D.E. Publicado em 26/11/2019 |
|
|
|
|
|
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C. C. O ART. 40, I, DA LEI N. 11.343/06. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06, NA MÍNIMA FRAÇÃO LEGAL. PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
|
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal para exasperar a pena-base em 1/6 (um sexto) e reduzir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 a 1/6 (um sexto), de que resulta o aumento da pena definitiva do réu Gelácio Marcos Tolentino para 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 6 (seis) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, e 518 (quinhentos e dezoito) dias-multa, valor unitário mínimo, sem substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266A748F |
Data e Hora: | 21/11/2019 17:41:43 |
|
|
|
|
|
VOTO CONDUTOR
Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença que condenou o réu Gelácio Marcos Tolentino às penas de 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, e 193 (cento e noventa e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos, por prática do crime previsto no art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, sem substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (fls. 172/175).
O Ministério Público Federal apela para que:
O réu apresentou contrarrazões (fls. 197/205).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento do apelo, para que a pena-base seja exasperada, seja reduzida a 1/12 (um doze avos) a incidência da atenuante de pena pela confissão e seja reduzida a 1/6 (um sexto) a fração de incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.
A Eminente Relatora, Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras, deu parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, somente para exasperar a pena-base e diminuir a fração de diminuição da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, resultando na pena definitiva de 3 (três) anos, 11 (onze) meses e 2 (dois) dias de reclusão, regime inicial aberto, e 392 (trezentos e noventa e dois) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública e prestação pecuniária de 1 (um) salário mínimo em favor de entidade pública ou privada com destinação social.
Com a devida vênia, divirjo da Relatora no que diz respeito à exasperação da pena-base e à fração de incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, e, por consequência, quanto ao regime prisional inicial e o cabimento de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
Passo à análise da dosimetria.
A pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 550 (quinhentos e cinquenta) dias-multa, haja vista a quantidade e a nocividade da droga apreendida, consistente em 3.198g (três mil, cento e noventa e oito gramas) de cocaína.
Na segunda fase, a pena foi reduzida em 6 (seis) meses, em razão da atenuante de pena pela confissão, voltando ao mínimo de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase, incidiu a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, na fração máxima de 2/3 (dois terços), reduzindo a pena para 1 (um ano) e 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.
Em seguida, foi aplicada a causa de aumento pela continuidade delitiva, na fração de 1/6 (um sexto), majorando a pena para 1 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 193 (cento e noventa e três) dias-multa.
O valor unitário do dia-multa foi fixado no mínimo legal, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.
Foi fixado o regime inicial semiaberto.
A pena privativa de liberdade não foi substituída por penas restritivas de direitos.
O Ministério Público Federal apela para que a pena-base seja exasperada e sejam excluídas a atenuante da confissão e a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.
Assiste-lhe razão, em parte.
Revejo a dosimetria.
A natureza e a quantidade da droga são elementos importantes para aferir a quantidade da pena inicial a ser aplicada ao crime de tráfico, conforme expressa previsão legal no art. 42 da Lei n. 11.343/06.
No caso dos autos, trata-se de apreensão de 3.198g (três mil, cento e noventa e oito gramas) de cocaína, droga de significativa nocividade e em expressiva quantidade, de modo que cabe exasperar a pena-base a fim de fixá-la 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal, em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Na segunda fase, não cabe excluir a atenuante de pena pela confissão, dado que o réu, embora afirme que desconhecia o conteúdo ilícito da mala no início do transporte, admitiu que, no curso da viagem (quando estava em Rio Branco), se deu conta de que transportava drogas, mas ainda assim prosseguiu com a viagem, temendo represálias do contratante.
Incide, portanto, a atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal. Mantidos os critérios da sentença, subtraídos 6 (seis) meses da condenação, a pena intermediária passa a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 533 (quinhentos e trinta e três) dias-multa.
