Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/11/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015213-15.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.015213-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : PAULO THOMAZ DE AQUINO
: EDILRENE SANTIAGO CARLOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : PAULO SOARES BRANDAO
No. ORIG. : 00152131520174036181 7P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 171, §3º DO CP. ABSOLVIÇÃO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. MANTIDA A CONDENAÇÃO DO CORRÉU. INSERÇÃO DE INFORMAÇÕES IDEOLOGICAMENTE FALSAS VISANDO À CONCESSÃO INDEVIDA DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
A materialidade delitiva, que não foi objeto de impugnação, está demonstrada através do requerimento de benefício; declaração sobre composição do grupo e renda familiar; declaração para amparo assistencial; relatório conclusivo individual e ofício encaminhado pelo 9º Tabelião de Notas da Comarca da Capital.
Na época da concessão do benefício, a beneficiária não residia no endereço cadastrado em seu requerimento e convivia com seu marido, que recebia benefício previdenciário no valor de R$2.781,33, não fazendo, portanto, jus ao benefício assistencial.
As provas colhidas nos presentes autos apenas demonstram que a denunciada ficou encarregada de protocolar o pedido de benefício assistencial, valendo-se da decisão judicial que a eximia de prévio agendamento. Por outro lado, não há elementos capazes de demonstrar que a ré tinha conhecimento da fraude perpetrada pelos demais agentes e que agiu com o dolo específico indispensável para a configuração do delito, devendo ser absolvida com fundamento no art. 386, VII do CPP.
No entanto, o conjunto probatório demonstra, com a certeza necessária, que o acusado determinou a inserção de informações falsas nos formulários destinados ao INSS, uma vez que a requerente não preenchia os requisitos necessários para a concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso. Evidente, portanto, a autoria e o dolo do apelante, que assim agiu visando à obtenção de vantagem ilícita em prejuízo da autarquia previdenciária.
Apelação da acusada E.S.C provida. Apelação de P.T.A não provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de Edilrene Santiago Carlos, para absolvê-la da prática do crime previsto no art. 171, §3º do CP, com fundamento no art. 386, VII do CPP e negar provimento ao recurso interposto por Paulo Thomaz de Aquino, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 07 de novembro de 2019.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015213-15.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.015213-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : PAULO THOMAZ DE AQUINO
: EDILRENE SANTIAGO CARLOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : PAULO SOARES BRANDAO
No. ORIG. : 00152131520174036181 7P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de apelações criminais interpostas por PAULO THOMAZ DE AQUINO e EDILRENE SANTIAGO CARLOS em face da sentença que os condenou como incursos nas sanções do art. 171, §3º do CP.

Narra a denúncia (fls. 118/121v):


