D.E. Publicado em 28/11/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER da preliminar de nulidade invocada pela Defesa da acusada TÂNIA KAMIMURA MACERI, REJEITAR a preliminar de prescrição levantada pela Defesa do acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR, ACOLHER a preliminar da Acusação de preclusão pro judicato, e DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Acusação para CONDEMAR o réu JAYME MOREIRA JÚNIOR pela prática dos crimes previstos no artigo 337-A incisos II e III, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime ABERTO, e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 01/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, ficando substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública na forma a ser estipulada pelo Juízo das Execuções Penais, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade e prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais, nos termos do voto da Juíza Fed. Conv. Relatora; Prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu não acolher o pedido feito pela acusação em sede de memoriais e de apelo, por entender não ser possível a fixação de valor mínimo de reparação (CPP, art. 387, IV) sem pedido expresso da acusação na denúncia, nos termos do voto divergente do Des. Fed. José Lunardelli, com quem votou o Des. Fed. Nino Toldo, vencida a Juíza Fed. Conv. Relatora que fixava valor mínimo para a reparação do dano (valor das NFLD'S sem os juros e multa).
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público Federal, originada de ação penal decorrente de denúncia pela suposta prática dos delitos inscritos nos artigos 337-A, inciso III, do Código Penal, em face de TÂNIA KAMIMURA MACERI, e 337-A, incisos II e III, ambos do Código Penal, em face de JAYME MOREIRA JÚNIOR, ambos do Código Penal.
A denúncia foi recebida em 14.12.2007 (fl. 146).
Narra a peça acusatória (fls. 142/145 ):
Em 22.09.2009, o juízo de primeiro grau, na data designada para audiência de oitiva das testemunhas de Defesa, fundamentando-se no Princípio da Insignificância, proferiu sentença absolvendo sumariamente os acusados, na forma do artigo 397, III, do Código de Processo Penal (fls. 205/211).
Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs Recurso de Apelação (fls. 217/224-verso), que foi julgado em 28.06.2011 (fls. 246 e 252/254), pela E. Segunda Turma deste Tribunal, cuja Ementa e Acórdão transcrevo:
Contra esse julgado, insurgiu-se a acusada TÂNIA KAMIMURA MACERI, mediante a interposição de Agravo Legal (fls. 256/259), que, nos termos do artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil, foi julgado manifestamente incabível por decisão monocrática do Exmo. Desembargador Federal Peixoto Júnior (Segunda Turma), que lhe negou seguimento nos termos do artigo 33, inciso XIII, do Regimento Interno desta Corte, e determinada a baixa dos autos à Vara de Origem (fls. 261/263).
Referido Acórdão (fls. 246 e 252/254) transitou em julgado em 09.12.2011, conforme certidão aposta à fl. 266.
Processado o feito, sobreveio a sentença de fls. 404/409-verso, proferida pelo Exmo. Juiz Federal Marcelo Freiberger Zandavali (2ª Vara Federal de Bauru/SP) e publicada em 22.01.2016 (fl. 410), que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal para absolver os corréus JAYME MOREIRA JÚNIOR e TÂNIA KAMIMURA MACERI na forma do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Considerando os valores das contribuições previdenciárias supostamente sonegadas, o Magistrado a quo aplicou à conduta o Princípio da Insignificância.
O Ministério Público Federal interpôs recurso de Apelação exclusivamente em relação ao acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR. Em suas razões de Apelação (fls. 414/421-verso) requereu, em síntese: (a) o reconhecimento da preclusão pro judicato; (b) seja afastada a tese da insignificância das condutas para condenar o acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR, às penas do artigo 337-A, incisos II e III, do Código Penal; e absolver a corré TÂNIA KAMIMURA MACERI, com fulcro no artigo 386, V, do Código de Processo Penal; (c) seja fixado valor mínimo para a reparação do dano, nos termos dos artigos 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, e 91, inciso I, do Código Penal; (d) sejam bloqueados valores em nome do acusado JAYME, através do BACENJUD, para ressarcimento do dano causado ao INSS, nos termos do artigo 91, §1º, do Código Penal.
A defesa da acusada TÂNIA KAMIMURA MACERI apresentou suas contrarrazões às fls. 425/441. Invocou preliminar de nulidade por indeferimento de realização de prova pericial e, no mérito, requereu seja negado provimento ao recurso de Apelação e mantida a sentença de origem.
Também apresentou contrarrazões a Defesa do acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR (fls. 442/455), colacionando documentos às fls. 456/467. Preliminarmente, invocou a incidência de prescrição virtual e retroativa e, no mérito, a incidência do Princípio da Insignificância e a ausência de dolo.
Nesta Instância, a Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial conhecimento do recurso interposto nos autos e, na parte em que conhecido, pelo seu desprovimento (fls. 469/472).
É o relatório.
Sujeito à revisão na forma regimental.
