Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000710-76.2006.4.03.6115/SP
2006.61.15.000710-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
APELADO(A) : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
No. ORIG. : 00007107620064036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/1990. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. ELEMENTO SUBJETIVO COMPROVADO. DOSIMETRIA. MAJORAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. QUANTUM DE AUMENTO EM DECORRÊNCIA DA CONTINUIDADE DELITIVA. REFLEXOS NA PENA DE MULTA. RECURSO DO RÉU NÃO PROVIDO. APELAÇÃO DO MPF PARCIALMENTE PROVIDA.
- Não há que se falar em cerceamento de defesa, pois o Defensor constituído do réu foi devidamente intimado pela imprensa oficial (art. 370, § 1º, CPP) acerca da expedição das cartas precatórias, restando cumprido o disposto no artigo 222 do CPP e na Súmula n.º 273 do Superior Tribunal de Justiça.
- O Código de Processo Penal, em seu art. 563, aduz que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief. Entendimento de nossas C. Cortes Superiores, bem como deste E. Tribunal Regional.
-A perfectibilização do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, não depende de qualquer norma integrativa, bastando supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário público, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24, o que será melhor analisado por ocasião da materialidade delitiva.
- A materialidade delitiva restou cabalmente demonstrada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais n.º 13857.000341/2003-15 (a qual engloba os processos administrativos 13857-000340/2003-62 e 13857-000373/2003-11), e os documentos que a acompanham, em especial o Termo de Início da Ação Fiscal, as Declarações de Ajuste Anual anos-calendários 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, o Demonstrativo do Débito Consolidado e respectivo Auto de Infração de IRPF, o Relatório Fiscal e o Termo de Encerramento, os quais demonstram a efetiva redução de tributo federal no período narrado na exordial.
- Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade delitiva acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.
- Despicienda a realização de exame pericial nos recibos de despesas odontológicas entregues ao Fisco, considerando que o acusado não está sendo processado por falsificação de documento particular ou uso de documento falso. De qualquer forma, a inidoneidade desses documentos advém de mera análise do contexto fático probatório carreado aos autos.
- A autoria não foi questionada e igualmente restou demonstrada. Em se tratando de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a apuração do valor devido é obtida com base nas informações constantes da Declaração de Ajuste Anual, cuja responsabilidade é do contribuinte.
- Nos crimes contra a ordem tributária, basta o dolo genérico, consubstanciado na supressão voluntária de tributos federais mediante a omissão de informação ao Fisco, não havendo se comprovar que houve intenção em sua conduta. No caso em concreto, o dolo exsurge das circunstâncias fáticas, pois o réu era o responsável pelas informações fornecidas em suas Declarações de Imposto de Renda Pessoa Física, de modo que sua conduta em inserir deduções fictícias, inclusive com a apresentação de recibos falsos, evidencia o intuito fraudulento de reduzir tributo.
- Mantida a fixação da pena até a terceira fase em 02 (dois) anos de reclusão. Ausentes agravantes ou atenuantes a serem sopesadas. Na terceira fase a sentença considerou como causa de aumento de pena a continuidade delitiva. No entanto, o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. Note-se que a exasperação decorrente da continuidade delitiva não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado. Sob esta ótica, ante a ausência de causas de aumento e de diminuição, fica mantida até a terceira fase a pena de 02 (dois) anos de reclusão.
- Considerando a prática delitiva continuada por cinco anos consecutivos (1997, 1998, 1999, 2000 e 2001), e autorizado o aumento em face do recurso ministerial, a majoração da pena deve se dar na fração de 1/2 (metade), nos termos do entendimento adotado, perfazendo a reprimenda de 03 (três) anos de reclusão.
- A fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal).
- A pena privativa de liberdade até a terceira fase restou fixada em 02 (dois) anos de reclusão, o que corresponde a 10 (dez) dias-multa. Com o acréscimo de ½ (metade) em decorrência da continuidade delitiva, a reprimenda deve ser elevada para 15 (quinze) dias-multa.
- Mantido o valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime.
- Mantida a fixação do regime inicial de cumprimento ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.
- Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada foi corretamente substituída por uma restritiva de direitos consubstanciada em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pela mesma duração da pena privativa de liberdade, à razão de 1 (uma) hora por dia de condenação, que deverá ser cumprida nos termos do artigo 46, §§ 1º a 4º, c.c. o artigo 55, ambos do Código Penal, na forma a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal, bem como 10 (dez) dias-multa, também no valor unitário mínimo, nada havendo a modificar.
- Apelação do réu não provida.
- Apelação do MPF parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR A MATÉRIA PRELIMINAR e NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator. Prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO para majorar em metade a pena em razão da continuidade delitiva, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator, com quem votou o Desembargador Federal José Lunardelli. Por fim, a Turma decidiu fixar a pena privativa de liberdade em 03 (três) anos de reclusão, em regime ABERTO, e 15 (quinze) dias-multa, nos termos do voto médio do Desembargador Federal Relator.



São Paulo, 28 de maio de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000710-76.2006.4.03.6115/SP
2006.61.15.000710-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
APELADO(A) : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
No. ORIG. : 00007107620064036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

VOTO-VISTA

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO: Na sessão de 23 de abril p.p., o e. Relator, Desembargador Federal Fausto De Sanctis, rejeitou as questões preliminares, negou provimento à apelação de ANTONIO APARECIDO FLORÊNCIO DE OLIVEIRA e deu parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal (MPF) para elevar o quantum da continuidade delitiva para 1/2 (metade), confirmando a condenação do acusado pela prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 e fixando-lhe a pena definitiva em 3 (três) anos e de reclusão, em regime inicial aberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, e uma multa, no valor de 10 (dez) dias-multa, também fixados no valor unitário mínimo legal.


Pedi vista para melhor examinar algumas especificidades do caso concreto e passo, agora, ao meu voto.


Acompanho o e. Relator quanto ao mérito, confirmando a condenação do acusado, e quanto a parte da dosimetria, nos termos do seu voto (fls. 649/658v), a cujos fundamentos me reporto. Todavia, dele divirjo, com a devida vênia, quanto ao parcial provimento da apelação do MPF, com a elevação do quantum da continuidade delitiva. Em relação à continuidade delitiva (CP, art. 71), ressalvo o meu entendimento de que esse instituto integra o sistema trifásico da dosimetria da pena (CP, art. 68) por constituir causa de aumento da pena.


