Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 22/08/2019
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0003434-52.2003.4.03.6117/SP
2003.61.17.003434-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
EMBARGANTE : LUIZ CARLOS BERNARDO
ADVOGADO : SP195030 GUSTAVO HENRIQUE ARMBRUST VIRGINELLI (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00034345220034036117 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. ART. 19 DA LEI N. 7.492/86. FINANCIAMENTO. FRAUDE. VEÍCULO AUTOMOTOR.
1. A obtenção de financiamento mediante fraude perante instituição financeira para a aquisição de veículo automotor tipifica o delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86, ensejando a competência da Justiça Federal (STJ, CC n. 151188, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 14.06.17; STJ, CC n. 140381, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 24.06.15; STJ, CC n. 130795, Rel. Des. Conv. Walter de Almeida Guilherme, j 22.10.14; TRF da 3ª Região, CC n. 00125972020164030000, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 18.08.16; ACr n. 00033438020114036181, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 11.04.16 e ACr n. 00119825320124036181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 25.04.17).
2. Restou demonstrado que Luiz Carlos Bernardo celebrou, junto a Cia. Itauleasing de Arrendamento Mercantil, contrato de arrendamento mercantil destinado especificamente à aquisição do veículo Fiat/Tempra, ano 1997, placas BHU - 4636, chassi n. 9BD159000R9075069 (fls. 16/17), mediante a utilização de documentação contrafeita em nome de Pedro Antônio Cássio Silva (fls. 18/24), em que fora identificada, inclusive, a aposição de sua fotografia (fl. 24).
3. Não há se falar em ausência de potencialidade lesiva ao Sistema Financeiro Nacional, na medida em que, a despeito de não se exigir que o agente aufira proveito econômico para a caracterização do delito em apreço, constata-se que o financiamento não só foi concedido, como o veículo foi transferido para terceiro, Mário César Teixeira, amigo de Luiz Carlos (fls. 6/9, apenso).
4. Clara a destinação específica dada aos recursos obtidos junto à instituição financeira, qual seja, a aquisição de veículo automotor, acertada a subsunção dos fatos ao tipo penal do art. 19 da Lei n. 7.492/86.
5. Embargos infringentes desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 15 de agosto de 2019.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0003434-52.2003.4.03.6117/SP
2003.61.17.003434-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
EMBARGANTE : LUIZ CARLOS BERNARDO
ADVOGADO : SP195030 GUSTAVO HENRIQUE ARMBRUST VIRGINELLI (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
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RELATÓRIO

Trata-se de embargos infringentes opostos pela Defensoria Pública da União em favor de Luiz Carlos Bernardo em face do acórdão de fls. 573/574v., 578/580, 585/588v. e 590/591, pelo qual a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, deu parcial provimento ao recurso de apelação da defesa tão somente para fixar a pena pecuniária em 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, destinando-o, de ofício, à União, mantendo os demais termos da sentença, bem como para determinar a expedição da guia de execução para cumprimento das penas restritivas de direito, nos termos do relatório e voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy, que dava provimento à apelação para absolver Luiz Carlos Bernardo, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal:


PENAL. PROCESSO PENAL. FRAUDE NA OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO. ARTIGO 19, DA LEI 7.492/86. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. TIPIFICAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA PECUNIÁRIA. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A autoria e a materialidade do delito restaram amplamente comprovadas através do Boletim de Ocorrência de Autoria Conhecida (fls. 07/08), dos Autos de Exibição e Apreensão (fls. 09/10, 76/78), das cópias do Contrato de Leasing e dos documentos utilizados para sua celebração (fls. 16/26), do auto de prisão em flagrante delito (fls. 62/71) dos documentos e recibos referentes ao veículo fraudulentamente adquirido (fls. 31/41, 44/47, 95/96), do Laudo de Exame Documentoscópico (fls. 93/97), do boletim de ocorrência de autoria desconhecida (fls. 116), das declarações prestadas perante a autoridade policial (fls. 100, 217, 238, 239, 240, 250), pelo testemunho prestado em Juízo (fls. mídia de fls. 470) e do interrogatório do réu (fls. 406 e mídia de fls. 470).
2. A procedência ilícita e o caráter espúrio da documentação em nome de Pedro Antônio Cássio Silva acostada às fls. 08, 10, 12, 14, e 16, dos autos em apenso, utilizada para a celebração do contrato de arrendamento mercantil firmado com a Cia. Itauleasing de arrendamento mercantil (fls. 06 dos autos em apenso) que deu origem a presente ação penal é questão incontroversa nos autos, e torna patente a materialidade dos fatos delituosos ora discutidos.
3. A documentação espúria utilizada na celebração do contrato de leasing que deu ensejo à presente ação penal, em nome de Pedro Antônio Cassio Silva, mas com a sobreposição da fotografia do ora apelante, como melhor se percebe da cópia de fls. 08 dos autos em apenso, assim como a apreensão do espelho da mesma cédula de identidade na própria residência do réu, demonstram claramente que o réu firmou o contrato utilizando-se da documentação falsificada.
4. A condenação do Apelante em razão da hospedagem em um hotel, utilizando-se dos mesmos documentos em nome de Pedro Antônio Cassio Silva, e sua posterior evasão sem o pagamento dos débitos assumidos, ainda que não se preste a fazer prova direta dos fatos delituosos em discussão nos presentes autos, comprova que o Réu efetivamente se utilizava da referida documentação para práticas delituosas, o que corrobora o já extenso conjunto probatório constante dos presentes autos e tornam indene de dúvidas a sua autoria no delito de fraude na obtenção de financeira.
5. O resultado do laudo pericial de fls. 485/490 não possui o condão de influenciar no mérito da decisão, eis que totalmente inconclusivo, mesmo porque há robustos elementos indicando autoria e materialidade delitiva.
6. O uso de documento falso na prática delituosa demonstra um dolo mais intenso por parte do apelante, devendo também ser consideradas em seu desfavor a existência de condenação penal anterior, cuja punibilidade foi declarada extinta em razão do cumprimento da pena (fls. 07verso dos autos em apenso, além das sérias consequências do delito para a vítima, e em especial para Pedro Antônio Cássio Silva, razão pela qual a pena base deve ser mantida em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, devendo, entretanto, a pena pecuniária se redimensionada para o pagamento de 13 (treze) dias multa, considerando a necessária proporcionalidade no cálculo das penas privativas de liberdade e pecuniária.
7. Fixo o valor unitário da pena de multa no patamar mínimo legal, considerando a impossibilidade de se aferir a condição econômica do réu.
8. Recurso de Apelação parcialmente provido. (fls. 590/591)