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VOTO
A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:
Ratifico o relatório.
O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (recebida em 14 de dezembro de 2007 - fl. 146) em face de JAYME MOREIRA JÚNIOR, pela prática dos crimes previstos no artigo 337-A, incisos II e III, do Código Penal, e em face de TÂNIA KAMIMURA MACERI, como incursa no artigo 337-A, inciso III, também do Código Penal, porquanto, o primeiro, na qualidade de representante legal da empresa JM DE BAURU ENGENHARIA E COMÉRCIO LTDA, e a segunda, na qualidade de engenheira, teriam voluntária e conscientemente, reduzido contribuição social previdenciária e seus acessórios, ao apresentarem ao INSS planta com características diferentes daquelas que foram realizadas na obra do imóvel, o que teria ocasionado a diminuição no valor da base de cálculo devida pela realização da obra. Ainda, JAYME teria, também na condição de representante legal da empresa JM DE BAURU ENGENHARIA E COMÉRCIO LTDA., dolosamente suprimido contribuição social previdenciária e seus acessórios, ao deixar de lançar, mensalmente, em títulos próprios de sua contabilidade, de forma discriminada, os fatos geradores das contribuições.
O Instituto Nacional do Seguro Social instaurou o Procedimento Fiscal n.º 35378.000006/2003-34, que resultou na emissão da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD n.º 35.482.063-0 (fls. 52/67 do Apenso I), no montante de R$ 12.451,14 (doze mil, quatrocentos e cinquenta e um reais e quatorze centavos). Ainda, foi emitido Auto de infração n.º 35.482.061-3, no valor de R$ 8.278,51 (oito mil, duzentos e setenta e oito reais e cinquenta e um centavos), resultado da Ação Fiscal instaurada também pelo INSS (fls. 15/20 e 112/114 do Apenso I).
Conforme as informações acostadas às fls. 99/100, 102 e 104, através do ofício n.º 21.223.4/683/JCT, expedido pela Procuradoria Geral da União, os parcelamentos referentes aos AI's n.ºs 35.482.061-3 e 35.482.063-0 foram rescindidos.
Os créditos tributários foram definitivamente constituídos, tendo sido inscritos em dívida ativa em 13.06.2003, conforme informações de fls. 102 e 104.
Após regular processamento do feito, sobreveio sentença que absolveu os corréus, com aplicação do Princípio da Insignificância, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, contra a qual se insurge a Acusação para que, afastada a tese absolutória, seja condenado o acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR e absolvida a corré TÂNIA KAMIMURA MACERI. Requer, ainda, seja fixado valor mínimo de reparação, bem como sejam bloqueados valores suficientes do acusado para o ressarcimento do dano causado ao INSS.
DO CRIME DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ARTIGO 337-A DO CÓDIGO PENAL)
O réu foi denunciado em primeiro grau pela prática do crime previsto no artigo 337-A, incisos II e III, do Código Penal, in verbis:
Referido dispositivo foi inserido no Código Penal por meio da Lei n.º 9.983, de 14.07.2000, cujo bem jurídico tutelado não se limita ao patrimônio da Previdência Social, visando assegurar tão somente a arrecadação tributária. Vai além, mostrando-se supraindividual e relativo à higidez da Previdência Social (sendo, assim, muito mais amplo do que a mera tributação em si).
Trata-se de delito omissivo próprio, cujos núcleos do tipo são "suprimir" e "reduzir". O primeiro é tido no sentido de eliminar a obrigação principal (contribuição social previdenciária) ou qualquer acessório e pode ser praticado pelo agente mediante qualquer dos comportamentos previstos nos incisos I a III. De outra parte, o verbo "reduzir" deve ser interpretado no sentido de diminuir, declarando valor menor do que o devido.
O inciso I incrimina quem omite da folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto na legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços. O sujeito ativo deia de lançar todos os segurados que estão ao seu serviço, não lançando as informações exigidas pela lei previdenciária.
O inciso II pune a conduta daquele que deixa de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços.
Já o inciso III reprime o agente que omite, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias.
Trata-se de norma penal em branco cuja integração advém do Direito Previdenciário e do Direito Tributário, como é a hipótese dos elementos normativos "acessório" e "contribuição social previdenciária", cabendo ao intérprete, pois, buscar o complemento adequado.
Por se tratar de crime material, a sonegação de contribuição previdenciária somente se configura após a constituição definitiva do crédito tributário.
Conforme sedimentado entendimento jurisprudencial, configura crime material:
Assim, carecerá de justa causa qualquer ato investigatório levado a efeito antes da ocorrência do lançamento fiscal definitivo, requisito essencial para o início da persecução penal.
