D.E. Publicado em 12/12/2019 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela acusação, para reformar a decisão e declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP para o processamento e julgamento dos crimes, em tese, praticados pelos coinvestigados DIEGO HENRIQUE BRAJATO e JOÃO PEDRO BARBOSA NETO, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem para regular prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, com fundamento no artigo 581, inciso II, do Código de Processo Penal (fls. 44/49), contra decisão do Juízo Federal da 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP (fls. 42/43) que declarou a incompetência absoluta da Justiça Federal para processamento e julgamento dos fatos apurados no âmbito do IPL n. 0002365-27.2017.403.6106, dela declinando para uma das Varas com competência criminal da Comarca de Nova Granada/SP, supostamente com competência sobre o local onde, em tese, teria ocorrido o crime de pesca predatória (Município de Icém/SP), ao argumento de que o dano ambiental dele decorrente teria caráter exclusivamente local, em consonância com o atual entendimento jurisprudencial do STJ.
O inquérito policial em comento foi instaurado para apurar a eventual prática do delito previsto no artigo 34 da Lei 9.605/98, tendo em vista que no dia 29/12/2016, a aproximadamente 700m a jusante da barragem da Usina Hidrelétrica de Marimbondo, no Rio Grande, zona rural do Município de Icém/SP, policiais militares ambientais teriam surpreendido os pescadores amadores e investigados DIEGO HENRIQUE BRAJATO e JOÃO PEDRO BARBOSA NETO, em tese, praticando atos de pesca predatória, desembarcados, durante o período de defeso e em lugar interditado pelo órgão competente, nos termos do artigo 3º, III, da Instrução Normativa IBAMA n. 25/2009, consigo tendo sido apreendidos na ocasião, ao todo, 07 (sete) quilogramas de pescados diversos já capturados (das espécies "piau", "piapara" e "pacu"), além de caniços de nylon, carretilha e molinetes (fls. 05/17).
Após a conclusão do inquérito policial com a juntada do respectivo relatório elaborado pelo Delegado de Polícia Federal de São José do Rio Preto/SP (fls. 35/36), o Ministério Público Federal da mesma localidade, representada pela Procuradora da República Anna Flávia Nóbrega Cavalcanti Ugatti, veio a requerer o declínio de sua competência à Justiça Estadual do Município de Nova Granada/SP para as providências cabíveis, considerando o novo entendimento jurisprudencial do STJ "decidindo que a Justiça Federal terá competência para apreciar e julgar tais crimes somente nos casos em que a pesca proibida realizada em rio interestadual ocasionar dano ambiental de proporção regional ou nacional, ou seja, quando a atividade pesqueira ilegal acarretar a morte de parte significativa da população de peixes ao longo do rio, por exemplo, impedindo ou prejudicando seu período de reprodução sazonal", o que, por sua vez, não se vislumbraria na hipótese (dano ambiental "de caráter exclusivamente local", porquanto "decorrente da prática de pesca de pequena quantidade de peixes"), à míngua de eventual ofensa a bens, serviços ou interesses da União (fls. 38/39).
Em decisão prolatada em 05/03/2018 (fls. 42/43), o Juízo Federal da 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP declinou da competência para processamento e julgamento do feito em favor de uma das Varas Criminais da Comarca de Nova Granada/SP, competente por distribuição para a apreciação dos fatos descritos nos autos eventualmente ocorridos no Município de Icém/SP, em sintonia com o novo entendimento jurisprudencial do STJ, visto que "não há notícia nos autos de que o suposto ilícito tenha atingido área de grande extensão ou causado sensíveis prejuízos ao meio ambiente ou à fauna ictiológica, em caráter regional ou nacional - até mesmo em função da reduzida quantidade de peixes apanhados -, ou mesmo [de] que tenha causado impacto negativo a alguma reserva ambiental federal situada em seu entorno, sendo razoável afirmar que a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, no caso concreto, restringe-se ao patrimônio ambiental local, não acarretando prejuízo direto a bens, interesses ou serviços da União", na forma do artigo 109, IV, da Constituição Federal.