Os embargos infringentes visam ao prevalecimento do voto vencido absolutório do Des. Fed. Wilson Zauhy, com os seguintes argumentos:

a) o delito perpetrado não se subsome ao tipo penal do art. 19 da Lei n. 7.492/86;
b) o leasing não se equipara ao financiamento, para fins de subsunção ao art. 19 da Lei n. 7.492/86, pois ao contrário das operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos, típica dos financiamentos, no contrato de leasing prepondera uma relação de locação do bem com opção de compra, ao final, pelo arrendatário;
c) o voto vencido expôs as diversas diferenças entre leasing e financiamento, rechaçando sua equiparação, sob pena de se ampliar a interpretação da lei penal em desfavor do réu;
d) outra distinção relevante é que, em caso de inadimplemento, enquanto no financiamento o devedor autoriza o credor a proceder à alienação da coisa financiada para a satisfação de seu crédito, com o dever de entrega ao devedor de eventual saldo remanescente, no arrendamento mercantil (ou leasing), há a possibilidade de recuperação do bem arrendado, o que ocorreu no presente caso, sendo o automóvel objeto do contrato de arrendamento mercantil apreendido e restituído à instituição financeira arrendadora em 05.10.01;
e) ainda que nomeado de financiamento, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que o contrato firmado para aquisição de veículo por intermédio de documentos falsos não se amolda ao delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86;
f) deve prevalecer o entendimento de que os fatos julgados não se amoldam à conduta típica descrita no art. 19 da Lei n. 7.492/86, absolvendo-se o recorrente;
g) requer-se a intimação pessoal da Defensoria Pública da União (fls. 594/598).

Os embargos infringentes foram admitidos (fl. 600).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 603/606).

Encaminhem-se os autos à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0003434-52.2003.4.03.6117/SP
2003.61.17.003434-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
EMBARGANTE : LUIZ CARLOS BERNARDO
ADVOGADO : SP195030 GUSTAVO HENRIQUE ARMBRUST VIRGINELLI (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
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VOTO

Financiamento. Fraude. Veículo automotor. A obtenção de financiamento mediante fraude perante instituição financeira para a aquisição de veículo automotor tipifica o delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86, ensejando a competência da Justiça Federal:


CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSO PENAL. CONDUTA EM APURAÇÃO: OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO, MEDIANTE FRAUDE, PERANTE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. TIPO PREVISTO NO ART. 19 DA LEI 7.492/86. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Nos termos do art. 109, VI, da CF, os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira são da competência da Justiça Federal nos casos determinados em lei. O art. 26 da Lei 7.492/86, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional, dispõe que a ação penal, nesses casos, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.
2. O Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar esse dispositivo, fixou o entendimento de que o crime do art. 19 da Lei 7.492/86 será da competência da Justiça federal quando os recursos obtidos mediante fraude perante instituição financeira possuírem destinação específica.
3. In casu, a conduta em apuração diz respeito à concessão de fraudulenta de financiamentos por instituição financeira com finalidade definida (aquisição de veículo automotor), o que se subsume, em tese, ao tipo previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, o que atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, nos termos do art. 26 daquele normativo.
4. Conflito conhecido para declarar a competência do juízo suscitado (...).
(Superior Tribunal de Justiça, CC n. 151188, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 14.06.17)
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. COMPRA DE VEÍCULO POR MEIO DE FINANCIAMENTO. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO.
CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. 2.
CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DA 14ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO PARANÁ.
1. Caracteriza-se o crime do art. 19 da Lei n. 7.492/1986 nos casos em que os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica. Nesse contexto, a competência é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, c/c o art. 26 da Lei n. 7.492/1986.
2. Conheço do conflito para reconhecer a competência do Juízo Federal da 14ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado do Paraná, o suscitante.
(STJ, CC n. 140381, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 24.06.15)
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. JUSTIÇA ESTADUAL X JUSTIÇA FEDERAL. COMPRA DE VEÍCULO. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CONFIGURAÇÃO DE FINANCIAMENTO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. PRECEDENTES. 2. DÚVIDAS QUANTO À EFETIVA UTILIZAÇÃO DE FRAUDE. NECESSIDADE DE MAIORES INVESTIGAÇÕES. COMPETÊNCIA DEFINIDA DE FORMA APRIORÍSTICA. 3. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DA 4ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS/MG.
1. A jurisprudência do STJ firmou entendimento no sentido de que, a depender espécie da operação realizada, pode ou não configurar-se o crime contra o sistema financeiro. Dessa forma, caracteriza-se o crime do art. 19 da Lei n. 7.492/1986 "quando os recursos obtidos junto à instituição financeira possuem destinação específica, não se confundindo, assim, com mútuo obtido a título pessoal, conduta que caracteriza o crime de estelionato". (CC 122.257/SP). No caso, verifica-se que houve a obtenção de financiamento, haja vista ter ficado estabelecida destinação específica para o dinheiro - aquisição de uma moto.
2. A definição da competência em casos como o que se apresenta, em que ainda não se iniciou a instrução probatória, deve ser firmada de forma apriorística. Dessa forma, definida a espécie da operação realizada - financiamento - e diante do contexto apresentado até o momento, o qual se subsume, em tese, ao delito do art. 19 da Lei n.
7.492/1986, deve se dar prevalência à investigação pela Justiça Federal, nos termos do art. 26 da Lei n. 7.492/1986. Após a instrução processual, acaso não fique caracterizada a obtenção fraudulenta do financiamento, não há óbice ao declínio da competência para o Juízo competente para analisar o ilícito residual.
3. Conheço do conflito para reconhecer a competência do Juízo Federal da 4ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais/MG, o suscitante.
(STJ, CC n. 130795, Rel. Des. Conv. Walter de Almeida Guilherme, j 22.1014)
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. COMPRA DE VEÍCULO POR MEIO DE FINANCIAMENTO. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DO CRÉDITO. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986.
1. A competência para processar e julgar a conduta de obtenção fraudulenta de empréstimo bancário é definida em razão da espécie da operação pretendida ou realizada.
2. Assim, se o mútuo é concedido para uma finalidade específica, compete à Justiça Federal processar e julgar o delito, enquadrado no tipo penal do artigo 19 da Lei nº 7.492/86; caso contrário, está-se diante de estelionato.
3. In casu a conduta investigada consistiu na obtenção de financiamento em nome de terceira pessoa, para a aquisição de um automóvel, caracterização de crime contra o sistema financeiro nacional.
4. Conflito conhecido e provido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara de Campo Grande/MS, o suscitado, para a condução do feito de origem, inquérito policial nº 0007471-65.2015.403.6000.
(TRF da 3ª Região, 4ª Seção, CC n. 00125972020164030000, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 18.08.16)
PENAL. PROCESSO PENAL. DELITO DO ART. 19, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 7.492/86. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. TIPICIDADE.
1. Wanderson Silva Pinho foi denunciado pela prática do delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86 porque, em 01.06.07, obteve, mediante fraude, financiamento na agência do Banco Finasa S.A., no valor de R$ 5.778,00 (cinco mil, setecentos e setenta e oito reais), com a finalidade de adquirir a motocicleta Yamaha YBR 125K, placa DYL - 5033, Cajati (SP), consistindo a fraude na apresentação de comprovante de renda falso.
2. Depreende-se dos autos que o réu efetivamente apresentou comprovante de renda que sabia ser falso, com registro de renda mensal superior à auferida, para contratação de financiamento destinado à aquisição da motocicleta Yamaha YBR 125K, placa DYL - 5033, Cajati (SP), que logrou obter, no valor de R$ 5.778,00 (cinco mil, setecentos e setenta e oito reais) em 36 (trinta e seis) parcelas de R$ 266,68 (duzentos e sessenta e seis reais e sessenta e oito centavos), totalizando o prejuízo de R$ 9.600,48 (nove mil e seiscentos reais e quarenta e oito centavos) à instituição financeira.
3. A despeito de não se exigir que o agente aufira proveito econômico para a consumação do delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86, consta dos autos que o financiamento foi concedido e a motocicleta foi adquirida pelo acusado (cfr. cópia de certificado de registro de veículo, fl. 12).
4. É insubsistente a fundamentação da sentença quanto à utilização, pelo acusado, de recurso inábil a iludir a instituição financeira, que não teria tomado as cautelas necessárias à concessão de financiamento de veículo, o que importaria numa inversão, responsabilizando-se a vítima pela consumação do delito. Nesse sentido, a Procuradoria Regional da República manifestou que o comportamento da vítima não há de ser sopesado como fator excludente da tipicidade, sendo possível sua consideração como circunstância judicial favorável ao agente para abrandamento da pena-base (fls. 485v./486).
5. Provido o recurso de apelação do Ministério Público Federal.
(TRF da 3ª Região, 5ª Turma, ACr n. 00033438020114036181, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 11.04.16)
PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ARTIGO 19 DA LEI 7.492/86. CRIME FORMAL. COMPRA DE VEÍCULO MEDIANTE FRAUDE. ARRENDAMENTO MERCANTIL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AFASTADA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO.
1. Os contratos acostados às fls. 100/114, contrariamente ao afirmado pelo Juízo a quo, se enquadram no conceito de financiamento, dado pelo próprio Banco Central do Brasil (BACEN): "Assim como o empréstimo bancário, o financiamento também é um contrato entre o cliente e a instituição financeira, mas com destinação específica dos recurso tomados, como, por exemplo, a aquisição de veículo ou de bem imóvel. Geralmente o financiamento possui algum tipo de garantia, como, por exemplo, alienação fiduciária ou hipoteca." (http://bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/servicos9.asp#2)
2. O crime de obter financiamento em instituição financeira utilizando-se de meio ou expediente fraudulento configura crime formal, que independe de resultado naturalístico para sua configuração, bastando que se perfaça o nexo entre o texto abstrato do tipo e a circunstância concreta apurada em um processo criminal. Tal fato constitui uma grande diferença entre este tipo específico e o estelionato genérico (Código Penal, art. 171), em cuja dicção consta expressamente a previsão de efetivo prejuízo da vítima para configuração do nexo típico. Trata-se, em suma, de delito pluriofensivo, instituído em defesa de diversos bens jurídicos, e que, nesses termos, independe de uma mensuração exata e concreta de lesão para sua configuração.
3. A desnecessidade de comprovação de efetivo prejuízo para a instituição financeira que concede o financiamento decorre do próprio texto normativo do art. 19 da Lei 7.492/86, o qual claramente não exige a ocorrência de resultado naturalístico consistente em prejuízo da vítima direta (a instituição financeira).
4. Nesse contexto, a suposta fraude realizada para conseguir financiamento de veículo por meio de alienação fiduciária, enquadra-se perfeitamente ao delito previsto no art. 19 da lei nº 7492/86. Precedente do STJ.
5. Não obstante o fato narrado na denúncia seja típico, ou seja, em tese subsume-se ao art. 19 da Lei n.º 7.492/86, a absolvição do apelado deve ser mantida, entretanto, por insuficiência de provas para sua condenação.
6. Verifica-se que, diferentemente do narrado na denúncia, o apelado não se valeu de número de CPF necessariamente falso para obter o financiamento do veículo, junto à instituição financeira Bradesco, pois o número de CPF utilizado, qual seja, n.º 046.268.641-80, está cadastrado em nome do apelado na Receita Federal, em situação regular.
7. O que ocorre, no caso dos autos, é que o apelado possui uma multiplicidade de números de CPF registrados na própria Receita Federal, conforme informado no Ofício nº 1636/2011 - IPL 0262/2011-4-DPF/PCA/SP.
8. Ademais, além dos elementos de prova produzidos na fase investigativa, não foi produzida qualquer prova em sede judicial, sob o crivo do contraditório. Na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal nada requereu. Também não foi arrolada qualquer testemunha judicial pela acusação.
9. Conforme dispõe o art. 155 do Código de Processo Penal: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas."
10. Recurso ministerial desprovido. Absolvição mantida.
(TRF da 3ª Região, 11ª Turma, ACr n. 00119825320124036181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 25.04.17)