Na terceira fase, não cabe excluir a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, pois o réu é primário, não possui maus antecedentes e não há prova bastante de que se dedicava a atividades criminosas ou integrava organização criminosa.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o conhecimento pelo agente de estar a serviço do crime organizado para o tráfico transnacional de entorpecentes constitui fundamento concreto e idôneo a ser valorado para fins de estabelecimento da incidência da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no mínimo legal, ante a gravidade da conduta perpetrada (STJ, HC n. 387.077, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 06.04.17)
No caso dos autos, o réu admitiu que recebera a proposta de transportar a mala mediante pagamento de US$ 1.000,00 (mil dólares norte-americanos), além de US$ 400,00 (quatrocentos dólares norte-americanos) para as despesas, e afirmou sentir receio de abandonar a ação criminosa porque sabia que estava sendo seguido. Dadas essas circunstâncias, ainda que o réu não integrasse organização criminosa, estava consciente de que contribuía com uma, de modo que o benefício há de incidir na fração mínima de 1/6 (um sexto), reduzindo a pena para 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 444 (quatrocentos e quarenta e quatro) dias-multa.
Mantida a causa de aumento pela transnacionalidade do delito (Lei n. 11.343/06, art. 40, I), a pena é majorada para 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 6 (seis) dias de reclusão e 518 (quinhentos e dezoito) dias-multa, resultado definitivo.
Segue mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal, 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato
Considerando a quantidade de pena aplicada, resta mantido o regime inicial semiaberto, conforme o art. 33, § 2º, b, do Código Penal.
O réu foi preso em flagrante em 08.01.19 e a sentença foi registrada em 04.07.19. O tempo de prisão provisória até a data da sentença perdurou menos de 6 (seis) meses, de forma que a detração não rende ensejo à fixação regime prisional inicial mais benéfico.
Considerando a quantidade de pena aplicada, que excede a 4 (quatro) anos de prisão, não cabe substituir a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (CP, art. 44, I).
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta pelo Ministério Público Federal para exasperar a pena-base em 1/6 (um sexto) e reduzir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 a 1/6 (um sexto), de que resulta o aumento da pena definitiva do réu Gelácio Marcos Tolentino para 5 (cinco) anos, 2 (dois) meses e 6 (seis) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, e 518 (quinhentos e dezoito) dias-multa, valor unitário mínimo, sem substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos (divirjo da Relatora).
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21704266A748F |
Data e Hora: | 18/11/2019 14:57:19 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra a sentença (fls. 172/175) prolatada pelo Juízo Federal da 3ª Vara de Presidente Prudente/SP, que julgou procedente a ação penal para condenar GELÁCIO MARCOS TOLENTINO à pena de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 193 (cento e noventa e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente quando dos fatos, como incurso nas penas previstas nos artigos 33, caput c/c 40, I, da Lei nº 11.343/2006, vedada a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
O Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação, em que pugna (fls. 185/191):
a) a majoração da pena-base, fixando -se -a em, no mínimo, 10 (dez) anos de reclusão, uma vez que houve dissimulação no transporte do entorpecente, que se encontra oculto em "fundo falso" existente na mala de viagem do acusado, bem como que o acréscimo derivado da quantidade e natureza do entorpecente se afigura insuficiente para a reprovabilidade da conduta;
b) seja afastada a aplicação da circunstância atenuante da confissão espontânea (artigo 65, III, "c", do Código Penal); e
c) seja afastada a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06.
Contrarrazões às fls. 197/205.
Em parecer, o Exmo. Procurador Regional da República manifestou-se pelo parcial provimento do apelo ministerial tão somente para que seja: a) majorada a pena-base; b) reduzida a fração correspondente à circunstância atenuante da confissão espontânea para 1/12 ( um doze avos) e c) diminuída a proporção do redutor do artigo 33,§4º, da Lei nº 11.343/06 para 1/6 (um sexto).
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067 |
Nº de Série do Certificado: | 11A2170419468351 |
Data e Hora: | 17/09/2019 15:24:24 |
|
|
|
|
|
VOTO
Do caso dos autos. GELACIO MARCOS TOLENTINO foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 33, caput c/c o artigo 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006.
Narra a denúncia (fls.55/56) o quanto segue:
Após regular instrução, sobreveio sentença (fls. 172/175) publicada em 1º.07.2019 (fl.176).