Ademais, o critério mais adequado para a fixação do quantum de aumento decorrente da continuidade delitiva é, no caso, o número de infrações cometidas, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), da qual destaco, exemplificativamente, o seguinte julgado:


HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MOTIVOS, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME . AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL IDENTIFICADO. REDIMENSIONAMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 71 DO CP. PROPORCIONALIDADE OBEDECIDA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
(...)
4. Esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4, para 4 infrações; 1/3, para 5 infrações; 1/2, para 6 infrações e 2/3, para 7 ou mais infrações.
(...)
(STJ, HC 258.328/ES, Sexta Turma, v.u., Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 24.02.2015, DJe 02.03.2015)

Nos crimes contra a ordem tributária e contra a seguridade social previstos, respectivamente, na Lei nº 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal, a jurisprudência deste Tribunal, inclusive desta Turma, considera a quantidade de anos como critério de fixação do quantum da continuidade delitiva, conforme consta no voto do e. Relator. Esse entendimento firmou-se em benefício dos acusados, pois em crimes como o previsto no art. 168-A do Código Penal, no qual a periodicidade de recolhimento do tributo é mensal, na imensa maioria das vezes supera-se o número de 7 (sete) infrações, o que levaria à inexorável aplicação da continuidade delitiva na fração de 2/3 (dois terços).

Contudo, a situação dos autos é distinta. A conduta de suprimir ou reduzir o IRPF (imposto de renda pessoa física) só é passível de cometimento uma vez por ano, no momento da apresentação da declaração anual de ajuste. Essa, aliás, foi a forma de cometimento do crime de que se trata nestes autos. Assim, a aplicação, no caso, do quantum da continuidade delitiva em 1/2 (metade) mostra-se exagerada, haja vista que a primeira infração, relativa ao ano-calendário de 1997, foi considerada como mais um ano de sonegação, e não como a primeira conduta a configurar o crime do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90, da qual as seguintes representam continuação.

Dessa forma, na dosimetria da pena, acompanho o e. Relator na fixação da pena-base em 2 (dois) anos, nos termos do seu voto, em razão da prática do delito do art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90 relativamente ao ano-calendário de 1997 (primeira fase).

Na segunda fase, não havendo circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas, mantenho inalterada a pena intermediária e, na terceira fase, mantenho a aplicação da causa de aumento de pena do crime continuado (CP, art. 71), na fração de 1/3 (um terço).

A pena, então, passa para 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, que se torna definitiva, ante a ausência de outras causas de aumento ou de causas de diminuição.

Acompanho o e. Relator quanto à fixação do regime inicial aberto para cumprimento da pena privativa de liberdade e à substituição desta por uma pena restritiva de direitos (prestação de serviços à comunidade) e multa. O montante da pena privativa de liberdade deverá ser observado no cumprimento da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade.

Posto isso, pedindo vênia ao e. Relator, dele divirjo apenas para NEGAR PROVIMENTO à apelação da acusação, fixando a pena definitiva de ANTONIO APARECIDO FLORÊNCIO DE OLIVEIRA em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, acompanhando-o em todo o mais, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.

NINO TOLDO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000710-76.2006.4.03.6115/SP
2006.61.15.000710-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
: Justica Publica
APELADO(A) : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
No. ORIG. : 00007107620064036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e por ANTONIO APARECIDO FLORÊNCIO DE OLIVEIRA, nascido em 24.11.1954, em face da r. sentença acostada às fls. 556/562v., proferida pelo Exmo. Juiz Federal Substituto João Roberto Otávio Júnior (2ª Vara Federal de São Carlos/SP), que julgou PROCEDENTE o pedido formulado em ação penal para CONDENAR o réu pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, combinado com o artigo 71, caput, do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial ABERTO, e ao pagamento de 13 (treze) dias-multa, cada qual fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, substituída a pena corporal por uma restritiva de direitos consubstanciada em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pela mesma duração da pena privativa de liberdade, à razão de 1 (uma) hora por dia de condenação, que deverá ser cumprida nos termos do artigo 46, §§ 1º a 4º, c.c. o artigo 55, ambos do Código Penal, na forma a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal, bem como 10 (dez) dias-multa, também no valor unitário mínimo.


O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra ANTONIO APARECIDO FLORÊNCIO DE OLIVEIRA, como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, combinado com o artigo 71 do Código Penal (fls. 02/11).


Narra a exordial que o réu, na condição de contribuinte do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), teria reduzido tributo devido nos anos-calendário de 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, mediante artifício fraudulento consistente na inserção de dados inverídicos a respeito de despesas médicas dedutíveis em suas declarações de ajuste anual, bem como na apresentação de recibos inidôneos para justificar a realização daqueles serviços. Em fiscalização realizada pela Receita Federal teria se constatado que o acusado, intencionalmente, teria utilizado nomes e números de CPFs de terceiros de boa-fé para inserir falsas informações nas declarações de rendimentos, com o intuito de criar despesas fictícias e reduzir o valor devido a título de Imposto de renda pessoa física. Além disso, os recibos de despesas odontológicas em nome de Eremi Silva Barros, apresentados pelo réu durante a fiscalização, seriam inidôneos, considerando que não se teria comprovado a prestação dos serviços, tampouco seu pagamento.


O Auto de Infração (fls. 97/101), foi lavrado no valor de R$ 45.553,49 (quarenta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e três reais e quarenta e nove centavos), o qual, acrescido de juros de mora e multa resultou no crédito tributário de R$ 136.044,28 (centro e trinta e seis mil, quarenta e quatro reais e vinte e oito centavos).


Conforme se verifica no extrato acostado à fl. 131, o contribuinte aderiu ao regime de parcelamento especial (PAES - Lei n.º 10.684/2004), em 28.07.2003, mas ocorreu sua exclusão por falta de recolhimentos regulares em 02.05.2005 (fls. 133, 138 e 147).


A denúncia foi recebida em 02 de maio de 2006 (fls. 155/156).


Em 08.08.2006 o Juízo a quo deferiu em parte o pedido do réu (fls. 188/191), determinando o sobrestamento do feito até o julgamento final do recurso administrativo noticiado nos autos (fls. 228/229). O processo retomou seu curso normal em 07.05.2007 (fl. 256)


Nos termos dos Ofícios n.ºs 395/2007 e 236/2007 (fls. 294/298), expedidos pela Delegacia da Receita Federal de Araraquara/SP, esclareceu-se que a Representação Fiscal para Fins Penais n.º 13857.000341/2003-15, objeto destes autos, contém dois processos administrativos, quais sejam: no de n.º 13857.000373/2003-11 (débito de 1999 e parte de 1998), não contestado administrativamente e cujos respectivos valores foram definitivamente constituídos, e o de n.º 13857-000340/2003-62 (1997, parte de 1998, 2000 e 2001), cujo lançamento foi contestado pelo contribuinte em segunda instância administrativa, estando com a exigibilidade suspensa.


Às fls. 517/519 o Juízo a quo determinou a suspensão do processo e do prazo prescricional em 27.07.2011, a fim de se obter informações seguras acerca do parcelamento ou não dos débitos tratados nestes autos.


