Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/06/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000209-30.2012.4.03.6110/SP
2012.61.10.000209-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : ALESSANDRO JOSE DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP130353 FERNANDO REZENDE TRIBONI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002093020124036110 3 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA. ART. 273, §º 1º E 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
1. Não é o caso de desclassificação para o crime de contrabando, pois o tipo do art. 273, §§ 1º c/c § 1º-B, I, do Código Penal refere-se a uma mercadoria específica (produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais proibido em território nacional). Os tipos penais têm objetos jurídicos distintos. Enquanto o contrabando tutela a Administração Pública, o objeto jurídico da importação de medicamento falsificado ou sem registro no órgão de vigilância sanitária é a saúde pública. Assim, pelo princípio da especialidade, o tipo penal é o do art. 273, §§ 1º e 1º-B, I, do Código Penal.
2. Tem sido eventualmente admitido na jurisprudência que, ante a pequena quantidade de medicamentos e da indicação de que a finalidade do agente seria realmente o consumo próprio, a pena em eventual condenação seria desproporcional. Assim, na análise do caso concreto, verificando-se (i) a mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) a ausência de periculosidade da ação, especialmente em caso de o princípio ativo do medicamento ser autorizado no país; (iii) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) a inexpressiva lesão jurídica provocada, seria possível a incidência do princípio da insignificância. Esse entendimento, no entanto, não se aplica ao caso em exame porque a quantidade de medicamentos clandestinamente importados é significativa, o que impede a aplicação do chamado princípio da insignificância.
3. Não se exige o objetivo de comercialização dos produtos quando o núcleo verbal praticado pelo agente é a importação (CP, art. 273, § 1º).
4. O juízo a quo adotou a orientação do Superior Tribunal de Justiça dada no HC 239.363/PR (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26.02.2015), ao afastar o preceito secundário do art. 273 do Código Penal e aplicar a pena prevista para o crime de tráfico de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33).
5. O juízo não aplicou a causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 (transnacionalidade), apesar de o apelante ter importado os medicamentos do Paraguai e, por isso, seria aplicável. Contudo, como o recurso é exclusivo da defesa e em vista do princípio da non reformatio in pejus, mantém-se a não aplicação dessa majorante.
6. Valor da prestação pecuniária reduzido.
7. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação apenas para reduzir o valor da prestação pecuniária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 04 de junho de 2020.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11DE2005286DE313
Data e Hora: 05/06/2020 15:08:48



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000209-30.2012.4.03.6110/SP
2012.61.10.000209-5/SP
APELANTE : ALESSANDRO JOSE DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP130353 FERNANDO REZENDE TRIBONI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002093020124036110 3 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO COMPLEMENTAR

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): O feito havia sido relatado (fls. 301/301v) e foi submetido ao e. Revisor, que confirmou o relatório e pediu sua inclusão em pauta para julgamento (fls. 303).


Incluído na pauta da sessão de 26 de setembro de 2019, foi adiado por uma sessão (fls. 304) e, em seguida, retirado de pauta (fls. 305).


É o relatório complementar.

À revisão.


NINO TOLDO
Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11A2170626662A49
Data e Hora: 08/05/2020 17:20:04



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000209-30.2012.4.03.6110/SP
2012.61.10.000209-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : ALESSANDRO JOSE DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP130353 FERNANDO REZENDE TRIBONI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002093020124036110 3 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por ALESSANDRO JOSÉ DE OLIVEIRA em face da sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Sorocaba/SP que o condenou, pela prática do crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º-B, I, do Código Penal, c.c o art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 400 (quatrocentos) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo legal vigente à época dos fatos devidamente corrigido.


A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos consistentes em: prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas a ser designada pelo juízo da execução penal, pelo período de 4 (quatro) anos, facultando-se ao réu o cumprimento em tempo menor, na forma do art. 46, § 4º, do Código Penal, e prestação pecuniária no valor equivalente a 2 (dois) salários mínimos ao mês, durante todo o período da condenação, sendo certo que, na hipótese do condenado preferir, poderá, nos termos do art. 45, § 2º, do Código Penal, ser substituído o valor por 20 (vinte) cestas básicas devidas a cada mês, que deverão ser entregues a instituição previamente cadastrada a ser indicada também pelo juízo da execução penal.


Narra a denúncia (fls. 136/137), recebida em 07.05.2013 (fls. 139).