DA PRELIMINAR DE NULIDADE POR INDEFERIMENTO DE REALIZAÇÃO DE PROVA PERICIAL INVOCADA PELA DEFESA DA CORRÉ TÂNIA KAMIMURA MACERI
Em suas contrarrazões (fls. 425/441), a Defesa da corré TÂNIA KAMIMURA MACERI, invoca nulidade do feito em razão de indeferimento de prova expressamente requerida pela mesma no bojo da instrução processual.
Contudo, a nulidade invocada não merece ser analisada, uma vez que a acusada é carecedora de interesse de agir.
Senão vejamos.
A sentença combatida absolveu a corré ao aplicar a tese do Princípio da Insignificância. Relembro o trecho de fl. 409-verso:
O Ministério Público Federal, em suas razões recursais (fls. 413/421-verso), requereu a absolvição da mesma, na forma que segue:
Assim, resta prejudicada a análise da preliminar, tendo em vista que, absolvida em primeira instância, e não havendo Apelação em face da mesma por parte do Órgão Acusatório, de qualquer forma impossível agravar sua situação, por força do Princípio do Non Reformatio in Pejus.
Dessa forma, NÃO CONHEÇO da preliminar de nulidade invocada pela acusada TANIA KAMIMURA MACERI em suas contrarrazões de Apelação, por falta de interesse de agir.
DA ALEGADA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO VIRTUAL INVOCADA PELA DEFESA DO CORRÉU JAYME MOREIRA JÚNIOR
Aduz a Defesa do acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR a ocorrência da prescrição virtual. Transcrevo trecho do pedido (fl. 446):
O instituto da prescrição antecipada, em perspectiva ou virtual, não encontra amparo no ordenamento jurídico nacional, ante a ausência de qualquer previsão normativa a amparar o raciocínio contido por detrás de tal construção doutrinária.
Como se não bastasse a inexistência de preceito legal albergando o expediente, o C. Supremo Tribunal Federal, por meio do assentamento da Repercussão Geral da Questão Constitucional, cuja observância se mostra obrigatória nos termos do art. 927, III, do Código de Processo Civil, firmou posicionamento no sentido de que é inadmissível a extinção da punibilidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva com base em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada, independentemente da existência ou sorte do processo criminal - a propósito:
Sem prejuízo do exposto, o C. Superior Tribunal de Justiça faz coro ao entendimento anteriormente indicado ao sufragar no Verbete nº 438 de sua Súmula de Jurisprudência ser inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal, sendo relevante trazer à colação, ademais, os julgados que seguem:
Dessa forma, REJEITO a questão prejudicial arguida pela Defesa do acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR, em suas contrarrazões, porquanto inaceitável a tese defensiva acerca da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal em perspectiva.
DA INVOCAÇÃO DE PRECLUSÃO PRO JUDICATO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Aduz o Ministério Público Federal que, quando do julgamento da Apelação interposta em face da sentença de absolvição sumária, esta instância havia afastado a incidência do Princípio da Insignificância no presente caso e, transitada em julgado a decisão, não poderia o r. juízo a quo retornar ao tema e novamente aplicá-lo novamente para fundamentar a absolvição dos acusados na sentença objeto do presente recurso.
Nessa toada, o Órgão Acusatório invoca a ocorrência da preclusão pro judicato.
A Defesa do acusado JAYME insurge-se contra essa tese Acusatória, aduzindo que o entendimento adotado por aquele Acórdão não mais prevalece na jurisprudência, bem como que a preclusão pro judicato ocorre com o trânsito em julgado da decisão, o que não teria ocorrido in casu, ainda mais quando houve prequestionamento em sede de resposta à acusação. Finaliza afirmando que a decisão do nobre Magistrado Federal que reconheceu a aplicação da insignificância com base nos inúmeros julgados atualizados colacionados aos autos pelo defensor, deve e merece ser mantida, não sendo cabível, in casu, aplicar a regra do artigo 3º do CPP c.c o artigo 507 do NCPC (fl. 444/445).
Passo à análise da questão.
Verifico que, aos 22.09.2009, quando da audiência de oitiva de testemunhas de Defesa, o juízo a quo absolveu sumariamente os acusados, fundamentando-se no Princípio da Insignificância (fls. 205/211).
Houve apelo da Acusação em momento oportuno (fls. 217/224-verso).
O recurso foi julgado pela 2ª Turma desta Corte, em 28.06.2011, transitando em julgado em 09.12.2011 (fl. 266).
Dado prosseguimento ao feito, sobreveio a r. sentença às fls. 404/409-verso, que julgou improcedente a pretensão punitiva estatal e absolveu os acusados JAYME MOREIRA JÚNIOR e TÂNIA KAMIMURA MACERI, na forma do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, justamente aplicando ao fato a tese do Princípio da Insignificância.
Transcrevo a fundamentação trazida pelo r. juízo sentenciante, para na sequência analisá-la:
Da fundamentação trazida pelo Magistrado a quo, pode-se claramente verificar o retorno à tese já rechaçada nesta Instância. A preclusão pro judicato traduz-se na impossibilidade de o juiz retornar e decidir questão já apreciada nos autos. Contudo, no caso em análise, mais do que se falar em ter havido preclusão pro judicato, verifica-se que houve verdadeiro desrespeito à coisa julgada.
