juros e multa aplicados ao valor do tributo sonegado já no momento da inscrição do crédito em dívida ativa. Antes o valor era de R$ 10.000,00, com fundamento no artigo 20 da Lei nº 10.522, de 19.07.2002, com a redação dada pela Lei nº 11.033, de 21.12.2004, e no artigo 14 da Lei nº 11.941, de 27.05.2009. Com o advento da edição das Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça revisou a tese fixada no paradigma mencionado (REsp nº 1.112.748/TO), a fim de adequá-la ao entendimento externado pela Suprema Corte, no sentido de considerar o parâmetro estabelecido nestes atos infralegais, que estabeleceram o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como limite da aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho .
- Contumácia delitiva. Na hipótese de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se obstinação deliberada de oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas. A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima. Em relação aos crimes tributários federais e de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00, para que determinada conduta seja reputada inofensiva. A lesão constante do Fisco por meio de comedidos delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente, observável pelo conjunto da obra criminosa. Portanto, a habitualidade delitiva constitui fator idôneo ao afastamento do princípio da insignificância, ainda que a conduta criminosa não supere o referencial de R$ 20.000,00 em matéria de crimes tributários federais e de descaminho.
- No caso concreto, contumácia delitiva comprovada através de ofício emitido pela Receita Federal informando que em face do denunciado constava seis registros de processos administrativos (referentes ao perdimentos de bens ou veículos, ou da aplicação de multas decorrentes de importação irregular - todos pertencentes à jurisdições aduaneiras): 10652.720456/2012-11 de Presidente Prudente/SP; 10774.720051/2014-68 de Sorocaba/SP; 17561.720332/2014-65 e 19715.720786/2015-41 de Campo Grande/MS; 13830.720996/2014-56 de Marília/SP e 10044.720281/2015-40 de Araçatuba/SP.
- Denúncia que deve ser recebida, nos termos da Súmula 709 do Supremo Tribunal Federal, diante da presença de justa causa para a persecução penal.
- Recurso em Sentido Estrito provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito do Ministério Público Federal, para receber a denúncia em face de JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 22 de agosto de 2019.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066
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Data e Hora: 26/08/2019 13:59:24



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000171-09.2018.4.03.6142/SP
2018.61.42.000171-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : JOSE CARLOS DE SOUZA CUNHA
ADVOGADO : SP391731 JOSE FERNANDO DO AMARAL JUNIOR (Int.Pessoal)
EXTINTA A PUNIBILIDADE : LIMAR PEREIRA DE SOUZA
No. ORIG. : 00001710920184036142 1 Vr LINS/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 284/287), em face de decisão proferida e publicada na data de 25.09.2018 (fls. 280/282), pelo Exmo Juiz Federal Substituto Érico Antonini, da 1ª Vara Federal de Lins/SP, que rejeitou a denúncia oferecida em face de JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA e LIMAR PEREIRA DE SOUZA, como incurso no artigo 334, caput, c.c. artigo 29, ambos do Código Penal, pela aplicação do princípio da insignificância.


Em suas razões recursais, o órgão ministerial postula pelo recebimento da denúncia, sob o fundamento de inaplicabilidade do princípio da insignificância diante da contumácia da prática delitiva, caracterizada pela multiplicidade de ocorrências do crime de descaminho praticada pelos denunciados, conforme entendimento firmado pelos Tribunais Superiores.


Contrarrazões recursais apresentadas por JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA (fls. 300/305).


Decisão proferida na data de 07.02.2019 (fl. 313) declarou extinta a punibilidade de LIMAR PEREIRA DE SOUZA, nos termos do artigo 107, inciso I, do Código de Processo Penal, após a juntada de certidão de óbito (fl. 308).


Nesta instância, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso ministerial (fls. 320/322).


É o relatório.