Do caso dos autos. Luiz Carlos Bernardo foi denunciado pela prática do delito do art. 19 da Lei n. 7.492/86 porque teria obtido, mediante fraude, consistente na contrafação de cédula de identidade, comprovantes de residência e demonstrativos de pagamento de salário, em nome de Pedro Antônio Cássio da Silva, financiamento perante a Cia. Itauleasing de Arrendamento Mercantil, para aquisição do veículo Fiat/Tempra, ano 1997, placas BHU - 4636, chassi n. 9BD159000R9075069 (fls. 2/4).

Foi condenado a 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e a 58 (cinquenta e oito) dias-multa, no valor unitário de 1/9 (um nono) do salário mínimo, pela prática do delito do art. 19, da Lei n. 7.492/86, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária de 18 (dezoito) cestas básicas, conforme definido pelo Juízo das Execuções Criminais (fls. 515/520).

A 1ª Turma deste Tribunal deu parcial provimento ao recurso de apelação da defesa tão somente para fixar a pena pecuniária em 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, destinando-o, de ofício, à União, mantendo os demais termos da sentença, bem como para determinar a expedição da guia de execução para cumprimento das penas restritivas de direito, nos termos do relatório e voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy, que dava provimento à apelação para absolver Luiz Carlos Bernardo, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal (fls. 573/574v., 578/580, 585/588v. e 590/591).

A Defensoria Pública da União opôs então embargos infringentes, em favor de Luiz Carlos Bernardo, para que prevaleça o voto vencido do Des. Fed. Relator Wilson Zauhy, em que entendeu que a conduta do réu não se amolda ao tipo penal do art. 19 da Lei n.7.492/86, sendo também desprovida de potencialidade lesiva ao Sistema Financeiro Nacional (fls. 376/386).

No voto vencido do Des. Fed. Relator Wilson Zauhy, constou o seguinte:


