Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/11/2019
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0013064-12.2018.4.03.6181/SP
2018.61.81.013064-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DAMASIO DE FREITAS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00130641220184036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 183 DA LEI 9.472/97. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. TIPICIDADE. ABOLITIO CRIMINIS. RESOLUÇÃO 680/2017. CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE.
O serviço de comunicação multimídia (internet via rádio) caracteriza atividade de telecomunicação e, quando operado clandestinamente, configura, em tese, o crime descrito no art. 183 da Lei n.º 9.472/97.
Diante do advento da Resolução 680/2017 da ANATEL, que deixou de exigir autorização para a exploração do SCM que utilize exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita, com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço, e, em razão disso, afastou a clandestinidade desses serviços, houve a descriminalização da conduta imputada ao réu, prevista no art. 183 da Lei 9.472/97.
A Resolução nº 680/2017 estabelece novo regramento no tocante à exploração do Serviço de Comunicação Multimídia, anunciando a dispensabilidade do controle prévio administrativo com fundamento no elemento objetivo descrito no artigo 10-A, qual seja, a utilização de meios confinados e/ou equipamento de radiocomunicação de radiação restrita, com até 5.000 (cinco mil) acessos.
Tendo em vista que a definição da conduta criminosa prevista na norma penal em branco reclama complementação, e que, na presente hipótese, o seu complemento afastou a exigência de autorização prévia da ANATEL nas condições estabelecidas pelo artigo 10-A da Resolução nº 680/2017, houve clara descriminalização da conduta, a qual deve ser aplicada ao acusado, ainda que retroativamente.
O afastamento da tipicidade da citada conduta deve-se a critério nitidamente objetivo (radiação restrita até cinco mil acessos em serviço), de modo que a incidência do dispositivo independe da análise da condição do sujeito ativo, por se tratar de hipótese de abolitio criminis.
Recurso em sentido estrito parcialmente provido apenas para reconhecer a tipicidade da conduta. De ofício, declarada extinta a punibilidade do réu, nos termos do art. 107, inciso III, do Código Penal e art. 61 do Código de Processo Penal.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso em sentido estrito apenas para reconhecer a tipicidade da conduta e, de ofício, declarar extinta a punibilidade do réu Damasio de Freitas, nos termos do artigo 107, inciso III, do Código Penal e artigo 61 do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 07 de novembro de 2019.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0013064-12.2018.4.03.6181/SP
2018.61.81.013064-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DAMASIO DE FREITAS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00130641220184036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI

Trata-se de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de São Paulo/SP, que rejeitou a denúncia que imputou a Damásio de Freitas o delito do art. 183 da Lei 9.472/97, com fundamento no art. 395, III do CPP.

De acordo com a denúncia, no dia 28/06/2017, durante fiscalização realizada por agentes da ANATEL no endereço situado na Rua Cíclades, 13-A, em São Paulo/SP, constatou-se que Damásio de Freitas desenvolvia clandestinamente atividade de telecomunicação, consistente em exploração do serviço de comunicação multimídia (SCM), auferindo lucro com a atividade.

O Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo rejeitou a denúncia, por entender que a situação retratada nos autos não se enquadra no conceito de serviço de telecomunicações, mas sim de serviço de valor adicionado, tratando-se de conduta atípica (fls. 62/63).

O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito (fl. 65). Alega que o denunciado auferia lucro através da exploração clandestina de serviço de comunicação multimídia, o que configura o delito do art. 183 da Lei 9.472/97. Acrescenta que "o chamado serviço de valor adicionado é atividade que acrescenta a um serviço de telecomunicações novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações, consistindo em mero serviço de suporte, que não implica em transmissão, emissão ou receptação de dados". Requer o recebimento da denúncia, determinando-se o regular prosseguimento do feito (fls. 68/74).

Contrarrazões apresentadas às fls. 82/86, pelo desprovimento do recurso.

Em sede de juízo de retratação, a decisão recorrida foi mantida por seus próprios fundamentos (fl. 88).

Em parecer, a Procuradoria Regional da República opinou pelo provimento do recurso ministerial, a fim de que a denúncia seja recebida (fls. 93/97).

É o relatório.