Dispensada a revisão, na forma regimental.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000171-09.2018.4.03.6142/SP
2018.61.42.000171-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : JOSE CARLOS DE SOUZA CUNHA
ADVOGADO : SP391731 JOSE FERNANDO DO AMARAL JUNIOR (Int.Pessoal)
EXTINTA A PUNIBILIDADE : LIMAR PEREIRA DE SOUZA
No. ORIG. : 00001710920184036142 1 Vr LINS/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA e LIMAR PEREIRA DE SOUZA, pela prática do crime previsto no artigo 334, caput, do Código Penal (redação dada pela Lei n.º 13.008, de 26 de junho de 2014), in verbis:

Descaminho
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Narra a denúncia que, na data de 27.09.2015, JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA, previamente ajustado e em concurso e unidade de desígnios com LIMAR PEREIRA DE SOUZA, recebeu, em proveito próprio e alheio, para o exercício de atividade comercial, mercadorias de procedência estrangeira desacompanhadas de nota fiscal, anteriormente adquiridas por LIMAR.


A denúncia foi rejeitada pela aplicação do princípio da insignificância.


Posteriormente, em razão de seu falecimento, foi reconhecida a extinção da punibilidade da denunciada LIMAR PEREIRA DE SOUZA, remanescendo apenas o denunciado JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA.


DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA O INÍCIO DA PERSECUÇÃO PENAL


Para que a persecução penal possa ser instaurada e também para que possa ter continuidade no decorrer de um processo-crime, faz-se necessária a presença de justa causa para a ação penal consistente em elementos que evidenciem a materialidade delitiva, bem como indícios de quem seria o autor do ilícito penal. Trata-se de aspecto que visa evitar a instauração de relação processual que, por si só, já possui o condão de macular a dignidade da pessoa humana e, desta feita, para evitar tal ofensa, imperiosa a presença de um mínimo lastro probatório a possibilitar a legítima atuação estatal. Dentro desse contexto, dispõe o art. 395, III, do Código de Processo Penal, que a denúncia ou a queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da ação penal, o que se corporifica pela ausência de substrato probatório mínimo no sentido de comprovar a materialidade delitiva e a autoria da infração penal.


Destaque-se que a jurisprudência atual do C. Supremo Tribunal Federal tem analisado a justa causa, dividindo-a em 03 (três) aspectos que necessariamente devem concorrer no caso concreto para que seja válida a existência de processo penal em trâmite contra determinado acusado: (a) tipicidade, (b) punibilidade e (c) viabilidade. Nesse diapasão, a justa causa exigiria, para o recebimento da inicial acusatória, para a instauração de relação processual e para o processamento propriamente dito da ação penal, a adequação da conduta a um dado tipo penal, conduta esta que deve ser punível (vale dizer, não deve haver qualquer causa extintiva da punibilidade do agente) e deve haver um mínimo probatório a indicar quem seria o autor do fato típico. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO SEXUAL MEDIANTE FRAUDE (ART. 215 DO CÓDIGO PENAL). EXTINÇÃO ANÔMOLA DA AÇÃO PENAL. QUESTÕES DE MÉRITO QUE DEVEM SER DECIDIDAS PELO JUIZ NATURAL DA CAUSA. PRECEDENTES. 1. A justa causa é exigência legal para o recebimento da denúncia, instauração e processamento da ação penal, nos termos do artigo 395, III, do Código de Processo Penal, e consubstancia-se pela somatória de três componentes essenciais: (a) TIPICIDADE (adequação de uma conduta fática a um tipo penal); (b) PUNIBILIDADE (além de típica, a conduta precisa ser punível, ou seja, não existir quaisquer das causas extintivas da punibilidade); e (c) VIABILIDADE (existência de fundados indícios de autoria). 2. Esses três componentes estão presentes na denúncia ofertada pelo Ministério Público, que, nos termos do artigo 41 do CPP, apontou a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e a classificação do crime. 3. A análise das questões fáticas suscitadas pela defesa, de forma a infirmar o entendimento da instância ordinária, demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, providência incompatível com esta via processual. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, HC 144343 AgR, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 25.08.2017, processo eletrônico DJE-204 divulg 08.09.2017 public 11.09.2017)