(...) já tive a oportunidade, em ocasiões anteriores, de me posicionar no sentido de que a "operação de 'leasing' (arrendamento mercantil) também configura o núcleo do tipo penal descrito no artigo 19, da Lei nº 7.492/86" (TRF da 3ª Região, Apelação Criminal n° 0002614-79.1999.4.03.6181/SP. Rel. Juiz Federal Conv. Wilson Zauhy. Primeira Turma, e-DJF3: 23/12/2015). Não obstante, melhor apreciando a controvérsia, concluo não ser possível subsumir a conduta imputada ao réu ao tipo penal em comento, dada a substancial distinção fática entre as figuras do leasing e do financiamento.
Como é cediço, não se há de admitir alargamentos hermenêuticos que resultem na indevida equiparação de condutas desiguais para fins de aplicação da sanção penal àquela não expressamente contemplada pelo legislador, sob pena de violação à garantia constitucional do princípio da estrita legalidade em matéria penal (art. 5º, XXXIX da Constituição Federal de 1988).
Neste sentido, trago à colação os ensinamentos de Celso Delmanto:
"(c) Nullum crimen, nulla poena sine lege certa (taxatividade): É imprescindível que a lei penal contenha, em seus tipos, termos precisos, delimitados, decorrendo, daí, a taxatividade da lei penal, característica de sua função garantista. As leis que definem crimes devem, assim, marcar exatamente a conduta que objetivam punir, remontando à parêmia nullum crimen, nulla poena sine lege certa (não há crime nem pena sem lei certa). Assim, como decorrência da garantia da reserva legal, não podem ser aceitas leis vagas ou imprecisas, que não deixam perfeitamente delimitado o comportamento que pretendem incriminar - os chamados tipos penais abertos, como lembra Hans-Heinrich Jescheck (Tratado de Direito Penal - Parte General, 4ª ed., Granada, Editorial Comares, 1993, p. 223). O vício da imprecisão legislativa tem o condão de enodoar o dispositivo legal, por afronta à Magna Carta de 1988 (art. 5º, XXXIX), tornando-o inaplicável.
(...)
(d) Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (lei estrita): É vedado, em matéria penal, o emprego de analogia in malam partem e de interpretação com efeitos extensivos em prejuízo da liberdade. Não procede, assim, a assertiva de que seria admissível, nesse âmbito, o emprego da interpretação com efeitos extensivos, não obstante autores entendam dessa forma, como Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006, p. 55), ao afirmar que 'a interpretação, sendo um processo de descoberta do conteúdo da lei, não de criação de normas, é admitida em direito penal, tanto a extensiva quanto a analógica'. Isto porque, temos convicção, a interpretação dos taxativos termos da lei penal há de ser exata, embasando-se em critérios técnicos e precisos. Taxatividade e exatidão essas que, tratando-se de restrições a direitos individuais, são incompatíveis com a parêmia minus dixit quam voluit, ou seja, de que as palavras empregadas (ou melhor, mal empregadas) pelo legislador dizem menos do que a sempre abstrata e indefinida 'vontade da norma' ou de qual teria sido a subjetiva 'vontade do legislador'. A interpretação com efeitos extensivos afigura-se, desse modo, totalmente inconciliável com um Estado Democrático de Direito, já que a ampliação do significado literal dos termos empregados no tipo penal implica, não temos dúvida, imprecisão e falta de segurança jurídica, o que nos faz lembrar as palavras de Miguel Reale: 'a incerteza e arbítrio são incompatíveis com a vida jurídica' (Filosofia do Direito, São Paulo, Saraiva, 1956, p. 521). Inadmissível, igualmente, o emprego de analogia in malam partem em matéria penal, mesmo porque as lacunas não podem ser supridas em desfavor da liberdade, em consonância com a máxima ubi voluit dixit, ubi non dixit voluit (o que o legislador quis dizer disse; o que não quis dizer não disse). Não se defende uma visão mecanicista do juiz, dele tolhendo a atividade interpretativa, como já foi sustentado por iluministas como Montesquieu com a célebre frase 'os juízes nada mais são do que a boca que pronuncia as palavras da lei', ou Beccaria, que defendia o juiz como um impessoal "autômato da subsunção" do fato à lei, na lembrança de Claus Roxin (Derecho Penal - Parte General, 2ª ed., Madrid, Civitas, 1997, reimpressão 2006, p. 148). Aliás, como salienta o último autor citado, o juiz, na sua atividade interpretativa, deve ater-se ao significado mais próximo possível do literal, e não de seus eventuais significados correntes, usuais; assim, uma interpretação que não se encontre abrangida pelo seu sentido literal será equivalente a uma analogia fundamentadora da pena e, portanto, inadmissível. Citando vários exemplos de inadmissível ampliação do texto legal, Roxin escreve: 'A vinculação da interpretação ao limite do teor literal não é em absoluto arbitrária, mas sim deriva dos fundamentos jurídico-políticos e jurídico-penais do princípio da legalidade (...). Com efeito: o legislador somente pode expressar com palavras suas prescrições; e o que não se depreenda de suas palavras, não está prescrito, não 'rege'. Por isso, uma aplicação do Direito Penal que exceda do teor literal vulnera a autolimitação do Estado na aplicação do poder punitivo e carece de legitimação democrática' (ob. cit., pp. 149-150). Estamos, aqui, também, em total consonância com Manuel Cavaleiro de Ferreira que, comentando o Código Penal Lusitano, afirma que ele não só proíbe 'a analogia e, por isso, a aplicação das normas a casos omissos embora análogos, como também o emprego de meios que conduzam a uma interpretação extensiva (indução por paridade ou maioria de razão)' (Direito Penal Português - Parte Geral, Lisboa - São Paulo, Verbo, 1982, v. l, p. 105). Os preceitos da lei penal hão de ser interpretados de modo estrito; havendo dúvida, não se pode ampliar o texto em prejuízo da liberdade do cidadão, com fundamento, ademais, no princípio geral do direito do favor libertatis. Em resumo, e como decorrência de todo o exposto nas notas acima lançadas, a norma penal há de ser clara, precisa. Desse modo, e fazendo alusão à expressão cunhada por Reinhart Maurach (Tratado..., cit., pp. 113 e 115), nullum crimen, nulla poena sine lege scripta et stricta (não há crime nem pena sem lei escrita e estrita), não se admite margem de dúvida sobre a adequação típica da conduta imputada ao acusado, vedando-se interpretação com efeitos extensivos da norma incriminadora, bem como o emprego da analogia in malam partem. Tamanha é a relevância desse postulado que o renomado tratadista alemão salienta: foi justamente durante os anos de 1935 a 1945 da Segunda Grande Guerra e do regime nazista que houve, no território germânico, a mitigação da garantia da reserva legal, abrindo-se caminho à criação judicial do Direito Penal e, sobretudo, da punição e de sua fundamentação. Cf. ainda Roberto Delmanto Junior, As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração, 2ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2001, pp. 271-290. A propósito do tema, lembramos as palavras de Cícero: Legus servi sumus, uti liberi esse possimus, ou seja, 'somos servos da lei, para podermos ser livres'". (destaquei).
(Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar / Celso Delmanto et al. - 8ª ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Saraiva, 2010. p. 78-79).
Feitas estas observações, cumpre observar que, embora usualmente sejam tratados como institutos semelhantes, vê-se que o leasing e o financiamento, em verdade, consistem em operações substancialmente distintas, não sendo possível tomar um por outro, ainda mais para os fins de aplicação da norma penal, ante a vedação à analogia in malam partem.
Isto porque o financiamento se caracteriza por ser um contrato de "mútuo com finalidade vinculada", como nos ensina a doutrina comercialista (COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1997 e MARTINS, Francisco. Contratos e Obrigações Comerciais. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999), do que decorre que a essência deste contrato é o empréstimo de coisa fungível - comumente dinheiro -, sendo certo que a obrigação principal do mutuário é "restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade", nos termos do art. 586 do Código Civil. Assim, é de se concluir que o bem financiado figura na relação jurídica como garantia à dívida principal.