Do recurso. O apelo ministerial é parcial e cinge-se à dosimetria da pena, objetivando: a) a majoração da pena-base, fixando- se- a em, no mínimo, 10 (dez) anos de reclusão, uma vez que houve dissimulação no transporte do entorpecente, que se encontra oculto em "fundo falso" existente na mala de viagem do acusado, bem como que o acréscimo derivado da quantidade e natureza do entorpecente se afigura insuficiente para a reprovabilidade da conduta; b) seja afastada a aplicação da circunstância atenuante da confissão espontânea ( artigo 65, III, "c", do Código Penal); e c) seja afastada a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33,§4º, da Lei nº 11.343/06.
1ª fase
Na primeira fase da dosimetria, a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em razão da grande quantidade e da natureza nociva da substância entorpecente apreendida (3.198 de massa líquida de cocaína), nos moldes do artigo 42 da Lei nº 11.343/06.
Neste ponto, razão assiste ao apelante ao alegar que o "quantum" de aumento da pena-base foi incompatível com a quantidade e qualidade da droga apreendida e com o "modus operandi".
No tocante à fixação da pena-base da pena privativa de liberdade, de acordo com o novo sistema repressivo do tráfico ilícito de entorpecentes, instaurado pela Lei 11.343/06, é preciso levar em conta como circunstâncias preponderantes sobre aquelas do artigo 59, a natureza e a quantidade da droga, conforme o determinado pelo artigo 42 daquela lei.
A cocaína é droga que possui alto potencial lesivo, e grande poder de causar dependência física. Seus efeitos deletérios são devastadores do organismo humano e inclusive capazes de levar o consumidor ao óbito. A pena base deve ser aumentada neste caso, atentando-se ao disposto na lei, eis que o tráfico dessa substância entorpecente deve sofrer maior reprimenda que o de outras drogas de lesividade inferior à saúde.
Em função do princípio da isonomia, estabeleci critério de graduação de aumento pela quantidade da droga, procurando assim, aplicar a mesma elevação a situações semelhantes e permitir com segurança discriminar as situações diferentes na medida de suas desigualdades.
A partir de 500g (quinhentos gramas), quantidade já significativa para o tráfico de qualquer droga, aumento a pena em 1/12 (um doze avos) até 1 (um) quilo transportado, e a partir daí aumento mais 1/12 (um doze avos) a cada excedente de um quilo.
No caso concreto, verifico que a ré transportava 3.198g de cocaína, quantidade que dá ensejo ao aumento da pena-base além do parâmetro utilizado em razão da natureza da droga.
Quanto às demais circunstâncias judiciais, aquelas previstas no artigo 59, não verifico se afaste a conduta do ordinariamente observado nesses casos de remessa postal, razão pela qual não entendo ensejarem o aumento da pena-base, sob pena de incorrermos em bis in idem quanto às circunstâncias já consideradas pelo legislador ao descrever a conduta típica.
Parcial razão assiste à acusação. Resulta o aumento da pena-base aplicado em 3/12, o qual a eleva a 6 anos, 3 meses de reclusão e 625 dias-multa.
2ª fase
Na segunda fase, resta mantida a diminuição da pena em 06 (seis) meses (à mingua de recurso da defesa), em virtude da incidência da atenuante da confissão espontânea, na dicção da Súmula 545 do STJ (" quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art.65, inc. III, d, do Código Penal"), resultando na pena de 05 (cinco) anos e 9 (nove) meses de reclusão, e pagamento de 576 dias-multa.
3ª fase
Prosseguindo no recálculo da pena, mantida a incidência da causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei nº 11.343/2006, que o juízo a quo corretamente aplicou em 1/6, de forma a resultar, a pena de 06 (seis) anos, 8 (oito) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e pagamento de 672 (seiscentos e setenta e dois) dias-multa.
Ainda na terceira fase, a causa de diminuição de pena do art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006 foi aplicada em 2/3 (dois terços).
O Ministério Público Federal insurgiu-se, requerendo o afastamento da minorante referida, ao argumento de que existem elementos que demonstram que o acusdo integra organização criminosa.