É certo que o ordenamento jurídico resguarda o livre convencimento motivado do Magistrado. Essa garantia, todavia, não pode transpor a coisa julgada, ou mesmo ir de encontro à decisão proferida pela Instância Superior.
O Órgão Colegiado que analisou a absolvição sumária fundamentou pondo-se de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Turma e concluindo pela impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância ao delito de apropriação indébita previdenciária, orientação que por identidade de razões deve ser adotada para o delito do artigo 337-A do Código Penal, restando prejudicada a questão do cômputo dos acessórios. E o dispositivo mandamental do Acórdão determinou por anular a sentença que absolveu sumariamente os acusados, devendo os autos ser remetidos ao juízo de origem para prosseguimento do feito (fl. 253).
Assim colocada a Decisão Colegiada, ao contrário do que afirmado pelo r. juízo a quo (fl. 405), não se pode considerar cumpridos em seus precisos termos o comando exarado no v. acórdão de fls. 252/254. Referida decisão colegiada não deve ser restritivamente entendida apenas no sentido de que, após encerrada a instrução processual, a sentença poderia retornar àquela tese de fundamentação. Ao revés, deveria ser interpretada no sentido de que, afastando-se a adoção do Princípio da Insignificância, a decisão a ser proferida deve se basear na análise da prova dos autos.
Assim, o retorno à tese do Princípio da Insignificância traduziu-se em nítido desrespeito à coisa julgada já operada.
ACOLHO, pois, a preliminar arguida pela Acusação e afasto a tese absolutória adotada, prosseguindo-se na análise de autoria, materialidade e elemento subjetivo do crime.
Estando o processo em termos para julgamento, passa-se à análise do mérito.
DA MATERIALIDADE.
A materialidade delitiva do crime de sonegação de contribuição previdenciária previsto no inciso III do artigo 337-A do Código Penal restou demonstrada por meio da ação fiscal instaurada pelo Instituto Nacional do Seguro Social, que culminou na Notificação Fiscal de Lançamento de Débito nº 35.482.063-0 (fls. 52/67 do Apenso I).
O Procedimento Fiscal nº 35378.000006/2003-34, instaurado pelo INSS, culminou na NFLD nº 35.482.063-0, no valor de R$ 9.891,28 (nove mil, oitocentos e noventa e um reais e vinte e oito centavos), datada de 20.12.2002 (fls. 52/67 do Apenso I).
Também, o Instituto Nacional do Seguro Nacional constatou que a empresa de propriedade do denunciado JAYME deixou de lançar, em títulos próprios de sua contabilidade, de forma discriminada, os fatos geradores das contribuições, o que resultou na supressão de contribuições previdenciárias no valor de R$ 8.278,51 (oito mil, duzentos e setenta e oito reais e cinquenta e um centavos), conforme se verifica do Auto de Infração nº 35.482.061-3 (fls. 15/20, 112/114 do Apenso I e 403/411 do Apenso II), datado de 20.12.2002 (fl. 56).
A testemunha arrolada pela Acusação, o Auditor Fiscal da Receita Federal Toni Edvaldo Coquemala Lagustera, em juízo afirmou que (...) recebeu a planta e demais documentos de um imóvel situado na Rua Batista de Carvalho; contudo, estranhou o fato de que se cuidava de um simples barracão, quando, como se sabe, naquela rua, por se encontrar no centro da cidade, praticamente, não há condições de ali se instalar um simples barracão; passados alguns dias, o depoente pôde constatar que a planta apresentada tinha um pequeno relevo, 'apresentando um quadro colado', isto é, houve uma colagem na respectiva planta; por conta desses indícios, o depoente visitou o local e constatou que o imóvel apresentava características diferentes daquelas constantes na planta; feito isso, comunicou o Ministério Público Federal, formalmente; de posse do mandado de fiscalização, também constatou problemas no recolhimento de tributos quanto à folha de pagamento; na Prefeitura Municipal, os documentos apontavam, quanto à obra: era uma reforma e ampliação, inicialmente, no projeto; depois, houve alteração para demolição do que havia e uma construção nova, especificamente uma loja; segundo consta, Tânia foi contratada pela JM para elaborar laudo de área equivalente, a fim de ajustar os custos ao padrão específico; esse laudo serve para ajustar o valor cobrado por metro quadrado, com referência as áreas acessórias de menor padrão, fazendo com que o valor tributário a ser pago ficasse menor; o depoente sabe que as irregularidades chegaram até Zilda, funcionária hierarquicamente superior; Zilda disse ao depoente que Tânia a teria procurado, para resolver o problema; Tânia apresentou um segundo laudo, no qual constou, expressamente, como objeto material do laudo, um barracão; de maneira que esse segundo laudo também é incongruente com a obra realizada na Batista de Carvalho; o segundo laudo partia do acessório para qualificar o principal, quando, o correto, seria o inverso; houve, por conta disso, redução no pagamento de tributos, isso porque, a maneira pela qual o contribuinte solicitou o pedido, partindo do acessório para o principal, necessariamente, haveria a redução do tributo; a construtora emitiu notas fiscais, mas não as lançou, além de não registrar materiais de construção, como cimento, cal, etc., imprescindíveis para a construção de alvenaria; o pessoal especializado também não constava na folha de pagamento, a qual foi lançada na contabilidade. (...) (fls. 199/201).
