Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/09/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003498-12.2015.4.03.6127/SP
2015.61.27.003498-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ANTONIO DONIZETI MAIERU
ADVOGADO : SP290664 RICARDO DE VASCONCELLOS MONGELLI e outro(a)
No. ORIG. : 00034981220154036127 1 Vr SAO JOAO DA BOA VISTA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DE PECULATO. ARTIGO 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APELAÇÃO IMPROVIDA.
- A despeito de as testemunhas de acusação terem pontificado em seus depoimentos como teria sido a atuação do acusado, a prova acerca da apropriação dos valores, ou ainda, da ocorrência de desvio, em proveito próprio ou alheio, não se mostrou suficiente, demonstrando-se mais como uma presunção dessa ocorrência, a qual não se evidencia como suficiente a amparar um édito condenatório.
- A versão do réu nas fases policial e judicial, aliada à prova documental, evidenciam a ausência de provas suficientes para a condenação.
- Manutenção da absolvição, mas por fundamento distinto. Artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação).
- Negado provimento à apelação do Ministério Público Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, devendo ser mantida a absolvição de ANTONIO DONIZETE MAIERU, pela prática do delito estampado no artigo 312, caput, do Código Penal, todavia, por fundamento distinto, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 22 de agosto de 2019.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003498-12.2015.4.03.6127/SP
2015.61.27.003498-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ANTONIO DONIZETI MAIERU
ADVOGADO : SP290664 RICARDO DE VASCONCELLOS MONGELLI e outro(a)
No. ORIG. : 00034981220154036127 1 Vr SAO JOAO DA BOA VISTA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da sentença publicada aos 23.03.2017 (fl. 290), pela MMª Juíza Federal da 1ª Vara Federal de São João da Boa Vista/SP, Dra. Luciana da Costa Aguiar Alves Henrique, que julgou improcedente a pretensão veiculada na denúncia, absolvendo ANTÔNIO DONIZETE MAIERU, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal), pela prática do crime de peculato (artigo 312 do Código Penal).


Narra a denúncia que (fls. 168/171):