Mesmo em se tratando de alienação fiduciária em garantia, modalidade de financiamento que admite, em determinadas hipóteses, a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, a instituição financeira tem sobre o bem tão somente "o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada", cabendo ao mutuário a posse direta e o depósito do bem e sendo expressamente vedada por lei a satisfação do crédito pela mera apropriação da coisa alienada, sem que se entregue ao devedor eventual saldo apurado de sua venda (art. 66, caput e §§ 4º a 6º da Lei n° 7.428/1965, com a redação dada pelo Decreto-Lei n° 911/1969).
De outro giro, o contrato de leasing, embora apresente natureza híbrida, congregando diversas figuras jurídicas, traz como característica preponderante uma relação de locação do bem com opção de compra ao final, pelo arrendatário. Apenas secundariamente é que se revela o caráter financeiro do contrato, na medida em que a instituição arrendador conserva a propriedade do bem, concedendo o direito de uso ao arrendatário e recebendo valores não para satisfazer um crédito propriamente, como ocorre no financiamento, mas para, primeiramente, recompor os custos do bem e só depois remunerá-la pela operação travada entre as partes, sendo possível que, à exceção da modalidade comumente denominada "lease-back" - na qual o contratante já é proprietário da coisa arrendada antes da celebração do contrato -, o arrendatário sequer adquira a propriedade do bem, na hipótese de não exercício de sua opção de compra.
Por oportuno, confiram-se as seguintes definições doutrinárias acerca do contrato de leasing:
"O arrendamento mercantil compõe contrato de natureza complexa, em que o arrendador, pessoa jurídica, proprietário de bens duráveis (veículos, v. g.), disponibiliza-os ao arrendatário, pessoa física ou jurídica, para usufruto, mediante locação, com o financiamento da contraprestação respectiva, e, ainda, com opção de compra ao final da avença". (destaquei)
(CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 653).
"Tipifica o arrendamento mercantil financeiro (...) contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, são suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo do contrato e obtenha retorno sobre os recursos investidos; as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado são de responsabilidade da arrendatária; o preço para exercício da opção de compra é livremente pactuado, podendo ser, até mesmo, o valor de mercado do bem arrendado (...). Por outro lado, na modalidade operacional: as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplam o custo do arrendamento e os serviços inerentes à sua disponibilização à arrendatária, não ultrapassando o pagamento de 75% do custo do bem arrendado; as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos à operacionalidade do bem arrendado tanto podem ser de responsabilidade da arrendadora como da arrendatária; o preço para exercício da opção de compra é o valor de mercado (...)".
(FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3ª Ed. p. 549-550).
A corroborar as substanciais distinções entre os institutos, temos que o inadimplemento das obrigações de pagamento pelo devedor fiduciário autoriza ao credor proceder à alienação da coisa financiada para satisfação de seu crédito, com o dever de entrega ao devedor de eventual saldo resultante, como vimos anteriormente, enquanto que, no arrendamento mercantil, tal hipótese permite a recuperação do bem arrendado, sendo lícito ao credor "conservar os bens em seu ativo imobilizado, pelo prazo máximo de 2 (dois) anos" ou "alienar ou arrendar a terceiros os referidos bens" (art. 14, caput e incisos I e II da Resolução BACEN n° 2.309, de 28 de agosto de 1996).
Veja-se, ainda, que se tem consolidado na Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o perecimento involuntário, decorrente de caso fortuito ou força maior, do bem objeto do contrato de leasing se dá em desfavor do arrendador, e não do arrendatário, posto o caráter preponderantemente locatício do contrato antes da opção de compra e que, até lá, o arrendador é o proprietário da coisa arrendada, cabendo-lhe o dever contratual de colocá-la à disposição do arrendatário, de sorte que a impossibilidade do cumprimento de tal dever acarreta a resolução do contrato.
Neste sentido:
"(...) 17. Nos contratos sinalagmáticos em que o inadimplemento é involuntário e decorrente de caso fortuito ou força maior, a responsabilidade pelas perdas pecuniárias é do devedor (res perit debitori), devendo, pois, o prejuízo ser suportado por aquele que não pode mais cumprir a obrigação, perdendo, assim, o direito de exigir a contraprestação.
18. Até o momento da opção de compra, prepondera no contrato de arrendamento mercantil o caráter de locação, pois nem mesmo a cobrança antecipada do VRG descaracteriza o leasing em uma compra e venda a prestação. Súmula 293/STJ.
19. A prestação que se torna impossível de ser cumprida com a perda do bem por caso fortuito ou força maior é aquela que cabe ao arrendador - de pôr o bem à disposição do uso e gozo do arrendatário -, de modo que, pela teoria dos riscos, o contrato se resolveria e quem teria de arcar com os prejuízos da perda do bem teria de ser o arrendador, devedor da prestação que deixa de poder ser adimplida involuntariamente e sem culpa.
(...)". (Destaquei)
(STJ, REsp nº 1.658.568/RJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma, DJe: 18/10/2018).
De modo consideravelmente diverso, o perecimento do bem objeto de contrato de financiamento não exclui o direito subjetivo da instituição financeira à satisfação de seu crédito, eis que este subsiste, com a única diferença de que passa a estar destituído da garantia fiduciária, sendo certo que há expressa vedação legal à apropriação do bem para pagamento da dívida que seja menor do que o valor da coisa financiada, como vimos.
Não fossem tais razões suficientes para se reconhecer que a conduta do réu não se amolda ao tipo penal previsto no art. 19 da Lei n° 7.492/1986, verifico que a conduta em questão se encontra desprovida de potencialidade lesiva ao Sistema Financeiro Nacional.
É o que se extrai do fato de ter a instituição financeira arrendadora uma série de aparatos ao seu alcance para a proteção do Sistema Financeiro Nacional, aí incluídos não apenas a criteriosa análise documental empreendida pelos prepostos da instituição financeira, como o próprio direito de propriedade que a arrendadora mantém sobre o bem arrendado, o que lhe permite lançar mão de diversos institutos jurídicos de caráter possessório para reaver a coisa e evitar ou, ao menos, mitigar seu decréscimo patrimonial decorrente de eventual inadimplemento do arrendatário, mesmo na hipótese em que o contrato tenha sido celebrado mediante fraude.
Tanto isto é verdade que, no caso concreto, o automóvel objeto do contrato de arrendamento mercantil foi apreendido pela Autoridade Policial em 22/08/2000 e restituído à instituição financeira arrendadora em 05/10/2001, de sorte que a celebração do contrato de leasing em comento não causou qualquer prejuízo ao seu patrimônio, muito menos ao Sistema Financeiro Nacional (fls. 09/10 e 216).
Ainda, embora não se olvide da existência de entendimento doutrinário no sentido de que o bem jurídico tutelado pelo tipo penal previsto no art. 19 da Lei n° 7.492/1986 seja a "própria credibilidade do mercado financeiro", como leciona José Paulo Baltazar Júnior (in Crimes Federais. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2017. P. 688), o certo é que a conduta de obter arrendamento mercantil mediante fraude - além de não se subsumir ao tipo penal do artigo 19 da Lei n° 7.492/1986, como exaustivamente demonstrado -, quando não efetuada em valores significativos nem acompanhada do inadimplemento contratual pelo arrendatário, não traz em si qualquer ofensa direta ao Sistema Financeiro Nacional, de sorte que não se justifica a aplicação da sanção penal em comento.
Por tais razões, concluo não ser possível a condenação do réu pelo crime que lhe é imputado, ante a atipicidade e a ausência de potencialidade lesiva de sua conduta.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação de LUIZ CARLOS BERNARDO para absolvê-lo da acusação de cometimento do crime previsto no art. 19, caput, da Lei n° 7.492/1986, com fundamento no art. 386, III do Código de Processo Penal, divergindo do voto do E. Relator.(destaques originais, fls. 585/588v.)