Conforme se verifica na informação da Procuradoria da Fazenda Nacional de São Carlos/SP (fl. 522), o débito que se refere ao Processo Administrativo n.º 13857-000373/2003-11, foi inscrito em dívida ativa em 16 de abril de 2007 (fl. 528). O parcelamento formalizado em 26.10.2009 (fl. 384), foi rescindido em dezembro de 2011 (fls. 545/546).


No que tange ao processo administrativo n.º 1357-000340/2003-62, verifica-se por meio da informação da Seção de Controle e Acompanhamento Tributário de Araraquara/SP que não houve a consolidação do parcelamento especial, não existindo óbice ao prosseguimento da cobrança do crédito tributário (fl. 533).


Retomando o feito seu curso normal em 13.03.2012 (fl. 551), sobreveio a sentença publicada em 11 de abril de 2012 (fl. 563).


O Ministério Público Federal insurge-se quanto à sentença recorrida no tocante à dosimetria. Requer a majoração da reprimenda sob o argumento de que o réu teria apresentado ao Fisco recibos falsos de despesas odontológicas, o que revelaria a intensidade de seu dolo e o elevado grau de sua culpabilidade, assim iludindo as autoridades fazendárias por período que compreendeu cinco anos, conduta que também ensejaria a majoração de sua pena face à continuidade delitiva (fls. 582/597).


Em sede de Apelação o réu requer, preliminarmente, nulidade do processo por cerceamento de defesa alegando ausência de sua intimação e de seu defensor acerca da data e horário da realização das audiências para oitiva das testemunhas de acusação José Eduardo Manzini Lara (fl. 320), e Eremi Silva Barros (fl. 375), em afronta ao artigo 222 do Código de Processo Penal, fato que teria prejudicado sua defesa. No mérito, requer a absolvição sustentando que não houve exame pericial específico para atestar a autenticidade dos recibos, sem o qual não seria possível aferir a existência do dolo por parte do acusado e alega, ainda, que as declarações das testemunhas de acusação não dão suporte para a alegada falsidade dos recibos (fls. 601/607).


Recebido o recurso e apresentadas as contrarrazões somente pela acusação (fls. 609/626), tendo a Defesa deixado transcorrer in albis o respectivo prazo (fl. 628), subiram os autos a esta E. Corte.


Nesta instância, o Ministério Público Federal ofertou parecer no qual opina pelo desprovimento dos recursos interpostos pela Acusação e pela Defesa, mantendo-se a sentença recorrida na íntegra (fls. 632/636).


Enquanto o feito aguardava julgamento nesta E. Corte, foi proferida liminar no Supremo Tribunal Federal nos autos do RE n.º 1.055.941 e, considerando que a instauração do presente processo ocorreu com base no compartilhamento de informações bancárias e/ou fiscais diretamente do Fisco com o Ministério Público Federal, houve o reconhecimento de que esta Ação Penal se enquadra na hipótese de sobrestamento determinada naquela decisão proferida pela Suprema Corte (fl. 637).


Todavia, em 28.11.2019, foi concluído o julgamento do referido Recurso Extraordinário, oportunidade em que foi revogada a tutela provisória anteriormente concedida, razão pela qual o feito e o prazo prescricional retomaram seu curso normal, conforme decisão proferida à fl. 640 e v.


É o relatório.


À revisão, nos termos regimentais.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 12/02/2020 16:12:32



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000710-76.2006.4.03.6115/SP
2006.61.15.000710-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
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APELADO(A) : ANTONIO APARECIDO FLORENCIO DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP263800 ANDREA PEREIRA HONDA e outro(a)
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VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (recebida em 02.05.2006 - fls. 155/156), contra ANTONIO APARECIDO FLORÊNCIO DE OLIVEIRA, como incurso nas sanções do artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, combinado com o artigo 71 do Código Penal, porquanto, na condição de contribuinte do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), teria reduzido R$ 45.553,49 (quarenta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e três reais e quarenta e nove centavos), do tributo devido nos anos-calendário de 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, mediante artifício fraudulento consistente na inserção de dados inverídicos a respeito de despesas médicas dedutíveis em suas declarações de ajuste anual, bem como na apresentação de recibos inidôneos para justificar a realização daqueles serviços. Em fiscalização realizada pela Receita Federal teria se constatado que o acusado, intencionalmente, teria utilizado nomes e números de CPFs de terceiros de boa-fé para inserir falsas informações nas declarações de rendimentos, com o intuito de criar despesas fictícias e reduzir o valor devido a título de Imposto de renda pessoa física. Além disso, os recibos de despesas odontológicas em nome de Eremi Silva Barros, apresentados pelo réu durante a fiscalização, seriam inidôneos, considerando que não se teria comprovado a prestação dos serviços, tampouco seu pagamento.

O Auto de Infração foi lavrado no valor de R$ 45.553,49 (quarenta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e três reais e quarenta e nove centavos), o qual, acrescido de juros de mora e multa resultou no crédito tributário de R$ 136.044,28 (cento e trinta e seis mil, quarenta e quatro reais e vinte e oito centavos).

Após regular processamento do feito e constatada a exigibilidade dos créditos tratados nestes autos, sobreveio sentença condenatória, contra a qual se insurgem as partes.

PRELIMINARMENTE

Da alegada nulidade do processo por cerceamento de defesa

Em sede de Apelação o réu requer, preliminarmente, nulidade do processo por cerceamento de defesa alegando ausência de sua intimação e de seu defensor acerca da data e horário da realização das audiências para oitiva das testemunhas de acusação José Eduardo Manzini Lara (fl. 320) e Eremi Silva Barros (fl. 375), em afronta ao artigo 222 do Código de Processo Penal, fato que teria prejudicado sua defesa.

Referidos argumentos não merecem acolhida.

Nos termos do artigo 222 do Código de Processo Penal, "a testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes".

A teor do § 1º do artigo 370 do mesmo Estatuto Processual, "a intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado".

Neste contexto, confere-se que a oitiva da testemunha José Eduardo Manzini Lara foi determinada à fl. 256, expedindo-se Carta Precatória para o respectivo ato. Referida decisão foi publicada no Diário Oficial Eletrônico (fl. 261), estando a Defesa, portanto, intimada acerca da expedição da deprecata.

O mesmo se verifica em relação à testemunha Eremi Silva Barros, sendo deprecada sua oitiva à fl. 330, cuja respectiva publicação ocorreu à fl. 332.

Dessa maneira, não encontra respaldo a tese invocada pela Defesa.