(...)
Antônio Donizete Maieru, aproveitando-se da sua condição de funcionário público da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, apropriou-se de dinheiro particular em proveito próprio.
Consta dos autos do Procedimento Administrativo n.º 04795/2012 que Antônio Donizete Maieru, entre os dias 03 de outubro de 2012 a 09 de outubro do mesmo ano, na qualidade de atendente comercial da EBCT de São José do Rio Pardo, utilizou-se de ardil para se apropriar de dinheiro pertencente a clientes dos Correios. Para lograr êxito na empreitada criminosa, Antônio Donizete Maieru, registrou nos comprovantes de clientes a postagem na condição de 'franquia prévia', sendo que não havia selos colocados previamente por eles, bem como lançou pesos divergentes entre os comprovantes dos clientes e os anotados nas etiquetas de código de barras. Tudo isso gerou cobrança a maior dos clientes pelo valor da postagem. Ato contínuo, o denunciado colocou nos objetos selos de menor valor e efetuou a cobrança de maior valor (f. 50-51), apropriando-se da diferença.
Conforme apurado no âmbito interno da empresa pública, constatou-se que em todas as postagens constantes listadas nas f. 50-51 houve divergências entre as quantias que deveriam ter sido contabilizados com aqueles que foram efetivamente cobrados, em que pese as diferenças dos valores percebidas não constarem no Demonstrativo Financeiro.
A materialidade delitiva está comprovada pelos comprovantes do cliente (f. 14, 12, 22, 24, 26, 28, 30, 32, 37, 39), pelas cópias dos envelopes (f. 15, 17, 18, 19, 20, 23, 25, 27, 29, 31, 33, 34, 35, 36, 38, 40), nas declarações de f. 21, 37, 113 e 120, na relação detalhada de f. 50-51 e nos esclarecimentos prestados às f. 160-161.
Quanto à autoria, há indícios suficientes para embasar a acusação.
As declarações prestadas pelo denunciado são totalmente inconsistentes com os fatos narrados. Afirmou que, em razão da fila de espera de atendimento, bem como do sistema moroso de computação em adaptação, era realizado um pré-franqueamento, para, apenas posteriormente, conforme 'ia folgando' apor os selos às correspondências e encaminhá-las à expedição para serem contabilizadas. Assim, o denunciado alega que padronizou visualmente os pesos de algumas correspondências e de acordo com a pesagem eram seladas, não acarretando prejuízo algum à ECT.
Todavia, verificou-se que o denunciado consignou o registro de 'franquia prévia' indevidamente nos comprovantes dos clientes, uma vez que não havia selos afixados em momento anterior nos envelopes das correspondências postadas pelos remetentes, de acordo com as declarações prestadas pelos próprios clientes (por exemplo, fls. 21).
De outro lado, observou-se que nos comprovantes estão registrados pesos diversos daqueles estampados nas etiquetas dos códigos de barra das correspondências. As anotações manuais ao lado dos comprovantes (via cliente) foram efetuados pelos funcionários da Agência de Correios, os quais atuavam em atividade interna, refletindo o peso 'real' das correspondências.
Nos esclarecimentos prestados em sede inquisitorial por Germano Pereira da Silva (f. 120), aduziu que na época dos fatos era gerente da Agência do Correio no Município de São José do Rio Pardo e que, após tomar conhecimento dos fatos por meio de outros funcionários, passou a monitorar o denunciado. Foi nessa condição que constatou que Antônio Donizete Maieru cobrava um valor mais alto pela postagem das correspondências, sendo que a quantia excedente de selos era utilizada em outras cartas, permitindo que o denunciado obtivesse para si, de modo indevido, o montante correspondente à diferença.
Assim, os registros e lançamentos levados a cabo indevidamente pelo denunciado resultaram na cobrança de valores superiores aos que seriam devidos, acarretando um prejuízo aos clientes (f. 50-51) e à imagem da EBCT. O fato dos valores excedentes não constarem como sobra no fechamento financeiro do caixa demonstra que foram apropriados pelo denunciado.
Em conclusão, o panorama fático narrado reforça a existência do delitivo, na medida em que os documentos colecionados no curso do procedimento Administrativo demonstram que o denunciado tinha ciência do procedimento a ser seguido, na função de atendimento comercial, o qual estava há mais de 25 (vinte e cinco) anos, ante o teor da declaração colecionada às f. 56-57 do inquérito policial.
Por essas razões, o Ministério Público federal denuncia Antônio Donizete Maieru como incurso nas penas do artigo 312 do Código Penal, combinado com art. 71 do mesmo diploma (...)

A peça vestibular foi recebida em 09.12.2015 (fls. 172/174) e a sentença publicada aos 23.03.2017 (fl. 290).


Em suas razões recursais (fls. 295/298), o Ministério Público Federal requer a condenação do réu pela prática do crime de peculato, ao fundamento de que restaram comprovadas a autoria e materialidade delitivas, além do elemento subjetivo.


Contrarrazões apresentadas pela defesa às fls. 300/305.


A Procuradoria Regional da República emitiu parecer, às fls. 307/310, pelo desprovimento do recurso de Apelação.


É o Relatório.


À revisão.





FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003498-12.2015.4.03.6127/SP
2015.61.27.003498-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ANTONIO DONIZETI MAIERU
ADVOGADO : SP290664 RICARDO DE VASCONCELLOS MONGELLI e outro(a)
No. ORIG. : 00034981220154036127 1 Vr SAO JOAO DA BOA VISTA/SP

VOTO

Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença publicada aos 23.03.2017 (fl. 290), pela MMª Juíza Federal da 1ª Vara Federal de São João da Boa Vista/SP, Dra. Luciana da Costa Aguiar Alves Henrique, que julgou improcedente a pretensão veiculada na denúncia, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (não constituir o fato infração penal), absolvendo ANTÔNIO DONIZETE MAIERU da prática do crime de peculato (artigo 312 do Código Penal).



Cumpre destacar que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de ANTÔNIO DONIZETE MAIERU, pela prática do crime de peculato, nos termos do artigo 312, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, porquanto no interregno de 03.10.2012 a 09.10.2012, na qualidade de atendente comercial da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, em São José do Rio Pardo/SP, apropriou-se de dinheiro pertencente a clientes dos Correios, sendo que para tal consecução, teria registrado nos recibos dos clientes a postagem na condição de 'franquia prévia', quando, na realidade, os usuários não tinham apostos os selos previamente, bem como lançado pesos distintos entre os comprovantes dos clientes e os anotados nas etiquetas dos códigos de barras, circunstâncias estas que acarretaram em uma cobrança a maior pelo valor da postagem em desfavor dos clientes.



