Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/11/2019
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000656-47.2018.4.03.6000/MS
2018.60.00.000656-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : MARCELO DE OLIVEIRA PASE
: JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI
ADVOGADO : MS019732 ARTHUR RIBEIRO ORTEGA e outro(a)
No. ORIG. : 00006564720184036000 1 Vr COXIM/MS

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. RÁDIO TRANSCEPTOR. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CONCURSO MATERIAL. RECEPTAÇÃO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. CONTRABANDO. QUANTIDADE DE CIGARROS. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DO ARTIGO 62, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. AGRAVANTE DO ARTIGO 61, INCISO II, ALÍNEA "G", DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. AGRAVANTES DOS ARTIGOS 61, INCISO II, ALÍNEA "G" E 62, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE. CONCURSO MATERIAL. SOMATÓRIA DAS PENAS PARA A DETERMINAÇÃO DO REGIME INICIAL. FIXAÇÃO DE REGIME SEMIABERTO. APLICAÇÃO DA PENA DE INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Os réus Marcelo e Jeferson foram condenados pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, c/c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68 e do artigo 70 da Lei nº 4.117/62; e absolvidos da prática do crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal.
2. A materialidade de todos os crimes foi demonstrada pelos Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 12/14), Termo de Apreensão (fl. 47), Laudo Documentoscópico (fls. 149/160), Laudo Pericial em Veículos (fls. 174/179 e 196/201), Laudo Pericial em Equipamentos Eletroeletrônicos (fls. 180/186 e 187/203) e Auto de Infração e Apreensão de Mercadorias e Veículos (fls. 203/204 e 205/206).
3. A autoria dos delitos de contrabando e contra as telecomunicações foi comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas amealhadas em juízo.
4. O uso dos rádios transceptores apreendidos subsomem-se ao tipo penal do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97. Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. Todavia, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento rádio transceptor, sem autorização da ANATEL.
5. Tratando-se de emendatio libelli, pode-se proceder a ela em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal.
6. Em que pese estar comprovada a materialidade delitiva do crime de receptação, a autoria não se mostra certa. O ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o acusado perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em apreço - especialmente em respeito à presunção de inocência, sendo imperiosa manter a absolvição dos réus, com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
7. Perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder dos réus constitui fator apto a elevar a pena-base. Precedentes.
8. A confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser operada a compensação de ambas.
9. Inaplicável a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal. Não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelos réus, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos. Some-se a isso que os cigarros de origem estrangeira apreendidos em poder dos apelados compõem a própria tipicidade da conduta examinada, ou seja, mero elemento fático que constitui elementar do próprio tipo de contrabando, configurando bis in idem a majoração da pena nesses moldes.
10. Inaplicáveis as agravantes dos artigos 61, inciso II, alínea "g" e 62, inciso IV, do Código Penal ao crime contra as telecomunicações. Não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelos réus, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos. E o uso do rádio transceptor se destinava a promover a comunicação dos réus com terceiros unicamente para a perpetração do crime de contrabando, infração pela qual foram processados e condenados. No mesmo sentido, a agravante da paga ou promessa de recompensa não tem incidência, pois o pagamento percebido pelos réus objetivava a perpetração do crime de contrabando, e não a operação de rádio de comunicação.
11. No caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69. Entretanto, para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados. Fixação de regime inicial semiaberto aos réus.
12. A inabilitação para conduzir veículo automotor do artigo 92, inciso III, do Código Penal é efeito secundário da condenação, exigindo-se para a sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o veículo foi empregado, de forma dolosa, para o transporte de cigarros de procedência estrangeira, de internação proibida no território nacional.
13. Apelo do Ministério Público Federal parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para aplicar a pena de inabilitação para dirigir veículo aos réus MARCELO DE OLIVEIRA PASE e JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI, nos termos do artigo 92, inciso III, do Código Penal e, de ofício, proceder à emendatio libelli no que tange à conduta dos réus de se utilizarem de rádio transceptor sem qualquer autorização da autoridade competente, recapitulando-a para o artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97; e fixar-lhes, em razão da incidência do concurso material de crimes, o regime inicial semiaberto para fins de cumprimento de pena, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 07 de novembro de 2019.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000656-47.2018.4.03.6000/MS
2018.60.00.000656-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : MARCELO DE OLIVEIRA PASE
: JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI
ADVOGADO : MS019732 ARTHUR RIBEIRO ORTEGA e outro(a)
No. ORIG. : 00006564720184036000 1 Vr COXIM/MS

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de sentença proferida pelo Juízo Federal da 1ª Vara de Coxim/MS, que condenou os réus MARCELO DE OLIVEIRA PASE e JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, c/c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68 e do artigo 70 da Lei nº 4.117/62; absolvendo-os da prática do crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal.

Narra a denúncia (fls. 221/231):

"Em 09/03/2018, por volta de 13h, na BR 163, altura do km 614, em São Gabriel do Oeste/MS, JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI e MARCELO DE OLIVEIRA PASE, de modo consciente e voluntário, com unidade de desígnios e divisão de tarefas:
a) conduziram em proveito próprio ou alheio, respectivamente, caminhões do tipo baú que ostentavam as placas adulteradas MIK 7400 e DPE 3422, ambos produtos de crime;
b) transportavam nesses automóveis, ao todo, 801.000 maços fr cigarros da marca paraguaia Eight - que não possui registro na ANVISA e, portanto, não pode ser importada e comercializada em território nacional;
c) comunicavam-se entre si e com batedores por meio de rádios transceptores (equipamentos de telecomunicação), sem que dispusessem da devida autorização dos órgãos competentes.
Segundo apurado, em dia, hora e local citados, Policiais Rodoviários Federais abordaram, em sequência, dois caminhões do tipo baú, que estavam em comboio.
O primeiro, de placa aparente MIK 7400, conduzido por JEFERSON RODRIGO BERTRANI, levava 450.000 maços de cigarros da marca paraguaia Eight, avaliados em R$ 2.250.000,00. O outro, com placa ostensiva DPE 3422, cujo motorista era MARCELO DE OLIVEIRA PASE, estava carregado com 351.000 maços de cigarros da mesma marca, no valor de R$ 1.755.000,00 (cf. informação de fls. 70/71 e relação de mercadorias de fls. 72/74).
Em cada um dos caminhões, ocultos sob painéis, foram encontrados também rádios transceptores, os quais estavam na mesma frequência de 165,387500 MHz e em perfeitas condições de uso, permitindo, portanto, que JEFERSON e MARCELO se comunicassem entre si e com eventuais batedores (cf. laudos periciais sobre eletroeletrônicos de fls. 180/186 e 187/193).
Após consulta aos sistemas realizada por meio do chassi, os Policiais verificaram que o caminhão conduzido por MARCELO na verdade era produto de roubo ocorrido na cidade de Juquitiba/SP no dia 11/12/2017, sendo sua placa original IQG 7169 (cf. extrato de fl. 20).
Em laudo de exame veicular de fls. 196/201, especialmente na resposta ao quesito 4, os Peritos concluíram que o caminhão de placa MIK 7400, conduzido por JEFERSON, também possuía dados identificadores adulterados (chassi e número de motor). A sua placa original era OGH 8471, cuidando-se de produto de furto ocorrido no dia 19/02/2016 na cidade de Anápolis/GO.
[...]
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia MARCELO DE OLIVEIRA PASE e JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI pelos seguintes crimes: a) art. 180, caput, do CP; b) art. 334-A, caput e §1º, I e IV, do CP, c.c art. 3º do Decreto-Lei nº 399 de 1968; c) art. 70 da Lei nº 4.117 de 1962. Todos esses crimes foram executados em concurso de pessoas, devendo as penas respectivas serem somadas, nos termos dos arts. 29, caput, e 69, caput, ambos do CP. Incidem ainda as agravantes analisadas no tópico anterior."