"No dia 27/09/2010, na APS São Paulo - Vila Prudente, localizada na Rua do Orfanato, nº 253, Vila Prudente, CEP 03131-010, São Paulo/SP, EDILRENE SANTIAGO CARLOS, PAULO SOARES BRANDÃO e PAULO THOMAZ DE AQUINO, de maneira livre e consciente, em unidade de desígnios, mediante a prestação de informações ideologicamente falsas e apresentação de documentos fraudulentos, induziram e mantiveram em erro o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e obtiveram para outrem, a beneficiária Iraci Gazoni Arrosti, vantagem indevida, consistente no recebimento de parcelas mensais do benefício assistencial de amparo ao idoso NB 88/542.819.512-2, no período compreendido entre 27/09/2010 e 30/09/2013.
Os fatos narrados foram apurados, inicialmente, por meio do processo administrativo n. 35366.000112/2013-29, em que o INSS constatou a falsidade da documentação apresentada e das informações veiculadas na oportunidade do requerimento referente ao benefício NB 88/542.819.512-2, protocolado junto à agência da Previdência Social (APS) de Vila Prudente, em especial no que diz respeito à declaração sobre composição familiar, à declaração de não convívio e ao comprovante de residência que instruíram o pedido (fls. 05/06 e 09/11 do apenso I), eis que o benefício somente fora deferido em razão de, apesar de casada, Iraci Gazoni Arrosti ter declarado à autarquia previdenciária endereço diferente daquele de seu cônjuge, por meio de sua procuradora, Edilrene Santiago Carlos.
[...] consta dos autos que Iraci Gazoni Arrosti é casada com Octavio Arrosti Neto (conforme certidão de casamento juntada a fl. 08 do apenso I) e esse percebe aposentadoria especial desde dezembro de 1988 (NB 46/079.555.308-0, fl. 33 do apenso I), com renda mensal de R$2.781,33, e que, na verdade, o endereço residencial de ambos, Iraci Gazoni Arrosti e Octavio Arrosti Neto, localiza-se na Rua Dom Pedro, II, nº 1776, CEP 15130-000, Mirassol - SP [...].
[...] Insta salientar, por oportuno, que o apenso II dos presentes autos é constituído por cópia integral do 'relatório de investigação geral' da 'Operação Ostrich', deflagrada em decorrência do elevado número de inquéritos policiais, cerca de mais de oitenta apuratórios, instaurados a fim de investigar a concessão irregular de benefícios previdenciários (LOAS) e para desarticular a quadrilha responsável pelas fraudes, na qual os três acusados têm participação. Verificou-se o vultoso prejuízo de R$138.924.724,15 causado aos cofres públicos (cf. fl. 103 dos autos principais).
Apurou-se também, nesse sentido, que, munido de mandado de segurança concedido pela 7ª Vara Cível Federal de São Paulo que o desobrigava realizar agendamento para atendimento nas agências do INSS, PAULO SOARES BRANDÃO protocolou diversos requerimentos de benefícios, valendo-se de documentos ideologicamente falsos, para os clientes do escritório de PAULO THOMAZ DE AQUINO, arregimentados por diversos outros integrantes do esquema criminoso, dentre eles EDILRENE SANTIAGO CARLOS, sendo as parcelas dos benefícios irregularmente concedidos repassadas a esses indivíduos.
[...] Iraci Gazoni Arrosti afirmou ter sempre residido em Mirasol com seu marido, de quem nunca se separou, além de ter declarado que jamais forneceu informação de que estavam separados, sendo que vivem juntos há 30 anos, assim como declarou que não tinha certeza se as assinaturas constantes dos documentos questionados partiram de seu próprio punho. [...] informou também que, em 2010, um morador da cidade de Monte Aparazível, do qual não se recordava o nome, levou vários papéis para ela assinar e que somente assinou os papéis, os quais já vieram preenchidos. Também, esse senhor de Monte Aprazível prometeu que seriam entregues os papéis para o advogado PAULO THOMAZ DE AQUINO, na cidade de São Paulo, o qual daria entrada em seu pedido de aposentadoria. Ainda, que ficou combinado que, caso fosse conseguida a aposentadoria, ela deveria depositar os três primeiros benefícios recebidos na conta bancária do referido advogado. Declinou que o número da conta seria 328328-3, da agência 154-6, do banco Bradesco (fls. 32/33), a qual pertence efetivamente a PAULO THOMAZ DE AQUINO.
[...] O laudo nº 071/2017-NUCRIM/SETEC/SR/PF/SP apontou que os lançamentos à guisa de assinatura de Iraci Gazoni Arrosti apresentaram indícios de terem sido produzidos por, ao menos, dois punhos distintos (fls. 80/84). [....] Por fim, analisou que partiram do punho de EDILRENE SANTIAGO CARLOS os escritos apostos no Termo de Responsabilidade a fl. 03 e a assinatura do procurador a fl. 12, ambas do apenso I.
[....] o Ministério Público Federal denuncia PAULO SOARES BRANDÃO, PAULO THOMAZ DE AQUINO e EDILRENE SANTIAGO CARLOS como incursos nas penas do art. 171, §3º c/c art. 29, ambos do CP".

A denúncia foi recebida em 15/12/2017 (fls. 132/135).

Após regular instrução, o Juízo da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo absolveu PAULO SOARES BRANDÃO, com fundamento no art. 386, V do CPP e condenou PAULO THOMAZ DE AQUINO e EDILRENE SANTIAGO CARLOS pela prática do crime previsto no art. 171, §3º c/c art. 29, ambos do CP, à pena de 1 ano e 4 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 13 dias multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. A pena privativa de liberdade imposta aos réus foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 10 salários mínimos, em favor do INSS. Na sentença, foi fixado o valor mínimo a título de reparação de danos, nos termos do art. 387, IV do CPP, em R$24.613,07, que deverá ser arcado por ambos os réus, de forma solidária.