Importante consignar que a rejeição da peça acusatória (ou mesmo a absolvição sumária do acusado) com base na inexistência de justa causa para a ação penal impõe que o julgador tenha formado sua convicção de maneira absoluta nesse sentido na justa medida em que defenestra a persecução penal antes do momento adequado à formação da culpa (qual seja, a instrução do processo-crime). Apesar de se exigir a não instauração de relação processual sem um lastro mínimo probatório (nos termos anteriormente tecidos), há que ser ressaltado que prevalece na fase do recebimento da denúncia (e também quando da aplicação das hipóteses de absolvição sumária, uma vez que o art. 397 do Código de Processo Penal aduz que somente haverá a absolvição sumária do acusado quando for manifesta a existência de causa excludente da ilicitude do fato ou de causa excludente da culpabilidade do agente ou quando o fato narrado evidentemente não constitui crime) o princípio do in dubio pro societate de modo que o magistrado deve sopesar essa exigência de lastro mínimo probatório imposto pelo ordenamento jurídico pátrio a ponto de não inviabilizar o jus accusationis estatal a perquirir prova plena da ocorrência de infração penal (tanto sob o aspecto da materialidade como sob o aspecto da autoria) - a respeito do exposto, vide a ementa que segue:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTELIONATO MAJORADO, QUADRILHA OU BANDO, FALSIDADE IDEOLÓGICA E PREVARICAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE DOLO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO ESTELIONATO. TEMA NÃO DEBATIDO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. (...) 2. A rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 4. A denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do Código de Processo Penal e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu. (...) (STJ, RHC 40.260/AM, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, 5ª Turma, julgado em 12.09.2017, DJe 22.09.2017)

Não é por outro motivo que se pacificou o entendimento em nossos C. Tribunais Superiores, bem como nesta E. Corte Regional, no sentido de que o ato judicial que recebe a denúncia ou a queixa, por configurar decisão interlocutória (e não sentença), não demanda exaustiva fundamentação (até mesmo para que não haja a antecipação da fase de julgamento para antes sequer da instrução processual judicial), cabendo salientar que o ditame insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal, de exigir profunda exposição dos motivos pelos quais o juiz está tomando esta ou aquela decisão, somente incidiria em sede da prolação de sentença penal (condenatória ou absolutória) - nesse sentido:


PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO PROFUNDA OU EXAURIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) 2. A decisão que recebe a denúncia (art. 396 do Código de Processo Penal) e aquela que rejeita o pedido de absolvição sumária (art. 397 do CPP) não demandam motivação exauriente, considerando a natureza interlocutória de tais manifestações judiciais, sob pena de indevida antecipação do juízo de mérito, que somente poderá ser proferido após o desfecho da instrução criminal, com a observância das regras processuais e das garantias da ampla defesa e do contraditório. 3. No caso dos autos, em que pese a sucinta fundamentação, o Juízo singular afastou as teses defensivas suscitadas na resposta à acusação, pois entendeu, naquele momento processual, ausentes as hipóteses de absolvição sumária do acusado, pela atipicidade do fato ou pela existência de causa excludente da ilicitude do fato ou da culpabilidade, bem como de extinção da punibilidade, nos termos do art. 397 do CPP. 4. Conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e na esteira do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, consagrou-se o entendimento da inexigibilidade de fundamentação complexa no recebimento da denúncia, em virtude de sua natureza interlocutória, não se equiparando à decisão judicial a que se refere o art. 93, IX, da Constituição Federal. (...) (STJ, HC 320.452/MS, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, 5ª Turma, julgado em 17.08.2017, DJe 28.08.2017)
PROCESSUAL PENAL E PENAL: HABEAS CORPUS. ARTIGO 334-A, §1º, IV DO CP. DENÚNCIA. APTIDÃO. REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 41 DO CPP SATISFEITOS. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DECISÃO FUNDAMENTADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. QUESTÕES QUE SE CONFUNDEM COM O MÉRITO. ORDEM DENEGADA. (...) IX - No momento do recebimento da denúncia ou da análise da resposta à acusação, o Juízo não está obrigado a manifestar-se de forma exauriente e conclusiva acerca das teses apresentadas pela defesa, evitando-se, assim, o julgamento da demanda anteriormente à devida instrução processual (...) (TRF3, 11ª Turma, HC71222 - 0002937-65.2017.4.03.0000, Relatora Desembargadora Federal CECILIA MELLO, julgado em 27.06.2017, e-DJF3 Judicial:06.07.2017)

DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA EM RELAÇÃO AO CRIME DE DESCAMINHO


Como é cediço, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, de modo que sua atuação se torne necessária em casos de relevante violação dos bens jurídicos tutelados pelo Estado.