A denúncia foi recebida em 7 de agosto de 2018 (fls. 235/239).

Após regular instrução, sobreveio a sentença de fls. 300/330, pela qual o magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia para:

i) condenar MARCELO DE OLIVEIRA PASE, em concurso material, como incurso nas penas do crime insculpido no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto; e do delito prescrito no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, em regime aberto, deixando de substituir as penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos em razão da somatória daquelas;

ii) condenar JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI, em concurso material, como incurso nas penas do crime insculpido no artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal c/c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68, à pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial aberto; e do delito prescrito no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, em regime aberto, deixando de substituir as penas privativas de liberdade por penas restritivas de direitos em razão da somatória daquelas;

c) absolver MARCELO DE OLIVEIRA PASE e JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI da prática do delito do artigo 180, caput, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

O juiz sentenciante determinou, ainda, a perda em favor da União dos rádios de comunicação e dos valores apreendidos, a destruição dos cigarros apreendidos e a restituição dos aparelhos celulares aos réus.

A sentença foi publicada em 22 de novembro de 2018 (fl. 331).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL interpôs apelação, requerendo (i) a reforma da sentença para condenar os réus pelo crime do artigo 180, caput, do Código Penal; (ii) a incidência da agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal em relação ao crime de contrabando; (iii) a fixação do regime inicial fechado para o delito de contrabando; (iv) o reconhecimento das agravantes dos artigos 61, inciso II, alínea "g" e 62, inciso IV, do Código Penal em relação ao crime do artigo 70 da Lei nº 4.117/62; (v) a fixação do regime inicial semiaberto para o delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/62; e (vi) a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículos aos réus (fls. 343/356).

Contrarrazões da defesa dos apelados (fls. 404/408 e 425/429).

Parecer da Procuradoria Regional da República pelo (i) parcial provimento da apelação interposta pelo órgão ministerial; e (ii) execução provisória da pena (fls. 431/437).

É o relatório.

Sujeito à revisão na forma regimental.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 02/09/2019 10:38:07



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000656-47.2018.4.03.6000/MS
2018.60.00.000656-0/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : MARCELO DE OLIVEIRA PASE
: JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI
ADVOGADO : MS019732 ARTHUR RIBEIRO ORTEGA e outro(a)
No. ORIG. : 00006564720184036000 1 Vr COXIM/MS

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Os apelados MARCELO DE OLIVEIRA PASE e JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI foram condenados pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, c/c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68 e do artigo 70 da Lei nº 4.117/62; e absolvidos da prática do crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal.

I- DO CRIME DO ARTIGO 334-A DO CÓDIGO PENAL

1. Da materialidade

A materialidade foi demonstrada pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 12/14) e Auto de Infração e Apreensão de Mercadorias e Veículos (fls. 203/204 e 205/206).

Com efeito, os documentos acima elencados atestam a apreensão de 351.000 (trezentos e cinquenta e um mil) maços de cigarros de procedência estrangeira em poder do réu Marcelo e 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) maços de cigarros de origem paraguaia em poder do réu Jeferson, tornando inconteste a materialidade delitiva.

2. Da autoria

A autoria delitiva restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas produzidas em juízo.

O dolo, por sua vez, foi evidenciado tanto pelas circunstâncias em que os cigarros foram apreendidos como pela prova oral produzida.

Os réus Marcelo e Jeferson, tanto na fase policial quanto em juízo, confessaram a prática do contrabando. Em síntese, afirmaram ter recebido os caminhões já carregados de cigarros paraguaios na cidade de Campo Grande/MS, devendo levar a mercadoria até Goiânia/GO. Marcelo asseverou ter auferido cerca de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para transportar os cigarros, enquanto Jeferson percebeu a quantia de R$3.000,00 (três mil reais) para esse fim (cf. fls. 8/11 e mídia de fl. 286).

Os policiais rodoviários federais Tiago Miorim Melegari e Marcos Kley de Souza ratificaram as informações prestadas na fase inquisitiva (fls. 2/6), esclarecendo que, ao receberem informação sobre dois caminhões, dirigiram-se até o local dos fatos e abordaram os réus, que confirmaram o transporte dos cigarros de procedência estrangeira (mídia de fl. 286).

Assim, notório, pelas próprias palavras dos apelados, que perpetraram o comportamento descrito na denúncia ao transportar os cigarros paraguaios, cientes de que praticavam ato ilícito, ao qual aderiram de forma livre e consciente, não incidindo em qualquer erro.

Destarte, o conjunto probatório colacionado aos autos - especialmente a prova oral angariada - torna induvidosa a autoria delitiva, devendo ser mantidas as condenações dos réus Marcelo e Jeferson nos moldes da r. sentença.

II- DO CRIME DO ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/62

1. Da tipificação legal do uso de rádio transceptor

O Ministério Público Federal denunciou Marcelo e Jeferson pela prática do delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/62.

Cabe salientar, inicialmente, que o uso do rádio transceptor pelos réus subsome-se ao tipo penal do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97.

Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. É embasada na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

O delito do aludido artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97, por sua vez, consiste em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao qual é cominada a pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

Desse modo, qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc.

Conforme previsão constitucional, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95, e artigo 223, ambos da Constituição Federal).

Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento.

O tipo penal definido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos.

Assim, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento rádio transceptor, sem autorização da ANATEL. O mesmo diploma legal define o que seria a atividade clandestina:

"Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.

Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite." (grifo nosso)

Os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça corroboram este entendimento:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGENTE COM IDADE INFERIOR A 70 ANOS NA DATA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. INSTALAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE ESTAÇÃO DE RADIODIFUSÃO SONORA. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. OFENSA AO ART. 619 DO CPP NÃO CONFIGURADA. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 4. Julgados recentes do Supremo Tribunal Federal entendem que a atividade de telecomunicações desenvolvida de forma habitual e clandestina tipifica o delito previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997, e não aquele previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/1962. 5. Agravo regimental improvido.

(AGARESP 201501678481, SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:03/05/2016)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997 PARA O ART. 70 DA LEI N. 4.117/1962. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE QUE EXPLORAVA ATIVIDADE DE RADIODIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO. UTILIZAÇÃO CLANDESTINA. TIPIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O art. 183 da Lei n. 9.472/97 não revogou o art. 70 da Lei n. 4.117/62, haja vista a distinção dos tipos penais. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a prática habitual de atividade de telecomunicação sem a prévia autorização do órgão público competente subsume-se ao tipo descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97, enquanto a conduta daquele que, previamente autorizado, exerce atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e regulamentares encontra enquadramento típico-normativo no art. 70 da Lei n. 4.117/62. 2. No caso, correto o acórdão proferido pelo Tribunal de origem que, verificando a conduta do agente em explorar e exercer, de forma habitual, os serviços de telecomunicação de radiodifusão sem a autorização do órgão competente, o condena pelo crime descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AGRESP 201300943890, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/11/2013) (grifo nosso)

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. (1) NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 70 DA LEI 4.117/62. RÁDIO COMUNITÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO OU UTILIZAÇÃO CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI 9.472/97. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. (2) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTE DO PRETÓRIO EXCELSO. APLICABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO. 1. Encontra-se vigente o artigo 70 da Lei 4.117/62, contudo o fato narrado na inicial, responsabilidade pelo funcionamento clandestino de uma emissora, denominada rádio Comunitária Fortes, não se subsume a este primeiro artigo, mas sim ao artigo 183 da Lei 9.472/97, haja vista a clandestinidade e a habitualidade da conduta. 2. Não há falar em incidência do princípio da insignificância, tendo em vista a ausência de demonstração de ínfima lesão ao bem jurídico, não se aplicando precedente o Pretório Excelso que contemplo hipótese flagrantemente distinta. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1113795/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 02/08/2012, DJe 13/08/2012).

Tratando-se de emendatio libelli, pode-se proceder a ela em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, cito precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal:

PROCESSO PENAL - HABEAS CORPUS - EMENDATIO LIBELLI - POSSIBILIDADE NA SEGUNDA INSTÂNCIA, DESDE QUE OBEDECIDO O LIMITE IMPOSTO NO ARTIGO 617 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, EM SE TRATANDO DE RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA - NOVA CAPITULAÇÃO QUE PARTIU DE PENA MÍNIMA CONSISTENTE EM QUANTITATIVO NO DOBRO DA PENA MÍNIMA ANTERIOR - IMPOSSIBILIDADE - PENA FINAL QUE RESULTOU NO DOBRO DA PENA DEVIDA - ORDEM CONCEDIDA PARA ANULAR A EMENDATIO LIBELLI E REESTRUTAR A PENA IMPOSTA. É possível, por ocasião da sentença, dar aos fatos narrados na denúncia nova capitulação, mesmo que esta venha a resultar em pena mais grave, pois a defesa é feita quanto aos fatos, logo, não ocorre quebra do princípio da correlação entre a acusação e a sentença. É possível ao Tribunal efetuar a emendatio libelli, mas o legislador lhe impôs, em caso de recurso exclusivo da defesa, uma limitação: a pena não pode ser agravada. Se feita a emendatio libelli em segunda instância, a pena mínima do novo crime é o dobro daquela prevista na capitulação contida na sentença e se o acórdão modifica o entendimento quanto à análise das circunstâncias judiciais, considerando-as totalmente favoráveis ao réu, fixando-lhe pena mínima, impossível efetuar-se a emendatio, pois resultará em pena maior que a devida em face do novo entendimento sobre tais circunstâncias. Ordem concedida para restabelecer a capitulação feita na sentença e reestruturar a pena conforme a análise das circunstâncias judiciais feita pelo Tribunal a quo.

(HC 200802323085, JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:02/03/2009 ..DTPB:.)

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. ART. 383 DO CPP. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. I - O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e não da capitulação jurídica dada na denúncia. II - Assim sendo, a adequação típica pode ser alterada tanto pela sentença quanto em segundo grau, via emendatio libelli. III - Mesmo havendo recurso exclusivo da defesa, não causa prejuízos ao réu o fato de o Tribunal adequar a capitulação para o delito de roubo majorado tentado, tendo o réu sido condenado em primeira instância por roubo majorado consumado. Recurso provido.

(RESP 200702533828, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/10/2008 ..DTPB:.)