Inconformado, recorreu o Parquet Federal (fls. 44/49), ora representado pelo Procurador da República Eleovan César Lima Mascarenhas, à luz da independência funcional, pleiteando a reforma da r. decisão, para que seja declarada a competência da Justiça Federal (2ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP), em razão do nítido interesse da União Federal no processamento e julgamento dos fatos objeto do presente inquérito policial, haja vista o cometimento, em tese, do delito do artigo 34 da Lei 9.605/98 (pesca predatória durante o período de defeso e em local interditado pelo órgão competente), em rio interestadual (represado da UHE de Marimbondo, no Rio Grande), a banhar mais de um Estado da federação, portanto, em detrimento de bem pertencente à União Federal ("os peixes existentes em águas de domínio da União consideram-se como bens desta" - o acessório segue a sorte do principal), na forma dos artigos 20, III, e 109, IV, ambos da Constituição Federal, e do artigo 20 do Código Civil, à míngua de qualquer previsão constitucional que autorize o afastamento da competência da Justiça Federal objetivamente fixada, a partir de argumentos imprecisos e subjetivos, frente à complexidade e dinamicidade do equilíbrio ecossistêmico, tais como "dimensão local do dano", "área de grande extensão", "sensíveis prejuízos ao meio ambiente ou à fauna ictiológica" ou "reflexos em âmbito regional ou nacional", sob pena de violação dos princípios da segurança jurídica e do juiz natural, em sintonia com o Enunciado n. 46 da 4ª Câmara da Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
Devidamente intimados (fls. 54 e 70), os investigados DIEGO HENRIQUE BRAJATO e JOÃO PEDRO BARBOSA NETO deixaram de apresentar, no prazo legal, contrarrazões ao recurso em sentido estrito ministerial (fl. 72). Em razão disso, foram-lhes, nomeados à fl. 73 como defensores dativos o Dr. Diego Carretero (OAB/SP 278.065) e o Dr. Elizeu Trabuco (OAB/SP 294.037), respectivamente.
Contrarrazões apresentadas pelos defensores dativos de DIEGO HENRIQUE BRAJATO (fls. 85/94) e de JOÃO PEDRO BARBOSA NETO (fls.78/82), ambas pelo não provimento do recurso ministerial.
Em sede de juízo de retratação, o Juízo Federal a quo manteve a decisão recorrida, por seus próprios fundamentos (fl. 95).
Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 102/105), pelo não provimento do recurso ministerial.
Dispensada a revisão, na forma regimental.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
O recurso ministerial comporta provimento. Senão, vejamos:
Consoante relatado, a controvérsia subjacente consiste em saber se a pesca predatória, durante o período de defesa e em local interditado pelo órgão competente (crime previsto no artigo 34, caput, da Lei 9.605/98), porquanto perpetrada em rio interestadual atrairia, por si só, no caso concreto, a competência da Justiça Federal, independentemente da dimensão ou extensão de eventuais danos, nos moldes dos artigos 20, III, e 109, IV, ambos da Constituição Federal, ora transcritos (g.n.):
Com efeito, trata-se de crime formal e de perigo abstrato que se perfectibiliza com qualquer ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes ictiológicos, consumando-se com a simples conduta capaz de produzir, potencialmente, o resultado danoso ao meio ambiente aquático e, em especial, à fauna ictiológica. Nesse sentido, os 07 (sete) quilos, em tese, efetivamente pescados pelos coinvestigados DIEGO HENRIQUE BRAJATO e JOÃO PEDRO BARBOSA NETO, no dia 29/12/2016 (durante o período de defeso), desembarcados a aproximadamente 700m a jusante da barragem da Usina Hidrelétrica de Marimbondo, no Rio Grande, zona rural do Município de Icém/SP (local expressamente vedado pela legislação ambiental pertinente para todas as categorias e modalidades de pesca, nos termos do artigo 3º, III, da Instrução Normativa IBAMA n. 25, de 1º de setembro de 2009), consistem em mero exaurimento do tipo penal descrito no artigo 34, caput, da Lei Federal 9.605/98.
Nos termos do artigo 36 da Lei Federal 9.605/98, considera-se "pesca", para seus efeitos legais, "todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora" (g.n.).
Nesse sentido, colhe-se da doutrina:
Na mesma linha, trago à colação os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça e também deste E-TRF3:
Assim sendo, a despeito da posição adotada pelo Juízo Federal a quo (fls. 42/43), e em consonância com o recurso da acusação (fls. 44/49), seria ilógico e incoerente condicionar a fixação da competência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito à exigência de prova de danos ou reflexos em âmbito regional ou nacional, com a pesca predatória, em tese, perpetrada em rio interestadual (in caso, represado da UHE de Marimbondo, no Rio Grande, que banha o Estados de São Paulo e de Minas Gerais), tendo em conta o disposto nos artigos 20, III, e 109, IV, ambos da Constituição Federal.
Longe de se encontrar pacificada a matéria tanto na doutrina quanto na jurisprudência, colaciono diversos arestos do STJ e também deste E-TRF3, assim como decisões monocráticas recentemente proferidas no STF, aos quais me filio no sentido de que compete à Justiça Federal processar e julgar crime de pesca predatória praticado em rio interestadual (delito formal e de perigo abstrato), independentemente da análise da dimensão ou extensão de eventuais danos ambientais ocorridos ou não:
Ante o exposto, dou provimento ao recurso em sentido estrito interposto pela acusação, para reformar a decisão e declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP para o processamento e julgamento dos crimes, em tese, praticados pelos coinvestigados DIEGO HENRIQUE BRAJATO e JOÃO PEDRO BARBOSA NETO, determinando-se o retorno dos autos à Vara de origem para regular prosseguimento do feito.
É o voto.
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