O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, no sentido de excluir ou afastar a própria tipicidade penal nos delitos de violação mínima e assegurar que a intervenção penal somente ocorra nos casos de lesão de certa gravidade.


Dentro desse contexto, a insignificância tem o condão de afastar a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, adequação entre fato e lei penal incriminadora.


Nesse diapasão, a jurisprudência do Pretório Excelso tem exigido para a aplicação do referido princípio o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Logo, a jurisprudência de nossa Corte maior determina a aplicação do princípio de forma criteriosa e realizada caso a caso.


Especificamente no que tange ao crime de descaminho, o bem jurídico tutelado não se restringe aos valores a que tem direito a receber a Fazenda Pública, mas também abarca a própria Administração Pública, sua moralidade, bem como os valores da livre concorrência, motivo pelo qual não seria possível a aplicação do princípio da insignificância no crime de descaminho.


Como se vê, não apenas o caráter patrimonial visa ser resguardado, de modo que, neste ponto, ressalvo meu entendimento pessoal acerca da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância quanto ao crime de descaminho, porquanto ainda que se possa, em princípio, em determinados casos, considerar de pequena expressão o valor do tributo iludido, não há que se falar no reduzido grau de reprovabilidade da conduta típica, tampouco na inexpressividade da lesão jurídica, considerando que o delito em comento atinge igualmente o aspecto do interesse público (caráter dúplice).


A despeito disso, no que tange ao delito de descaminho, curvo-me ao entendimento preconizado pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Representativo da Controvérsia (que adiante será mencionado), de observância obrigatória sob o pálio do disposto no artigo 927, inciso III, do Código de Processo Civil, e que também tem sido adotado por esta Décima Primeira Turma, no sentido da possibilidade de aplicação do princípio da insignificância.


Feitas tais considerações, tem-se que a Administração Tributária edita normas sobre o valor a ser inscrito em dívida ativa. Assim, tem-se entendido que se a Fazenda não executa uma dívida civilmente em razão do valor, não se justificaria a persecução penal. Adviria desta constatação a aplicação do princípio da insignificância que, analisado em conjunto com os postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção estatal na seara penal, afasta a tipicidade penal em determinadas situações.


O quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo o parâmetro para fins de aplicação do princípio da insignificância, ante o argumento de que se a conduta é considerada irrelevante na seara administrativa, deve de igual modo, ser tida na seara penal.


Sob esta ótica, o valor a ser considerado deve ser o aferido no momento da constituição definitiva do crédito tributário, excluído os juros e multa aplicados ao valor do tributo sonegado já no momento da inscrição do crédito em dívida ativa.


Antes o valor era de R$ 10.000,00, com fundamento no artigo 20 da Lei nº 10.522, de 19.07.2002, com a redação dada pela Lei nº 11.033, de 21.12.2004, e no artigo 14 da Lei nº 11.941, de 27.05.2009.


Este valor foi elevado pela edição da Portaria n° 75, de 22.03.2012, do Ministério da Fazenda, a saber: art. 1º Determinar: I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).


No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência foi originalmente firmada no Recurso Especial Representativo de Controvérsia n.º 1.112.748/TO, oportunidade em que se fixou a orientação de que incide o princípio da insignificância aos crimes federais contra a Ordem Tributária e de descaminho, na hipótese de o débito tributário não ultrapassar a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002.


Naquela ocasião, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça passaram a adotar a possibilidade de aplicação do princípio com base no parâmetro estatuído no artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002.


Com o advento da edição das Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça revisou a tese fixada no paradigma mencionado (REsp nº 1.112.748/TO), a fim de adequá-la ao entendimento externado pela Suprema Corte, no sentido de considerar o parâmetro estabelecido nestes atos infralegais, que estabeleceram o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como limite da aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho .


