Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 12/12/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001307-64.2018.4.03.6005/MS
2018.60.05.001307-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : RUBIANE MARCANTE PEREIRA
ADVOGADO : MS012965 MARCELO EDUARDO BATTAGLIN MACIEL e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00013076420184036005 2 Vr PONTA PORA/MS

EMENTA

APELAÇÃO. PROCESSO PENAL. BEM APREENDIDO. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO. INCIDENTE. LEGITIMIDADE ATIVA. PROPRIEDADE DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL NA MANUTENÇÃO DA APREENSÃO. BEM QUE NÃO FOI INSTRUMENTO DO CRIME. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE AFASTEM A LICITUDE DOS RECURSOS UTILIZADOS PARA OBTENÇÃO DO VEÍCULO. RECURSO PROVIDO.
1. Trata-se de incidente de restituição de bem apreendido suscitado por RUBIANE MARCANTE PEREIRA, que pleiteia a restituição de veículo de sua propriedade, apreendido em 22/09/2018, por ocasião da deflagração da Operação Nepsis, em cumprimento a decisão proferida nos autos 0002486-04.2016.4.03.6005, que deferiu a busca e apreensão em diversos endereços, dentre eles a residência de Gilvani da Silva Pereira, marido da reclamante, com fulcro no artigo 240, alíneas "b", "c", "d", "e", "f" e "h", do Código de Processo Penal.
2. Recurso interposto contra sentença que consignou que, ante os indícios obtidos durante a investigação no bojo da Operação Nepsis acerca da participação do marido da requerente nas atividades do grupo criminoso, seriam fortes os indícios de que o patrimônio do investigado tenha sido constituído com valores ilícitos. Registrou que a requerente não teria comprovado a contento a propriedade e a aquisição lícita do automóvel, e destacou que persistiria o interesse processual na apreensão do bem, uma vez que ainda não havia sido realizada perícia no automóvel.
3. Não houve ordem de apreensão voltada especificamente sobre este bem, o qual não foi utilizado como instrumento do crime, tendo sido apreendido pela suspeita de que seja produto da investigada participação do marido da requerente no crime de contrabando.
4. A requerente possui legitimidade ativa para requerer a restituição do bem, uma vez demonstrada a propriedade, por meio do Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo nº 013174854791 e de Ofício do DETRAN confirmando o registro do veículo em seu nome.
5. O magistrado a quo indicou que o interesse processual na manutenção da apreensão permaneceria, uma vez que não havia sido demonstrada a realização de perícia no veículo apreendido. Entretanto, a defesa anexou o Laudo de Perícia Criminal Federal nº 902/2018 - UTEC/DPF/DRS/MS aos autos, e nele constou que não foi encontrado qualquer compartimento adrede preparado para o transporte dissimulado ou oculto de mercadorias ilícitas, e que não havia qualquer irregularidade no veículo. Assim, não subsiste interesse processual na manutenção da apreensão.
6. Ressalto que não se há falar que o referido bem tenha sido instrumento do crime investigado. Ainda que fosse, tratando-se de veículo, é indubitável que não consiste em coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, sendo inaplicável, portanto, o artigo 91, inciso II, alínea "a", do Código Penal.
7. No que tange a controvérsia acerca da licitude dos recursos com que adquiriu o veículo cuja restituição se requer no presente incidente, tem-se que a requerente é fisioterapeuta, funcionária do município de Iguatemi/MS. Os holerites juntados aos autos mostram que ela possui poder aquisitivo suficiente para adquirir o veículo da marca Toyota, modelo Corolla, não havendo elementos para concluir que a compra tenha se dado com recursos ilícitos, obtidos por seu marido através de prática criminosa, caracterizando o veículo como produto do crime. Também inexistem elementos que apontem no sentido de utilização do bem para atividade ilícita.
8. Recurso a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso interposto por RUBIANE MARCANTE PEREIRA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 28 de novembro de 2019.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001307-64.2018.4.03.6005/MS
2018.60.05.001307-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : RUBIANE MARCANTE PEREIRA
ADVOGADO : MS012965 MARCELO EDUARDO BATTAGLIN MACIEL e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00013076420184036005 2 Vr PONTA PORA/MS

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


Trata-se de incidente de restituição de bens apreendidos suscitado por RUBIANE MARCANTE PEREIRA. A requerente pleiteia a restituição do veículo TOYOTA/COROLLA (Altis Flex), ano/modelo 2015/2016, cor preta, placa QGO-1752, RENAVAM 01060493621, apreendido no dia 22/09/2018, por ocasião da deflagração da Operação Nepsis (Medida Cautelar n. 00002486-04.2016.403.6005).

