D.E. Publicado em 02/09/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR A PRELIMINAR e no mérito, NEGAR PROVIMENTO à Apelação de APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO, e DAR PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal para condenar os réus MOISÉS SILVA DOS REIS e APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público Federal, inicialmente, em face de MOISÉS SILVA DOS REIS (fls. 188/190), como incurso nas penas do artigo 70 da Lei n.º 4.117, de 27 de agosto de 1962, e artigo 339 do Código Penal. Posteriormente, o órgão ministerial apresentou aditamento à denuncia (fls. 309/312), aduzindo a existência de prova de materialidade e indícios de autoria suficientes quanto à prática do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472, de 16 de julho de 1997, por MOISÉS SILVA DOS REIS e APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO, na forma do artigo 29 do Código Penal.
De acordo com o aditamento da denúncia, recebido na data 02.12.2015 (fls. 320/321), os acusados instalaram e utilizaram, de modo habitual, estação de radiocomunicação (radiodifusão) desprovida de autorização legal. (...) O equipamento utilizado na atividade clandestina foi apreendido em 10 de novembro de 2010 (f. 21-23 e 28-29), na residência de Moisés Silva dos Reis, e posteriormente periciado pela Polícia Federal (f. 133-136). (...) Quanto à autoria, há indícios suficientes para embasar a acusação contra ambos os denunciados. Em recente depoimento, Moisés Silva dos Reis admitiu que instalou e programou a estação de rádio clandestina, utilizada para veiculação de conteúdo religioso ministrado por Aparecido Albuquerque de Araújo, conhecido por missionário Araújo, o qual foi apontado como proprietário dos equipamentos e responsável pelo funcionamento da rádio (...).
Sentença de improcedência da pretensão punitiva estatal (fls. 713/717) proferida e publicada na data de 12.04.2018, pela Exma. Juíza Federal Luciana da Costa Aguiar Alves Henrique, da 1ª Vara Federal de São João da Boa Vista/SP, para absolver os acusados MOISÉS SILVA DOS REIS e APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAUJO, da prática do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, com fundamento no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal (existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu da pena), pois, apesar de reconhecer a materialidade e autoria dos delitos imputados, não se verifica a lesividade da ação a fim de justificar a responsabilidade criminal dos acusados.
O órgão ministerial apelou (fls. 720/727) aduzindo que restou devidamente comprovada a materialidade e autoria do delito imputado, devendo ser afastado o reconhecimento do princípio da insignificância, com a condenação dos réus.
Por sua vez, o acusado APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO apelou (fls. 764/779) aduzindo, preliminarmente, cerceamento de seu direito de defesa requerendo a anulação da sentença com a conversão do julgamento em diligência, consistente em identificar os proprietários do imóvel nº 93, da Rua Xavantes (...), na cidade de Mogi Mirim e deles colher informes sobre o nome do dono da antena instalada no quintal do imóvel, bem como se o responsável pela instalação seriam as pessoas de nomes EDVALDO e/ou MOISÉS, este último conhecido com 'japonês da eletrônica'. No mérito, requer a absolvição, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação).
Contrarrazões apresentadas por MOISES SILVA DOS REIS (fls. 735/743), por APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO (fls. 746/757) e pelo Ministério Público Federal (fls. 782/784).
Nesta instância, a Procuradoria Regional da República (fls. 792/795) emitiu parecer pelo não conhecimento do recurso do réu APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO, e, caso conhecido, que seja negado provimento, e pelo provimento do recurso ministerial.
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de MOISÉS SILVA DOS REIS e APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472, de 16 de julho de 1997:
De acordo com aditamento da denúncia (fls. 309/312), os denunciados instalaram e utilizaram, de modo habitual, estação de radiocomunicação (radiodifusão) desprovida de autorização legal.
DA PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA
Em suas razões de Apelação, o acusado APARECIDO DE ALBUQUERQUE DE ARAÚJO alega cerceamento de seu direito de defesa pelo indeferimento da diligência requerida, consistente em identificar os proprietários do imóvel nº 93, da Rua Xavantes (...), na cidade de Mogi Mirim e deles colher informes sobre o nome do dono da antena instalada no quintal do imóvel, bem como se o responsável pela instalação seriam as pessoas de nomes EDVALDO e/ou MOISÉS, este último conhecido com 'japonês da eletrônica'.