Eis a ementa do acórdão:

RECURSO ESPECIAL AFETADO AO RITO DOS REPETITIVOS PARA FINS DE REVISÃO DO TEMA N. 157. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES TRIBUTÁRIOS FEDERAIS E DE DESCAMINHO , CUJO DÉBITO NÃO EXCEDA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS). ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. ENTENDIMENTO QUE DESTOA DA ORIENTAÇÃO CONSOLIDADA NO STF, QUE TEM RECONHECIDO A ATIPICIDADE MATERIAL COM BASE NO PARÂMETRO FIXADO NAS PORTARIAS N. 75 E 130/MF - R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). ADEQUAÇÃO.
1. Considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, deve ser revisto o entendimento firmado, pelo julgamento, sob o rito dos repetitivos, do REsp n. 1.112.748/TO - Tema 157, de forma a adequá-lo ao entendimento externado pela Suprema Corte, o qual tem considerado o parâmetro fixado nas Portarias n. 75 e 130/MF - R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho .
2. Assim, a tese fixada passa a ser a seguinte: incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda.
3. Recurso especial improvido. Tema 157 modificado nos termos da tese ora fixada.
(RESP 201702016211, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR - 3ª Seção, DJE: 04.04.2018)

Desta forma, em tese, o crime de descaminho mostra-se compatível com o princípio da insignificância, desde que presentes no caso concreto os requisitos que ensejam o reconhecimento da atipicidade material da conduta.


INCOMPATIBILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA À HIPÓTESE DE CONTUMÁCIA DELITIVA


Conforme exposto anteriormente, para a aplicação do princípio da insignificância exige-se a presença dos pressupostos da mínima ofensividade da conduta do agente; ausência de periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica. A ausência de qualquer destes requisitos caracteriza a relevância material do fato formalmente típico.


Na hipótese de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se obstinação deliberada de oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas.


A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima.


Em relação aos crimes tributários federais e de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00, para que determinada conduta seja reputada inofensiva. A lesão constante do Fisco por meio de comedidos delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente, observável pelo conjunto da obra criminosa.


A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal enfatiza a relevância penal do contrabando ou descaminho, independentemente do valor iludido, quando presente a reiteração delitiva:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. ARTIGO 334, § 1º, d, DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO ANTERIOR). HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CRFB/88, ART. 102, I, D E I. HIPÓTESE QUE NÃO SE AMOLDA AO ROL TAXATIVO DE COMPETÊNCIA DESTA SUPREMA CORTE. VALOR INFERIOR AO PREVISTO NO ARTIGO 20 DA LEI N.º 10.522/2002. PORTARIAS N.º 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. CIGARROS. IMPORTAÇÃO IRREGULAR. CRIME DE CONTRABANDO. REITERAÇÃO DELITIVA. COMPROVAÇÃO. INVIABILIDADE DO RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DE MÉRITO PELO JUÍZO DE ORIGEM. NOVO TÍTULO PRISIONAL. PREJUDICIALIDADE. 1. O princípio da insignificância não incide na hipótese de contrabando de cigarros, tendo em vista que, além do valor material, os bens jurídicos que o ordenamento jurídico busca tutelar são os valores éticos-jurídicos e a saúde pública. Precedentes: HC 120550, Primeira Turma, Relator Min. Roberto Barroso, DJe 13/02/2014; ARE 924.284 AgR, Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 25/11/2015, HC 125847 AgR, Primeira Turma, Relator Min. Rosa Weber, DJe 26/05/2015, HC 119.596, Segunda Turma, Relator: Min. Cármen Lúcia, DJe 26/03/2014. 2. A reiteração delitiva do delito de descaminho e figuras assemelhadas impede o reconhecimento do princípio da insignificância, ainda que o valor apurado esteja dentro dos limites fixados pela jurisprudência pacífica desta Corte para fins de reconhecimento da atipicidade. Precedentes: HC 133.566, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia DJe de 12/05/2016, HC 130.489AgR, Primeira Turma, Rel. Min. Edson Fachin DJe de 09/05/2016, HC 133.736 AgR, Segunda Turma, Relator Min. Gilmar Mendes, DJe 18/05/2016. 3. In casu, o paciente foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 334, caput, §1º, alínea d, do Código Penal, por ter sido flagrado ingressando no território nacional com grande quantidade de maços de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados da documentação legal, cujo valor total dos tributos federais não recolhidos aos cofres públicos seria, em tese, de R$ 13.593,48 (treze mil, quinhentos e noventa e três reais e quarenta e oito centavos). 4. A superveniência do julgamento do mérito de ação penal pela instância a quo torna prejudicada a impetração, considerando-se o advento do novo título prisional. Precedentes: HC 125.614, Primeira Turma, Relator Min. Rosa Weber, DJe 18/09/2015, Rcl 21.548 AgR, Segunda Turma, Relator: Min. Dias Toffoli, DJe 11/11/2015. 5. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 6. Agravo regimental desprovido. (HC-AgR 129382, LUIZ FUX, STF, 1ª Turma, DJe. Public. 16.09.2016)