Definitivamente constituídos os créditos tributários, restaram consumados, portanto, os crimes de sonegação previdenciária, nos termos da Sumula n. 24 de STF.
A jurisprudência encontra-se sedimentada no sentido da incidência desta Súmula ao crime de sonegação de contribuição previdenciária, dada a natureza material da infração e, consequentemente, sua consumação diante da constituição definitiva do crédito tributário.
Outrossim, não foram fornecidos elementos pelo acusado que pudessem ilidir a presunção de veracidade, legitimidade e legalidade de que goza o Procedimento Administrativo Fiscal levado a efeito pela autarquia federal, restando configurada a prática dos delitos previstos no artigo 337-A , incisos II e III, do Código Penal.
DA AUTORIA
Quanto ao acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR, a autoria igualmente restou demonstrada.
Conforme consta do Instrumento Particular do Contrato Social e respectivas alterações, acostadas às fls. 04/13 do Apenso I, os atos de gerência da empresa J.M. DE BAURU ENGENHARIA E COMÉRCIO LTDA. cabiam ao acusado JAYME MOREIRA JÙNIOR, que dividia a sociedade unicamente com Therezinha do Menino Jesus Cogo Moreira.
Em seu interrogatório em sede policial (fl. 72), esclareceu que não houve intenção de fraudar a fiscalização do INSS, pois houve várias situações nessa obra, no início era apenas de reformar o barracão, mas como não houve condições, partiu-se para a demolição total do prédio e a construção de um galpão novo, que a princípio seria mais simples, mas apareceu um pretenso inquilino interessado em alugar o prédio, que fez exigências no acabamento do prédio, que ao fim da obra acabou caracterizando padrão de construção do tipo loja e não mais barracão; QUE, vários detalhes na obra foram feitos para um galpão, como por exemplo, o piso de concreto, que foi feito e depois colocou-se o piso cerâmico por cima, que houve uma pintura mais simples de caiação e depois passou-se por cima a tinta látex; QUE, acredita que TÂNIA KAMIMURA MACIERI fez o laudo de fls. 8/19 do Apenso I, sobre a planta da obra, não tendo visitado a obra pessoalmente; QUE, indagado se os advogados ARI e MARLENE prestaram assessoria ao declarante no curso da obra, explica que não sabe, posto que sempre terceirizou a parte administrativa das obras, mas é certo que não teve contato com essas duas pessoas; QUE, se compromete a apresentar nesta Delegacia no prazo de trinta dias, comprovação de pagamentos/parcelamentos do crédito previdenciário originado da obra.
Em seu interrogatório judicial (fls. 178/179) o acusado afirmou: (...) conhece a acusação e ela é verdadeira em parte; de início, a ideia era realizar uma obra mais simples, especificamente, um barracão simples; no transcorrer da realização da obra, uma vez que o imóvel ficava no centro da cidade, surgiram interessados na compra e na locação dele; já no final da construção, por conta disso, a obra tomou outro rumo, em termos de acabamento e benfeitorias; nessa época, o interrogando já não acompanhava muito a obra, por outros compromissos profissionais e pessoais; quem acompanhava a obra era o proprietário, o mais interessado, cujo nome não se recorda exatamente, mas, tem o prenome de José Maria; o interrogando conhecia apenas a planta inicial; inclusive o interrogando imaginou que tinha havido alterações na planta, em virtude da alteração do projeto, durante a realização das obras; isso aconteceu bem no final da construção, conforme disse; houve, inclusive, adequações da obra, feitas pelo próprio inquilino, para atender ao interesse deste; especificamente à sonegação previdenciária, por omissão do fato gerador, esclarece o interrogando, que quem realizava toda essa atividade, inclusive a parte burocrática, era o contador; era de competência dele realizar a contabilidade da empresa; o escritório de contabilidade na época chamava-se Escritório Central; a empresa chegou a participar do REFIS, tendo havido pagamento de parcelas, mas a empresa se viu em dificuldades financeiras e teve que paralisar suas atividades (...).