APELAÇÕES CRIMINAIS. PRELIMINAR REJEITADA. RÉUS CONDENADOS PELA PRÁTICA DOS CRIMES DEFINIDOS NOS ARTIGOS 20 E 5º, CAPUT, DA LEI 7.492/86. APLICAÇÃO DA EMENDATIO LIBELLI PELO TRIBUNAL. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. POSSIBILIDADE. ARTIGO 617 DO CPP. SUBTRAÇÃO DE VALORES PELO GERENTE DA CEF, UTILIZANDO-SE DE SENHA FUNCIONAL. PECULATO-FURTO. ARTIGO 312, §1º, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DO VALOR DO DIA MULTA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. REDUÇÃO, DE OFÍCIO, DA QUANTIDADE DE DIAS MULTA. CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. A denúncia imputou aos réus a prática do crime previsto no artigo 312, §1º, c.c. artigo 327, §1º, em concurso material. Pela sentença proferida, os acusados foram condenados pelo cometimento dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional previstos nos artigos 5º, caput, e 20, caput, da Lei 7.492/86. As diligências requeridas na fase do artigo 402 do Código de Processo Penal precisam se originar de circunstâncias ou fatos apurados durante a instrução, caso contrário, devem ser pleiteadas em sede de resposta à acusação. Cabe ao magistrado decidir sobre a necessidade da produção da prova, devendo indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias, que somente venham a retardar a prestação da tutela jurisdicional, de acordo com a regra do artigo 400, §1º, do Código de Processo Penal. a conduta descrita na denúncia não se subsume ao delito previsto no artigo 5º da Lei 7.482/86, tampouco ao peculato tipificado no artigo 312, caput, do Código Penal. Explico. O acusado, aproveitando-se da vantagem que a função de gerente lhe proporcionava, mais especificamente, no tocante à senha funcional, subtraiu em proveito próprio e alheio os valores pertencentes aos clientes da instituição financeira. Evidente que no caso versado nos autos, o réu não detinha a posse dos valores depositados nas contas bancárias dos clientes, pressuposto dos delitos descritos no artigo 5º da Lei 7.492/86 e 312, caput, do Código Penal. Por outro lado, a conduta perpetrada enquadra-se no crime de peculato-furto, previsto no artigo 312, §1º, do Código Penal, haja vista que para configuração dessa infração não é necessário que o agente detenha a posse do dinheiro, valor ou outro bem móvel em razão do cargo que ocupa, exigindo-se apenas que a sua qualidade de funcionário público facilite a prática da subtração, como se verifica nos autos. Por conseguinte, revela-se necessária a aplicação por este E. Tribunal do instituto da emendatio libelli, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, tendo em vista que o fato típico praticado pelos acusados e descrito na denúncia deve ser enquadrado em sua correta definição jurídica. Nos termos do artigo 617 do Código de Processo Penal, o Tribunal não poderá agravar a pena, em sede de recurso interposto exclusivamente pelo réu. No entanto, não haverá óbice à aplicação da emendatio libelli caso a pena imposta ao apelante, em grau de recurso, não supere o quantum estabelecido pelo Juízo de origem, ainda que os fatos se subsumam a um crime mais gravoso. Ficou comprovado que Rosiane e Valter Filho firmaram contrato de mútuo com a Caixa Econômica Federal, destinado à aquisição de material de construção, e, em concurso com Valter Vieira, aplicaram os recursos em finalidades diversas, configurando, assim, o delito previsto no artigo 20 da Lei 7.492/86. Comprovou-se, ainda, que Valter Vieira, valendo-se da função de gerente da agência da Caixa Econômica Federal em Palmital/SP, mais especificamente do uso da senha de acesso funcional, subtraiu o montante de R$1.216,61, consistentes em valores residuais existentes em contas bancárias de clientes da CEF, creditando-os em favor dos corréus, e, em seguida, transferindo-os, parcialmente, para sua própria conta corrente. Restou caracterizado, portanto, o crime de peculato-furto, previsto no artigo 312, §1º, do Código Penal. A fixação da quantidade de dias multa submete-se ao sistema trifásico de dosimetria da pena, razão pela qual foram reduzidas, de ofício, as penas pecuniárias impostas aos recorrentes. À mingua de elementos concretos acerca da situação financeira dos acusados, acolho o pleito defensivo para reduzir o valor do dia multa para o equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos. Considerando a situação financeira dos réus e o objetivo de promover a reparação do dano causado pelo delito, dou provimento ao pedido de redução da prestação pecuniária, prevista no artigo 45, §1º do Código Penal, que, de ofício, destino à União Federal. Concedido aos réus os benefícios da Justiça Gratuita, nos termos da Lei nº 1.060/50, diante do pedido formulado na apelação, ausentes provas de sua negativa, restando consignado, no entanto, que a assistência judiciária ora deferida não abrange a pena pecuniária, "ex vi" do artigo 3º da referida Lei. Apelos parcialmente providos.

(ACR 00010062220114036116, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/04/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (grifo nosso)

Postos os fundamentos acima, e de ofício, procedo à emendatio libelli no que tange à conduta dos apelados Marcelo e Jeferson de se utilizarem de rádio transceptor sem qualquer autorização da autoridade competente, recapitulando-a para o artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97, adotando, todavia, como limite máximo de pena aplicável aquele previsto para o crime do artigo 70 da Lei nº 4.117/62.

2. Da materialidade

A materialidade foi demonstrada pelo Termo de Apreensão (fl. 47) e Laudo Pericial em Equipamentos Eletroeletrônicos (fls. 180/186 e 187/203).

Os laudos periciais esclareceram que os rádios instalados nos caminhões ocupados pelos réus estavam configurados para operar na frequência de 165,387500 MHz, com potências de 56W (Marcelo) e 74W (Jeferson), sendo que a faixa dessas frequências abrange diversos serviços, tornando segura a materialidade delitiva.

3. Da autoria

Verifica-se que a autoria delitiva restou comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas amealhadas em juízo.

Compulsando os autos, indubitável que no caminhão conduzido por Marcelo havia o rádio transceptor da marca YAESU, modelo FT-2900R, número de série OJ144162, configurado para operar na frequência de 165,387500 MHz, com potência de 56W; à medida que no caminhão dirigido por Jeferson havia o rádio transceptor da marca YAESU, modelo FT-2900R, número de série 2K563216, configurado para operar na frequência de 165,387500 MHz, com potência de 74W.

Ao ser interrogado nas fases inquisitiva e judicial, o réu Marcelo alegou desconhecer a existência do rádio comunicador (fls. 8/9 e mídia de fl. 286).

O apelado Jeferson, por sua vez, confessou o uso do rádio ao ser ouvido na fase policial (fls. 10/11), retificando sua versão em juízo (mídia de fl. 286).

As testemunhas policiais localizaram com facilidade os rádios transceptores nos caminhões e afirmaram que estavam sintonizados na mesma frequência (fls. 2/6 e mídia de fl. 286).

Embora tenham os réus negado o uso dos rádios, os laudos periciais enfatizaram que (fls. 185 e 192):

"durante os exames o Transceptor entrou em funcionamento imediatamente após energizado, sem que qualquer botão de comando fosse pressionado. Infere-se disto que o equipamento se encontrava em uso anteriormente." (grifo nosso)

Tais assertivas indicam a ciência dos réus acerca da instalação dos aparelhos nos caminhões e até a sua potencial utilização.

Saliente-se ser corriqueiro o emprego de rádio comunicador para a perpetração do crime de contrabando, em especial para emitir alertas sobre eventuais fiscalizações policiais, a fim de assegurar o sucesso da empreitada criminosa, o que somente corrobora a prática do delito em tela.

Logo, devem ser mantidas as condenações dos réus Marcelo e Jeferson.

III- DO CRIME DO ARTIGO 180 DO CÓDIGO PENAL

Requer o órgão ministerial a reforma da sentença, condenando-se os réus Marcelo e Jeferson pela prática do crime do artigo 180, caput, do Código Penal.

1. Da materialidade

A materialidade foi demonstrada pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 12/14), Laudo Documentoscópico (fls. 149/160) e Laudo Pericial em Veículos (fls. 174/179 e 196/201).

Os documentos colacionados indicam que o caminhão que estava na posse do réu Marcelo era produto de roubo e, de acordo com o referido laudo (fls. 174/179), havia adulteração no NIV (Número de Identificação de Veículo), bem como no número do motor; ao passo que o caminhão ocupado por Jeferson era produto de furto e também apresentava adulterações no NIV (Número de Identificação de Veículo) e no número do motor (fls. 196/201).