Além disso, destaque-se o teor da Súmula n.º 273 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado, valendo, ainda, colacionar os julgados a seguir:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE INTIMAÇÃO PARA SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. INTIMAÇÃO DA EXPEDIÇÃO DA CARTA PRECATÓRIA. NOVA INTIMAÇÃO PARA AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHA. DESNECESSIDADE. SÚMULA 273 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. DEFESA QUE COMPARECE À PRIMEIRA AUDIÊNCIA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA EXPEDIÇÃO DA CARTA E DA DESIGNAÇÃO DAS AUDIÊNCIA.
NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. NOME DO ACUSADO QUE NÃO CONSTOU EXPRESSAMENTE NO TERMO DE NOMEAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO SUPORTADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. 'Nos termos do artigo 159, inciso IV, do RISTJ, não se admite sustentação oral no julgamento do agravo regimental, razão pela qual se afigura improcedente o pleito de intimação da Defesa para a respectiva sessão' (AgRg no HC 493.643/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 7/5/2019).
2. 'Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado' Súmula n. 273/STJ.
3. O contraditório comportamento da defesa que comparece ao primeiro ato e depois abandona o desenrolar da Carta Precatória afasta a possibilidade de reconhecimento da nulidade por aplicação do princípio do venire contra factum proprium, insculpido no art. 565 do Código de Processo Penal - CPP.
4. A jurisprudência desta Corte é reiterada no sentido de que a decretação da nulidade processual, ainda que absoluta, depende da demonstração do efetivo prejuízo por aplicação do princípio do pas de nullité sans grief. Não logrou o recorrente apontar quais perguntas deixaram de ser feitas ou quais pontos deixaram de ser esclarecidos na referida audiência e, ainda, de que forma a designação expressa do defensor dativo em nome do recorrente iria interferir na produção da prova testemunhal. Pelo contrário, a defesa apenas insiste na alegação de ausência de defesa técnica.
5. Agravo Regimental no Recurso em Habeas Corpus desprovido.
(AgRg no RHC 106.643/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 30/05/2019, DJe 04/06/2019) (grifei).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 168, § 1º, INCISO III, C/C O ARTIGO 29 (POR TRÊS VEZES), NA FORMA DO ARTIGO 71, E ARTIGO 332, PARÁGRAFO ÚNICO (POR DUAS VEZES), NA FORMA DO ARTIGO 71, TODOS DO CÓDIGO PENAL. NULIDADE. EXPEDIÇÃO DE CARTA PRECATÓRIA. INTIMAÇÃO NO JUÍZO DEPRECADO. DESNECESSIDADE. PRESENÇA DE DEFESA AD HOC. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. Nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, consubstanciado pela máxima do pas de nullité sans grief, não há que ser declarado um ato como nulo se da nulidade não resultar prejuízo.
2. Na hipótese vertente incide o verbete n. 273 da Súmula do STJ, segundo a qual, 'Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado', pois, como bem consignado pela Corte de origem, a defesa foi, de fato, intimada da expedição da carta precatória para a oitiva da vítima e da testemunha. É imperioso, ainda, destacar que a defesa técnica estava presente por ocasião da realização da audiência de inquirição da testemunha e da vítima, sendo tal ato acompanhado por defensor ad hoc.
3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando no sentido de que o postulado "pas de nullité sans grief impõe a manutenção do ato impugnado que, embora praticado em desacordo com a formalidade legal, atinge a sua finalidade, restando à parte demonstrar a ocorrência de efetivo prejuízo" (RHC n.
71.626/CE, rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 1º/12/2017), o que não ficou evidenciado na espécie.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 433.634/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2018, DJe 04/09/2018) (grifei).

Constata-se, ainda, que em ambas as audiências de instrução criminal, nas quais foram ouvidas as referidas testemunhas de acusação (fls. 320 e 376), houve nomeação de Defensor "ad hoc", não subsistindo, portanto, qualquer prejuízo ao réu.

Por fim, importante ressaltar que o Código de Processo Penal, em seu art. 563, aduz que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio "pas de nullité sans grief".

A jurisprudência de nossas C. Cortes Superiores, bem como deste E. Tribunal Regional, acolhe a dicção do preceito transcrito, fazendo coro à disposição do legislador no sentido de que qualquer nulidade somente será decretada caso efetivamente haja a comprovação do prejuízo daquele que a requer - a propósito:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA. MANUTENÇÃO DA NEGATIVA DE SEGUIMENTO. TESTEMUNHA INQUIRIDA MEDIANTE CARTA PRECATÓRIA. DEFENSORIA PÚBLICA ESTRUTURADA NO JUÍZO DEPRECADO. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. TESTEMUNHA QUE DESCONHECIA OS FATOS OBJETO DE APURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A LEGITIMAR A PROCLAMAÇÃO DE NULIDADES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 2. Inobservâncias processuais não contaminam a higidez processual na hipótese em que inocorrente prejuízo às partes. Aplicação, em matéria de nulidades, do art. 563 do CPP, que traduz o princípio reitor em que se consagra que, sem prejuízo, não se proclamam nulidades. (...) (STF, HC 130549 AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 28/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 16-11-2016 PUBLIC 17-11-2016) (grifei).
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL JULGADO PROCEDENTE. VIOLAÇÃO DA SÚMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DO ACUSADO PRESO À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. EXPEDIÇÃO DE REQUISIÇÃO PELO JUÍZO PROCESSANTE. CONCORDÂNCIA DA DEFESA NA REALIZAÇÃO DO ATO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. INTELIGÊNCIA DO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (...) 3. Ademais, o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à defesa técnica. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional. Precedentes. (...) (STF, HC 119372, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 01-02-2016 PUBLIC 02-02-2016) (grifei).
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE NÃO EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO DE PROVA ILÍCITA MOTIVADA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. IMPROPRIEDADE NA VIA DO WRIT. CONDENAÇÃO BASEADA NA PALAVRA DA VÍTIMA E EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRODUZIDOS NOS AUTOS. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento de nulidade no curso do processo penal reclama efetiva demonstração de prejuízo, à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief, o que não se verifica na espécie. (...) (STJ, AgRg no HC 327.638/PA, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 21/09/2017) (grifei).
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 157, §2º, I, II, V, CP. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. REDUÇÃO DO QUANTUM DA REINCIDÊNCIA. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 157, §2º, III DO CP. NÃO CONFIGURAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (...) Ressalte-se que no âmbito do processo penal, em homenagem ao princípio pas de nullité sans grief, consagrado pelo legislador no artigo 563 do Código de Processo Penal, não será declarada a nulidade quando não resultar prejuízo comprovado para a parte que a alega. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 71202 - 0006486-72.2015.4.03.6105, Rel. DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/09/2017) (grifei).

Por tais argumentos refuta-se a alegação de cerceamento de defesa.

DO MÉRITO

Do crime previsto no artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de ANTONIO APARECIDO FLORÊNCIO DE OLIVEIRA pela prática do delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/1990, in verbis:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
(...)
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

O crime de sonegação fiscal previsto no artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990 exige efetivo prejuízo ao erário, mediante a supressão do tributo pelo não pagamento e a redução quando o agente recolhe a menor o valor devido, sempre mediante fraude, de modo que o resultado material decorre da prática das condutas constantes dos incisos do referido dispositivo (supressão ou redução de tributo, contribuição social e qualquer acessório).