Também ouvida em sede judicial, às fls. 180/181, afirmou a corré TÂNIA KAMIMURA MACERI: (...) é profissional e trabalha como autônoma; nunca foi empregada da empresa J.M.; a interroganda nunca acompanhou a obra; a interroganda não é a pessoa responsável pelo projeto da obra, tendo sido contratada apenas para fazer um laudo orçamentário, referente à obra; quem assinou e tinha responsabilidade pelo projeto era o denunciado Jayme; a arquiteta Luciana Moron esteve na casa da interroganda, ocasião em que ela levou para a interroganda o projeto da obra; com base nesse projeto, a interroganda fez o laudo orçamentário; depois de vários meses, a interroganda foi chamada para ir até o INSS; ficou sabendo que o Auditor Fiscal esteve na obra e teria constatado divergência entre o projeto inicial e a construção; por conta disso, a funcionária do INSS pediu à interroganda que elaborasse um novo laudo orçamentário, já agora, mediante vistoria do imóvel, a interroganda constatou, realmente, que havia divergência entre o projeto inicial e a construção efetiva da obra; assim, a interroganda refez o laudo orçamentário.
As quatro testemunhas arroladas pelas Defesas de ambos os corréus (ouvidas às fls.282/293) não puderam afastar a responsabilidade pessoal do acusado JAIME MOREIRA JÚNIOR pela prática delituosa.
Assim, demonstrada a autoria delitiva, uma vez que restou comprovado nos autos que o réu detinha a responsabilidade pela administração da empresa, inclusive no que tange às questões tributárias.
DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO
O elemento subjetivo do tipo, consubstanciado no dolo em relação à prática de ambos os delitos restou evidenciado.
No que tange ao delito previsto no artigo 337-A do Código Penal, restou pacificado pelo STJ o entendimento de que o dolo necessário para a caracterização do crime de sonegação de contribuição previdenciária também é o genérico, consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, dos valores devidos, prescindido de dolo específico.
Nesse sentido:
Irrelevante, portanto, a existência de uma finalidade específica, perfectibilizando-se a conduta com a supressão ou redução das contribuições previdenciárias.
Assim, considerando que o acusado era responsável pela administração da empresa no período dos fatos, resta comprovado que agiu de forma livre e consciente ao optar por reduzir contribuição previdenciária e seus acessórios ao apresentar ao INSS planta divergente daquela de fato realizada na obra do imóvel (art. 337-A, inciso III, do Código Penal), bem como por suprimir contribuição social previdenciária e seus acessórios, ao deixar de lançar mensalmente, em títulos próprios de sua contabilidade os fatos geradores das contribuições, restando caracterizada a prática do delito de sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A, inciso II, do Código Penal).
Nesta toada, estão devidamente comprovados a materialidade, a autoria e o elemento subjetivo em relação ao acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR, devendo ser condenado pelas práticas dos delitos previstos no artigo 337-A, incisos II e III, do Código Penal.
Destaca-se que a Acusação somente interpôs recurso em face de JAYME MOREIRA JÚNIOR, requerendo a absolvição da corré TÂNIA KAMINURA MACERI e, tendo em vista que a mesma já foi absolvida pela sentença de Primeiro Grau, impossível seu agravamento, em respeito ao Princípio do nom reformatio in pejus.
DOSIMETRIA
Tendo em vista tratarem-se de crimes de mesma espécie, praticados em continuidade delitiva, passo à dosimetria da pena.
O cálculo da pena deve observar os critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, o magistrado deve observar as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, atentando-se à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.
Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.
Finalmente, na terceira etapa, incidem as causa de diminuição e de aumento de pena.
Em suas razões recursais a Acusação pugna seja afastada a tese da insignificância da conduta dos recorridos, para condenar Jayme Moreira Júnior às penas do art. 337-A, inc. II e III, do CP, e, por outro lado, absolver Tânia Kamimura Maceri com fulcro no art. 386, V, do CPP.
DO CASO DOS AUTOS
No que diz respeito à culpabilidade, o grau de reprovabilidade da conduta do réu, no caso concreto, não se distancia do esperado em crimes dessa espécie.
Ante a ausência de elementos nos autos que possam revelar algo desfavorável acerca da conduta social e da personalidade do acusado, tais circunstâncias judiciais não podem ser valoradas negativamente.
O acusado, tecnicamente, não ostenta antecedentes criminais.
Os motivos e as circunstâncias dos crimes são normais à espécie, nada havendo a se considerar.
Quanto ao comportamento, a vítima (erário público) em nada contribuiu para a prática do crime.
Por fim, no que diz respeito às consequências dos delitos, no caso concreto, é certo que o valor somado dos débitos não é circunstância judicial capaz de ensejar a exasperação da pena base do delito de sonegação previdenciária. Os valores dos débitos originários, sem juros de mora e multa, foram de R$ 9.891,28 (nove mil, oitocentos e noventa e um reais e vinte e oito centavos) (relativo à conduta do artigo 337-A, inciso III - NFLD nº 35.482.063-0), e R$ 8.278,51 (oito mil, duzentos e setenta e oito reais e cinquenta e um centavos) (relativo ao artigo 337-A, inciso II - NFLD n.º 35.482.061-3), o que, por si só, não revelam graves consequências geradas pelos delitos.