Em contrapartida, no voto do Relator Des. Fed. Hélio Nogueira foi reconhecida a tipicidade da conduta:


A autoria e a materialidade do delito restaram amplamente comprovadas através do Boletim de Ocorrência de Autoria Conhecida (fls. 07/08), dos Autos de Exibição e Apreensão (fls. 09/10, 76/78), das cópias do Contrato de Leasing e dos documentos utilizados para sua celebração (fls. 16/26), do auto de prisão em flagrante delito (fls. 62/71), dos documentos e recibos referentes ao veículo fraudulentamente adquirido (fls. 31/41, 44/47, 95/96), do Laudo de Exame Documentoscópico (fls. 93/97), do boletim de ocorrência de autoria desconhecida (fls. 116), das diversas declarações prestadas perante a autoridade policial (fls. 100, 217, 238, 239, 240, 250), pelo testemunho prestado em Juízo (fls. mídia de fls. 470) e do interrogatório do réu (fls. 406 e mídia de fls. 470).
Conforme se depreende do Boletim de Ocorrência de fls. 116, Pedro Antônio Cássio da Silva declarou que, em 20/04/1999, teve sua carteira furtada, juntamente com diversos documentos pessoais. Chamado a depor perante o Juízo, Pedro Antônio confirmou o furto de seus documentos pessoais, afirmou ter enfrentado diversos problemas em razão do uso indevido dos citados documentos por terceiros e negou ter realizado qualquer contrato de arrendamento mercantil de um veículo com a Cia. Itauleasing (mídia de fls. 470).
Após a prisão em flagrante do ora Apelante, por delito alheio aos autos, o veículo adquirido através do arrendamento mercantil que deu início a presente ação penal foi apreendido na posse de Mário César Teixeira, o qual teria apresentado instrumento particular de compra e venda do automóvel que, posteriormente, também se mostrou falso (ofício de fls. 269, no qual se atesta a inexistência de cartão de assinatura para reconhecimento da firma aposta no contrato de compra e venda no cartório lá constante).
Destarte, a procedência ilícita e o caráter espúrio da documentação em nome de Pedro Antônio Cássio Silva acostada às fls. 08, 10, 12, 14, e 16, dos autos em apenso, utilizada para a celebração do contrato de arrendamento mercantil firmado com a Cia. Itauleasing de arrendamento mercantil (fls. 06 dos autos em apenso) que deu origem a presente ação penal é questão incontroversa nos autos, e torna patente a materialidade dos fatos delituosos ora discutidos.
No que tange à prova da autoria do delito, do mesmo modo restou bem comprovada, como ressaltado pelo Juízo sentenciante:
"(...)
Em que pese a afirmação da defesa, de que não há provas nos autos de que o réu tenha realizado o contrato com a Itauleasing, verifica-se que a foto usada para falsificar a carteira de identidade de Pedro Antônio, apresentada ao banco quando do financiamento do veículo, é do réu Luiz Carlos Bernardo (fl. 24).
No auto de busca e apreensão realizada na residência do réu, foram encontrados documentos de Pedro Antônio, quais sejam, o anverso de uma cédula de identidade RG 9.212.847-6, um espelho da CNH nº 069229394, PGU 39.538.637-3; um cartão de CPF nº 060.601.808-50 e um cartão magnético do banco Itaú S/A, com a sequência de nºs 4341 0074 65765 1 6906, todos em nome de Pedro Antônio Cássio da Silva (fl. 77).
E mais, o réu se hospedou no Panorama Park Hotel por quatro dias, utilizando-se da cédula de identidade de Pedro Antônio, ocasião em que deixou o hotel sorrateiramente, sem pagar as despesas (fl. 127/130). (...)" (fls. 518verso)
Com efeito, a documentação espúria utilizada na celebração do contrato de leasing, que deu ensejo à presente ação penal, em nome de Pedro Antônio Cassio Silva, mas com a sobreposição da fotografia do ora apelante, como melhor se percebe da cópia de fls. 08 dos autos em apenso, assim como a apreensão do espelho da mesma cédula de identidade na própria residência do réu, demonstram claramente que o réu firmou o contrato, utilizando-se da documentação falsificada.
Ademais, a condenação do Apelante em razão da hospedagem em um hotel, utilizando-se dos mesmos documentos em nome de Pedro Antônio Cassio Silva, e sua posterior evasão sem o pagamento dos débitos assumidos, ainda que não se preste a fazer prova direta dos fatos delituosos em discussão nos presentes autos, comprova que o réu efetivamente se utilizava da referida documentação para práticas delituosas, o que corrobora o já extenso conjunto probatório constante dos presentes autos e tornam indene de dúvidas a sua autoria no delito de fraude na obtenção de financiamento.
O leasing realizado pelo agente com documentação adulterada constitui o crime do art. 19 da Lei nº 7.492/86, conforme se observa do seguinte precedente do E. TRF4:
"PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. LEI Nº 7.492/86, ARTIGO 19, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO. OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO. LEASING FINANCEIRO. SIMULAÇÃO DE COMPRA E VENDA DE EQUIPAMENTOS INDUSTRIAIS. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS FRIAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA OFICIAL. 1. Os contratos de arrendamento mercantil ou leasing possuem natureza predominantemente de financiamento, razão pela qual as fraudes perpetradas junto às instituições financeiras com o intuito de obtê-los tipificam a conduta ilícita descrita no artigo 19 da Lei nº 7.492/86. 2. Para a caracterização da conduta ilícita prevista no artigo 19 da Lei nº 7.492/86 não é necessário que o agente tenha a intenção de inadimplir o contrato de financiamento firmado com a instituição financeira, tendo em vista que a fraude se consuma no momento em que ele, com base nos documentos falsificados, obtém o financiamento. 3. Comprovada a conduta descrita na denúncia em relação aos réus quanto à prática do delito de obtenção de financiamento mediante fraude perante instituição financeira oficial, e uma vez inexistindo causas excludentes de culpabilidade ou antijuridicidade, deve ser mantida a sentença condenatória. 4. Tendo sido o financiamento concedido pelo Banco do Brasil, através de sua subsidiária BB Leasing S/A Arrendamento Mercantil, é inegável que a conduta foi praticada em detrimento do interesse da União, já que o crédito concedido teve origem em recursos oficiais. Além disso, conforme precedentes jurisprudenciais do E. STJ, as sociedades de arrendamento mercantil são equiparadas às instituições financeiras.A TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO , NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
(ACR - APELAÇÃO CRIMINAL 2004.04.01.044138-9, DÉCIO JOSÉ DA SILVA, TRF4 - SÉTIMA TURMA, DJ 16/08/2006 PÁGINA: 677)