Em 15 de janeiro de 2012, na altura do quilômetro 158 da rodovia Presidentes Castelo Branco (SP-280), em Quadra/SP, ALESSANDRO JOSÉ DE OLIVEIRA importou medicamentos sem registro, quando este era exigível no órgão de vigilância sanitária competente.
Na ocasião, os policiais militares rodoviários Rafael Inácio de Souza e Cleber Aparecido dos Santos, em serviço de fiscalização de rotina, por volta das 10:00h abordaram ônibus da empresa Pluma Conforto e Turismo S.A., proveniente de Foz do Iguaçu/PR e com destino a São Paulo, e, após revistarem o que pertencia a ALESSANDRO JOSÉ DE OLIVEIRA e estava no bagageiro do coletiva, conforme identificado em sua passagem e respectiva etiqueta (fls. 08), localizaram diversos medicamentos e anabolizantes sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária ("ANVISA").
[...]
ALESSANDRO JOSÉ DE OLIVEIRA foi ao Paraguai e lá adquiriu os medicamentos apreendidos, sendo que pretendia revende-los para alunos de uma academia que frequentava na cidade de São Bernardo do Campo/SP. Ele tinha ciência da proibição da comercialização dos medicamentos no Brasil (f.04).
[...]
Nenhum dos medicamentos apreendidos possui registro na ANVISA, razão pela qual não há licença ou autorização para o comércio desses produtos sem o devido registro sanitário (fls. 125).

A sentença (fls. 246/260) foi publicada em 18.06.2015 (fls. 261).


Em suas razões de apelação (fls. 269/278), a defesa alega que o art. 273 do Código Penal é inconstitucional, devendo sua conduta ser desclassificada para o crime de contrabando (CP, art. 334), aplicando-se ao caso o benefício do art. 89 da Lei nº 9.099/95. Pede que seja reconhecido o princípio da insignificância e que seja reduzido o pagamento no valor de 2 (dois) salários mínimos mensais, a título de prestação pecuniária, pois o réu não possui condições financeira para arcar com tal pagamento.


Contrarrazões a fls. 289/290.


A Procuradoria Regional da República (fls. 297/299v) manifestou-se pelo desprovimento do recurso.


É o relatório.

À revisão.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11A2170626662A49
Data e Hora: 01/08/2019 20:11:52



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000209-30.2012.4.03.6110/SP
2012.61.10.000209-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
APELANTE : ALESSANDRO JOSE DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP130353 FERNANDO REZENDE TRIBONI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002093020124036110 3 Vr SOROCABA/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por ALESSANDRO JOSÉ DE OLIVEIRA em face da sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Sorocaba/SP que condenou o réu pela prática do crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º-B, I, do Código Penal, c.c o art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 400 (quatrocentos) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária.


Embora não tenham sido objeto do recurso, a materialidade e a autoria estão devidamente comprovadas. A materialidade, pelo auto de prisão em flagrante (fls. 02/05), pelo auto de apresentação e apreensão (fls. 06/07) e pelo laudo pericial (fls. 63/70), que relacionam os medicamentos adquiridos pelo apelante no Paraguai: 1) Lipo 6 Black - cinco frascos de 60 cápsulas, fabricante Nutrex, USA; 2) M-Drol - 10 frascos de 90 cápsulas de 0,2g, fabricante Competitive Edge Labs, USA; 3) Stanozoland 10mg - 20 frascos de 100 comprimidos de 0,3g, fabricante Landerlan, Paraguai; 4) Centrum Silver - um frasco de 100 comprimidos de 0,3g, fabricante Wyeth Consumer, USA; 5) Testenat Depot - 10 frascos-ampola de 4ml de líquido incolor, fabricante Landeralan, Paraguai; 6) Ciclo-6 - 2 frascos-ampola de 10ml de líquido incolor, fabricante laboratório Drag Pharma Chile; 7) Stanozoland Depot - 10 frascos-ampola de 30ml de líquido branco, fabricante Landerlan, Paraguai; 8) Stanazol - 10 frascos-ampolas de 30ml, fabricante RWR, Austrália; 9) Pramil - 50 cartelas de 20 comprimidos de 0,1mg, fabricante La Química Farmacêutica S.A, Paraguai; 10) Oxitoland - 60 cartelas de 10 comprimidos de 0,3g, fabricante Landerlan, Paraguai.


