D.E. Publicado em 02/09/2019 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação de CÍCERO PEGO BARBOSA, apenas para fixar a pena restritiva de direitos da espécie prestação pecuniária em 02 (dois) salários mínimos vigentes à época dos fatos, a serem destinados à União, conforme estabelecido pela r. sentença, bem como para conceder-lhe os beneplácitos da justiça gratuita, nos termos especificados no voto, e DAR PROVIMENTO à Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para condenar o réu BENEDITO QUEIROZ DE SOUZA à pena corporal de 02 (dois) anos de reclusão, a ser inicialmente cumprida no regime ABERTO, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixados estes no patamar mínimo unitário, substituindo-se a pena corporal por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP), pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade imposta, em organização, entidade ou associação a ser determinada pelo juízo da execução penal, assim como pela prestação pecuniária equivalente a 02 (dois) salários-mínimos, a ser destinada a entidade social, mantendo-se, no mais, a r. sentença monocrática, por seus próprios e judiciosos fundamentos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 26/08/2019 13:58:02 |
|
|
|
|
|
VOTO
O EXMO. DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS:
DA IMPUTAÇÃO
DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Artigo 15 da Lei Federal nº 7.802/1989
Da tipicidade da conduta
A r. sentença penal absolveu o réu BENEDITO QUEIROZ DE SOUZA por entender que a conduta de importar agrotóxico é atípica, por injunção do princípio da ofensividade. Em sua fundamentação, o magistrado sentenciante afirma que a mercadoria apreendida não foi falsificada e, principalmente, não possui princípio ativo de uso proibido no Brasil. Ora, punir criminalmente o cidadão tão-somente porque importou produto de nome comercial ou produção invulgar se nos afigura uma demasia, se não há (como de fato não há) comprovação de que seu uso implicará algum gravame a bem jurídico penalmente tutelado. O fato pode (se o caso) ser apenado em outras esferas, mas não na criminal, considerando a gravidade da sanção respectiva e o caráter subsidiário de atuação do Direito Penal.
O Ministério Público Federal recorre afirmando que o entendimento exposto na sentença condenatória não deve prevalecer, pois a conduta perpetrada pelo réu amolda-se às elementares típicas previstas na objurgada norma penal incriminadora, bem como não estão acobertadas por excludentes de ilicitude ou culpabilidade. Outrossim, discorre o parquet federal que o ato de importar agrotóxico sem autorização legal ofende o meio ambiente e coloca a vida humana a risco, razão pela qual deve haver rigorosa punição àquele que o importa em desacordo com a legislação pertinente. Por fim, reitera que a autoria e materialidade foram comprovadas no curso do processo-crime.
A sentença merece reforma.
A Lei nº 7.802 de 11/07/1989 dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.
O artigo 15 deste Diploma Legal, assim dispõe:
O Laudo de Exame Pericial registrado sob o número 2020/05-INC, colacionado às fls. 91/94, é conclusivo no sentido de que a substância importada pelo réu é um herbicida do grupo químico da sulfoniluréia (MATSULFUROM METIL). Embora seu uso possa ser autorizado pela ANVISA no Brasil em Atividades Agropecuárias, fato é que, ao tempo do crime, segundo o laudo, ele não estava registrado no Ministério da Agricultura, mais especificamente no Sistema Agrotóxico Fitossanitários (AGROFIT), não sendo, desse modo, seu uso permitido no país.
Em outras palavras, trata-se de mercadoria proibida de ser produzida, comercializada, importada, exportada ou utilizada no Brasil, necessitando, para tanto, regular permissão e prévio registro em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura, nos termos do artigo 3º da Lei Federal nº 7.802/1989.
Vale ressaltar que a comercialização e utilização desregradas de qualquer agrotóxico proibido trazem malefícios ao meio ambiente e à saúde das pessoas, bens jurídicos tutelados pelo citado Diploma Legal.
Portanto, sem sombra de dúvidas, o transporte de agrotóxico em desacordo com as determinações legais configura o crime do artigo 15 do citado Diploma Legal, com as penas neste crime cominadas. Nesse sentido :
Com esteio nesses fundamentos, a conduta perpetrada é formal e materialmente típica, razão pela qual a sentença absolutória deve ser reformada para a condenação do réu BENEDITO.
Assim, passamos à análise da materialidade e autoria delitivas.
Da Materialidade e Autoria relacionadas ao réu BENEDITO QUIROZ DE SOUZA
A materialidade do crime previsto no artigo 15 da Lei nº 7.802/1989 está devidamente comprovada por intermédio dos seguintes documentos: 1) Auto de Prisão em Flagrante Delito anexado às fls. 07 e seguintes e; 2) Laudo de Exame Pericial registrado sob o número 2020/05-INC, colacionado às fls. 91/94, conclusivo no sentido de que a substância recebida para análise resultou positiva para o herbicida MATSULFUROM METIL, do grupo químico da sulfoniluréia, produto este que não está registrado no Sistema Agrotóxico Fitossanitários (AGROFIT), disponível no sítio do Ministério da Agricultura.