2. Da autoria

Embora certificada a materialidade delitiva, não há provas suficientes da autoria.

Os réus frisaram ter recebido os caminhões já carregados com os cigarros de procedência estrangeira, desconhecendo que fossem objeto de crime (fls. 8/11 e mídia de fl. 286).

Os policiais rodoviários federais afirmaram ter constatado as irregularidades nos veículos somente após minuciosa checagem, incluindo consulta aos sistemas oficiais (fls. 2/6 e mídia de fl. 286).

Ademais, inexistem relatos de que as testemunhas indagaram os réus acerca da origem dos caminhões, corroborando a teste de que as irregularidades apontadas não eram prontamente visíveis.

Os réus sustentaram, consoante mencionado, terem sido contratados para efetuar o transporte dos cigarros contrabandeados, nada sabendo acerca da origem dos caminhões.

Além do respectivo CRLV conter dados aparentemente verdadeiros - tanto que sequer os agentes policiais constataram irregularidades de imediato - a versão ofertada pelos apelados merece credibilidade, já que os elementos probatórios deveras atestam que foram contratados apenas para transportar a mercadoria apreendida.

O mero fato de terem os réus recebido os veículos repletos de cigarros de procedência estrangeira e conduzi-los para a efetiva prática do contrabando, com o CRLV em nome de terceiro, não permite imputar-lhes a certeza sobre a origem ilícita dos bens.

O conjunto probatório amealhado aponta que a contratação remunerada dos réus, como já destacado, restringia-se ao transporte dos cigarros, inexistindo indícios firmes de suas participações no proveito do crime de receptação, visto que os veículos serviram, no presente caso, apenas como instrumento para a perpetração do contrabando.

Logo, o dolo não está eximido de dúvida, pois não há prova segura que os réus sabiam, ou deveriam saber, que os caminhões possuíam origem ilícita.

Nesse diapasão, o entendimento deste E. Tribunal:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO. ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO.
1. A insuficiência de provas sobre o elemento subjetivo do tipo imputado exige a absolvição do acusado.
2. Recurso de defesa provido, para absolver o réu com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 63923 - 0001579-88.2013.4.03.6181, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, julgado em 25/10/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/11/2017)

Não bastasse, o ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o acusado perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em apreço - especialmente em respeito à presunção de inocência.

Em observância ao princípio in dubio pro reo, imperioso manter a absolvição dos apelados Marcelo e Jeferson, com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, como delineado na r. sentença.

IV- DA DOSIMETRIA

RÉU MARCELO DE OLIVEIRA PASE

Do crime do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal

1ª Fase

Na primeira fase da dosimetria, o juiz sentenciante valorou negativamente as circunstâncias do crime.

Perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu - 351.000 (trezentos e cinquenta e um mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: 1ª Turma, ACR 00020214320084036112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3: 03.02.2016; 11ª Turma, ACR 00032297520114036106, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, e-DJF3: 01.02.2016.

Posto isso, a extraordinária quantidade de cigarros justifica o aumento da pena-base no patamar fixado na sentença, qual seja, 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão.

2ª Fase

Na segunda etapa da dosimetria, presente a agravante do artigo 62, inciso IV, bem como a atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", todos do Código Penal.

Postula, ainda, o órgão ministerial a incidência da agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal.

O réu confirmou ter atuado mediante paga, pois recebeu a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para realizar o transporte dos cigarros de procedência estrangeira.

Com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da referida agravante do artigo 62, inciso IV, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal.

Nesse tocante:

PENAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO INERENTES AO TIPO. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Admite-se a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do CP ao delito do art. 334 do CP, se caracterizada a paga ou promessa de recompensa, por não se tratarem de circunstâncias inerentes ao tipo penal.
2. Quem deixa de recolher os tributos aduaneiros, cometendo o ilícito do descaminho, pode perfeitamente assim o executar, por meio de paga, ato que antecede ao cometimento do crime, ou por meio de recompensa, ato posterior à execução do crime, ou até mesmo desprovido de qualquer desses propósitos (REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014).
3. Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1457834/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016) (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. TRANSPORTE DE CIGARROS. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. ARTIGO 62, IV, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. RECONHECIMENTO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO. POSSIBILIDADE.
1. É cabível a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal a incidir no delito de descaminho, quando caracterizado que o crime ocorreu mediante paga ou promessa de pagamento, por não constituir elementar do tipo previsto no artigo 334 do Código Penal.
2. Inexistindo recurso de apelação perante o Tribunal de origem, a questão estará preclusa para apreciação do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial.
3. Todavia, verificada a flagrante ilegalidade, observadas as peculiaridades do caso, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal" (EREsp n. 1.154.752/RS, 3ª Seção, DJe 4/9/2012 e RESP. n. 1.341.370/MT, julgado pelo rito dos recursos repetitivos, 3ª Seção, DJe 17/4/2013).
4. Recurso especial do Ministério Publico Federal provido para reconhecer a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, e não conhecer do recurso especial interposto por Ilton Mendes Ferraz. Habeas corpus concedido de ofício para, na segunda fase da dosimetria da pena, proceder à compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, tornando a reprimenda definitiva em 1 ano e 6 meses de reclusão.

(REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014) (grifo nosso)

No mesmo sentido, o entendimento deste E. Tribunal Regional Federal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.
1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
2. Não basta a mera alegação de ausência de dolo por desconhecimento da mercadoria transportada para afastar a culpabilidade. É necessário perquirir se as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório coadunam-se de forma consistente com a versão do acusado, o que não ocorre na espécie.
3. Dosimetria da pena. Incidência da agravante do art. 62, IV, do Código Penal, visto que a prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho.
4. Efetuada a compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da paga ou promessa de recompensa, visto que são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime (CP, art. 67).
5. Mantidos o regime inicial aberto de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito, nos moldes fixados na sentença condenatória.
6. Mantida a aplicação do efeito extrapenal da inabilitação para dirigir veículo (CP, art. 92, III) pelo prazo da pena aplicada.
7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 75400 - 0000191-39.2014.4.03.6142, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 19/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO I E V, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE ACIMA DO MINIMO LEGAL. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, CP APLICADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA RECONHECIDA. REGIME INICIAL ABERTO. PRSENTES OS REQUISITOS PARA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RETRITIVA DE DIREITOS. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
[...]
4. Incide a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14).
5. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea.
6. Fixado o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, c do CP.
7. Presentes os requisitos do art. 44 do CP, mister a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
8. Reduzido o valor da prestação pecuniária a par da extensão do dano, dos fins da pena e da condição econômica do réu.
9. Recurso da defesa parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76293 - 0000927-31.2015.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 05/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2018) (grifo nosso)

Por outro lado, inaplicável a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal ("com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão").