De acordo com a Nota Técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa (fls. 119/128 v), os medicamentos acima citados não podem ser comercializados no Brasil por não possuírem registro naquele órgão.


A autoria, por sua vez, está demonstrada pela confissão do acusado e pela prova oral produzida em contraditório durante a instrução processual.


A defesa alega que o art. 273 do Código Penal é inconstitucional e, por isso, deve sua conduta ser desclassificada para o crime de contrabando (CP, art. 334), aplicando-se ao caso o benefício do art. 89 da Lei nº 9.099/95. Pede que seja reconhecido o princípio da insignificância. Sem razão, no entanto.


O Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a constitucionalidade desse dispositivo, como se vê, a título exemplificativo, na leitura das seguintes ementas:


Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Alegação de inconstitucionalidade do artigo 273, § 1º-B, do Código Penal. Tese infundada. 3. As penas cominadas ao delito do artigo 273, §1º-B, do Código Penal devem ser substituídas por aquelas previstas no artigo 33 da Lei de Drogas, mantida a constitucionalidade do preceito primário daquele tipo. 4. Agravo desprovido.
(RE 1.105.421 AgR/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 08.02.2019, DJe-036 DIVULG 21.02.2019 PUBLIC 22.02.2019)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA PENAL - CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL - PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
(RE 1.066.403 AgR/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16.03.2018, DJe-069 DIVULG 10.04.2018 PUBLIC 11.04.2018)

Não é o caso de desclassificação para o crime de contrabando, pois o tipo do art. 273, §§ 1º c/c § 1º-B, I, do Código Penal refere-se a uma mercadoria específica (produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais proibido em território nacional). Os tipos penais têm objetos jurídicos distintos. Enquanto o contrabando tutela a Administração Pública, o objeto jurídico da importação de medicamento falsificado ou sem registro no órgão de vigilância sanitária é a saúde pública. Assim, pelo princípio da especialidade, o tipo penal é o do art. 273, §§ 1º e 1º-B, I, do Código Penal. Nesse sentido:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. CONTRABANDO. RESISTÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA.
[...]
2. O objeto jurídico do contrabando é a Administração Pública, enquanto o objeto jurídico da importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária é a saúde pública. A norma do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal é específica em relação à do art. 334-A do mesmo Código, de modo que a importação de medicamento sem registro na ANVISA configura aquele crime (falsificação ou adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais), e não este (contrabando).
3. No caso, o próprio Ministério Público Federal classificou a conduta do acusado no art. 334-A do Código Penal e não se insurgiu quanto à condenação por esse delito. Tendo em vista que o art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal prevê sanções mais graves do que as cominadas pelo art. 334-A, do mesmo Código, fica mantida a condenação, mas, de ofício, altera-se a classificação jurídica do fato para o art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, tendo por limite, no reexame da dosimetria da pena, o montante fixado na sentença, em observância à vedação da reformatio in pejus, eis que não há recurso específico da acusação.
[...]
10. Apelações da defesa e da acusação parcialmente providas. (destaquei)
(ACR 0006483-62.2016.4.03.6112/SP, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 25.07.2017, e-DJF3 Judicial 1 01.08.2017)

O apelante também alega que os medicamentos foram importados para uso próprio e que não tinha a intenção de comercializá-los. Todavia, não se exige o objetivo de comercialização dos produtos quando o núcleo verbal praticado pelo agente é a importação, como se verifica no presente caso.


O bem jurídico tutelado (saúde pública) é violado independentemente de o agente pretender usar os medicamentos pessoalmente ou fornecê-los a outrem. Assim, no caso, é irrelevante, em princípio, o objetivo do apelante no que tange à destinação dos medicamentos para fins de configuração da prática criminosa.


No caso, a importação foi comprovada e o apelante admitiu em seu interrogatório em juízo (CD fls. 218) que havia adquirido os medicamentos no Paraguai.


Faço a ressalva de que tem sido eventualmente admitido na jurisprudência que, ante a pequena quantidade de medicamentos e da indicação de que a finalidade do agente seria realmente o consumo próprio, a pena em eventual condenação seria desproporcional. Assim, na análise do caso concreto, verificando-se (i) a mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) a ausência de periculosidade da ação, especialmente em caso de o princípio ativo do medicamento ser autorizado no país; (iii) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) a inexpressiva lesão jurídica provocada, seria possível a incidência do princípio da insignificância.