Narra a peça inaugural que, em 22 de setembro de 2018, em cumprimento de mandado de busca e apreensão em desfavor de GILVANI DA SILVA PEREIRA, expedido nos autos nº 0002486-04.2016.4.03.6005, foi realizada a apreensão do veículo indicado acima na residência da requerente. Assevera não haver qualquer evidência de possível vinculação ou relevância do veículo para a investigação policial desenvolvida na operação "Nepsis", tampouco indício de que ele seja produto de crime. A proprietária, ora requerente, é funcionária pública municipal na comarca de Iguatemi/MS, e aufere renda mensal da ordem de R$ 6,811,53. Em 2013 adquiriu veículo HB20, placas VNO1782, chassi 9BHBH51DBEP155679, por R$ 50,095,00, tendo financiado metade do valor. Após a quitação do referido financiamento, o veículo foi vendido no ano de 2018. O valor obtido com a venda foi complementado pela requerente, com o fruto de seu trabalho, para aquisição do veículo Toyota, objeto dos presentes autos. O automóvel é utilizado exclusivamente pela requerente para se deslocar para o trabalho e levar seus filhos à escola.

Assim, requer a restituição do veículo, ou, alternativamente, que o veículo seja depositado judicialmente em nome da requerente.

O Juízo a quo indeferiu o pedido de restituição, com fulcro nos artigos 118 e 119 do Código de Processo Penal (fls. 30/31). A sentença foi publicada em 31 de janeiro de 2019 (fl. 32).

Inconformada, Rubiane interpôs apelação. Em suas razões recursais (fls. 34/45), assevera que a propriedade do veículo foi demonstrada, que não se trata de produto de crime, nem de objeto utilizado para prática criminosa. Sustenta que a restituição não traz qualquer prejuízo à investigação criminal, pois o bem não mais interessa à instrução criminal, considerando que a apreensão ocorreu há mais de seis meses e que o automóvel foi submetido a perícia. Aponta que sofre constrangimento ilegal, por não poder usar e gozar da coisa apreendida, de sua propriedade, o que lhe acarreta dificuldades de locomoção. Destaca que não é investigada na Operação Nepsis, e que é funcionária pública municipal, auferidora de renda mensal suficiente para possuir um carro de padrão popular.

O Ministério Público Federal ofereceu contrarrazões às fls. 54/57, em que afirma permanecer o interesse do processo pelo veículo, bem como que a requerente não comprovou a origem ilícita dos recursos utilizados na aquisição.

Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo desprovimento do recurso (fls. 60/63).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001307-64.2018.4.03.6005/MS
2018.60.05.001307-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : RUBIANE MARCANTE PEREIRA
ADVOGADO : MS012965 MARCELO EDUARDO BATTAGLIN MACIEL e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00013076420184036005 2 Vr PONTA PORA/MS

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:


RUBIANE MARCANTE PEREIRA pleiteia a restituição do veículo TOYOTA/COROLLA (Altis Flex), ano/modelo 2015/2016, cor preta, placa QGO-1752, RENAVAM 01060493621, apreendido no dia 22/09/2018, por ocasião da deflagração da Operação Nepsis (Medida Cautelar n. 00002486-04.2016.403.6005).

O magistrado a quo entendeu que, ante os indícios obtidos durante a investigação no bojo da Operação Nepsis acerca da participação de Gilvani da Silva Pereira (marido da requerente) nas atividades do grupo criminoso, seriam fortes os indícios de que o patrimônio do investigado tenha sido constituído com valores ilícitos. Registrou que a requerente não teria comprovado a contento a propriedade e a aquisição lícita do automóvel, pelo que não estaria preenchido requisito previsto no artigo 118 do Código de Processo Penal. Além disso, destacou que persistiria o interesse processual na apreensão do bem, uma vez que ainda não havia sido realizada perícia no automóvel.

O bem foi apreendido em cumprimento à decisão proferida nos autos 0002486-04.2016.4.03.6005, que deferiu a busca e apreensão em diversos endereços, dentre eles a residência de Gilvani da Silva Pereira, com fulcro no artigo 240, alíneas "b", "c", "d", "e", "f" e "h", do Código de Processo Penal.

Constou da decisão que "A presente busca e apreensão tem por objetivo a colheita de elementos de prova, tais como documentos e anotações em geral, além de quaisquer tipos de coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, numerários, valores expressivos em moeda nacional ou estrangeira, documentos pessoais de terceiros, aparelhos celulares e outras mídias digitais, HDs, smartphones, computadores, notebooks, tablets, mídias de armazenamento, armas, veículos e/ou embarcações obtidas como produto de crime de contrabando, correspondências, abertas ou não, bens porventura obtidos com os produtos dos crimes e quaisquer objetos que sirvam para comprovar a prática dos crimes descritos na representação policial." (mídia de fl. 21, fl. 163).

Insta salientar que não houve ordem de apreensão voltada especificamente sobre este bem, e que ele não foi utilizado como instrumento do crime, tendo sido apreendido pela suspeita de que seja produto da investigada participação do marido da requerente no crime de contrabando.

Preceitua o artigo 120 do Código de Processo Penal:

"A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante."

O citado dispositivo assevera que a restituição do bem deverá ser efetuada quando expressamente comprovada a propriedade do requerente.