Da aplicação da causa de diminuição do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas)
Ao tratar da causa de diminuição do § 4º do art. 33, o legislador estabeleceu tão somente a possibilidade de graduação entre o mínimo de 1/6 (um sexto) e o máximo de 2/3 (dois terços) de diminuição, verbis:
Fixou requisitos cumulativos que, se preenchidos, dão direito à diminuição, naqueles termos.
No presente caso, não há qualquer prova de envolvimento da acusada com organização criminosa. No caso daquele que procede ao transporte da droga em placas presas com esparadrapo nas coxas, equiparável à "mula" do tráfico, observa-se o transporte ocasional, sem vínculo com a organização. Considerar a acusada neste processo como membro de organização criminosa, pelo fato de estar encaminhando o entorpecente e pela presunção de que a droga pertence à organização criminosa - e que, portanto, dela é colaborador - é por um lado, estender demasiado o conceito de organização criminosa, que para a caracterização depende de ficar demonstrada a existência de uma estrutura estável, com definição de funções e hierarquia de outro, aumentar a pena sem provas dos necessários pressupostos. Tais indivíduos são, no mais das vezes, peças descartáveis na engrenagem do tráfico, substituídas rapidamente, inclusive para não gerar suspeitas. Assim, carece esse tipo de associação do requisito estabilidade, para caracterizar-se como organização para o crime. Assim, a causa de diminuição é adequada aos casos de envio ocasional de droga por via postal, desde que indivíduos sem registros de antecedentes, aliciados para o transporte ocasional da droga, os quais diferem do traficante membro de organização criminosa, que faz do crime seu meio de vida.
Não é dado presumir-se em desfavor do direito de liberdade, destarte, entendo deva ficar provado, ainda que por um conjunto indiciário, que a ré pertencia, integrava um grupo voltado para a prática de crimes, com um mínimo de estabilidade, para negar-se a diminuição, o que implica dizer que o julgador deve poder concluir da prova dos autos que houve ação prévia junto ao grupo, não sendo possível presumi-lo do fato isolado do transporte aqui julgado, ainda que isso viesse a trazer um benefício a suposto grupo organizado.
Devida a diminuição, passo ao problema de sua graduação.
Segundo o critério trifásico de aplicação da pena, encampado pelo Código Penal Brasileiro em seu art. 68, verbis:
A quantidade da droga, por sua vez, é critério aferível no momento de se avaliar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, dizendo a lei textualmente que:
Refere-se, portanto, claramente às circunstâncias do art. 59, indicando ao intérprete, quais as de maior dentre aquelas ali previstas, portanto, nos termos do art. 68 do Código Penal - dentre aquelas aplicáveis na dosagem da pena base.
O art. 59 do Código Penal diz, por sua vez que:
Portanto, dosar a diminuição entre mínimo e máximo levando em consideração quaisquer das circunstâncias judiciais seria evidente bis in idem. Diminuir menos é agravar, tanto assim é que é preciso fundamentar, motivar explicar porque não se defere a diminuição máxima prevista na lei. Se o agente não tiver nada de negativo que possa ser considerado nessa fase, faria jus à máxima diminuição.
Neste sentido já concluiu a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
O problema de difícil solução está em que o § 4º do art. 33 da Lei de drogas traz possibilidade de agravamento incerto, a critério do julgador não traça nenhum critério para a graduação da benesse e ainda que o juiz pudesse criar meios de graduação ao dosá-la utilizando-se das circunstâncias do crime, motivos, quantidade e qualidade da droga, conduta social, internacionalidade, ou outras, já previstas em lei, a decisão incidiria em bis in idem vedado.
Não é possível negar a diminuição da lei a quem faz jus, mas também não é possível aplicar o parágrafo como está, sem incidir em bis in idem.
Ora nesse cenário, desde que devida a redução, só seria cabível no patamar máximo de 2/3 (dois terços), pois a única consentânea com o princípio da reserva legal e presunção de inocência, que indicam que na dúvida, no impasse, a solução deve ser em favor do direito de liberdade. Esse foi o meu posicionamento por algum tempo.