A autoria delitiva, por sua vez, está demonstrada por intermédio da prova oral colacionada no bojo do caderno processual, que comprova o cometimento do crime pelo réu BENEDITO.
Com efeito, a testemunha de acusação Jeudes de Souza Borges, policial militar, regularmente inquirida sobre os fatos em Pretório (fl. 164), sob o crivo do contraditório, esclareceu que participou da prisão dos réus, sendo certo que, na data dos fatos, exercia patrulhamento de rotina, quando emanou ordem de parada ao veículo que os transportava. Após minudente inspeção, logrou localizar/apreender cerca de 50 (cinquenta) gramas do herbicida mencionado no laudo, além de 01 (uma) caixa de munição do calibre nominal .22. O agrotóxico foi adquirido no Paraguai, de acordo com os réus.
A testemunha Edvaldo José Pacheco, policial militar, regularmente inquirido acerca dos fatos em Juízo (fl. 180), confirmou a versão ofertada por seu colega de farda Jeudes, recordando-se que abordaram o veículo em que se encontravam os réus, e, após minudente inspeção, localizaram/apreenderam o herbicida e a munição descritos na denúncia.
Regularmente interrogado acerca dos fatos em Juízo (fl. 138), o réu BENEDITO confessou a autoria delitiva, bem assim esclarecendo que comprou o mencionado herbicida, confirmando que é agricultor e pretendia utilizá-lo em sua lavoura. Pagou a quantia de R$ 198,00 (cento e noventa e oito reais) pelo quilo do produto e acreditou que a aquisição fosse regular.
A confissão do réu, livre de máculas, está em consonância com as demais provas produzidas no bojo do caderno processual, tornando-se, assim, segura a sua responsabilidade criminal pelo cometimento do delito previsto no artigo 15 da Lei Federal nº 7.802/1989.
Embora não tenha sido objeto do recurso ministerial, não é demais ressaltar que a conduta narrada se confunde com a do crime de contrabando (334 do CP), no entanto, no caso de agrotóxico (importado ou não), pelo princípio da especialidade, prevalece o crime do artigo 15 da Lei nº 7.802/1989, que prevê a conduta de, entre outras, "transportar agrotóxicos sem autorização legal".
Com esteio nesses fundamentos, imperiosa a condenação do réu BENEDITO QUEIROZ DE SOUZA nas sanções do artigo 15 da Lei Federal nº 7.802/1989.
Dosimetria da pena
Deve o magistrado, ao calcular a reprimenda a ser imposta ao réu, respeitar os ditames insculpidos no art. 68 do Código Penal, partindo da pena-base a ser aferida com supedâneo no art. 59 do mesmo Diploma, para, em seguida, incidir na espécie as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena.
Na primeira fase da dosimetria da pena, não se consideram negativas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. Assim, fixa-se a pena-base no patamar mínimo de 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, estes fixados no patamar mínimo legal unitário e corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento.
Na segunda fase, embora o réu tenha confessado parcialmente a prática do crime, contribuindo para a formação do convencimento do julgador, não há como conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça: a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
Também não há agravantes que interfiram na pena.
Na terceira fase, não há causas de aumento ou diminuição que interfiram na dosimetria da pena.
Assim, tona-se definitiva a pena de 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa.
Do Regime Inicial
In casu, tem-se que a pena privativa de liberdade foi fixada em 02 (dois) anos de reclusão, e, sendo o réu primário, nos termos do artigo 33, § 2º, alínea c, do Código Penal, o regime inicial deve ser o ABERTO.
Saliente-se que a detração de que trata o artigo 387, § 2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei nº 12.736/2012, não tem influência no caso concreto, já que foi estabelecido o regime menos gravoso (ABERTO).
Substituição da pena
Uma vez preenchidos os requisitos legais presentes no artigo 44, incisos I a III, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP), pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade, em organização, entidade ou associação a ser determinada pelo juízo da execução penal, assim como pela prestação pecuniária equivalente a 02 (dois) salários-mínimos, levando-se em consideração a situação financeira do réu evidenciada pelo Boletim de Vida Pregressa, a ser destinada a entidade social, atendendo o art. 45, § 1º, do Código Penal, uma vez que a União é sempre vítima estanque de todo e qualquer delito e o encaminhamento sistemático a ela faria com que as demais hipóteses do artigo mencionado jamais tivessem aplicação.
DA APELAÇÃO DO RÉU CÍCERO PEGO BARBOSA
Da materialidade e autoria delitivas
A Apelação defensiva devolveu ao Tribunal apenas questões relacionadas aos consectários da condenação.
Da dosimetria da pena
Na primeira fase da dosimetria da pena, o magistrado a quo não considerou negativas as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal. Assim, fixou a pena-base no patamar mínimo de 04 (quatro) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, estes fixados no mínimo legal e corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento.
Inexistente apelo defensivo nesse aspecto, e considerando-se que a pena foi fixada no mínimo legal, mantenho-a.