Consoante estabelecido pela Súmula Vinculante n.º 24, é necessário o lançamento definitivo para a configuração do crime contra a Ordem Tributária estatuído no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, cuidando-se, portanto, de crime material.

Para que o delito previsto no artigo 1º da legislação em comento reste perfectibilizado, não bastaria a simples omissão ou prestação de declaração falsa. Há a necessidade da efetiva supressão ou redução do tributo, exigindo-se, portanto, conduta fraudulenta, com eficácia de ofensa ao bem jurídico e efetivo prejuízo patrimonial ao erário público.

É dizer, a consumação do crime delineado no artigo 1º da referida lei somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, inclusive, a partir daí, a prescrição penal (STF, HC n.º 85051/MG, Relator Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, j. 07.06.2005).

Da materialidade, autoria e elemento subjetivo

A materialidade delitiva restou cabalmente demonstrada por meio da Representação Fiscal para Fins Penais n.º 13857.000341/2003-15 (a qual engloba os processos administrativos 13857-000340/2003-62 e 13857-000373/2003-11), e os documentos que a acompanham, em especial o Termo de Início da Ação Fiscal (fls. 24/25), as Declarações de Ajuste Anual anos-calendários 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001 (fls. 79/95), o Demonstrativo do Débito Consolidado e respectivo Auto de Infração de IRPF (fls. 96/101), o Relatório Fiscal (fls. 108/126) e o Termo de Encerramento (fl. 127), os quais demonstram a efetiva redução de tributo federal no período narrado na exordial.

Nos termos da Representação Fiscal (fls. 16/22), ANTONIO APARECIDO FLORÊNCIO DE OLIVEIRA foi intimado pela fiscalização para apresentar os comprovantes de pagamentos das despesas informadas nas declarações de ajuste anual de 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, sendo exigido também, em relação às de valores mais elevados, laudo, odontograma, ficha clínica e resultado de exame. Em resposta o contribuinte informou que efetuou todos os pagamentos em moeda corrente e que não havia localizado os comprovantes das despesas Cedirp Central Diagnóstico de Ribeirão Preto S/C Ltda., Nilton L. Latuf, Emerson André Bertollo, Centro Educacional Diocesano La Salle, Congregação das Religiosas do Santíssimo Sacramento, Humberto Paulo Ricci e Laboratório Dr. Maricondi.

Os supostos beneficiários foram intimados e comprovaram que não prestaram os serviços declarados pelo réu, tampouco receberam os valores por ele deduzidos, conforme se afere nos documentos acostados às fls. 57, 60, 63, 67, 68, 69, 72, 75 e 78. Referidas despesas consistiram em R$ 34.623,00 (trinta e quatro mil, seiscentos e vinte e três reais) a título de deduções não comprovadas e, por tal razão, foram glosadas pela Receita Federal.

Além disso, a fiscalização considerou que os recibos apresentados pelo acusado para comprovar as despesas odontológicas deduzidas em nome de Eremi Silva Barros são inidôneos, tendo em vista que houve um gasto total de R$ 60.286,00 (sessenta mil, duzentos e oitenta e seis reais) em apenas dois anos (1997 e 1998), não tendo havido efetiva comprovação do pagamento, tampouco da prestação de serviços, sequer por meio de laudos, exames ou ficha clínica.

O Auto de Infração acerca da redução de imposto de renda pessoa física foi lavrado no valor originário de R$ 45.553,49 (quarenta e cinco mil, quinhentos e cinquenta e três reais e quarenta e nove centavos), o qual, acrescido de juros de mora e multa resultou no crédito tributário de R$ 136.044,28 (cento e trinta e seis mil, quarenta e quatro reais e vinte e oito centavos).

O acusado pessoalmente tomou ciência do auto de infração em 11.06.2003 (fl. 97), sendo gerado o processo n.º 13857-000.340/2003-62. Verifica-se por meio dos extratos acostados às fls. 131/134 que houve adesão ao programa especial de parcelamento do débito (PAES) em 28.07.2003 e a respectiva exclusão ocorreu em 02.05.2005. O Ofício n.º 431/2005 noticiou o pagamento de oito parcelas (fl. 147).

Nos termos dos Ofícios n.ºs 395/2007 e 236/2007 (fls. 294/298), expedidos pela Delegacia da Receita Federal de Araraquara/SP, esclareceu-se que a Representação Fiscal para Fins Penais n.º 13857.000341/2003-15, objeto destes autos, contém dois processos administrativos, quais sejam: no de n.º 13857.000373/2003-11 (débito de 1999 e parte de 1998), não contestado administrativamente e cujos respectivos valores foram definitivamente constituídos, e o de n.º 13857-000340/2003-62 (1997, parte de 1998, 2000 e 2001), cujo lançamento foi contestado pelo contribuinte em segunda instância administrativa, estando com a exigibilidade suspensa.

O recurso administrativo interposto pelo réu questionando os débitos referentes aos anos de 2000 e 2001, bem como alegando decadência do período de 1997 (débitos inserido no processo n.º 13857-000340/2003-62), não foi provido, determinando-se a manutenção da autuação fiscal na íntegra (fls. 250/252). À fl. 254, consta o Termo de Perempção recursal datado de 13.04.2007.

Conforme se verifica na informação da Procuradoria da Fazenda Nacional de São Carlos/SP (fl. 522), o débito que se refere ao Processo Administrativo n.º 13857-000373/2003-11 foi inscrito em dívida ativa em 16 de abril de 2007 (fl. 528). Houve parcelamento desse débito em 26.10.2009 (fl. 384), mas sua rescisão ocorreu em dezembro de 2011 (fls. 545/546).

No que tange ao processo administrativo n.º 1357-000340/2003-62, verifica-se por meio da informação da Seção de Controle e Acompanhamento Tributário de Araraquara/SP que não houve a consolidação do parcelamento especial, não existindo óbice ao prosseguimento da cobrança do crédito tributário (fl. 533).

Por todo o exposto, não pairam dúvidas acerca da constituição definitiva do crédito tributário, restando cumpridos os requisitos da Súmula Vinculante n.º 24 do STF.

Vale ressaltar que, em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.

Ademais, o procedimento administrativo foi ratificado em juízo por meio da oitiva do auditor fiscal José Eduardo Manzini de Lara, testemunha arrolada pela acusação, tendo confirmado que foi o responsável pela fiscalização nas Declarações de Imposto de Renda Pessoa Física do acusado, constatando os recibos falsos e a inserção de outras despesas fictícias, fato que deu azo à lavratura do auto de infração (fl. 321).