A sentença foi publicada em 05/02/2019 (fl. 459).

A Defensoria Pública da União interpôs apelação em favor de PAULO THOMAZ DE AQUINO e EDILRENE SANTIAGO CARLOS (fl. 470). Alega que a apelante Edilrene apenas figurou como procuradora no procedimento de concessão de benefício assistencial, não havendo qualquer outra prova capaz de demonstrar sua participação dolosa. Aduz que Edilrene trabalhou para o codenunciado Paulo Soares Brandão protocolando requerimentos de benefícios junto ao INSS. Sustenta que Edilrene apenas protocolava esses requerimentos, a mando de Paulo Soares Brandão, pois, na qualidade de advogada, não se sujeitava ao sistema de agendamento do INSS, por força de decisão liminar concedida em um mandado de segurança. Assevera que a função de Edilrene era protocolar requerimentos administrativos para o escritório de Paulo Soares, sem que tivesse conhecimento do conteúdo da documentação e das declarações prestadas. Acrescenta que a beneficiária Iraci Gazoni Arrosti nunca mencionou o nome de Edilrene em suas declarações. Pleiteia a absolvição de Edilrene com fulcro no art. 386, VII do CPP. No tocante ao acusado Paulo Thomaz de Aquino, alega que não há provas suficientes para condenação. Sustenta que a sentença condenatória baseou-se unicamente nas declarações prestadas pela beneficiária, no sentido de que teria realizado um depósito em dinheiro em favor de Paulo Thomaz de Aquino. Sustenta que não há comprovação nesses autos do referido depósito. Aduz que também não ficou demonstrado que Paulo Thomaz tenha sido o autor da falsificação. Requer a absolvição de Paulo Thomaz de Aquino com fundamento no art. 386, VII do CPP (fls. 471/485).

Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal, às fls. 486/489v, pelo desprovimento das apelações.

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pelo não provimento dos recursos (fls. 502/505).

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0015213-15.2017.4.03.6181/SP
2017.61.81.015213-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : PAULO THOMAZ DE AQUINO
: EDILRENE SANTIAGO CARLOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : PAULO SOARES BRANDAO
No. ORIG. : 00152131520174036181 7P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço dos recursos.