Desta forma, a habitualidade delitiva constitui fator idôneo ao afastamento do princípio da insignificância, ainda que a conduta criminosa não supere o referencial de R$ 20.000,00 em matéria de crimes tributários federais e de descaminho.


DO CASO DOS AUTOS


De acordo com Boletim de Ocorrência lavrado em 27.09.2015, durante abordagem do ônibus da empresa Gontijo, em fiscalização de combate ao crime, constatou-se que o denunciado portava grande quantidade (06 fardos) de roupas (jaquetas de couro sintético e outras), desprovidas de notas fiscais (fls. 04/08). Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias (fls. 31/36) calculou o valor aproximado de R$ 23.339,55 (vinte e três mil, trezentos e trinta e nove reais e cinquenta e cinco centavos) das mercadorias apreendidas e R$ 8.168,84 (oito mil, cento e sessenta e oito reais e oitenta e quatro centavos) de tributos iludidos. Laudo merceológico elaborado pela Unidade Técnico-Científica da Polícia Federal (fls. 62/64) apontou a procedência estrangeira da mercadoria apreendida.


Em resposta a ofício, a Receita Federal informou (fls. 40/47) que em face de JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA (CPF n.º 014.543.508-30) constava seis registros de processos administrativos (referentes a perdimentos de bens ou veículos, ou da aplicação de multas decorrentes de importação irregular - todos pertencentes a jurisdições aduaneiras): 10652.720456/2012-11 de Presidente Prudente/SP; 10774.720051/2014-68 de Sorocaba/SP; 17561.720332/2014-65 e 19715.720786/2015-41 de Campo Grande/MS; 13830.720996/2014-56 de Marília/SP e 10044.720281/2015-40 de Araçatuba/SP.


Em que pese a suficiência destes elementos para a deflagração da persecução penal, evidenciando a materialidade delitiva e indícios da autoria, o r. juízo a quo rejeitou a denúncia com base na suposta atipicidade material da conduta.


Contudo, o caso reflete exatamente a mencionada impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância diante de crimes contra a ordem tributária e de descaminho pela presença da habitualidade delitiva, por força do desvalor da própria ação de quem faz do crime meio de vida, atentando contra a ordem jurídica.


Portanto, presentes os requisitos que ensejam o reconhecimento de justa causa para a persecução penal, haja vista a presença de materialidade delitiva e de indícios de autoria, bem como a subsunção dos fatos, em tese, ao tipo penal no qual JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA foi denunciado e a ausência de causa extintiva da punibilidade empregável à espécie, deve ser dado provimento ao presente Recurso em Sentido Estrito, valendo o presente Acórdão como recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, nos termos da Súmula nº 709 do Supremo Tribunal Federal, como incurso nas penas do crime do art. 334, caput, do Código Penal (redação anterior a Lei n.º 13.008/2014).


DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao Recurso em Sentido Estrito do Ministério Público Federal, para receber a denúncia em face de JOSÉ CARLOS DE SOUZA CUNHA, nos termos anteriormente expendidos.


É o voto.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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