Esse entendimento, no entanto, não se aplica ao caso em exame. Com efeito, a quantidade de medicamentos clandestinamente importados é significativa, o que impede a aplicação do chamado princípio da insignificância.


Assim sendo, mantenho a condenação de ALESSANDRO JOSÉ DE OLIVEIRA pela prática do crime previsto no art. 273, §§ 1º e 1º-B, I, do Código Penal.


Passo ao reexame da dosimetria da pena.


Observo, inicialmente, que o juízo a quo adotou a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dada no HC 239.363/PR (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26.02.2015), ao afastar o preceito secundário do art. 273 do Código Penal, por ser a pena nele cominada (10 a 15 anos de reclusão) muito alta e desproporcional, e aplicar a pena prevista para o crime de tráfico de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33).


Essa solução é a mais adequada, visto que, no caso de remédios (e mesmo de produtos cosméticos), trata-se de drogas, de modo que a objetividade jurídica é a saúde pública. Assim, é, em princípio, lógico aplicar-se o preceito secundário previsto na Lei de Drogas para o caso de tráfico.


Em razão disso, sem afrontar a decisão do Órgão Especial deste Tribunal, que rejeitou a arguição de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal (ARGINC 0000793-60.2009.4.03.6124, Rel. Des. Federal Márcio Moraes, Rel. p/ acórdão Des. Federal Diva Malerbi, j. 14.08.2013, e-DJF3 Judicial 1 23.08.2013), é mesmo o caso de se aplicar o preceito secundário do art. 33 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006), ou seja, reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.


Penso, todavia, que não se deveria aplicar a esses casos a causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, dessa Lei (transnacionalidade), tampouco a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, dessa mesma Lei (tráfico privilegiado), por ausência de previsão legal. Isso porque a alteração do preceito secundário do art. 273 do Código Penal para aquele do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 não transforma aquele crime em tráfico de drogas e, por isso, não lhe seria aplicável esse dispositivo específico em toda a sua inteireza (majorante e minorante especiais). Nesse sentido decidiu o STJ: RvCr 3.064/PR, Terceira Seção, Rel. Min. Néfi Cordeiro, j. 22.02.2017, DJe 02.03.2017.


O STF também já se pronunciou a respeito da impossibilidade de aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 à pena pelo crime de falsificação de medicamentos. No voto proferido no RHC 130.700 AgR/MG, de que era relator, assim se pronunciou o Min. Roberto Barroso:


III. DA APLICAÇÃO DA MINORANTE DO TRÁFICO COM RELAÇÃO AO ART. 273, § 1º-B, DO CÓDIGO PENAL
11. Também não vejo teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder por parte do acórdão recorrido, no ponto em que recusou a aplicação da causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas à pena aplicada ao recorrente pelo crime de falsificação de medicamentos. Vejam-se, a propósito, os fundamentos adotados pelo Superior Tribunal de Justiça:
(...)
12. No caso de que se trata, a pretendida mescla indevida de dispositivos resultaria na criação de um terceiro tipo incriminador não previsto pela legislação vigente. Noutras palavras: a inexistência de uma causa de diminuição de pena para as condutas do art. 273 do Código Penal nada mais é do que uma opção "político-legislativa para apenar determinados delitos com maior severidade", que não me parece violar o princípio da proporcionalidade, notadamente por envolver condutas graves que põem em risco o bem jurídico saúde pública. Vejam-se, nessa linha, o HC 119.600, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia; o ARE 870.410-AgR, de minha relatoria, e os seguintes julgados:
(...)

Todavia, a Quarta Seção deste Tribunal Regional Federal, ao julgar os Embargos Infringentes e de Nulidade nº 0001912-51.2007.4.03.6116/SP, decidiu, por maioria de votos, tendo eu sido um dos vencidos, aplicar tanto a majorante do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 quanto a minorante do art. 33, § 4º, dessa mesma Lei. A ementa é a seguinte:


PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CÓDIGO PENAL, ART. 273, § 1º-B. PRECEITO SECUNDÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. HC N. 126.292 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS. EMBARGOS INFRINGENTES PARCIALMENTE PROVIDOS.
1. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça declarou, em arguição incidental em habeas corpus, a inconstitucionalidade do preceito secundário do tipo penal do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, em atenção aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade (STJ, AI no HC n. 239.363, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26.02.15).
2. Diante disso, revejo meu entendimento para acompanhar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e assim aplicar, no lugar do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, as penas previstas para o delito de tráfico de drogas, inclusive a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, e as majorantes do art. 40 da Lei n. 11.343/06 (STJ, HC n. 406.430, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 21.09.17; STJ, HC n. 398.945, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 19.09.17; STJ, AgRg no REsp n. 1.659.315, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15.08.17).
3. Em Sessão Plenária, o Supremo Tribunal Federal, em 17.02.16, firmou o entendimento, segundo o qual "a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal" (STF, HC n. 126.292, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 17.02.16).
4. Em regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o entendimento de que não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência (CR, art. 5º, LVII) a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário (STF, Repercussão geral em ARE n. 964.246, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 10.11.16). A 5ª Turma do TRF da 3ª Região decidiu pela expedição de carta de sentença após esgotadas as vias ordinárias (TRF da 3ª Região, ACr n. 2014.61.19.005575-3, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 06.02.17 e TRF da 3ª Região, ED em ACr n. 2013.61.10.004043-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17).
5. A 5ª Turma do TRF da 3ª Região decidiu pela expedição de carta de sentença após esgotadas as vias ordinárias (TRF da 3ª Região, ACr n. 2014.61.19.005575-3, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 06.02.17 e TRF da 3ª Região, ED em ACr n. 2013.61.10.004043-0, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17).
6. Embargos infringentes parcialmente providos.
(EIfNu 0001912-51.2007.4.03.6116/SP, Quarta Seção, maioria, Rel. Des. Federal André Nekatschalow, j. 15.03.2018, e-DJF3 Judicial 1 26.03.2018)

Assim, visando manter a estabilidade e a coerência dos julgados deste Tribunal e também à segurança jurídica, considero, para a dosimetria da pena, o preceito secundário do art. 33 da Lei de Drogas com a majorante e a minorante acima indicadas, ressalvado o meu entendimento pessoal. Assentadas tais premissas, reexamino a dosimetria das penas aplicada ao apelante.


Na primeira fase, o juízo fixou a pena-base no mínimo legal, ou seja, 5 (cinco) anos e 500 (quinhentos) dias-multa, por não serem desfavoráveis ao acusado as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal.


Na segunda fase, o juiz não reconheceu circunstâncias atenuantes nem agravantes. Em relação à atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), o juízo não a aplicou porque o réu admitiu a autoria do delito, mas alegou, em seu interrogatório judicial (CD fls. 217), que não tinha ciência da proibição de importar os medicamentos apreendidos em seu poder. Todavia, o fato de não ter ciência da proibição de importar os medicamentos apreendidos é irrelevante e seria de se reconhecer essa atenuante, na fração de 1/6 (um sexto), porém sem alteração da pena intermediária por força da orientação da Súmula nº 231 do STJ.


Na terceira fase, o juízo não aplicou a causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 (transnacionalidade), apesar de o apelante ter importado os medicamentos do Paraguai e, por isso, seria aplicável. Contudo, como o recurso é exclusivo da defesa e em vista do princípio da non reformatio in pejus, mantém-se a não aplicação dessa majorante. De outro lado, aplicou a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006, por ser o réu primário, de bons antecedentes, e não haver provas de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa. Em razão da grande quantidade de medicamentos apreendidos, o juízo reduziu a pena em 1/5 (um quinto), fixando a pena definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão e 400 (quatrocentos) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, o que mantenho.


O juízo fixou o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade, o qual mantenho, assim como a substituição dessa pena por restritivas de direitos.


Em relação a essa substituição, a defesa pede a redução do valor da prestação pecuniária, ao argumento de que o réu não possui condições financeiras para o pagamento de dois salários mínimos mensais, durante todo o período da condenação.


Acolho essa pretensão porque o apelante, ao ser interrogado em juízo (CD fls. 217), disse que estava trabalhado na construção civil (ajudante), podendo-se presumir que não possui condições financeiras para arcar com o valor da prestação pecuniária fixado na sentença. Assim, reduzo o valor da prestação pecuniária para 2 (dois) salários mínimos, a ser paga a entidade pública ou privada com destinação social, a ser indicada pelo juízo da execução penal.


Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação apenas para reduzir o valor da prestação pecuniária, nos termos da fundamentação supra.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10068
Nº de Série do Certificado: 11DE2005286DE313
Data e Hora: 05/06/2020 15:08:45