Não assiste razão à embargante.

Restou demonstrado que Luiz Carlos Bernardo celebrou, junto a Cia. Itauleasing de Arrendamento Mercantil, contrato de arrendamento mercantil destinado especificamente à aquisição do veículo Fiat/Tempra, ano 1997, placas BHU - 4636, chassi n. 9BD159000R9075069 (fls. 16/17), mediante a utilização de documentação contrafeita em nome de Pedro Antônio Cássio Silva (fls. 18/24), em que fora identificada, inclusive, a aposição de sua fotografia (fl. 24).

Não há se falar em ausência de potencialidade lesiva ao Sistema Financeiro Nacional, na medida em que, a despeito de não se exigir que o agente aufira proveito econômico para a caracterização do delito em apreço, constata-se que o financiamento não só foi concedido, como o veículo foi transferido para terceiro, Mário César Teixeira, amigo de Luiz Carlos (fls. 6/9, apenso).

Clara a destinação específica dada aos recursos obtidos junto à instituição financeira, qual seja, a aquisição de veículo automotor, acertada a subsunção dos fatos ao tipo penal do art. 19 da Lei n. 7.492/86.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes opostos pela Defensoria Pública da União em favor de Luiz Carlos Bernardo.

Observe-se, no tocante às intimações da Defensoria Pública da União, o art. 44, I, da Lei Complementar n. 80, de 12.01.94.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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