Dos fatos

De acordo com a denúncia, no dia 27/09/2010, na APS Vila Prudente, EDILRENE SANTIAGO CARLOS, PAULO SOARES BRANDÃO e PAULO THOMAZ DE AQUINO, teriam induzido e mantido o INSS em erro, mediante fraude consistente na prestação de informações ideologicamente falsas e apresentação de documentos inidôneos, visando à obtenção de benefício assistencial de amparo ao idoso em favor de Iraci Gazoni Arrosti. O benefício NB 88/542.819.512-2 foi pago entre 27/09/2010 e 30/09/2013.
O Juízo da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo absolveu Paulo Soares Brandão, com fulcro no art. 386, V do CPP e condenou Paulo Thomaz de Aquino e Edilrene Santiago Carlos pela prática do crime previsto no art. 171, §3º c/c art. 29, ambos do CP.
Da materialidade
A materialidade delitiva, que não foi objeto de impugnação, está demonstrada através do requerimento de benefício (fls. 03/04); declaração sobre composição do grupo e renda familiar (fl. 05); declaração para amparo assistencial (fl. 06); relatório conclusivo individual (fls. 50/53) e ofício encaminhado pelo 9º Tabelião de Notas da Comarca da Capital (fl. 64).
O requerimento de benefício assistencial à pessoa idosa de Iraci Gazoni Arrosti foi instruído com as declarações de composição do grupo e renda familiar e de amparo social, onde constou que: Iraci vivia sozinha há 09 anos, não possuía companheiro, não auferia rendimentos mensais e sua subsistência dependia da ajuda da comunidade e de amigos. Além disso, no requerimento foi informado que Iraci residia na Rua Sonata do Luar, 34, Jd. S. Raimundo, em São Paulo/SP.
No curso do procedimento administrativo, a Gerência Executiva do INSS em São Paulo constatou que referido endereço havia sido declarado por outro beneficiário do LOAS (fls. 36/37). Constatou-se, ainda, que Iraci era casada com Octavio Arrosti Neto, que recebia aposentadoria especial desde dezembro/1988, no valor de R$2.781,33.
A beneficiária não atendeu à convocação do INSS para apresentar defesa no procedimento administrativo, todavia, após ter sido intimada, deixou de sacar o benefício, que foi suspenso em 06/02/2014.
Perante a autoridade policial e em juízo, Iraci Gazoni Arrosti declarou que nunca residiu no endereço cadastrado em seu requerimento, já que sempre viveu em Mirassol/SP, na companhia de seu marido Octavio Arrosti Neto. Esclareceu que na data da concessão do benefício convivia com seu marido, com quem estava casada por mais de 30 anos (fls. 32/33 e 350).
O benefício foi pago durante 27/09/2010 e 30/09/2013, e o prejuízo causado ao INSS totalizou R$21.694,00 (fl. 52)
Passo a examinar a autoria.
Da autoria e do dolo
Edilrene Santiago Carlos, que é advogada, figurou como procuradora de Iraci Gazoni Arrosti no processo de requerimento de benefício assistencial (fls. 03 e 12, ap. I). A perícia documentoscópica comprova que as assinaturas apostas no termo de responsabilidade de fl. 03 e na procuração de fl. 12, do ap. I partiram do punho de Edilrene (fl. 84).
Na fase policial e em juízo, a testemunha Iraci Gazoni Arrosti afirmou desconhecer Edilrene, que constou como sua procuradora. Iraci afirmou que Paulo Thomaz de Aquino foi o responsável pelo requerimento de seu benefício assistencial e que sua documentação foi entregue a Paulo Thomaz por intermédio de um morador do município de Monte Aprazível. Nada disse a respeito de Edilrene.
Em seu interrogatório judicial, Edilrene declarou que entre 2007 e 2008 foi funcionária do escritório de Paulo Soares Brandão. Nessa época, Paulo pediu para que todos os advogados do escritório pedissem uma liminar na Justiça para protocolar benefícios sem agendamento. Em 2010 ou 2011 foi procurada por Paulo para protocolar requerimentos sem agendamento, pois a decisão judicial que dispensava agendamento ainda estava em validade. Paulo lhe pagou R$3.000,00 em uma oportunidade e R$4.000,00 em outra. Não sabe quantos pedidos protocolou, porque Paulo lhe entregou envelopes enrolados em elásticos. Os requerimentos estavam prontos. Foi contratada apenas para protocolar esses pedidos em razão de sua liminar, que dispensava agendamento. Paulo Soares Brandão pediu para que falasse com a funcionária Joana, na APS Vila Prudente. Não sabe por que Paulo pediu para que os requerimentos fossem entregues à Joana. Nunca teve contato com Iraci. Confiava em Paulo Soares Brandão, que inclusive já havia atuado como seu advogado. Reconhece como sua a assinatura à fl. 03 do apenso.
Embora esteja cabalmente demonstrado que Edilrene protocolou o processo de concessão do benefício assistencial em favor de Iraci, há fundada dúvida no tocante ao dolo da apelante, impondo-se a absolvição por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, VII do CPP. Vejamos.
Nos autos do mandado de segurança nº 2006.61.001.14719-1, o Juízo da 10ª Vara Federal Cível de São Paulo proferiu sentença para determinar que o INSS não exigisse da advogada Edilrene Santiago Carlos prévio agendamento para protocolo de requerimentos previdenciários de seus mandantes, bem como para que o INSS se abstivesse de limitar a quantidade desses requerimentos. A sentença que concedeu a segurança foi proferida em 13/02/2007 (fl. 18, ap. I).
Edilrene passou a prestar serviços para Paulo Soares Brandão, que possuía um escritório de advocacia. Por sua vez, Paulo Thomaz de Aquino, que atuava como intermediário em processos de concessão de benefícios junto ao INSS, passou a contar com os serviços do escritório de Paulo Soares Brandão, objetivando o protocolo de requerimentos sem prévio agendamento.
Note-se, portanto, que a participação de Edilrene na concessão do benefício de LOAS em nome de Iraci limitou-se ao protocolo do requerimento junto à APS Vila Prudente. Edilrene não participou da elaboração do requerimento, tampouco do preenchimento das declarações com informações ideologicamente falsas. Além disso, as provas são insuficientes para demonstrar que Edilrene tinha conhecimento inequívoco acerca da falsidade daquelas informações, muito menos que agiu com a intenção de enganar o INSS e, com isso, obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
As provas colhidas nos presentes autos apenas demonstram que a denunciada ficou encarregada de protocolar o pedido de benefício assistencial, valendo-se da decisão judicial que a eximia de prévio agendamento. Por outro lado, não há elementos capazes de demonstrar, com a certeza necessária, que Edilrene tinha conhecimento da fraude perpetrada pelos demais agentes e que agiu com o dolo específico indispensável para a configuração do delito. Ainda que se admita que a tese de que a ré, na qualidade de procuradora, assumiu a responsabilidade pela veracidade dos documentos apresentados ao INSS, não ficou minimamente demonstrado o elemento subjetivo específico do art. 171 do CP, consistente na vontade de obter vantagem ilícita para si ou para outrem.
Inexistindo prova judicial que demonstre a autoria delitiva e o dolo de forma indene de dúvida, não há que se falar em condenação. A dúvida deve ser revertida em favor da apelante, em observância ao princípio do in dubio pro reo.