Em linhas gerais, basicamente, em suas razões de Apelação, o órgão ministerial requer a condenação do increpado ANTONIO DONIZETI MAIERU pela prática do delito estampado no artigo 312 do Código Penal (fls. 295/298), ao fundamento de que restou caracterizada a apropriação indevida de valores dos usuários dos serviços dos Correios, os quais recebera em razão do cargo de atendente que exercia na EBCT, no interregno compreendido entre 03 a 09 de outubro de 2012.


Mérito


O caput do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo dispõe acerca do crime de peculato nos seguintes termos:


Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa (grifei)

O crime de peculato é crime contra a Administração Pública, perpetrado por funcionário público, sendo certo que a primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal prevê a conduta típica do peculato-apropriação, hipótese em que, o agente assenhora-se, apossa-se, torna como sua a coisa, invertendo o ânimo da posse, atuando como se dono fosse.


Pressuposto do crime é a posse legítima, considerada esta em um sentido amplo, abarcando a detenção e a posse indireta (disponibilidade jurídica do bem, sem apreensão material), devendo o funcionário público ter a posse da coisa em virtude do cargo que desempenha, sendo certo que a posse do bem, valor ou dinheiro deverá ser anterior à apropriação.


Feitas tais considerações tem-se que a sentença proferida pelo juízo a quo absolveu o réu da prática do crime de peculato, por entender inexistirem provas do dolo de agir do acusado, sem o que não se admite a condenação, bem como em razão de não se ter prova da relação de causa e efeito, em termos de peculato-desvio entre o alegado déficit, sequer demonstrado em balancete da ECT, e a conduta do acusado (fl. 289), nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.


Com efeito, das provas amealhadas aos autos, vale destacar o teor do depoimento da testemunha de acusação Germano Pereira da Silva, gerente da agência dos Correios em São José do Rio Pardo/SP, esclarecendo, quanto aos fatos, que recebeu informação de dentro da própria agência dando conta de que o increpado estaria atuando de forma irregular, razão pela qual passou a apurar os fatos entre os dias 03.10.2012 a 09.10.2012, mediante a autorização da sua gerente Juliana Muller Santos. Sustentou que embora não tenha sido possível saber há quanto tempo o réu estaria procedendo de forma espúria, no período supramencionado, foi possível vislumbrar que ANTONIO DONIZETE MAIERU colava o selo na correspondência pelo peso correto, todavia, no comprovante do cliente, cobrava o valor por um peso superior. Aduziu, também, que o increpado lançava incorretamente no recibo do usuário a modalidade "franquia prévia", quando, na verdade, o cliente não levava a correspondência já selada, mas, sim, pagava pelo selo. Argumentou, para tal conclusão, que emitiram a segunda via dos comprovantes fornecidos pelo réu aos clientes, bem como procederam à nova pesagem das correspondências, além de entrarem em contato com os usuários pertinentes, a fim de aferir, nas hipóteses em que lançadas "franquia prévia" nas correspondências, se estes as levavam previamente seladas. Em decorrência de tais fatos, houve procedimento administrativo disciplinar, que culminou com a dispensa do funcionário dos quadros da EBCT.


Ainda, ao ser indagado acerca da reação do réu quando soube das apurações levadas a efeito em seu desfavor, o referido testigo esclareceu que ANTÔNIO DONIZETE MAIERU ficou muito abalado e que justificara os fatos aduzindo que a pesagem era feita posteriormente ao atendimento do cliente, como forma de agilizar a prestação dos serviços. Quanto a este ponto, o depoente sustentou que ainda que o réu deixasse para fazer a pesagem das correspondências em momento posterior, ainda assim existiria uma correlação entre o recibo emitido ao cliente e o selo da encomenda. Informou, ademais, que o valor residual a maior não aparecia na caixa dos correios, bem como que o procedimento é ele dar o recibo do cliente e na mesma hora fazer a selagem, sendo que ainda que a conduta da pesagem fosse feita posteriormente em uma confrontação entre o recibo e a selagem o valor deveria bater.