Com tal diligência, pretende, o apelante, comprovar que não foi o responsável pela instalação dos equipamentos de estação de radiodifusão apurada nos autos.
A esse respeito, ressalta-se que compete ao juiz decidir sobre a necessidade e conveniência da produção das provas e diligências solicitadas, não havendo óbice a que o julgador, de maneira fundamentada, indeferir provas que repute nitidamente impertinentes ou irrelevantes para a formação de sua convicção racional sobre os fatos, mesmo que a parte não as tenha requerido com intuito procrastinatório.
No caso dos autos, apura-se a prática do delito de desenvolvimento clandestinamente de atividades de telecomunicações, nos termos descritos no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, sendo desnecessário, para configuração do crime, a comprovação da propriedade dos equipamentos apreendidos ou a responsabilidade pela instalação, bem como a finalidade da rádio comunitária, conforme já decidido nesta E. Corte:
Portanto, não se observa que tenha sido violado o direito de defesa do acusado, tratando-se de diligência despicienda, de forma que afasto a matéria preliminar.
DO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 183 DA LEI N.º 9.472/1997 E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
É sabido que desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicações é conduta que caracteriza delito de natureza permanente, cuja consumação se protrai no tempo, caracterizando, assim, sua habitualidade, que somente se interrompe com a cessação da conduta.
Nesse contexto, as Cortes Superiores consolidaram entendimento no sentido de uma vez reconhecida a atividade clandestina de telecomunicações habitual, o réu deve ser condenado como incurso no art. 183 da Lei nº 9.742/1997.
Nesse mesmo sentido, arestos dos Pretórios Excelsos e deste E. Tribunal:
No caso dos autos, restou comprovado o funcionamento de rádio clandestina, de atividade constante, sem licença do órgão competente, configurando o exercício de atividade clandestina de telecomunicação, nos termos previstos no artigo 183 da Lei nº 9.742/1997.
Quanto à aplicação do princípio da insignificância ao caso, no que tange ao crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação (art. 183 da Lei n.º 9.472/1997), mostra-se impertinente o postulado da bagatela tendo em vista que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se independentemente da ocorrência de dano - desta feita, diante de mácula a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.
Consigne-se, ademais, que a mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea, embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em razão do aparecimento de frequências espúrias, motivo pelo qual, além de presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que age ao arrepio das normas de regência.
Ressalte-se que a jurisprudência pátria é uníssona em não permitir o reconhecimento do princípio da insignificância em sede de crime de desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação (pelos motivos anteriormente declinados), conforme se infere das ementas que seguem:
Desta feita, inaplicável o princípio da insignificância ao delito delineado no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.
DA MATERIALIDADE DELITIVA
A materialidade delitiva restou devidamente comprovada através de Notitia Criminis enviada pela Anatel (fls. 03/08), na data de 17.06.2010, referente ao funcionamento de atividade clandestina da entidade denominada 'Radio 98 FM', operando o Serviço de Radiodifusão Sonora em FM e utilizando a radiofrequência de 98,7 MHz e 354 MHz, sem a devida autorização desta Agência Reguladora, constatando a existência de um transmissor situado na última travessa da Avenida do Atlântico, atrás do condomínio Morro Vermelho, e um estúdio situado na rua Arnaldo Bentamaro, n.º 438, ambos na cidade de Mogi Mirim/SP.
Em cumprimento a mandado de busca e apreensão (fl. 21), agentes da polícia federal acompanhados de agentes de fiscalização da Anatel, efetuaram a apreensão de um transmissor de link, 6.7 watts, marca Sinteck, uma CPU, sem marca ou número de série aparente, uma mesa de som marca Spirit, de acordo com auto de apresentação e apreensão (fl. 28), todos na residência de MOISÉS SILVA DOS REIS, situada na rua Arnaldo Bentamaro, n.º 438, na cidade de Mogi Mirim/SP. Laudo de perícia criminal elaborado pela Unidade Técnico-Científica da Polícia Federal (fls. 133/136), concluiu que o transmissor de enlace examinado opera na região do espectro de frequências utilizado pelo serviço limitado privado (SLP), de 335,4 a 360,4 MHz, portanto, é capaz de causar interferência nas comunicações legalizadas que operem na mesma frequência ou em frequências próximas, dentro de sua área de cobertura.