Porém, essa solução também deixa a desejar, pois na prática, acaba por provocar um excesso em favor do réu que aniquila o intuito punitivo da norma, e leva a pena aplicável a um resultado incompatível com a gravidade da conduta, que é tida por hedionda pela Constituição Federal, reduzindo a pena a patamares equivalentes ao de crimes de menor potencial ofensivo, o que é incompatível com o mandado de criminalização do inciso XLIII da Constituição Federal dirigido ao tráfico de drogas.
Na verdade, o Estado é titular do direito de punir, limitado pela lei, porém esse direito se traduz também num dever, o dever de punir as condutas contrárias à ordem vigente. Não se olvida que o Estado Brasileiro se propôs a punir efetivamente o tráfico de drogas, já que consta da lei maior que "XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.". Portanto, é dever do legislador estabelecer punições mais graves para o tráfico e para outros crimes reputados hediondos, que para os demais.
A aplicação de 2/3 (dois terços) da diminuição faz resultar evidente desproporcionalidade da pena, e obriga o juiz a praticar excesso em favor do réu, ao solapar, por exemplo, uma grave pena de 6 (seis) anos de reclusão a apenas 2 (dois), muitas vezes, pena inferior à que resulta de muitos crimes de gravidade infinitamente menor que o tráfico, inclusive os de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a dois anos) ou na hipótese de pena-base mínima (5 anos), a 1 ano e 8 meses, na hipótese de pena base mínima com aumento de 1/6 pela internacionalidade do tráfico, 1 ano, 11 meses e 10 dias.
O legislador quis privilegiar a primariedade, em senso lato, sem dúvida. Porém, não lhe cabe fazê-lo a ponto de violar o princípio da proporcionalidade das penas de modo tão flagrante, em face do que dispõe expressamente a Constituição Federal.
Reconheço que desconsiderar a gravidade da conduta preconizada pela Constituição Federal, já fixada com a pena-base e nas fases seguintes da dosimetria em nome da primariedade, minimizando a punição pela redução de 2/3 (dois terços) é de fato praticar o excesso, em favor do réu, o que a lei não poderia fazer, nem pretendeu fazer, pois fixou um redutor variável.
Portanto, a interpretação conforme a Constituição, ao princípio da isonomia que norteia o sistema e aos demais princípios de direito penal, como a individualização da pena e reserva legal, deve afastar também o excesso em favor do réu, privilegiando o princípio da proporcionalidade razoável na aplicação da pena, que decorre da equidade e proibição do excesso, que norteia o legislador e o juiz, seja em favor da sociedade, seja em favor do réu.
Na verdade, a falta de técnica do legislador, ao prever diminuição em patamar elástico e sem critérios para o seu estabelecimento, não deve levar o julgador a resultado evidentemente desproporcional em face da conduta já dosada nas fases anteriores e do sistema repressivo como um todo.
Portanto, uma interpretação conforme a Constituição Federal desse inquietante §4º da Lei nº 11.343/06 deve afastar a impossível graduação, evitando-se o bis in idem, e por isso estipular o redutor em patamar fixo, sempre que presentes os requisitos cumulativos da causa de diminuição, sob pena de negar-se vigência ao dispositivo, que não é de ser declarado inconstitucional por esse defeito, mas interpretado conforme os princípios constitucionais.
O patamar, pelo exposto, não deve ser o máximo. Entendo que, para atender, dentro da medida do possível a mens legis, procurando situar o julgamento mais proximamente à vontade do legislador (punir o tráfico adequadamente), sem incidir em bis in idem, nem em excesso permissivo, a diminuição, quando devida, deve ser aplicada em patamar fixo.
De forma a atender os interesses em conflito, essa interpretação conforme deve seguir critério de isonomia e equidade. O patamar que melhor atende a esses critérios é o médio, correspondente à média do intervalo pela lei estabelecido, que vem a ser "5/12" (cinco doze avos), fração média entre as de 1/6 e 2/3, fixadas pelo legislador.
Concluo que, aplicada a diminuição em 5/12 (cinco doze avos), a pena privativa de liberdade resta definitivamente fixada em 3 (três) anos, 11 (onze) meses e 2 (dois) dias de reclusão e 392 (trezentos e noventa e dois) dias-multa.