Na segunda etapa, embora o réu tenha confessado a prática do crime, contribuindo para a formação do convencimento do julgador, não há como conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal, nos termos da Súmula 231 do E. Superior Tribunal de Justiça. Também não há agravantes que interfiram na pena. Assim, mantém-se a pena fixada na r. sentença.
Na terceira etapa, não há causas de aumento ou diminuição que interfiram na dosimetria da reprimenda.
Substituição da pena
Uma vez preenchidos os requisitos legais presentes no artigo 44, incisos I a III, do Código Penal, o magistrado sentenciante substituiu a pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade, assim como pela prestação pecuniária equivalente a 15 (quinze) salários-mínimos, a ser destinada à União.
A Apelação defensiva pede que a pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, seja alterada por outra menos gravosa, sugerindo-se aquela prevista no artigo 47, inciso IV (proibição de frequentar determinados lugares), do Código Penal.
Outrossim, pleiteia a defesa a redução da pena pecuniária, para que seja fixada em 02 (dois) salários-mínimos.
Assiste razão à defesa, em parte.
Cabe ao juiz, dentro do seu prudente critério, invocando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, e atendendo ao caráter retributivo da pena, estabelecer as penas restritivas de direitos a que o condenado ficará submetido.
Não se pode esquecer também que o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, e arts. 5º, 8º, 41, XII, e 92, parágrafo único, II, todos da Lei de Execução Penal, e art. 34 do Código Penal) determina que a sanção penal deve ser suficiente à reprovação da conduta e à prevenção do delito. Em outras palavras, as penas substitutivas devem ser fixadas de forma suficiente à reprovação da conduta e prevenção do delito, de acordo com o critério da razoabilidade do sentenciante, sob pena de propagação do sentimento de impunidade e desprestígio da norma penal.
No caso concreto em análise, a gravidade do delito (tráfico internacional de munições) impõe resposta severa do Estado-Juiz, sob pena de transformar o escarmento em vã reprimenda estatal ao comportamento socialmente danoso.
Além disso, o Apelante não provou que a pena substituída (prestação de serviços à comunidade) é incompatível com sua jornada laborativa ou, acaso cumprida aos fins de semana, privar-lhe-ia do convívio familiar, por exemplo.
Assim, imperiosa a manutenção da pena restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo período da pena privativa de liberdade imposta (quatro anos), por ser medida que se coaduna com as finalidades da reprimenda, notadamente seu caráter retributivo.
Por outro lado, há notícias nos autos de que o réu aferia renda de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) mensais no ano de 2005, o que equivalia a 05 (cinco) salários mínimos à época da prática do crime, consoante se extrai do Boletim de Vida Pregressa (fl. 25). É certo também que o Apelante possui dois filhos e sustenta sua família com a renda advinda da agricultura, razão pela qual a pena pecuniária de 15 (quinze) salários mínimos mostra-se inadequada à sua realidade e incompatível com seus rendimentos.
Assim, fixa-se a pena de prestação pecuniária em 02 (dois) salários mínimos, reformando-se a r. sentença nesse aspecto.
Gratuidade da justiça
A defesa requereu, por fim, a reforma da sentença no tocante à condenação ao pagamento das custas do processo, por se tratar de pessoa hipossuficiente, requerendo a gratuidade da justiça.
Em princípio, consigno que a condenação ao pagamento das custas processuais decorre do comando normativo inserto no artigo 804 do Código de Processo Penal, sendo devida mesmo ao acusado que seja beneficiário da Assistência Judiciária Gratuita.
NO CASO DOS AUTOS, inexistem elementos que infirmam a hipossuficiência do réu CÍCERO e, conforme vimos acima, seus vencimentos, à época do cometimento do delito, não eram grandiosos. Portanto, suas declarações de hipossuficiência devem ser suficientes para a concessão do benefício.
Dessa forma, devida a concessão da assistência judiciária gratuita ao réu CÍCERO, nos termos especificados.
EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
CONCLUSÃO
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação de CÍCERO PEGO BARBOSA, apenas para fixar a pena restritiva de direitos da espécie prestação pecuniária em 02 (dois) salários mínimos vigentes à época dos fatos, a serem destinados à União, conforme estabelecido pela r. sentença, bem como para conceder-lhe os beneplácitos da justiça gratuita, nos termos especificados no voto, e DAR PROVIMENTO à Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para condenar o réu BENEDITO QUEIROZ DE SOUZA à pena corporal de 02 (dois) anos de reclusão, a ser inicialmente cumprida no regime ABERTO, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixados estes no patamar mínimo unitário, substituindo-se a pena corporal por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP), pelo mesmo tempo de duração da pena privativa de liberdade imposta, em organização, entidade ou associação a ser determinada pelo juízo da execução penal, assim como pela prestação pecuniária equivalente a 02 (dois) salários-mínimos, a ser destinada a entidade social, mantendo-se, no mais, a r. sentença monocrática, por seus próprios e judiciosos fundamentos.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 26/08/2019 13:58:05 |