A alegação da Defesa de que a ausência de exame pericial específico para atestar a autenticidade dos recibos impediria a aferição do dolo por parte do acusado, bem como de que as declarações das testemunhas de acusação não dariam suporte para concluir pela falsidade dos recibos, não encontra respaldo nos autos.

Note-se, por oportuno, ser despicienda a realização de exame pericial nesses recibos, considerando que o acusado não está sendo processado por falsificação de documento particular ou uso de documento falso. De qualquer forma, a inidoneidade desses documentos advém de mera análise do contexto fático probatório carreado aos autos.

Com efeito, no curso da fiscalização foram identificados outros seis contribuintes que também informaram despesas em nome dessa profissional, no valor global de R$ 352.585,00 (trezentos e cinquenta e dois mil, quinhentos e oitenta e cinco reais), nos anos de 1997 a 2000 e, coincidentemente, a quantia também teria sido paga em espécie. Em investigação, constatou-se que esses usuários, incluindo o réu, trabalharam no mesmo local que a dentista (Instituto Paulista de Ensino Superior Unificado - Faculdade de São Carlos) e todos apresentaram justificativas semelhantes. Apesar das diversas diligências efetuadas a profissional não foi localizada naquela ocasião e constatou-se que valores ínfimos foram informados por ela em suas declarações anuais de imposto de renda pessoa física.

Esse conjunto de elementos levou o auditor fiscal a concluir, acertadamente, que não se tratava "de mero erro de preenchimento das declarações de ajuste anual; ao contrário, o fiscalizado agiu dolosamente e, utilizando recibos inidôneos, criou despesas fictícias com a finalidade de fraudar o Fisco e eximir-se do recolhimento do imposto de renda devido" (trecho extraído da Representação Fiscal para Fins Penais - fl. 21).

Em juízo essa conclusão não foi enfraquecida, pois o acusado alegou que, embora tenha se submetido a tratamento odontológico, alguns dos valores constantes dos recibos estavam errados e foi por isso que concordou com a autuação e efetuou o parcelamento do débito. Posteriormente, acabou por confessar que não utilizou os serviços declarados nesses recibos e disse não saber porque estavam em seu nome. Esclareceu que era o professor Vicente, assessor pedagógico da Faculdade de Direito de São Carlos, quem fazia suas declarações de imposto de renda, mas ele já faleceu. Afirmou que não conhecia as pessoas declaradas em seu imposto de renda e disse não ser verdadeira a afirmação de que teria pago em dinheiro. Em relação aos recibos das despesas odontológicas entregues à Receita Federal declarou que foram feitos a pedido de Vicente, mas não se preocupou em perguntar a ele qual o motivo da emissão de recibos falsos ((fls. 203/205 e mídia à fl. 448).

A testemunha de acusação Eremir Silva Barros informou que era dentista e não exercia a profissão desde o final de 1999 ou início de 2000. Afirmou que não conhecia o réu e não se lembrou de tê-lo atendido. Alegou que costumava ter registro de seus pacientes, mas perdeu os documentos quando se mudou para outra cidade. Confirmou que, às vezes, os tratamentos eram pagos em dinheiro, porém, mesmo quando algumas famílias os faziam em conjunto, o valor de seu trabalho custava no máximo quinze mil reais, não se recordando de nenhum tratamento no valor de quarenta mil reais (fl. 376).

Em se tratando de Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) a apuração do valor devido é obtida com base nas informações constantes da Declaração de Ajuste Anual, cuja responsabilidade é do contribuinte. No caso dos autos, verifica-se que nessa condição o réu se utilizou de nomes e CPFs de terceiros de boa-fé para inserir informações falsas em suas declarações de rendimentos, criando despesas fictícias e reduzindo o imposto de renda pessoa física. Além disso, apresentou recibos falsos à Receita Federal com o claro intuito de perpetuar a fraude e manter a vantagem indevidamente.

O tipo penal descrito no artigo 1º e seus incisos, da Lei n.º 8.137/1990, prescinde de dolo específico, ou seja, de um especial estado de ânimo dirigido à sonegação fiscal. Basta o dolo genérico à sua configuração, consistente na vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir tributo por meio das condutas elencadas no dispositivo legal. Não importa o motivo pelo qual o agente foi levado à prática do crime, sendo suficiente que sua conduta se amolde ao comportamento descrito na norma.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. OMISSÃO DE RECEITA DA PESSOA JURÍDICA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. RECONHECIMENTO DE ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO DEMONSTRADA. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 12 DA LEI N. 8.137/90. IMPROCEDÊNCIA. RELEVANTE VALOR SONEGADO E GRAVE DANO À COLETIVIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. DESTINAÇÃO DE OFÍCIO PARA A UNIÃO. APELO DESPROVIDO.
1- Imputa-se ao apelante, na qualidade de responsável pela empresa, a prática do crime descrito no artigo 1º, inciso I, da Lei nº. 8.137 /90, por suprimir o pagamento de tributos no total de R$1.793.949,40, mediante declaração falsa e inexata, na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica no ano-calendário 2002.
2- Materialidade demonstrada pela prova documental coligida (extratos bancários, livro caixa, livro de saída de mercadorias, etc.) que aponta que o réu realizou as vendas escrituradas em seu livro caixa, omitindo, no entanto, tais rendimentos de sua declaração à Receita Federal. Em razão de tais omissões (declarações falsas e inexatas) foi suprimido tributo no montante de R$1.793.949,40 (um milhão setecentos e noventa e três mil novecentos e quarenta e nove reais e quarenta centavos).
3 - A autoria restou inconteste: o conjunto probatório demonstra que o réu era o titular da empresa e único responsável pelas declarações falsas e inexatas prestadas à Receita Federal.
4 - A alegação de ausência de dolo não convence. O dolo do tipo penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 é genérico, bastando, para a tipicidade da conduta, que o sujeito queira não pagar, ou reduzir, tributos, consubstanciado o elemento subjetivo em uma ação ou omissão voltada a este propósito.
5 - A incidência de tributos é inerente ao exercício da atividade mercantil. Além disso, o réu laborava no ramo habitualmente desde 1995, não se tratando, desse modo, de pessoa ignorante. Ademais, o art. 21, 1ª parte, do Código Penal, é expresso: "O desconhecimento da lei é inescusável."
6 - Afastada a alegação de inexigibilidade de conduta diversa como causa supralegal de exclusão da culpabilidade em razão de dificuldades financeiras.
7 - Para que caracterizem a excludente, as adversidades devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, sendo certo que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada nos autos poderia justificar a omissão nos recolhimentos. No caso dos autos, no entanto, os meses nos quais houve omissão de receita foram justamente aqueles nos quais a empresa auferiu maior rendimento.
8 - Não há demonstração da impossibilidade financeira alegada no período dos ilícitos, não tendo a defesa se desincumbido do ônus de provar o quanto alegado, nos termos do artigo 156, primeira parte, do Código de Processo Penal.
9 - A dosimetria da pena não comporta reparos. A pena base foi fixada no mínimo legal, inexistindo atenuantes ou agravantes.
10 - A sonegação de vultosa quantia (R$ 1.793.949,40) não é ínsita ao tipo penal, vale dizer, não consubstancia elementar da figura típica e justifica a incidência da majorante específica em comento (art. 12, I, da Lei nº 8.137/90), na terceira fase do sistema trifásico, disso não resultando bis in idem ou ofensa à taxatividade.
11- Mantida a substituição da pena corporal por duas restritivas de direitos, eis que presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal.
12 - Alterada, de ofício, a destinação da pena pecuniária em favor da União. 13 - Apelo desprovido.
(ACR 00126649020084036102, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 27/06/2014) (grifei).