A aludida agravante se destina a punir de forma mais rigorosa o agente que viola dever específico de sua profissão, e não mero dever genérico.

Ora, não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelo réu, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos.

Some-se a isso que os cigarros de origem estrangeira apreendidos em poder do apelado compõem a própria tipicidade da conduta examinada, ou seja, mero elemento fático que constitui elementar do próprio tipo de contrabando, configurando bis in idem a majoração da pena nesses moldes.

No que concerne à atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, o réu confessou os fatos em tela, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante.

Nesse diapasão, a Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça:

Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.

Além disso, embora a autoria delitiva possa ser comprovada por outros meios de prova, o fato do réu ter confessado espontaneamente a prática do crime ora narrado autoriza a incidência da atenuante da confissão.

Nesse sentido, já decidiu este E. Tribunal Regional Federal:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. LEI N.º 11.343/2006. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. DELITO NÃO CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE RECORRER EM LIBERDADE. PENA-BASE REVISTA. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO CONFIGURADA. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA.
[...]
10. Na segunda fase da dosimetria, a despeito do requerido pelo Parquet, reputo que os acusados fazem jus à incidência da atenuante da confissão, pois, apesar de já haver prova inequívoca nos autos quanto à materialidade e autoria delitivas, confessaram espontaneamente a autoria dos fatos a si imputados perante o MM. Juízo a quo, o que inclusive foi utilizado para embasar a condenação. Mantenho a atenuante da confissão espontânea, já reconhecida na sentença a quo, à mesma razão de 1/6 (um sexto), resultando a pena em 05 (cinco) anos, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e pagamento de 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa.
[...]

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 66010 - 0006498-44.2015.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 13/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/06/2016)

Ressalto, por fim, que a confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser operada a compensação de ambas.

Assim, neste momento da dosimetria, mantenho a pena no patamar de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão.

3ª Fase

Na terceira etapa da dosimetria não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 3 (três) anos e 9 (nove) meses de reclusão.

Do crime do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97

No que tange ao crime previsto no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97, sua pena mínima é de 2 (dois) anos de detenção e multa.

Por outro lado, a pena mínima do delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/62 é de 1 (um) ano de detenção.

A dosimetria, portanto, deve ser realizada com base na pena prevista para o crime do artigo 70 da Lei nº 4.117/62, já que esta a infração legal pela qual foi condenado, sem qualquer insurgência da acusação.

1ª Fase

Na primeira fase da dosimetria, ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base no mínimo legal, consistente em 1 (um) ano de detenção.

2ª Fase

Na segunda etapa, reputo presente a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "b", do Código Penal.

A utilização dos rádios transceptores consubstanciou assegurar e facilitar a execução do delito fim, já que o emprego desses aparelhos não é intrínseco ao comportamento engendrado, caracterizador do contrabando.

Além disso, pleiteia o órgão ministerial o reconhecimento das agravantes do artigo 61, inciso II, alínea "g" e do artigo 62, inciso IV, do Código Penal.

Inaplicável a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal ("com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão").

A aludida agravante se destina a punir de forma mais rigorosa o agente que viola dever específico de sua profissão, e não mero dever genérico.

Ora, não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelo réu, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos.

E o uso do rádio transceptor se destinava a promover a comunicação do réu com terceiros unicamente para a perpetração do crime de contrabando, infração pela qual foi processado e condenado.

No mesmo sentido, a agravante da paga ou promessa de recompensa não tem incidência, pois o pagamento percebido pelo réu objetivava a perpetração do crime de contrabando, e não a operação de rádio de comunicação.

Assim, neste momento da dosimetria, estabeleço a pena em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção.

3ª Fase

Na terceira etapa da dosimetria, não existem causas de aumento ou de diminuição de pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção.

Do concurso material

Nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe deveriam ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou dois crimes.

Todavia, no caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69.

Assim, inicialmente deveria ser cumprida a pena atribuída ao crime de contrabando e, em seguida, àquela cominada ao delito do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97.

Do regime inicial de cumprimento da pena

Frise-se, entretanto, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados, consoante dispôs a r. sentença.

Preceitua o artigo 111 da Lei de Execução Penal:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - REGIME PRISIONAL - UNIFICAÇÃO DAS PENAS - ART. 111 DA LEP - RÉU CONDENADO ÀS PENAS DE RECLUSÃO E DE DETENÇÃO - SOMATÓRIO DE AMBAS AS REPRIMENDAS PARA FIXAÇÃO DO REGIME - POSSIBILIDADE - WRIT NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. Concorrendo penas de reclusão e detenção, ambas devem ser somadas para efeito de fixação da totalidade do encarceramento, porquanto constituem reprimendas de mesma espécie, ou seja, penas privativas de liberdade. Inteligência do art. 111 da Lei n. 7.210/84.
Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça.
3. Habeas corpus não conhecido.

(HC 389.437/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 22/08/2017) (grifo nosso)

Tendo em vista a pena total de 4 (quatro) anos e 11 (onze) meses, estabeleço o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, com base no disposto no artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

O réu não preenche os requisitos constantes do artigo 44 do Código Penal e, por conseguinte, não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

RÉU JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI

Do crime do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal

1ª Fase

Na primeira fase da dosimetria, o juiz sentenciante valorou negativamente as circunstâncias do crime.

Perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder do réu - 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) maços - constitui fator apto a elevar a pena-base. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: 1ª Turma, ACR 00020214320084036112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, e-DJF3: 03.02.2016; 11ª Turma, ACR 00032297520114036106, Rel. Juiz Convocado Leonel Ferreira, e-DJF3: 01.02.2016.

Posto isso, a extraordinária quantidade de cigarros justifica o aumento da pena-base no patamar fixado na sentença, qual seja, 4 (quatro) anos de reclusão.

2ª Fase

Na segunda etapa da dosimetria, presente a agravante do artigo 62, inciso IV, bem como a atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", todos do Código Penal.

Postula, ainda, o órgão ministerial a incidência da agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal.

O réu confirmou ter atuado mediante paga, pois recebeu a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais) para realizar o transporte dos cigarros de procedência estrangeira.

Com ressalva do meu entendimento pessoal, passo a adotar a orientação do C. Superior Tribunal de Justiça quanto à incidência da referida agravante do artigo 62, inciso IV, no sentido de que não constitui elementar do tipo previsto nos artigos 334 e 334-A do Código Penal.