Note-se que aqui não se trata de criar reprimenda onde não existe lei para punir, com base no excesso em favor do direito de liberdade, não se trata de legislar, criar preceito, mas adequar uma reprimenda existente a limites proporcionais.
Nem muito menos se está violando o princípio da individualização da pena, ao se estabelecer patamar fixo para a diminuição, pois o princípio estará sendo cumprido pela aferição de ditas circunstâncias de fato nas etapas anteriores, aliás, esse é justamente o problema do parágrafo 4º do artigo 33 da atual lei de drogas, não resta nada para aferir nessa etapa derradeira que já não deva ter sido avaliado antes.
Não se olvida, outrossim, que o plenário do Supremo Tribunal federal decidiu em 19/02/2013 por autorizar ao juiz a escolha sobre em qual fase apreciará as circunstâncias quantidade ou qualidade da droga, se na pena-base ou no momento de aquilatar a causa de diminuição, de modo a viabilizar a aplicação desse importante, mas defeituoso preceito:
O magistrado sentenciante, de acordo com seu poder de discricionariedade, deve definir em que momento da dosimetria da pena a circunstância referente à quantidade e à natureza da droga há de ser utilizada, vedada a forma cumulativa sob pena de ocorrência de bis in idem. (Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 120.604/PR. Julgamento: 19/02/2013.)
Porém, por acreditar que a dosimetria da pena é atividade vinculada e não discricionária, no sentido de estar limitada pelos termos legais, e que o espaço de discricionariedade que contém a lei penal não vai além da relativa liberdade que se tem no ato de interpretar preceitos legais indeterminados, com a devido respeito, discordo do posicionamento supra e mantenho a minha posição em virtude de acreditar que o julgado abre precedente no sentido de permitir que o juiz fixe a pena discricionariamente, fora das previsões legais das fases de dosimetria, violando o critério trifásico e as estritas prescrições de suas etapas, que seria assentir com um subjetivismo judicial inadmissível em um Estado de Direito. Note-se que essa solução contraria o expressamente fixado pelo artigo 42 da lei 11.343/06.
Além disso, a decisão não invalida nossa solução, ainda que difira substancialmente de seus fundamentos: se o juiz pode escolher quando, em que fase, irá avaliar tais circunstâncias a escolha que se faz no caso - e reitere-se: não se entende como escolha, mas como dever - é avaliar essas circunstâncias na pena-base e na aplicação da diminuição estabelecer patamar proporcional, isonômico, não excessivo e equidistante do mínimo e do máximo, sem a utilização de critérios outros que não a isonomia, ou proporcionalidade como isonomia.
No tocante à pena de multa, aplicando os mesmos critérios e fundamentos utilizados para a pena privativa de liberdade e atento ao comando do artigo 43 da lei de regência, torno-a definitiva em 392 (trezentos e noventa e dois) dias-multa, cujo valor fixo em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, o que faço à luz da condição econômica da ré estampada nos autos.
A pena privativa de liberdade cominada ao réu é de ser cumprida inicialmente no regime aberto, nos termos do artigo 33, §2º, "c" do Código Penal.
A pena privativa de liberdade aplicada comporta a conversão em restritiva de direitos.
Na verdade, no presente caso, não há elementos que impeçam concluir que a conversão da pena em restritiva de direitos para a acusada não será suficiente à repressão da conduta, para que não tornem a delinquir, e assim parece mais razoável a conversão com vistas à reinserção social e prevenção de novas condutas.
As penas do tráfico, segundo a lei 11.343/06, não comportam a conversão em penas restritivas de direitos. Porém entendo, com a devida vênia aos que pensam em contrário, que a vedação absoluta à conversão fere o princípio da individualização da pena, pois a doutrina que prega a vedação da conversão, aprioristicamente, in abstrato, a partir da conduta típica, extrai a impossibilidade de aplicação desse tipo de pena, exclusivamente da gravidade da conduta, negligenciando a análise da situação do condenado.