A dicção do artigo 119 do Código de Processo Penal prevê o direito de reaver bens apreendidos ao lesado ou ao terceiro de boa-fé a quem tais bens sejam pertencentes.

Conforme constou da decisão de fls. 30/31, para restituir bem apreendido é necessário: i) inexistir dúvida sobre o direito em relação ao bem (CPP, art. 120, caput); ii) inexistir interesse processual na manutenção da apreensão (art. 118, CPP); iii) não se tratar de bem passível de perda em favor da União (art. 91, II, CP).

Em primeiro lugar, consigno que a requerente possui legitimidade ativa para requerer a restituição do bem, uma vez demonstrado seu direito em relação a ele.

Com efeito, no presente caso, verifica-se a propriedade de Rubiane sobre o veículo cuja restituição ora é pleiteada a partir do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo nº 013174854791, juntado à fl. 10, analisado juntamente ao Ofício nº 1225/ARTCG/DETRAN/2019 (fl. 69).

Acerca do segundo requisito a ser preenchido, o magistrado a quo indicou que o interesse processual na manutenção da apreensão permaneceria, uma vez que não havia sido demonstrada a realização de perícia no veículo apreendido. Entretanto, anexo às razões de apelação está o Laudo de Perícia Criminal Federal - Laudo nº 902/2018 - UTEC/DPF/DRS/MS (fls. 46/51), no qual o perito federal registrou que não foi encontrado qualquer compartimento adrede preparado para o transporte dissimulado ou oculto de mercadorias ilícitas (fl. 48). Não havia, tampouco, adulteração do Número de Identificação Veicular ou qualquer irregularidade. Assim, não subsiste interesse processual na manutenção da apreensão.

Ressalto que não se há falar que o referido bem tenha sido instrumento do crime investigado, Ainda que fosse, no que diz respeito ao perdimento do bem, tenho que, tratando-se de veículo, é indubitável que não consiste em coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, sendo inaplicável, portanto, o artigo 91, inciso II, alínea "a", do Código Penal.

A lei não admite o confisco de todo e qualquer instrumento do crime. Ou seja, "os instrumentos que podem ser confiscados pelo Estado são os ilícitos, vale dizer, aqueles cujo porte, uso, fabrico ou alienação é vedado. (...) Não cabe para instrumentos de uso e porte lícitos: cadeira, automóvel, faca de cozinha etc." (in Código Penal Comentado, Guilherme de Souza Nucci, 17ª ed. Ver. atual. e ampl., 2017).

No que tange a controvérsia acerca da licitude dos recursos com que adquiriu o veículo cuja restituição se requer no presente incidente, tem-se que a requerente adquiriu veículo HB20 em 2013, no valor de R$ 50.095,00 (cinquenta mil e noventa e cinco reais), financiando metade deste valor, o que é demonstrado pelo Documento Auxiliar de Nota Fiscal Eletrônica (fl. 15) e pela Proposta de Compra de Veículo nº 3112 (fl. 15-B). Quitado o financiamento, narra ter utilizado o valor obtido com a venda do referido veículo para adquirir o automóvel Corolla, marca Toyota, ano/modelo 2015/2016, cor preta, placa QGO-1752, RENAVAM 01060493621, apreendido no dia 22/09/2018.

Rubiane Marcante Pereira é fisioterapeuta, nomeada para o exercício do cargo na Prefeitura Municipal de Iguatemi/MS em 05/08/2003, conforme Portaria nº 221/2003 (fl. 11). Conforme os holerites acostados às fls. 12/13, em agosto de 2018 seus vencimentos líquidos foram de R$ 5.409,61, e, em julho de 2018, foram de R$ 8.503,45. Assim, possui poder aquisitivo suficiente para adquirir o veículo da marca Toyota, modelo Corolla, não havendo elementos para concluir que a compra tenha se dado com recursos ilícitos, obtidos por seu marido através de prática criminosa.

Ademais, a requerente assevera que o carro é utilizado para deslocamento diário até seu local de trabalho, bem como para levar seus dois filhos para suas atividades escolares, não havendo elementos que apontem no sentido de utilização do bem para atividade ilícita.

Assim, forçoso concluir que o veículo de Rubiane não foi empregado na atividade delituosa, e que não há elementos que permitam concluir que o bem tenha sido adquirido com recursos de eventual participação de seu marido em prática delitiva.

Consigno que qualquer ato de apreensão de bens privados constitui, ao menos prima facie, restrição séria a direitos daquele que possui posições jurídicas relativas ao bem apreendido. Restrições estatais sobre direitos de particulares podem ocorrer em muitos casos, desde que obedecido o ordenamento jurídico.

Destarte, considerando que foi comprovada a propriedade de Rubiane em relação ao veículo apreendido, revela-se cabível a restituição almejada, nos termos do artigo 120 do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso interposto por RUBIANE MARCANTE PEREIRA.


É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Nº de Série do Certificado: 11DE1812176AF96B
Data e Hora: 05/12/2019 13:53:10