Assim, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, de 02 (dois) anos de reclusão (incisos II e III do artigo 337-A do Código Penal).
Na segunda fase da dosimetria não há circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem sopesadas.
Na terceira fase, ante a ausência de causas de diminuição e aumento, resta a pena de 02 (dois) anos de reclusão (artigo 337-A, incisos II e III, do Código Penal).
DA CONTINUIDADE DELITIVA
No que diz respeito ao concurso de crimes, registre-se que ele não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador.
Nos memoriais apresentados perante a primeira instância, o Ministério Público Federal requereu a condenação do réu JAYME MOREIRA JÚNIOR como incurso nas penas do art. 337-A, incisos II e III, do Código Penal, com a majorante do artigo 71 do mesmo Codex (crime continuado), bem como a absolvição da ré TÂNIA KAMIMURA MACERI, com fulcro no art. 386, V, do Código de Processo Penal (fl. 345-verso). A Apelação acusatória não faz requerimentos expressos acerca da dosimetria da pena, sendo certo que a exordial acusatória e as razões recursais descrevem o cometimento de duas condutas da mesma espécie: sonegação previdenciária atinente à falsidade da planta do imóvel, que gerou a NFLD nº 35.482.063-0 (art. 337-A, inciso III, do CP), e sonegação previdenciária consistente na omissão de fato gerador, que gerou a NFLD n.º 35.482.061-3 (art. 337-A, inciso II, do CP.
Verifica-se que o acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR atuou de forma reiterada quando da prática do delito previsto no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, por 21 (vinte e um) meses seguidos (de 08/2000 a 04/2002 - fl. 57 do Apenso I), bem como na conduta descrita no artigo 337-A, inciso II, do mesmo Codex, por 05 meses seguidos (de 07/2000 a 11/2000 - fls. 15/20 do Apenso I), com semelhança nas condições de tempo, lugar e maneira de execução, revelando-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal).
Em acórdão relatado pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos, a segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas, nos seguintes termos: de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3º Região, Segunda Turma, ACR n.º 11.780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
Observando-se o critério acima, deve ser aplicado o aumento de 1/5 (um quinto) em face dos delitos do artigo 337-A, incisos II e III, do código Penal, resultando a pena de 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão.
PENA DE MULTA
A aplicação da pena de multa deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).
Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda.
Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).
Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.
Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.
Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.
Ressalte-se que referido posicionamento encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21/07/2017).
Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal a que foi citada anteriormente).
Dessa forma, deve ser aplicado o princípio da proporcionalidade. Assim, a pena fixada para o crime, até a terceira fase foi de 02 (dois) anos de reclusão, o que corresponde a 10 (dez) dias-multa. Acrescida de 1/5 (um quinto) em face da continuidade delitiva, a reprimenda deve ser elevada para 12 (doze) dias-multa, vigente na data da lavratura das NFLD's.
À mingua de melhores dados informativos acerca da situação econômica do réu, o valor unitário do dia-multa deve ser estabelecido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
O regime inicial de cumprimento da pena deve ser o ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada fica substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação pecuniária, bem como prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública na forma a ser estipulada pelo Juízo da Execução Penal, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade.
Por fim, no tocante ao valor da prestação pecuniária, deve-se observar que o artigo 45, § 1º, do Código Penal, preconiza que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.
Dessa forma, fixo a prestação pecuniária em 05 (cinco) salários mínimos, valor que se mostra adequado à prevenção e repressão da conduta criminosa, considerando o caráter indenizatório de que se revesta a pena.
Nos termos do artigo 45, § 1º, do Código Penal, a prestação pecuniária deverá ser destinada em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.
A União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito, no entanto, muito embora se cuide de crime de sonegação de contribuição previdenciária, a destinação da prestação pecuniária ora determinada alcança fins sociais precípuos que o direito penal visa alcançar de maneira eficaz e objetiva.
Caso revogadas as penas restritivas de direito, deverá o acusado iniciar o cumprimento da pena em regime ABERTO (art. 44, §4°, do CP).
PENA DEFINITIVA
A pena imposta a JAYME MOREIRA JÚNIOR, pela prática dos crimes descritos no art. 337-A, incisos II e III, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal, torna-se definitiva em 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime ABERTO, e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 01/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, ficando substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade, cuja entidade beneficiária será apontada ao tempo da execução e prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais.
DOS PEDIDOS DE REPARAÇÃO DO DANO E DE BLOQUEIO DE VALORES
A Acusação requer, em sede de memoriais e por ocasião de sua Apelação, seja fixado valor mínimo para a reparação do dano, bem como o bloqueio de valores através do BACENJUD, em nome do acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR, suficientes para o ressarcimento do dano causado ao INSS e equivalente ao proveito obtido com a conduta delituosa. Invoca o artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal e artigo 91, inciso I, do Código Penal.