Consta, por fim, nota técnica, auto de infração e relatório de fiscalização realizados pela Anatel (fls. 137/151), concluindo que da vistoria técnica presencial realizada para atendimento da denúncia que a estação utiliza o espectro radioelétrico de forma aleatória, sem permissão do Poder Concedente e sem amparo legal; que teve suas atividades interrompidas, os equipamentos utilizados clandestinamente relacionados no Termo de Apresentação. Os agentes de polícia arrecadaram e encaminharam os equipamentos para autoridade policial que determinou a apreensão e providenciou as medidas legais cabíveis.
AUTORIA E ELEMENTO SUBJETIVO
Em declarações prestadas perante a autoridade policial, na data de 10.11.2010, MOISÉS SILVA DOS REIS relatou (fls. 24/25) que há dois anos aproximadamente se mudou para Mogi-Mirim; que como teve dificuldade em arrumar emprego em sua área, acabou optando por montar uma rádio para manter sua família; QUE confirma que era o único proprietário da rádio, que funcionava na frequência 98.7 MHz; QUE informa que seu transmissor é de pequena potência (15 watts); QUE a rádio funcionava de 08 às 18 horas; QUE a rádio tocava música e veiculava alguns comerciais; QUE nesta data, os Agentes de Polícia Federal desta delegacia bateram a porta do declarante, juntamente com os fiscais da ANATEL, sendo estes recebidos pelo declarante e sua esposa; QUE o declarante franqueou a entrada de todos em sua residência e os apresentou um pequeno quarto onde funcionava os equipamentos da referida rádio; QUE tinha noção de que sua rádio era irregular, mas não tinha noção que se tratava de crime; QUE tentou regularizar a situação da rádio, mas desistiu pois havia muita dificuldade devido à burocracia; QUE comprou os equipamentos da rádio por meio do pastor CLAUDIO, da Igreja Batista de Mogi-Mirim; QUE não sabe o nome completo de CLAUDIO, nem seu endereço ou telefone; QUE gostaria de ressaltar que CLAUDIO não trabalha com rádio, e que somente levou ao declarante a uma fábrica na cidade de São Paulo, onde o declarante adquiriu o transmissor; QUE a mesa de som e o computador apreendidos já pertenciam ao declarante; QUE pelo que se recorda, o transmissor foi comprado em loja e/ou fábrica, denominada SIMTEC, mas não se recorda o endereço; QUE comprou o aparelho por R$ 2.000,00; (...).
Em audiência admonitória de proposta de transação penal em face MOISÉS SILVA DOS REIS, nos termos do artigo 76 da Lei n.º 9.099/95, realizada perante o Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Moji Mirim (através de carta precatória -fl 162) constata-se que pelo Ministério Público do Juízo Deprecante foi feita a proposta de prestação pecuniária no importe de R$ 200,00, pelo prazo de um ano, a entidade assistencial indicado por este Juízo, ou prestação de serviços à comunidade pelo prazo de um ano. O autor dos fatos RECUSOU AS DUAS propostas formuladas, 'DE FORMA ALTERNATIVA'. Alega que o verdadeiro proprietário é o Sr. Aparecido Albuquerque de Araújo, vulgo, missionário Araújo, com endereço (...), sendo que a rádio está funcionamento no endereço Rua Orlandino de Abreu, 48, Bairro Jd. Zaniboni I, CEP 13848-060, Moji Guaçu, sob a frequência 102.3 (FM).
Em juízo, foram colhidos os seguintes testemunhos:
Fernando Juliano de Castro (mídia acostada a fl. 433), perito da polícia federal, ratificou o laudo da perícia elaborado, afirmando que o equipamento periciado é um transmissor de enlace (que faz um link), usado quando em um local tem a programação da rádio e em outro local tem a transmissão do sinal daquela rádio, que poderia estar a quilômetros de distância.