Assim, o dolo exsurge das circunstâncias fáticas, pois o réu era o responsável pelas informações fornecidas em suas Declarações de Imposto de Renda Pessoa Física, de modo que sua conduta em inserir deduções fictícias, inclusive com a apresentação de recibos falsos, evidencia o intuito fraudulento de reduzir tributo.

Ademais, ainda que se admita que o réu tenha confiado integralmente a terceiros a confecção de suas declarações de imposto de renda pessoa física - fato não comprovado pela Defesa -, pesaria em seu desfavor não ter se ocupado do descompasso entre as despesas realmente dedutíveis e as fictícias declaradas ao Fisco, tendo agido, no mínimo, com dolo eventual.

Note-se que com tais manobras o réu reduziu o imposto de renda no importe originário superior a quarenta mil reais (fls. 96/101), montante que certamente não era por ele ignorado.

Sendo assim, restou demonstrado nos autos que o réu agiu deliberadamente com o intuito de reduzir tributos e incorrendo na conduta elencada no inciso I do artigo 1º da Lei n.º 8.137/1990.

Nesta toada, comprovados materialidade, autoria e elemento subjetivo, deve ser mantida a condenação do increpado nos termos aludidos na sentença recorrida.

Da Dosimetria da Pena

O cálculo da pena deve atentar aos critérios dispostos no artigo 68 do Código Penal, de modo que, na primeira etapa da dosimetria, observando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve atentar à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, e estabelecer a quantidade de pena aplicável, dentro de uma discricionariedade juridicamente vinculada, a partir de uma análise individualizada e simultânea de todas as circunstâncias judiciais.

Na segunda fase de fixação da pena, o juiz deve considerar as agravantes e atenuantes, previstas nos artigos 61 a 66, todos do Código Penal.

Finalmente, na terceira etapa, incidem as causas de diminuição e de aumento da pena.

Atento a estes elementos o sentenciante efetuou a dosimetria nos seguintes termos (fls. 561/562):

(...)
Passo à dosagem das penas que serão atribuídas ao réu.
Ao delito do art. 1º, inciso I, da Lei n 8.137/90, são cominadas penas de reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Atento às circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, verifico que não há prova de que o réu seja reincidente ou registre maus antecedentes, o que somente é possível por meio de certidão comprobatória de condenação e trânsito em julgado, sendo insuficientes meras informações constantes de folhas de antecedentes criminais. Saliento, ainda, que o ônus de comprovar, por meio das necessárias certidões, a existência de maus antecedentes é da acusação.
Não estando presentes outras circunstâncias desfavoráveis previstas no art. 59 do CP, fixo a pena-base em dois anos de reclusão e dez dias-multa.
Não incidem na hipótese circunstâncias agravantes. Ressalto que a prova da reincidência compete à acusação. Nesse sentido: TRF - 3ª Região, APELAÇÃO CRIMINAL - 23860, Processo: 200461190058001, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães, DJU de 15/12/2006.
Dessa forma, impõe-se a manutenção da pena em patamar mínimo na segunda fase de fixação da pena.
Incide, ainda, a causa de aumento do artigo 71, caput, do Código Penal, porquanto a ele é imputada a prestação de declarações falsas à Secretaria da Receita Federal nos anos-calendário 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001.
Os delitos - todos da mesma espécie - foram cometidos em semelhantes condições de tempo, lugar e maneira de execução. Consumaram-se em anos seguidos, no mesmo local e da mesma maneira, devendo ser reconhecida a continuidade delitiva.
Tendo em vista que a conduta criminosa perpetrada pelo acusado desenvolveu-se por 5 (cinco) competências (anos-calendários de 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001), aumento a pena-base em um terço, patamar intermediário entre aqueles previstos no art. 71 do Código Penal.
Conforme entendimento pacificado na jurisprudência, as penas de multa, quando os crimes são realizados em continuidade delitiva, não são somadas, como prescreve o artigo 72 do Código Penal, mas unificadas, nos termos do artigo 71. Nesse sentido: TRF - 3ª Região, APELAÇÃO CRIMINAL - 9313, Processo: 199903990988162, Rel. Souza Ribeiro, DJU de 09/10/2002; TRF - 3ª Região, APELAÇÃO CRIMINAL - 15448, Processo: 199961080051520, Rel. Johonson di Salvo, DJU de 27/09/2005.
Assim, quanto à multa, deve ser observada a mesma metodologia adotada para a pena privativa de liberdade.
Logo, fixo a pena em definitivo em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa.
Tendo em vista o quantum da pena, bem como a primariedade do réu, fixo o regime aberto para o início de cumprimento da pena.
Não havendo nos autos elementos seguros sobre a situação econômica do réu, fixo o valor do dia-multa em um trigésimo do salário-mínimo.
Preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, substituo a pena privativa de liberdade a ele aplicada por uma pena restritiva de direito, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, e mais 10 (dez) dias-multa, também no valor unitário mínimo.
A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a critério do Juízo da Execução, deverá ser cumprida à razão de 1 (uma) hora por dia de condenação, pelo mesmo período fixado para a pena privativa de liberdade (CP, artigos 46, 3º e 55), ressalvada a possibilidade de cumprimento da pena substitutiva em menor tempo, nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada (CP, art. 46, 4º).
(...)

A Defesa não apresentou qualquer insurgência nesse ponto, conformando-se com a pena imposta.

De outra parte, o Ministério Público Federal interpôs Apelação insurgindo-se exclusivamente quanto à dosimetria da pena privativa de liberdade, pleiteando a majoração da reprimenda sob o argumento de que a conduta do réu, ao apresentar ao Fisco recibos falsos de despesas odontológicas, revelaria a intensidade de seu dolo e elevado grau de sua culpabilidade, iludindo as autoridades fazendárias por longo período. Requereu, ainda, a majoração do quantum de aumento em face da continuidade delitiva.

A despeito dos argumentos invocados pelo Parquet Federal verifica-se que a conduta do réu, embora reprovável, não excedeu o esperado em crimes dessa natureza, não se justificando a elevação da pena sob esse aspecto.