Dispensada a revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0013064-12.2018.4.03.6181/SP
2018.61.81.013064-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DAMASIO DE FREITAS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00130641220184036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal.
Dos fatos
De acordo com a denúncia, Damásio de Freitas estaria desenvolvendo clandestinamente atividade de telecomunicação consistente em serviço de acesso à internet a terceiros. No endereço situado na Rua Cíclades, nº 13-A, nesta Capital, foram encontrados equipamentos e transceptores de radiação restrita. Na fase policial, Damásio de Freitas declarou que fornecia internet de forma clandestina para 12 vizinhos, cobrando entre R$50,00 e R$60,00 por mês pelo acesso à rede.
A denúncia foi rejeitada com fundamento na atipicidade da conduta. Segundo o entendimento do Juízo a quo, trata-se de serviço de valor adicionado. Inconformado, o Parquet Federal pleiteia o recebimento da denúncia, alegando que o recorrido explorava clandestinamente serviço de comunicação multimídia, que se enquadra no art. 183 da Lei 9.472/97.
Da tipicidade
O serviço de comunicação multimídia (internet via radio) caracteriza atividade de telecomunicação e, quando operado clandestinamente, configura, em tese, o crime descrito no art. 183 da Lei n.º 9.472 /97. Extrai-se do site da Anatel, o conceito de prestação de serviço de comunicação multimídia:

"É um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional, e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviços."

Assim, verificada a atividade de telecomunicação em si, não há falar-se em serviço de valor adicionado. Nesse sentido é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça e também desta E. Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. 1. CRIME DE TELECOMUNICAÇÕES. RETRANSMISSÃO DE SINAL DE INTERNET VIA RÁDIO. SERVIÇO DE VALOR ADICIONADO. CLASSIFICAÇÃO QUE NÃO RETIRA A NATUREZA DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO. 2. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 3. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE PREJUÍZO CONCRETO. 4. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que a transmissão clandestina de sinal de internet, via radiofrequência, sem autorização da Agência Nacional de Telecomunicações, caracteriza, em tese, o delito previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472/1997. Não há se falar em atipicidade do delito pela previsão de que se trata de serviço de valor adicionado, uma vez que referida característica não exclui sua natureza de efetivo serviço de telecomunicação. 2. Prevalece no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de não ser possível a incidência do princípio da insignificância nos casos de prática do delito descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/1997. Isso porque se considera que a instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização dos órgãos e entes com atribuições para tanto, já é, por si, suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não podendo, portanto, ser vista como uma lesão inexpressiva. 3. O delito do art. 183 da Lei n. 9.472/1997 é de perigo abstrato, uma vez que, para sua consumação, basta que alguém desenvolva de forma clandestina as atividades de telecomunicações, sem necessidade de demonstrar o prejuízo concreto para o sistema de telecomunicações. 4. Agravo regimental improvido. (AGRESP 201502565428, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/06/2016 - grifos nossos).
"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INSTALAÇÃO E OPERAÇÃO CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE ACESSO À INTERNET. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI 9.472/97. CONDUTA TÍPICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. Ao agravante é atribuída a conduta de prestar, sem autorização da ANATEL, o serviço de acesso à internet a terceiros, mediante a instalação e funcionamento de equipamentos destinados para tal fim. 2. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça prevalece o entendimento no sentido de que tal conduta, nos moldes como narrada na exordial acusatória ofertada na hipótese, é apta a configurar, em tese, o delito previsto no artigo 183 da Lei n. 9.472 /97. Precedentes. 3. O fato do artigo 61, § 1º, da Lei n. 9.472/97 disciplinar que não constitui serviço de telecomunicação qualquer serviço de valor adicionado não implica no reconhecimento, por si só, da atipicidade da conduta atribuída ao agravante, tendo em vista que a prestação de serviço à internet engloba as duas categorias de serviço mencionadas. 4. Esta Corte Superior de Justiça também já firmou posicionamento no sentido de que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade na hipótese, já que se trata de delito de perigo abstrato. Precedentes.5. Agravo regimental desprovido." (STJ, AgRg no REsp 1304262, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, j. 16/04/2015, DJe 28/04/2015 - grifos nossos).
PENAL. ARTIGO 183, DA LEI Nº 9.472/97. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (INTERNET VIA RÁDIO). CRIME CONSUMADO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÃO. PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. CONFISSÃO. SÚMULA 231, DO E. STJ. SEM CAUSAS DE AUMENTO E DE DIMINUIÇÃO. REGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO S À COMUNIDADE OU A ENTIDADE PÚBLICA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELAÇÃO DA JUSTIÇA PÚBLICA PROVIDA. I - A materialidade delitiva restou comprovada por meio do Termo de Representação, do Parecer Técnico, do Auto de Infração, do Termo de Apreensão, do Relatório de Fiscalização e do Ofício nº 7040/2011/ER01SP/ER01, todos elaborados pela Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL; e do Inquérito Policial nº 6-0375/10. II - No depoimento prestado à Justiça, o denunciado confirmou que dispunha de estrutura do serviço de comunicação multimídia - SMC para desenvolver a atividade de exploração da internet compartilhada. III - O serviço de comunicação multimídia (internet via rádio) caracteriza atividade de telecomunicação e, quando operado clandestinamente, configura, em tese, o crime descrito no artigo 183, da Lei nº 9.472/97. IV - Os argumentos trazidos pelo denunciado não foram hábeis a descaracterizar a prática da disponibilização clandestina de serviço de comunicação multimídia (SCM) para clientes da região. V - O Contrato de Prestação de serviço s firmado entre a empresa do denunciado (contratante) e a terceirizada (contratada), pelo qual a contratada se dizia autorizada para explorar o serviço de Comunicação Multimídia - SCM e disponibilizar esse serviço à contratante que, por sua vez, captaria clientes, não tem força alguma perante a Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL. Aliás, a própria Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL assentou tal posicionamento nestes autos, conforme Ofício nº 7040/2011/ER01SP/ER01. VI - O delito do artigo 183, da Lei nº 9.472/97, se consuma com o mero risco potencial de lesão ao bem jurídico tutelado, qual seja, o regular funcionamento do sistema de telecomunicações, bastando para tanto a comprovação de que o agente desenvolveu atividade de serviço de comunicação multimídia ( SCM ), espécie de telecomunicação, sem a devida autorização do órgão competente. Precedente da Colenda 11ª Turma desta Egrégia Corte. VII - Restou constatado que o denunciado disponibilizava clandestinamente serviço de comunicação multimídia (SCM) e cobrava dos clientes pela prestação do serviço, lucrando indevidamente com tal conduta, contrariando a legislação e usurpando a atividade que é prestada por operadoras que obedecem às determinações específicas estabelecidas pela Agência Nacional de telecomunicações - ANATEL. VIII - Condenação. Pena-base no mínimo legal. Confissão não aplicada, tendo em vista a Súmula nº 231, do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Sem causas de aumento e de diminuição. Pena definitiva de 2 (dois) anos de detenção, em regime aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa. IX - Substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos. Prestação de serviço s à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária. X - Apelação da Justiça Pública provida." (TRF3, ACR 00010454920114036106, Relator Des. Fed. Cecilia Mello, 11ª Turma, e-DJF3: 17/08/2016).