A testemunha Celso Luiz Maximimo (mídia fl. 435), agente de fiscalização da Anatel, afirmou que o transmissor principal estava em uma chácara, sem endereço específico, tendo sido determinada a localização determinada por aproximação, conforme constante na notitia criminis (não tendo um endereço específico), verificada pelo próprio depoente. Explicou que no mandado de busca e apreensão constou apenas o endereço do estúdio, portanto, não foi feita a abordagem da localização do transmissor principal. Relatou que como eles utilizavam de dois endereços para fazer a rádio funcionar, o acusado cometia duas vezes o crime de utilização de radiofrequência sem autorização (...), uma em 354,8 para transmitir do estúdio para o transmissor e outra de 98,7 para irradiar para ser recebido por outros rádios.
A testemunha Claudio Socolovithc (mídia fl. 500) afirmou que sabia que MOISÉS SILVA DOS REIS operava estação de rádio, tendo inclusive feito alguns programas, sem, contudo, ter ciência que se tratava de rádio clandestina. Perguntado sobre o proprietário da rádio, afirmou que em um primeiro momento MOISÉS SILVA DOS REIS tinha a rádio e parou, posteriormente, APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO teria procurado MOISÉS para comprar outra rádio. Negou que tenha ido para São Paulo comprar equipamentos para a rádio com MOISÉS SILVA DOS REIS, alegando que APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO quem foi.
A testemunha Cleusa Regina Franco (mídia fl. 548) afirmou que fazia programas na rádio de MOISÉS, não sabendo que era clandestina (nome da rádio era "Última Trombeta" - frequência 98.7). Aduziu que muitos religiosos faziam programas na rádio de MOISÉS SILVA DOS REIS. Não apontou vinculação da rádio com o APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO.
Por sua vez, Arlindo Cesar Pelegrino (mídia fl. 578) alegou que MOISÉS SILVA DOS REIS tem uma rádio na cidade Moji-Mirim, sem saber precisar outras informações. Afirmou que frequentou a casa de MOISÉS para pagamento dos programas que veiculava, inclusive para o acusado APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO. Relatou que era o responsável pelo pagamento da programação que o pastor Araújo (APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO) tinha na rádio.
Por fim, Maurilis Aparecido Constâncio (mídia fl. 586) aduziu que tinha conhecimento da rádio clandestina de MOISÉS SILVA DOS REIS. Não relatou relação da rádio com o APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO.
Em interrogatório judicial, o réu MOISÉS SILVA DOS REIS (mídia acostada à fl. 637) relatou que APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO o procurou para comprar e pagou os equipamentos apreendidos. Que foram adquiridos um transmissor e link, e inicialmente a rádio funcionou com link, posteriormente o acusado desenvolveu um sistema que era via internet, não necessitando mais do link, mudança ocorrida em data próxima a apreensão dos equipamentos. Aduziu que o link jogava o sinal para um sítio que o corréu APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO teria alugado quando iniciaram as atividades, onde colocou a torre que ficava o transmissor. Alegou que o funcionário de APARECIDO, Maurilis Aparecido Constâncio, que ajudou a montar. APARECIDO teria prometido pagar R$ 2.000,00 pela operação da rádio clandestina, mas, depois de tudo montado, pagou R$ 600,00 por mês. Relatou que havia um computador na Igreja de APARECIDO que mandava a programação para o interrogado. Aduziu que APARECIDO tinha conhecimento da ilicitude e que, após a apreensão dos equipamentos teria ligado para o corréu e que este pediu que assumisse a propriedade da rádio e que contrataria advogados. Afirmou, por fim, que as testemunhas de defesa de APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO são pessoas ligadas a ele (funcionários e colaboradores da igreja).