Nesse sentido, orienta-se a jurisprudência:


PENAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA AUTORIA. RÉ IDOSA E DE POUCA INSTRUÇÃO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. I - No caso, a ré foi denunciada porque obteve em seu favor, benefício ilícito de auxílio doença mediante documentação falsa, induzindo em erro o INSS. II - Em que pese restar comprovada a materialidade delitiva, há dúvidas a respeito da autoria. III - A acusação não logrou comprovar o dolo necessário à caracterização do delito, ou seja, a vontade livre e consciente de obter vantagem pessoal ilícita em prejuízo do INSS. IV - A ré é pessoa idosa, de pouca instrução e não há prova conclusiva de que tinha consciência da ilicitude e intenção manifesta de lesar a Previdência. V - Apelação improvida. Absolvição mantida.
(ACR 00083595920044036181, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/04/2011 PÁGINA: 369 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

DIREITO PENAL. ESTELIONATO CONTRA O INSS. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. 1. Incumbe à acusação, a teor do artigo 156 do Código de Processo Penal, produzir prova robusta e apta a demonstrar, com certeza, a ocorrência do fato delituoso, a autoria e o dolo do agente. 2. Hipótese em que os elementos constantes na ação penal não permitem concluir, de forma inequívoca, que o réu obteve o amparo previdenciário de auxílio-doença fraudulentamente. 3. Se a versão do réu, de que ele trabalhou na atividade rural no período mencionado e que deixou de trabalhar na lavoura em razão do acidente sofrido, encontra guarida nas provas constantes nos autos, documental e testemunhal, impõe-se a solução absolutória. 4. Havendo dúvida razoável quanto à ocorrência de fraude, deve o acusado ser absolvido, prevalecendo o princípio do in dubio pro reo. (TRF4, ACR 5000233-60.2011.404.7118, SÉTIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 18/05/2016)

PENAL. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE. DOLO. PROVAS. INSUFICIÊNCIA. PRESUNÇÃO RELATIVA. IN DUBIO PRO REO. 1. O delito de estelionato exige a necessária prova do dolo com o especial fim de agir, qual seja, o de apoderar-se de vantagem ilícita, não bastando, pois, a mera incidência do chamado dolo genérico. 2. Embora tenha o acusado recorrido ao auxílio da Coordenadora do Posto de Saúde, por intermédio de um candidato a vereador, para a obtenção do benefício, não há nos autos elementos suficientes que permitam, ainda que indiciariamente, inferir de forma inequívoca que o mesmo tinha ciência da falsidade dos atestados médicos e até mesmo que estes seriam entregues no momento da perícia pelo filho da mesma. Ademais, pelo que consta dos autos, o réu é, de fato, pessoa de formação simples, sendo razoável crer que não tivesse experiência em lidar com os tramites burocráticos dos órgãos públicos, bem como não estivesse a par do esquema fraudulento perpetrado para a concessão do benefício em tela, mais especificamente no que se refere aos atestados médicos falsificados. 3. O ônus da prova recai sobre quem alega, no caso, o Ministério Público Federal, que não se desincumbiu de forma decisiva para sustentar uma condenação. 4. Apelação desprovida.
(ACR 200650010044575, Desembargadora Federal LILIANE RORIZ, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::29/10/2009 - Página::197.)