Com efeito, não se desconhece a existência de posicionamento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que a aplicação do artigo mencionado exige (a) o cometimento de um crime após a entrada em vigor da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008; (b) a existência de pedido expresso do Ministério Público na denúncia ou nas alegações para fixação do valor mínimo do dano causado pela infração; e (c) a indicação dos valores e a existência de provas suficientes a fundamentar o pedido de condenação na reparação dos danos.
Todavia, cumpre consignar que a exigência de indenização do dano causado pelo crime não constitui inovação da Lei nº 11.719/2008, o que poderia respaldar o posicionamento acima referido. Trata-se, na verdade, de efeito da condenação previsto no art. 91, I, do Código Penal, com a redação dada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, segundo o qual são efeitos da condenação: I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, efeito este automático da sentença penal condenatória, cuja eficácia prescinde, inclusive, de pronunciamento judicial expresso do magistrado nesse sentido.
Ressalte-se, também, a desnecessidade de haver pedido expresso do Órgão Acusatório para a fixação do valor mínimo da reparação do dano causado pelo crime. Conforme já dito acima, a disposição prevista no art. 91, I, do Código Penal, constitui efeito automático da sentença condenatória. Ademais, não há que se falar em violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, pois o valor a ser imposto é extraído da exordial acusatória, bem como da instrução processual, cabendo destacar que, diante da existência de norma expressa no Código Penal, o réu não pode alegar desconhecimento de que, em caso de condenação, restará assentada a certeza da obrigação de indenização pelo dano do crime.
Desse modo, a fixação do valor mínimo a título de reparação na sentença condenatória, ainda que não haja pedido expresso da acusação, não implica desrespeito às garantias do devido processo legal.
Por seu turno, a atual redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal, conforme consignado pela Lei nº 11.719/2008, apenas visa operacionalizar a regra de direito penal no âmbito processual. Além disso, tratando-se de norma de cunho processual, tem aplicação imediata aos processos em tramitação a teor do disposto no art. 2º do Código de Processo Penal. Nesse sentido:
Ademais, já houve atuação estatal que quantifica o valor a ser recolhido aos cofres públicos, consoante os valores constantes das NFLD's nºs. 35.482.063-0 e 35.482.061-3 devidamente atualizados.
Note-se que a título de reparação do dano o valor das NFLD's sem a incidência de juros e multa.
Tenho, pois, que o pagamento de tal valor, indiscutivelmente, seja devido.
Note-se que o valor eventualmente pago na execução penal deverá ser deduzido do valor a ser pago na esfera tributária/de execução fiscal. E vice-versa, caso tenha havido o pagamento ou a quitação do valor ora fixado, na esfera tributária, deverá ser imputado no valor da presente condenação no bojo de um processo criminal.
Defiro a requisição de bloqueio via Bacenjud, a fim de efetivar a medida de reparação dos danos, nos termos requeridos pelo Órgão Acusatório: suficientes para ressarcimento do dano causado ao INSS, equivalente ao proveito obtido com a conduta delituosa, contudo, que deverá aguardar o trânsito em julgado desta decisão.
DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA
Acerca da possibilidade de execução provisória da pena, deve prevalecer o entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto no art. 283 do CPP, nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no sentido de que não há óbice ao início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, desde que esgotados os recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias.
Assim, exauridos os recursos cabíveis perante esta Corte, mesmo que ainda pendente o julgamento de recursos interpostos perante as Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), deve ser expedida Carta de Sentença, bem como comunicação ao juízo de origem, a fim de que se inicie, provisoriamente, a execução da pena imposta por meio de acórdão condenatório exarado em sede de Apelação. Em havendo o trânsito em julgado, hipótese em que a execução será definitiva, ou no caso de já ter sido expedida guia provisória de execução, tornam-se desnecessárias tais providências.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por, NÃO CONHECER da preliminar de nulidade invocada pela Defesa da acusada TÂNIA KAMIMURA MACERI, REJEITAR a preliminar de prescrição levantada pela Defesa do acusado JAYME MOREIRA JÚNIOR, ACOLHER a preliminar da Acusação de preclusão pro judicato, e DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Acusação para CONDENAR o réu JAYME MOREIRA JÚNIOR pela prática dos crimes previstos no artigo 337-A, incisos II e III, na forma do artigo 71, todos do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, em regime inicial ABERTO, e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 01/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública na forma a ser estipulada pelo Juízo das Execuções Penais, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade e prestação pecuniária, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, a ser designada pelo Juízo das Execuções Penais. Fica estipulado, ainda, valor mínimo para a reparação do dano (valor das NFLD's sem os juros e a multa), bem como o bloqueio de valores através do BACENJUD, após o trânsito em julgado.
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