Por sua vez, APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO, relatou em interrogatório judicial (mídia fl. 637) que nunca teve rádio, que quando MOISÉS SILVA DOS REIS mudou de São Paulo para Moji-Mirim, instalou a rádio na cidade, sendo que um pastor indicou a rádio ao depoente aí eu conversei com ele e botei um programa no ar, na rádio dele, assim como diversos outros pastores que faziam programas, eu pagava o meu horário, assim como todos os outros pagavam o horário. Alegou que a torre utilizada por MOISÉS fica na rua Xavantes, local que está até hoje. Aduziu que fazia o programa da igreja e que tem programa na rádio difusora de Ouro Fino, todos os domingos. Pagava R$ 3.000,00 por mês para os programas que veiculava na rádio de MOISÉS. Fazia 3 horários mais os cultos.
Analisando todo o conjunto probatório, há nos autos elementos suficientes que comprovam a autoria delitiva imputada a MOISÉS SILVA DOS REIS e APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO, inclusive pela própria confissão dos réus, com conhecimento de tratar-se de rádio clandestina, bem como da ilicitude da conduta perpetrada. Ressalta-se que, conforme anteriormente destacado, para configuração do crime em questão, desnecessária a comprovação da propriedade dos equipamentos apreendidos ou a responsabilidade pela instalação, bem como a finalidade da rádio comunitária.
Portanto, restou comprovado que os réus desenvolveram atividade clandestina de telecomunicação, incorrendo no delito capitulado no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997, estando caracterizado o dolo na vontade livre e consciente da prática delitiva.
DA DOSIMETRIA DA PENA
O cálculo da pena deve ater-se aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal. Assim, na primeira fase da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos.
Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 e 65, ambos do Código Penal.
Finalmente, na terceira fase, incidem as causas de aumento e de diminuição.
1 - Do réu MOISÉS SILVA DOS REIS
1ª Fase - Analisando detalhadamente os requisitos previstos no artigo 59 do Código Penal, constata-se que:
A culpabilidade é normal à espécie, não tendo o condão de exasperar a pena-base.
Quanto aos antecedentes criminais, ressalta-se que, nos termos da Súmula n. º 444 do STJ, é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base (Data da Publicação - DJ-e 13-5-2010). Tal enunciado coaduna-se com o princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), pois inviabiliza que, antes que haja o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, eventuais procedimentos criminais instaurados e não encerrados em definitivo sejam invocados para a majoração da pena-base, prejudicando o réu. Em suma, apenas se existirem condenações criminais transitadas em julgado, e somente se estas não servirem para a conformação da reincidência, é que se justificaria, no cálculo da primeira fase, reputar como desfavoráveis os vetores referentes à conduta social, personalidade do agente e/ou maus antecedentes. No caso concreto, as certidões de antecedentes criminais acostadas aos autos não apontam a existência de condenação criminal transitada em julgado.
Quanto à personalidade e conduta social do réu, deixo de valorá-las negativamente, pois ausentes elementos para sua aferição. Quanto ao motivo, consequências, circunstâncias do crime e comportamento da vítima deixo de valorá-las negativamente, pois são normais à espécie.
Pena-base fixada em 02 (dois) anos de detenção.
2ª Fase - Sem circunstâncias agravantes ou atenuantes.
3ª Fase - Inexistentes causas de aumento ou diminuição da pena.
Desse modo, fixo a pena definitiva em 02 (dois) anos de detenção.
Regime inicial ABERTO, nos termos do art. 33, §2º, "c", do Código Penal.
2- Do réu APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO
1ª Fase - Analisando detalhadamente os requisitos previstos no artigo 59 do Código Penal, constata-se que:
A culpabilidade é normal à espécie, não tendo o condão de exasperar a pena-base.
Quanto aos antecedentes criminais, ressalta-se que, nos termos da Súmula n. º 444 do STJ, é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base (Data da Publicação - DJ-e 13-5-2010). Tal enunciado coaduna-se com o princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF), pois inviabiliza que, antes que haja o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, eventuais procedimentos criminais instaurados e não encerrados em definitivo sejam invocados para a majoração da pena-base, prejudicando o réu. Em suma, apenas se existirem condenações criminais transitadas em julgado, e somente se estas não servirem para a conformação da reincidência, é que se justificaria, no cálculo da primeira fase, reputar como desfavoráveis os vetores referentes à conduta social, personalidade do agente e/ou maus antecedentes. No caso concreto, as certidões de antecedentes criminais acostadas aos autos não apontam a existência de condenação criminal transitada em julgado.