Com tais considerações, reconheço a tipicidade da conduta.
Da abolitio criminis
Após a conclusão do inquérito policial, em atendimento ao ofício expedido pelo Ministério Público Federal, a ANATEL esclareceu que o presente caso não se enquadraria nos ditames do artigo 10-A da Resolução nº 680/2017, uma vez que, além dos requisitos previstos no referido dispositivo, exigir-se-ia a condição de pessoa jurídica devidamente inscrita na Receita Federal do Brasil (fls. 52/53).
Pois bem.
O crime imputado ao réu é norma penal em branco, previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, que preleciona:

"Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)."

O artigo 184, parágrafo único, por sua vez, define o que seria atividade clandestina como "a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofrequência e de exploração de satélite".
Ocorre que a Resolução nº 680, de 27 de junho de 2017, que entrou em vigor no prazo de 60 dias da data da sua publicação (artigo 7º), deu nova redação à Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013 (que, por sua vez, revogou a Res. 272/2001), deixando de exigir a outorga da ANATEL para a exploração do Serviço de Comunicação Multimídia de radiação restrita, até cinco mil acessos, estabelecendo, in verbis:

"Art. 5º - O Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, passa a vigorar acrescido do seguinte artigo:
Art. 10-A. Independe de autorização a prestação do SCM nos casos em que as redes de telecomunicações de suporte à exploração do serviço utilizarem exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita.
§ 1º A dispensa prevista no caput aplica-se somente às prestadoras com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço.
§ 2º A prestadora que fizer uso da dispensa prevista no caput deverá comunicar previamente à Agência o início de suas atividades em sistema eletrônico próprio da Anatel.
§ 3º A prestadora que fizer uso da dispensa prevista no caput deverá atualizar seus dados cadastrais anualmente, até o dia 31 de janeiro, em sistema eletrônico próprio da Anatel.
§ 4º A dispensa prevista no caput não exime a prestadora da obrigatoriedade de atendimento das condições, requisitos e deveres estabelecidos na legislação e na regulamentação.
§ 5º Atingido o limite de acessos em serviço previsto no § 1º, a prestadora terá 60 (sessenta) dias para providenciar a competente outorga para exploração do serviço. (NR)".