A aludida testemunha de acusação noticiou, igualmente, que o caixa de atendimento onde foram emitidos os recibos dos usuários era o utilizado pelo réu e que este último sempre laborava no mesmo caixa; de tempo em tempo havia o rodízio de estação de trabalho; cada um tinha seu próprio login e senha pessoal para acessar o caixa; pelo recibo emitido era possível verificar de qual estação de atendimento o documento fora emitido e que, à época dos fatos, existiam aproximadamente quatro atendentes. Ao final, noticiou que o valor que sobrava ele não presenciava o funcionário se apropriar, mas a partir do momento em que existia essa sobra de valor e o funcionário não contabilizava seria possível concluir pela apropriação dos valores residuais (fl. 234).


A seu turno, a testemunha de acusação Juliana Muller, servidora do REVEN 06 dos Correios em Rio Claro-SP (fl. 226), aduziu que visitava as agências e conhecia o réu. Explicou que a conduta do réu foi apurada na esfera administrativa. O cliente chegava na agência dos Correios e pagava pelo serviço de postagem das correspondências. A partir daí, a conduta do increpado consistia no lançamento no sistema como se o cliente já tivesse trazido a carta previamente selada, identificando-a como "franquia prévia", quando, na realidade, os usuários não levavam o produto selado. Outra forma de atuação do réu, segundo ela, consistia na mudança de peso das encomendas, o que acarretava na alteração do valor cobrado pela postagem, sempre em desfavor dos clientes (fl. 227).


Por outro lado, o réu, tanto na fase inquisitorial quanto na fase judicial, como bem elucidado em trecho da sentença, defende-se aduzindo que, para diminuir a fila, diante da pressão exercida pela Gerência local e morosidade no sistema de computação, adotou uma padronização no atendimento, mediante pré-franquiamento das correspondências. Nega, no entanto, que tenha se apropriado do dinheiro, aduzindo que o valor cobrado a mais dos clientes permaneceu na gaveta do caixa (fl. 288, verso) (grifei).


Neste ponto, em que pese a denúncia tenha narrado a conduta do peculato-apropriação (primeira parte do caput do artigo 312 do Código Penal), é possível entrever que a sentença adotou a compreensão de que os fatos estariam abarcados no peculato-desvio (última parte do caput do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo), isto porque, segundo a prova oral coligida no feito, especialmente os interrogatórios do réu, nas fases policial e judicial, o numerário cobrado a maior dos usuários dos Correios teria permanecido na gaveta do caixa de atendimento.


De toda forma, a despeito da modalidade do peculato, quer seja em sua forma apropriação, quer seja na modalidade desvio, certo é que ambas as condutas estão dispostas no caput do artigo 312 do Estatuto Penal Repressivo, e em relação a elas, ao contrário do narrado na denúncia, não há provas suficientes para condenação do réu.


Sob essa linha de raciocínio, apenas a prova documental encartada à fl. 39, consubstanciada no "comprovante do cliente", relativa a serviços postais, emitida aos 09.10.2012, às 10h35m21s, por meio do caixa n.º 34167501, é que teria o condão de evidenciar o envolvimento direto do réu com os fatos supostamente tidos como ilícitos pela acusação, isto porque somente nele seria possível entrever a matrícula do réu de n.º 8.862.829-9 (fl. 07 - consta ofício dos correios n.º 01606/2013-GAB/DR/SPI, noticiando que o acusado era detentor da matrícula supramencionada e que laborava em guichê de atendimento da aludida agência, exercendo a função de "Agente de Correios - Atividade Atendimento"), do que se poderia, em tese, concluir pela eventual apropriação ou desvio de numerário.


Como mencionado no parecer da Procuradoria Regional da República, às fls. 307/310:


Somente o comprovante do dia 09/10/2012, dentre os quais constam os registros de pesos divergentes entre os comprovantes do cliente e o anotado na etiqueta de código de barras, corresponde à matrícula de Antônio Donizeti Maieru (fls. 35/36; caixa 34167501; matrícula 8.862.829.9). Os demais seriam de funcionários distintos, conforme abaixo:
- dia 05/10/2012 (fls. 12/16; caixa 33997229; matrícula 8.110.921.0);
- dia 08/10/2012 (fls. 18/19; caixa 34098821; matrícula 8.875.073.6 -fls. 20/21; caixa 34098821; matrícula 8.875.073.6 - fls. 22/23; caixa 34098821; matrícula 8.875.073.6 - fls. 24/25; caixa 34098821; matrícula 8.875.073.6 e fls. 26/27; caixa 34098821; matrícula 8.875.073.60).
- dia 09/10/2012 (fls. 28/32; caixa 34167501; matrícula 8.107.455.7 e fls. 33/34; caixa 34167501; matrícula 8.112.763.4)