Quanto à personalidade e conduta social do réu, deixo de valorá-las negativamente, pois ausentes elementos para sua aferição. Quanto ao motivo, consequências, circunstâncias do crime e comportamento da vítima deixo de valorá-las negativamente, pois são normais à espécie.
Pena-base fixada em 02 (dois) anos de detenção.
2ª Fase - Sem circunstâncias agravantes ou atenuantes.
3ª Fase - Inexistentes causas de aumento ou diminuição da pena.
Desse modo, fixo a pena definitiva em 02 (dois) anos de detenção.
Regime inicial ABERTO, nos termos do art. 33, §2º, "c", do Código Penal.
PENA RESTRITIVA DE DIREITOS
Presentes os requisitos estipulados pelo artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas penas restritivas de direito, para cada um dos réus: a primeira consistente na prestação de serviços à comunidade, em entidade que preste assistência social, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade e a segunda de prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada a entidade social, atendendo o art. 45, § 1º, do Código Penal, uma vez que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação. Muito embora se cuide de crime contra a administração pública em geral, a destinação da prestação pecuniária ora determinada alcança fins sociais precípuos que o Direito Penal visa atingir, de maneira eficaz e objetiva.
PENA DE MULTA
Embora o preceito secundário do art. 183 da Lei n.º 9.472/1997 determine a aplicação de multa no valor fixo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é consolidado o entendimento, nesta Corte, no sentido de que a pena de multa estabelecida na Lei n.º 9.472/1997 viola o princípio da individualização da pena. Inclusive, em sessão de julgamento realizada em 29.06.2011, o Órgão Especial desta Corte declarou, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade Criminal nº. 0005455-18.2000.4.03.6113, a inconstitucionalidade da expressão "de R$ 10.000,00", a qual consta do preceito secundário do art. 183 da Lei n.º 9.472/1997:
Portanto, a aplicação da pena de multa, in casu, deverá observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).
Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.
Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.
Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.
Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11.07.2017, e-DJF3: 21.07.2017).
Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal a que foi citada anteriormente).
No caso concreto, considerando que a pena privativa de liberdade foi estabelecida em 02 (dois) anos de detenção (pena mínima fixada para o delito imputado ao réu), fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor unitário de1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, para cada um dos réus.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA
Acerca da possibilidade de execução provisória da pena, deve prevalecer o entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto no art. 283 do CPP, nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no sentido de que não há óbice ao início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, desde que esgotados os recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias.
Assim, exauridos os recursos cabíveis perante esta Corte, mesmo que ainda pendente o julgamento de recursos interpostos perante as Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), deve ser expedida Carta de Sentença, bem como comunicação ao juízo de origem, a fim de que se inicie, provisoriamente, a execução da pena imposta por meio de acórdão condenatório exarado em sede de Apelação. Em havendo o trânsito em julgado, hipótese em que a execução será definitiva, ou no caso de já ter sido expedida guia provisória de execução, tornam-se desnecessárias tais providências.
DISPOSITIVO
Condenação do réu MOISÉS SILVA DOS REIS a pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime inicial ABERTO, e ao pagamento de pena de multa de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, a primeira consistente na prestação de serviços à comunidade, em entidade que preste assistência social, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade e a segunda de prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada a entidade social.
Condenação do réu APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO a pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime inicial ABERTO, e ao pagamento de pena de multa de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritivas de direitos, a primeira consistente na prestação de serviços à comunidade, em entidade que preste assistência social, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade e a segunda de prestação pecuniária, no valor de 01 (um) salário mínimo, a ser destinada a entidade social.
Ante o exposto, voto por REJEITAR A PRELIMINAR e no mérito, NEGAR PROVIMENTO à Apelação de APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO, e DAR PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal para condenar os réus MOISÉS SILVA DOS REIS e APARECIDO ALBUQUERQUE DE ARAÚJO pela prática do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997, na forma da fundamentação.
É o voto.
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