Como dito, oficiada para esclarecer se o presente caso emoldura-se à hipótese de isenção de autorização introduzida pela Resolução nº 680/2017, a ANATEL manifestou-se no sentido de que somente pessoas jurídicas seriam elegíveis à prestação do Serviço de Comunicação Multimídia com dispensa de autorização do Poder Público, desde que cumpridas as demais condições previstas na referida Resolução. Como o caso em análise relaciona-se à pessoa física autuada, o artigo 10-A não seria aplicável.
Em que pese o posicionamento da ANATEL sobre a incidência da Resolução nº 680/2017 ao caso concreto, consigno que o dispositivo em lume, ao estabelecer novo regramento no tocante à exploração do Serviço de Comunicação Multimídia, anunciou a dispensabilidade do controle prévio administrativo com fundamento no elemento objetivo descrito no artigo 10-A, qual seja, a utilização de meios confinados e/ou equipamento de radiocomunicação de radiação restrita, com até 5.000 (cinco mil) acessos.
Tendo em vista que a definição da conduta criminosa prevista na norma penal em branco reclama complementação, e que, na presente hipótese, o seu complemento afastou a exigência de autorização prévia da ANATEL nas condições estabelecidas pelo artigo 10-A da Resolução nº 680/2017, houve clara descriminalização da conduta, a qual deve ser aplicada ao acusado, ainda que retroativamente.
Observe-se que o afastamento da tipicidade da citada conduta deve-se a critério nitidamente objetivo (radiação restrita até cinco mil acessos em serviço), de modo que a incidência do dispositivo independe da análise da condição do sujeito ativo, por se tratar de hipótese de abolitio criminis.
Sendo o princípio da legalidade imperativo, haja vista o mandamento constitucional previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna, a aplicação de dispositivo normativo deve se dar de forma indistinta e geral, o que afasta a recusa exposta no ofício da ANATEL, acostado às fls. 52/53 do feito.
Insta salientar que o crime previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/97 tem como bem juridicamente protegido a segurança das telecomunicações no país e, como é cediço, a radiodifusão e o uso de instrumentos de telecomunicação de forma clandestina podem interferir nos serviços de rádio e televisão. Destarte, para que o agente incorra nas penas do supracitado artigo, basta que pratique a atividade descrita no tipo penal, ou seja, basta que faça operar atividade de telecomunicações, sem autorização do Poder Público. Agindo de tal forma, resta configurada a lesão ao bem jurídico tutelado.
Contudo, afastando-se a necessidade de prévio controle administrativo em casos específicos, tal qual ocorre por meio da Resolução nº 680/2017, tem-se que em tais hipóteses o risco à segurança das telecomunicações é atenuado, o que justifica o afastamento da tipicidade da conduta.
No caso dos autos, a denúncia descreve que o recorrido mantinha uma central clandestina de transmissão de sinal de internet via radio. O sinal era distribuído a moradores vizinhos (12 clientes), mediante o pagamento de mensalidade que variava entre valor de R$50,00 a R$60,00.
Verifica-se, portanto, que a atividade de telecomunicação em tela (serviço de comunicação multimídia) era explorada nos padrões previstos pelo artigo 10-A: destinada a pequeno número de usuários, por meio de equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita.
Registre-se que, não obstante os fatos descritos na denúncia tenham acontecido em data anterior à Resolução nº 680/2017 (06 de julho de 2009), no âmbito penal, a norma penal em branco que descriminaliza determinada conduta ou que beneficia o réu deve ser aplicada retroativamente, como se verifica na presente hipótese.
Nesse contexto, trago à colação o ensinamento de Heleno Cláudio Fragoso:
"Em regra, a alteração dos complementos da norma penal em branco, se discriminar a ação ou beneficiar o réu, não pode deixar de retroagir. As disposições que completam as leis penais em branco integram o conteúdo de fato da conduta incriminada e sua alteração representa uma nova valoração jurídica do mesmo.". (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, 7ª edição, Forense, p.106).

Destarte, tendo em vista o reconhecimento da aplicação retroativa do artigo 10-A da Resolução nº 680/2017 da ANATEL ao caso concreto, está configurada, por conseguinte, a abolitio criminis da conduta narrada na exordial, nos moldes previstos no artigo 2º do Código Penal: "Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória".
Reafirme-se que, diante do advento da Resolução nº 680/2017 da ANATEL, que deixou de exigir autorização para a exploração do Serviço de Comunicação Multimídia que utilize exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita, com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço, e, em razão disso, afastou a clandestinidade desses serviços, houve a descriminalização da conduta imputada ao réu, prevista no artigo 183 da Lei nº 9.472/97.
Tendo em vista a disposição constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica - inserida no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal - necessário considerar extinta a punibilidade do acusado.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso em sentido estrito apenas para reconhecer a tipicidade da conduta e, de ofício, declaro extinta a punibilidade do réu Damasio de Freitas, nos termos do artigo 107, inciso III, do Código Penal e artigo 61 do Código de Processo Penal.
É o voto.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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