Como explicitado alhures, o superior hierárquico do ora acusado, Germano Pereira da Silva, ao ser inquirido em juízo, pontuou expressamente que, à época dos fatos, existiam cerca quatro atendentes e que cada um utilizava o seu próprio login e senha para acesso ao caixa, bem ainda informou que pelo comprovante emitido ao cliente era possível entrever o funcionário responsável pelo lançamento dos dados no sistema.


Portanto, ao contrário do que constou na denúncia, apenas o comprovante acostado à fl. 39 é que indicaria o réu como sendo o responsável pelo lançamento dos dados no comprovante do cliente (e, consequentemente, como sendo o responsável por cobrar valor maior de cliente por peso de correspondência inferior), porquanto em todos os demais recibos encartados nos autos, respectivamente, às fls. 14, 16, 22, 24, 26, 28, 30, 32 e 37, não foi possível entrever a matrícula de ANTÔNIO DONIZETE MAIERU, do que se conclui, quanto a estes últimos documentos, não haver prova da autoria delitiva.


Nessa toada, tomando apenas o documento encartado à fl. 39 para análise, como hábil a atestar o envolvimento direto do acusado com os fatos tidos como ilícitos pelo Ministério Público Federal, ainda assim remanescem sérias dúvidas de que ele tenha se apropriado de algum valor, quer seja em proveito próprio ou alheio.


A versão apresentada por ANTÔNIO DONIZETE MAIERU, em juízo, de que as sobras diárias, naquele período, por se tratarem de valores remanescentes ínfimos (cerca de centavos), não teriam sido por ele lançadas no sistema (especificamente nos demonstrativos financeiros do caixa - fls. 42/49), mas, sim, deixadas fisicamente na gaveta do caixa, revela-se plenamente crível quando em cotejo com as provas colacionadas aos autos.


Além disso, demonstra-se plausível, consoante trecho colacionado na sentença, que o acusado, objetivando agilizar o atendimento diante da inegável pressão por excelência dos serviços do monopólio e da inconsistência no sistema operacional, adotou o procedimento já descrito (fl. 289). Reforça essa ideia o fato de que tal modo de agir possivelmente seria uma praxe dentro daquela agência dos Correios, justamente diante das inconsistências reveladas nas documentações encartadas às fls. 14, 16, 22, 24, 26, 28, 30, 32 e 37, que, como visto, teriam sido levadas a efeito por outros funcionários.


Assim, a despeito de as testemunhas de acusação terem pontificado em seus depoimentos como teria sido a atuação do acusado, a prova acerca da apropriação dos valores, em proveito próprio ou alheio, não se revela suficiente a amparar um édito condenatório, tendo evidenciado apenas presunções dessa ocorrência, devendo, nesta hipótese, ser observado o princípio in dubio pro reo.


A própria testemunha de acusação Germano Pereira da Silva esclareceu, como já mencionado, que o valor que sobrava ele não presenciava o funcionário se apropriar, mas a partir do momento em que existia essa sobra de valor e o funcionário não contabilizava seria possível concluir pela apropriação dos valores remanescentes (fl. 234).


De toda sorte, ainda que se considere a conduta como peculato-desvio, de idêntico modo, não há nos autos elementos que demonstrem a intenção do desvio em benefício próprio ou alheio.


Nessa toada, não há provas conclusivas a alicerçar a condenação do réu, e, em que pese a plausibilidade do raciocínio dedutivo levado a efeito pelo órgão acusatório, a condenação em sede de processo penal exige prova e não pode ter suporte exclusivamente em juízos probabilísticos.


Dispositivo


Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, devendo ser mantida a absolvição de ANTONIO DONIZETE MAIERU, pela prática do delito estampado no artigo 312, caput, Código Penal, todavia, por fundamento distinto, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal (não existir prova suficiente para a condenação), tudo nos termos da fundamentação.


É o voto.

FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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Signatário (a): FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066
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Data e Hora: 26/08/2019 14:00:25