A questão foi apreciada pelo plenário do STF, concluindo-se pela inconstitucionalidade da vedação em abstrato, pois baseada na gravidade da conduta, critério que não se coaduna com o princípio da individualização da pena, pois ineficiente para realizá-la adequadamente. Essa linha de raciocínio, vedação da conversão pela gravidade da conduta - condiz com as teorias absolutas da pena, para as quais a pena é mera retribuição do mal causado à sociedade, razão pela qual a gravidade abstrata desse mal é critério para a aplicação do castigo. Tal pensamento não se coaduna, entretanto, com o moderno direito penal, que considera a pena, eminentemente, um instrumento de prevenção do crime e de reinserção social do condenado, e portanto, exige que o juiz ao aplicá-la tenha em mente a adequação da medida à situação daquele, com vistas ao bem comum, pois o interesse maior da sociedade é na pacificação dos conflitos, na prevenção dos atos de delinquência.
Na verdade, o regime fechado, de segregação completa, justifica-se como um mal necessário a ser infligido em situações que exigem a separação do indivíduo da sociedade, e sempre por algum tempo, até que se verifique, em tese, que tem condições de progredir de regime, com vistas a sua reinserção em sociedade. Porém a segregação, como é feita, tem raramente atendido a esses objetivos, funcionando verdadeiramente como escola de criminosos, que trancafiados desafiam ainda mais o sistema, ao invés de procurar inserir-se nele pacificamente. Esse mal necessário, infelizmente, subsiste, e continua a ser aplicado mesmo para indivíduos que possuem chances de se inserir novamente em sociedade e conviver pacificamente, muitas vezes diante na inoperância prática dos instrumentos de aplicação das penas alternativas. Pondero, contudo, que a insegurança na aplicação das penas alternativas, ou eventual a ineficiência do Estado em fiscalizá-las, não podem ser invocadas como justificativas para negar esse direito ao condenado que preencher os requisitos do artigo 44 do Código Penal, dentre eles, que seja a medida suficiente à repressão, no sentido de prevenção, da reiteração daquela conduta, e diga-se, daquela específica, daquele agente, individualizadamente.
Como antes já ressaltei, a prática ensina que há casos de tráfico, e de associação para o tráfico, em que sob o aspecto da repressão e prevenção a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é a solução mais adequada, especialmente quando se trata de prática isolada de ato de transporte ou acondicionamento de droga que revele destinação a terceiros. A realidade comporta uma miríade de situações e cada uma delas deve ser analisada em seus especiais contornos, quando se trata de aplicar a pena.
No caso, em tela, reputo a medida adequada, pois não há qualquer motivo que induza a crer que a medida no caso concreto não seria necessária e suficiente à repressão da conduta. Converto, portanto, nos termos do artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade do acusado em duas restritivas de direitos, quais sejam:
1) uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, a ser definida pelo Juízo da Execução e que terá a mesma duração da pena corporal substituída, nos termos do art. 46 e §§ do Código Penal;
2) uma pena de prestação pecuniária consistente no pagamento de 1 (um) salário mínimo, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, também designada pelo Juízo das Execuções Penais (art. 45, § 1º do CP), valor que se reputa suficiente e adequado à repressão da conduta no caso concreto, ponderando-se as condições econômicas da acusada.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação interposta pelo Ministério Público Federal tão somente para majorar a pena-base e diminuir a fração de diminuição derivada do artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, resultando na pena definitiva de 3 (três) anos, 11 (onze) meses e 2 (dois) dias de reclusão a ser cumprida em regime inicial aberto e 392 (trezentos e noventa e dois) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, substituída a pena em duas restritivas de direitos, quais sejam: 1) uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, a ser definida pelo Juízo da Execução e que terá a mesma duração da pena corporal substituída, nos termos do art. 46 e §§ do Código Penal; 2) uma pena de prestação pecuniária consistente no pagamento de 1 (um) salário mínimo, em favor de entidade pública ou privada com destinação social, também designada pelo Juízo das Execuções Penais (art. 45, §1º do CP). Mantida, quanto ao mais, a sentença recorrida.
Expeça-se alvará de soltura.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | LOUISE VILELA LEITE FILGUEIRAS BORER:10201 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217031741F5F3 |
Data e Hora: | 13/11/2019 16:09:05 |