Nesse tocante:

PENAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. POSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO INERENTES AO TIPO. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Admite-se a incidência da agravante prevista no art. 62, IV, do CP ao delito do art. 334 do CP, se caracterizada a paga ou promessa de recompensa, por não se tratarem de circunstâncias inerentes ao tipo penal.
2. Quem deixa de recolher os tributos aduaneiros, cometendo o ilícito do descaminho, pode perfeitamente assim o executar, por meio de paga, ato que antecede ao cometimento do crime, ou por meio de recompensa, ato posterior à execução do crime, ou até mesmo desprovido de qualquer desses propósitos (REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014).
3. Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1457834/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016) (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. TRANSPORTE DE CIGARROS. PAGA OU PROMESSA DE RECOMPENSA. AGRAVANTE. ARTIGO 62, IV, DO CÓDIGO PENAL. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. RECONHECIMENTO DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO. POSSIBILIDADE.
1. É cabível a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal a incidir no delito de descaminho, quando caracterizado que o crime ocorreu mediante paga ou promessa de pagamento, por não constituir elementar do tipo previsto no artigo 334 do Código Penal.
2. Inexistindo recurso de apelação perante o Tribunal de origem, a questão estará preclusa para apreciação do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial.
3. Todavia, verificada a flagrante ilegalidade, observadas as peculiaridades do caso, "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal" (EREsp n. 1.154.752/RS, 3ª Seção, DJe 4/9/2012 e RESP. n. 1.341.370/MT, julgado pelo rito dos recursos repetitivos, 3ª Seção, DJe 17/4/2013).
4. Recurso especial do Ministério Publico Federal provido para reconhecer a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, e não conhecer do recurso especial interposto por Ilton Mendes Ferraz. Habeas corpus concedido de ofício para, na segunda fase da dosimetria da pena, proceder à compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, tornando a reprimenda definitiva em 1 ano e 6 meses de reclusão.

(REsp 1317004/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 09/10/2014) (grifo nosso)

No mesmo sentido, o entendimento deste E. Tribunal Regional Federal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO.
1. Materialidade, autoria e dolo comprovados.
2. Não basta a mera alegação de ausência de dolo por desconhecimento da mercadoria transportada para afastar a culpabilidade. É necessário perquirir se as circunstâncias fáticas e o conjunto probatório coadunam-se de forma consistente com a versão do acusado, o que não ocorre na espécie.
3. Dosimetria da pena. Incidência da agravante do art. 62, IV, do Código Penal, visto que a prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho.
4. Efetuada a compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da paga ou promessa de recompensa, visto que são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime (CP, art. 67).
5. Mantidos o regime inicial aberto de cumprimento de pena e a substituição da pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direito, nos moldes fixados na sentença condenatória.
6. Mantida a aplicação do efeito extrapenal da inabilitação para dirigir veículo (CP, art. 92, III) pelo prazo da pena aplicada.
7. Apelação da defesa não provida. Apelação da acusação parcialmente provida.

(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 75400 - 0000191-39.2014.4.03.6142, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 19/02/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019) (grifo nosso)

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 334-A, §1º, INCISO I E V, CP. CONTRABANDO. CIGARROS. MATERIALIDADE AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PENA-BASE ACIMA DO MINIMO LEGAL. AGRAVANTE DO ART. 62, IV, CP APLICADA. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTANEA RECONHECIDA. REGIME INICIAL ABERTO. PRSENTES OS REQUISITOS PARA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RETRITIVA DE DIREITOS. REDUÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
[...]
4. Incide a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal para o crime de contrabando, dada a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a paga ou promessa de recompensa não é circunstância inerente ao tipo penal do art. 334-A do Código Penal (STJ, AgInt no REsp n. 1.457.834, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 17.05.16; STJ, REsp n. 1.317.004, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 23.09.14).
5. Reconhecida a atenuante da confissão espontânea.
6. Fixado o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, §2º, c do CP.
7. Presentes os requisitos do art. 44 do CP, mister a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.
8. Reduzido o valor da prestação pecuniária a par da extensão do dano, dos fins da pena e da condição econômica do réu.
9. Recurso da defesa parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76293 - 0000927-31.2015.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 05/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/11/2018) (grifo nosso)

Por outro lado, inaplicável a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal ("com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão").

A aludida agravante se destina a punir de forma mais rigorosa o agente que viola dever específico de sua profissão, e não mero dever genérico.

Ora, não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelo réu, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos.

Some-se a isso que os cigarros de origem estrangeira apreendidos em poder do apelado compõem a própria tipicidade da conduta examinada, ou seja, mero elemento fático que constitui elementar do próprio tipo de contrabando, configurando bis in idem a majoração da pena nesses moldes.

No que concerne à atenuante do artigo 65, inciso III, alínea "d", do Código Penal, o réu confessou os fatos em tela em juízo, sendo a confissão utilizada inclusive para embasar a condenação, o que, por si só, permite a aplicação da aludida atenuante.

Nesse diapasão, a Súmula nº 545 do Superior Tribunal de Justiça:

Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.

Além disso, embora a autoria delitiva possa ser comprovada por outros meios de prova, o fato do réu ter confessado espontaneamente a prática do crime ora narrado autoriza a incidência da atenuante da confissão.

Nesse sentido, já decidiu este E. Tribunal Regional Federal:

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. LEI N.º 11.343/2006. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. DELITO NÃO CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE RECORRER EM LIBERDADE. PENA-BASE REVISTA. APLICAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INAPLICABILIDADE DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.343/06. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO CONFIGURADA. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA.
[...]
10. Na segunda fase da dosimetria, a despeito do requerido pelo Parquet, reputo que os acusados fazem jus à incidência da atenuante da confissão, pois, apesar de já haver prova inequívoca nos autos quanto à materialidade e autoria delitivas, confessaram espontaneamente a autoria dos fatos a si imputados perante o MM. Juízo a quo, o que inclusive foi utilizado para embasar a condenação. Mantenho a atenuante da confissão espontânea, já reconhecida na sentença a quo, à mesma razão de 1/6 (um sexto), resultando a pena em 05 (cinco) anos, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, e pagamento de 555 (quinhentos e cinquenta e cinco) dias-multa.
[...]

(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 66010 - 0006498-44.2015.4.03.6119, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 13/06/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/06/2016)

Ressalto, por fim, que a confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser operada a compensação de ambas.

Assim, neste momento da dosimetria, mantenho a pena no patamar de 4 (quatro) anos de reclusão.

3ª Fase

Na terceira etapa da dosimetria não incidem causas de aumento ou de diminuição da pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 4 (quatro) anos de reclusão.