Em consequência, absolvo a acusada EDILRENE SANTIAGO CARLOS da imputação do crime do art. 171, §3º do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

No entanto, em relação ao acusado PAULO THOMAZ DE AQUINO, deve ser mantida a condenação, nos termos da sentença.
Perante a autoridade policial, Iraci declarou que no ano de 2010 obteve o benefício assistencial através de um morador do município de Monte Aprazível, que ficou encarregado de levar os papéis ao advogado Paulo Thomaz Aquino, em São Paulo/SP. Disse que assinou alguns papéis que já estavam preenchidos por esse indivíduo de Monte Aprazível, que lhe disse que, em caso de concessão, deveria pagar o equivalente a três parcelas do benefício. Esse valor deveria ser depositado na conta nº 328328-3, agência 154-6, no banco Bradesco, pertencente a Paulo Thomaz de Aquino. Não sabe dizer o motivo pelo qual constou em seu requerimento que vivia sozinha em endereço situado no município de São Paulo/SP, já que reside na companhia de seu marido, Octavio Arrosti Neto, há aproximadamente 30 anos, em Mirassol/SP. Não conhece e nunca ouviu falar da pessoa de Edilrene Santiago Carlos (fls. 32/33).

Em juízo, Iraci declarou que o Dr. Paulo foi o responsável pela concessão de sua aposentadoria. Sempre morou em Mirassol. Uma pessoa de Monte Aprazível ficou encarregada de levar a documentação a Paulo Thomaz de Aquino. Conheceu Paulo Thomaz de Aquino quando esteve em uma agência bancária para receber a primeira parcela. A advogada "Rose" também estava presente. Possui o número da conta de Paulo Thomaz no banco Bradesco, em que foram depositadas as parcelas. Na época em que requereu o benefício, estava casada e vivia com seu marido. Não conhece Maria Inez Gama Pereira. Nunca ouviu falar de Edilrene Santiago Carlos. Depois da suspensão do benefício, entrou em contato com o intermediário de Monte Aprazível, que lhe disse que Paulo Thomaz havia sumido. O intermediário residia na Rua Monte Rua Celestino Cicoti, 83, Monte Aprazível e, pelo que se recorda, ele se chamava Celestino. Outras pessoas da região de Monte Aprazível obtiveram a aposentadoria através de Celestino, mas continuam recebendo o benefício. Pagou o equivalente a 01 salário a Celestino. Em juízo, a ré reconheceu Paulo Thomaz de Aquino, sem absoluta certeza.

Paulo Thomaz de Aquino foi interrogado em juízo (fl. 383). Não se recorda dos fatos. Possui muitas ações penais contra si. Conhece Paulo Soares Brandão. Conhecia as regras da Previdência Social para requerer benefícios. Passou a trabalhar como intermediário junto ao INSS. Na época, apenas advogados que possuíam liminar podiam protocolar requerimentos no INSS. Paulo Soares Brandão tinha essa liminar. Por volta de 2008 ou 2009, passou a trabalhar em parceria com Paulo Brandão. Paulo Brandão ficou encarregado de protocolar seus requerimentos junto ao INSS. Atendia aos clientes em sua própria casa, depois passava toda a documentação a Paulo Soares Brandão. A respeito das declarações que eram preenchidas pelos interessados, disse que não tinha como conferir a autenticidade. Disse que instruía seus clientes acerca dos requisitos para concessão do benefício de LOAS. Na época, cobrava o equivalente a 3 salários, sendo que um salário era repassado para Paulo Brandão e um salário era entregue a quem havia feito a captação do cliente. Não conheceu Edilrene Santiago Carlos. Os documentos que foram entregues a Paulo Brandão já estavam preenchidos. Algumas vezes, o intermediário lhe entregou requerimentos e declarações preenchidos (fl. 383).