As demais circunstâncias do artigo 59 do Código Penal foram corretamente fundamentadas, nada havendo a se alterar. O mesmo se verifica na segunda fase de dosimetria da pena.

A sentença considerou como causa de aumento de pena a continuidade delitiva. No entanto, o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador.

Note-se que a exasperação decorrente da continuidade delitiva não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado. Sob esta ótica, nesta terceira fase, ante a ausência de causas de diminuição e aumento, fica mantida a pena em 02 (dois) anos de reclusão.

Considerando que a conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada (anos-calendário 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001) e tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal), tal qual estabelecido em primeiro grau.

Em acórdão relatado pelo Des. Fed. Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva segundo o número de parcelas não recolhidas, nos seguintes termos: "de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento" (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).

Portanto, considerando a prática delitiva continuada por cinco anos consecutivos e autorizado o aumento em face do recurso ministerial, a majoração da pena deve ser de 1/2 (metade), nos termos do entendimento acima adotado, perfazendo a reprimenda de 03 (três) anos de reclusão.

No que tange à pena de multa, entendo que sua aplicação deve observar os parâmetros previstos no artigo 49, caput, do Código Penal, que estabelece que a pena de multa será calculada por meio do mecanismo de dias-multa, não podendo nem ser inferior a 10 (dez) nem superior a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. A disposição em tela deve ser aplicada tendo como base os postulados constitucionais tanto da proporcionalidade (decorrente da incidência das regras de devido processual legal sob o aspecto substantivo - art. 5º, LIV) como da individualização da pena (art. 5º, XLVI), ambos premissas basilares do Direito Penal, cuja observância pelo magistrado mostra-se obrigatória, ao lado da aplicação do princípio da legalidade no âmbito penal, a impor que o juiz atue no escopo e no limite traçado pelo legislador, demonstrando a evidente intenção de circunscrever a sanção penal a parâmetros fixados em lei, distantes do abuso e do arbítrio de quem quer que seja, inclusive e especialmente do juiz, encarregado de aplica-la ao infrator (NUCCI, Guilherme de Souza, Individualização da Pena, 7ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, pág. 37).

Dentro desse contexto, para os tipos penais em que o preceito secundário estabelece pena de reclusão ou de detenção acrescida de multa, impõe-se que esta última, atendendo à legalidade penal a que foi feita menção anteriormente, guarde proporção com a pena corporal aplicada, respeitando, assim, a regra constitucional de individualização de reprimenda. Desta forma, caso tenha sido fixada a pena corporal no mínimo legal abstratamente cominado ao tipo infringido, mostra-se imperioso o estabelecimento da pena de multa no seu patamar mínimo, qual seja, em 10 (dez) dias-multa; a contrário senso, na hipótese da reprimenda privativa de liberdade ter sido fixada no seu quantitativo máximo, por certo a multa também o deverá ser (360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Importante ser dito que, na primeira fase da dosimetria da pena corporal, a eventual fração de seu aumento não deve guardar correlação direta com o quantum de majoração da pena de multa, pois esta cresceria de forma linear, mas totalmente desproporcional à pena base fixada, tendo em vista a diferença entre o mínimo e o máximo da reprimenda estabelecida para cada delito (variável de tipo penal para tipo penal) e o intervalo de variação da multa (sempre estanque entre 10 - dez - e 360 - trezentos e sessenta - dias-multa).

Isso porque, a despeito de existir uma relação de linearidade entre o aumento da pena base quanto à reprimenda corporal e o aumento da pena de multa, essa relação não é de identidade, cabendo destacar que pensar de modo diferente seria fazer letra morta aos princípios constitucionais anteriormente mencionados, desvirtuando, assim, o sistema penal e afastando a eficácia da pena de multa prevista pelo legislador.

Em outras palavras, caso incidisse na espécie a mesma fração de aumento aplicada quando da majoração da pena base atinente à reprimenda corporal em sede de pena de multa, esta seria estabelecida em patamar irrisório, muito distante do limite máximo estabelecido pelo legislador, ainda mais se se considerar que o valor do dia-multa, na maioria das vezes, é imposto em seu patamar mínimo, vale dizer, 1/30 do salário mínimo. Ou seja, evidenciaria perfeita distorção no quantum pecuniária da pena base, jamais atingindo o esperado pelo legislador ao fixar margens bem distantes entre o mínimo e o máximo da pena de multa.

Aliás, a presente interpretação guarda relação com o item 43 da Exposição de Motivos nº 211, de 09 de maio de 1983, elaborada por força da reforma da Parte Geral do Código Penal, que estabelece que o Projeto revaloriza a pena de multa, cuja força retributiva se tornou ineficaz no Brasil, dada a desvalorização das quantias estabelecidas na legislação em vigor, adotando-se, por essa razão, o critério do dia-multa, nos parâmetros estabelecidos, sujeito a correção monetária no ato da execução.

Ressalte-se que o posicionamento ora adotado encontra o beneplácito da jurisprudência desta E. Corte Regional, conforme é possível ser visto na APELAÇÃO CRIMINAL 56899 (Feito nº 0000039-46.2012.4.03.6114, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 22/08/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29/08/2017) e na APELAÇÃO CRIMINAL 62692 (Feito nº 0009683-06.2012.4.03.6181, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, 1ª Turma, votação unânime, julgado em 11/07/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 21/07/2017).

Assim, não há como fixar a pena de multa sem se levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal a que foi citada anteriormente).

No caso concreto, a pena privativa de liberdade até a terceira fase restou fixada em 02 (dois) anos de reclusão, o que corresponde a 10 (dez) dias-multa. Com o acréscimo de ½ (metade) em decorrência da continuidade delitiva, a reprimenda deve ser elevada para 15 (quinze) dias-multa, reformando-se a sentença também nesse pronto.

O valor do dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do crime deve ser mantido, ante a ausência de insurgência recursal.

Correta a fixação do regime inicial de cumprimento ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.

Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada foi corretamente substituída por uma restritiva de direitos consubstanciada em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pela mesma duração da pena privativa de liberdade, à razão de 1 (uma) hora por dia de condenação, que deverá ser cumprida nos termos do artigo 46, §§ 1º a 4º, c.c. o artigo 55, ambos do Código Penal, na forma a ser fixada pelo Juízo da Execução Penal, bem como 10 (dez) dias-multa, também no valor unitário mínimo, nada havendo a modificar.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por REJEITAR A MATÉRIA PRELIMINAR e NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU, e DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO para majorar em metade a pena em razão da continuidade delitiva, resultando na pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, em regime ABERTO, e 15 (quinze) dias-multa, mantendo, no mais, a r. sentença recorrida, tudo nos termos da fundamentação.

É o voto.

FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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