Do crime do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97

No que tange ao crime previsto no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97, sua pena mínima é de 2 (dois) anos de detenção e multa.

Por outro lado, a pena mínima do delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/62 é de 1 (um) ano de detenção.

A dosimetria, portanto, deve ser realizada com base na pena prevista para o crime do artigo 70 da Lei nº 4.117/62, já que esta a infração legal pela qual foi condenado, sem qualquer insurgência da acusação.

1ª Fase

Na primeira fase da dosimetria, ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena-base no mínimo legal, consistente em 1 (um) ano de detenção.

2ª Fase

Na segunda etapa, reputo presente a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "b", do Código Penal.

A utilização dos rádios transceptores consubstanciou assegurar e facilitar a execução do delito fim, já que o emprego desses aparelhos não é intrínseco ao comportamento engendrado, caracterizador do contrabando.

Além disso, pleiteia o órgão ministerial o reconhecimento das agravantes do artigo 61, inciso II, alínea "g" e do artigo 62, inciso IV, do Código Penal.

Inaplicável a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal ("com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão").

A aludida agravante se destina a punir de forma mais rigorosa o agente que viola dever específico de sua profissão, e não mero dever genérico.

Ora, não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelo réu, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos.

E o uso do rádio transceptor se destinava a promover a comunicação do réu com terceiros unicamente para a perpetração do crime de contrabando, infração pela qual foi processado e condenado.

No mesmo sentido, a agravante da paga ou promessa de recompensa não tem incidência, pois o pagamento percebido pelo réu objetivava a perpetração do crime de contrabando, e não a operação de rádio de comunicação.

Assim, neste momento da dosimetria, estabeleço a pena em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção.

3ª Fase

Na terceira etapa da dosimetria, não existem causas de aumento ou de diminuição de pena.

Dessa forma, fixo a reprimenda definitivamente em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção.

Do concurso material

Nos termos do artigo 69 do Código Penal, as penas impostas ao réu pela prática das infrações penais em epígrafe deveriam ser somadas, pois mediante mais de uma ação praticou dois crimes.

Todavia, no caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69.

Assim, inicialmente deveria ser cumprida a pena atribuída ao crime de contrabando e, em seguida, àquela cominada ao delito do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97.

Do regime inicial de cumprimento da pena

Frise-se, entretanto, que para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados, consoante dispôs a r. sentença.

Preceitua o artigo 111 da Lei de Execução Penal:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO PENAL - HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - REGIME PRISIONAL - UNIFICAÇÃO DAS PENAS - ART. 111 DA LEP - RÉU CONDENADO ÀS PENAS DE RECLUSÃO E DE DETENÇÃO - SOMATÓRIO DE AMBAS AS REPRIMENDAS PARA FIXAÇÃO DO REGIME - POSSIBILIDADE - WRIT NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. Concorrendo penas de reclusão e detenção, ambas devem ser somadas para efeito de fixação da totalidade do encarceramento, porquanto constituem reprimendas de mesma espécie, ou seja, penas privativas de liberdade. Inteligência do art. 111 da Lei n. 7.210/84.
Precedentes do STF e desta Corte Superior de Justiça.
3. Habeas corpus não conhecido.

(HC 389.437/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 22/08/2017) (grifo nosso)

Tendo em vista a pena total de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses, estabeleço o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena, com base no disposto no artigo 33, §2º, alínea "b", do Código Penal.

Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos

O réu não preenche os requisitos constantes do artigo 44 do Código Penal e, por conseguinte, não faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

IV - DA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS

O Ministério Público Federal requer a decretação da pena de inabilitação para dirigir veículo aos réus.

O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação:

Art. 92 - São também efeitos da condenação:
I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo:
a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;
b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.
II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado;
III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso.
Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. (grifo nosso)

Vale observar, inicialmente, que a inabilitação para dirigir veículo prevista no supracitado artigo não se confunde com as penas cominadas aos crimes da Lei nº 9.503/1997.

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece, para alguns dos seus delitos, além da pena privativa de liberdade, a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, classificada como pena acessória e, portanto, um efeito primário da condenação. Ademais, nos moldes do artigo 293 do referido diploma legal, "a penalidade de suspensão ou de proibição de se obter a permissão ou a habilitação, para dirigir veículo automotor, tem a duração de dois meses a cinco anos", e deve ser proporcional à privação de liberdade.

Por outro lado, a inabilitação para conduzir veículo automotor do artigo 92, inciso III, do Código Penal é efeito secundário da condenação, exigindo-se para a sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que os caminhões foram empregados, de forma dolosa, para o transporte de cigarros de procedência estrangeira, de internação proibida no território nacional.

Tal efeito da condenação apresenta-se como uma reprimenda, legalmente prevista, de todo aplicável ao presente caso, a fim de atingir os escopos de repressão e prevenção da pena.

Ainda que a inabilitação para dirigir não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento. O efeito da condenação em questão deve ser aplicado em casos de descaminho, contrabando, bem como de tráfico de drogas, armas, animais ou pessoas, restando o agente inabilitado para conduzir veículo, em especial quando evidenciado que a fruição do direito de dirigir teve importância no "iter criminis" (ACR 50037438020124047010, Márcio Antônio Rocha, TRF4 - Sétima Turma, D.E. 17/09/2014).

Indubitável que no caso em apreço os réus, na condição de motoristas, utilizaram a licença para conduzir veículo concedida pelo Estado para perpetrar o crime de contrabando, transportando significativa quantidade de cigarros de origem estrangeira, tendo plena ciência da ilicitude da conduta.

Cabe ressaltar que diversas outras profissões poderão ser adotadas pelos réus sem que isso, por si, lhes retire meios de prover a própria subsistência e a de eventuais dependentes. O mero fato de serem motoristas profissionais não permite que possam cometer crimes concretamente graves utilizando-se exatamente de veículos como instrumentos, e em seguida se furtar às sanções legais com a alegação de que precisam da habilitação para desenvolver a atividade profissional que escolheram.

Por tais razões, e tendo em vista o comando previsto no artigo 92, inciso III, do Código Penal, aplico a pena de inabilitação para dirigir veículo aos apelados.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao apelo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para aplicar a pena de inabilitação para dirigir veículo aos réus MARCELO DE OLIVEIRA PASE e JEFERSON RODRIGO BARBOSA BERTRANI, nos termos do artigo 92, inciso III, do Código Penal e, de ofício, procedo à emendatio libelli no que tange à conduta dos réus de se utilizarem de rádio transceptor sem qualquer autorização da autoridade competente, recapitulando-a para o artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97; e fixo-lhes, em razão da incidência do concurso material de crimes, o regime inicial semiaberto para fins de cumprimento de pena.

É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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