Paulo Soares Brandão, em seu interrogatório judicial, declarou que na época dos fatos, alguns advogados obtiveram decisão liminar, que dispensava o agendamento para protocolo de requerimentos e não limitava a quantidade de requerimentos. Naquele período, demorava cerca de um ano para um interessado agendar o atendimento no INSS. Foi procurado por Paulo Thomaz de Aquino, que atuava como intermediário junto ao INSS, apenas para protocolar requerimentos, valendo-se de sua liminar judicial. Fez parceria com vários outros intermediários. Recebia o equivalente a uma parcela do benefício em caso de concessão. Não conheceu Iraci Gazoni Arrosti. Não manteve qualquer tipo de contato com os segurados. Não fez contrato com Paulo Thomaz de Aquino, mas recebeu as quantias combinadas pela prestação do serviço. Quando Paulo Thomaz de Aquino lhe entregava o requerimento de LOAS juntamente com a documentação, não tinha como conferir a autenticidade das declarações prestadas pelos requerentes. Atualmente, não atua na área previdenciária. Edilrene atuou como procuradora, a seu pedido, em apenas dois processos previdenciários no ano de 2009. Edilrene também possuía a liminar. Não teve contato com Edilrene em 2010. Em 2007, obtiveram (Paulo Brandão e Edilrene) essa liminar, com o intuito de atuar nesse nicho de mercado. Depois que Edilrene se desligou de seu escritório, ela passou a trabalhar como autônoma.

Está suficientemente comprovado que Paulo Thomaz de Aquino atuou na intermediação do benefício assistencial concedido a Iraci Gazoni Arrosti. Na fase investigativa e em juízo, a testemunha Iraci declarou que residia em Mirassol, mas a documentação relativa ao seu requerimento de benefício foi entregue a Paulo Thomaz de Aquino, em São Paulo, por meio de Celestino, morador de Monte Aprazível. A testemunha, inclusive, informou o número da conta de Paulo Thomaz no Banco Bradesco, em que deveriam ser depositados os valores a título de honorários. Também afirmou que encontrou uma única vez com Paulo Thomaz Aquino em São Paulo/SP, que estava acompanhado de "Rose", quando recebeu a primeira parcela de seu benefício. Em juízo, a testemunha o reconheceu, embora sem absoluta certeza.

A perícia realizada no requerimento de benefício de Iraci e nas declarações de fls. 04, 05, 06, 10, e 12 atestou que os manuscritos ali constantes partiram do punho de Rosecler Pereira Barbosa (fl. 84).

Rosecler declarou no bojo do inquérito policial nº 609/2015 que Paulo Thomaz de Aquino havia lhe pedido para preencher formulários do INSS relativos a LOAS, e que esses formulários já vinham assinados pelos requerentes. Paulo Thomaz lhe passava as indicações sobre como os formulários deviam ser preenchidos. Recebia em torno de R$50,00 pelo preenchimento de 05 ou 06 conjuntos de formulários. Outras pessoas faziam o mesmo tipo de serviço para Paulo Thomaz de Aquino (fls. 86/87).

Em juízo, a testemunha Iraci declarou que na ocasião em que encontrou com Paulo Thomaz, ele estava acompanhado de Rose, o que corrobora a ligação entre o apelante e Rosecler.

O conjunto probatório demonstra de forma segura que o acusado Paulo Thomaz Paulo Thomaz sabia que Iraci não preenchia os requisitos necessários para a obtenção do benefício previdenciário e, portanto, determinou a inserção de informações falsas nos formulários destinados ao INSS, visando à obtenção de vantagem ilícita em prejuízo da autarquia previdenciária. Evidente, portanto, a autoria e dolo do apelante.

Diante disso, mantenho a condenação de PAULO THOMAZ DE AQUINO pela prática do crime do art. 171, §3º do Código Penal.

Da dosimetria

A dosimetria não foi objeto de impugnação.

De todo modo, observo que a pena-base foi fixada no patamar mínimo legal. Não incidiram circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, presente a causa de aumento prevista no art. 171, §3º do CP. Pena definitivamente fixada em 1 ano e 4 meses de reclusão e 13 dias-multa, no valor unitário mínimo legal. Mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos e a obrigação de reparar o dano, nos termos da sentença, salvo quanto à responsabilidade solidária de Edilrene, absolvida nestes autos.

Dispositivo

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de Edilrene Santiago Carlos, para absolvê-la da prática do crime previsto no art. 171, §3º do CP, com fundamento no art. 386, VII do CPP e nego provimento ao recurso interposto por Paulo Thomaz de Aquino.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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