D.E. Publicado em 17/04/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa, apenas para considerar neutra a personalidade do agente, bem como desclassificar a conduta de receptação dolosa para o crime de receptação culposa, e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da Acusação, apenas para elevar o quantum de aumento da pena em relação ao tráfico transnacional de drogas, fixando-se, por conseguinte, as penas totais e definitivas de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa, estabelecendo-se o regime FECHADO, nos termos do voto do Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu manter a desclassificação do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 para a conduta do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 e fixar a pena definitiva em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator, com quem votou a Juíza Federal Convocada Raecler Baldresca.
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VOTO-VISTA
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Registro, de início, que o relatório pertinente ao feito em exame consta das fls. 417/418v, e a ele me reporto para fins descritivos:
Na sessão de julgamento, realizada no dia 12 de dezembro de 2019, o e. Relator Desembargador Federal Fausto De Sanctis proferiu o seguinte voto:
Consigno que acompanho integralmente o e. Relator quanto ao mérito e dosimetria dos crimes de tráfico transnacional de drogas, previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, e de receptação culposa, descrito no artigo 180, § 3º, do Código Penal.
Pedi vista dos autos para melhor refletir a respeito da classificação jurídica relativa ao uso do rádio transceptor no caso em apreço, tipificado pelo e. Relator nos moldes do artigo 70 da Lei nº 4.117/62.
Em seu voto, o e. Relator salientou que a distinção atinente aos tipos penais do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 e do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 se dá pela verificação do requisito da habitualidade na atividade de radiodifusão, de modo que, consistindo em exploração habitual do serviço de telecomunicação, configurar-se-ia a infração penal do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, caso contrário, restaria caracterizado o delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962. Como, no caso dos autos, não se comprovou o uso habitual do rádio transceptor, o voto concluiu que a conduta se subsome ao tipo do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962.
Com a devida vênia, ouso discordar do e. Relator, eis que o pleito da acusação pela subsunção da conduta de utilizar rádios transmissores ao artigo 183 da Lei nº 9.472/97 deve prosperar. Explico.
Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. É embasada na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.
O delito do aludido artigo 183 da Lei nº 9.472/97, por sua vez, tipifica a conduta consistente em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao qual é cominada a pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.
Desse modo, qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc.
Conforme previsão constitucional, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95, e artigo 223, ambos da Constituição Federal).
Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento.
O tipo penal definido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos.
Assim, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento, sem a competente autorização da ANATEL, aparelho radiocomunicador instalado no veículo IX35, de placas PJY 8684, que conduzia naquela data. O mesmo diploma legal define o que seria a atividade clandestina:
Os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça corroboram este entendimento:
Nesse sentido, o entendimento desta E. Décima Primeira Turma:
Postos os fundamentos acima, a conduta do réu descrita na denúncia, consistente em usar rádio transceptor sem qualquer autorização da autoridade competente, caracteriza o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Sendo assim, divirjo do voto do e. Relator no particular, apenas para dar provimento ao recurso do Ministério Público Federal nesse ponto e condenar o réu ANDERSON OLBIEDO SOARES nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97.
Nesse âmbito, relevante destacar também que o delito em apreço é formal e de perigo abstrato, consumando-se independentemente da ocorrência de danos. Assim, configurada a clandestinidade da atividade de telecomunicação, é irrelevante a pequena potência do aparelho transmissor, não sendo plausível se falar em ausência de lesão ao bem jurídico. No sentido da desnecessidade de demonstração concreta do prejuízo causado na hipótese do crime em apreço e, consequentemente, da inviabilidade de aplicação do princípio da insignificância, colaciono os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
Passo a analisar a materialidade e a autoria delitivas, bem assim o dolo no caso em tela.
A materialidade restou demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/06) e pelo Laudo Pericial de fls. 57/60, o qual atesta que no interior do veículo Hyundai/IX35, placas PJY-8684, foi encontrado o transceptor móvel de marca YAESU, modelo FT-1900R, número de série 5L241957, de origem chinesa, com microfone do tipo PTT (push to talk), sem antena, instalado no painel do referido veículo e desprovido da competente autorização da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL.
Constatou-se que o equipamento em tela opera em FM com potência de transmissão de até 55W na faixa de frequências de 136 a 174 MHz. Segundo o laudo, originalmente, a transmissão do aparelho se dá na faixa restrita entre 144 a 148 MHz, contudo, devido à alteração verificada em seu circuito, é possível transmitir em maior faixa de frequências, de 136 a 174 MHz, sendo que o transceptor apreendido estava configurado para operar em 148,9125 MHz. Os peritos assinalaram que o equipamento em apreço poderia causar interferência em outros equipamentos transmissores ou receptores de ondas eletromagnéticas que utilizem as mesmas radiofrequências na área de influência das transmissões envolvidas, implicando obstrução, degradação ou interrupção dos serviços realizados, tornando assim segura a materialidade delitiva.
No tocante à autoria delitiva, Roberto Rodolfo Fonseca e Luiz Felipe Soares Júnior, agentes da Polícia Federal que realizaram a prisão em flagrante de ANDERSON, foram ouvidos em juízo (mídia digital de fl. 228) e, sob o crivo do contraditório, confirmaram que o rádio transceptor estava ligado no momento em que abordaram o acusado, sendo possível ouvir outra pessoa que tentava se comunicar com o réu. De sua vez, o acusado ANDERSON confessou, perante o magistrado a quo, que realizava o transporte da droga e que utilizava o aparelho radiotransmissor para comunicação.
Destarte, entendo que está comprovada, de forma suficiente, a materialidade e a autoria delitiva, bem como a presença do elemento subjetivo do tipo na conduta de ANDERSON OLBIEDO SOARES quanto à prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.
Passo a dosar a pena a ser imposta ao réu, de acordo com o preceito secundário do mencionado tipo penal.
Na primeira fase da dosimetria, verifico que o acusado ostenta maus antecedentes. Com efeito, conforme constou do voto do e. Relator, ANDERSON possui duas condenações definitivas anteriores, pela prática do crime de roubo majorado (fl. 266) e pelo crime de tráfico de drogas em concurso material com o delito de receptação dolosa (fl. 239), de modo que, enquanto a primeira é utilizada para exasperar a pena-base, a segunda será usada para agravar a pena intermediária.
Conforme se consignou no voto do e. Relator, é cabível na hipótese a valoração negativa das circunstâncias do crime, tendo em vista que o rádio transceptor foi utilizado para manter comunicação com batedores durante o transporte de grande quantidade de substância entorpecente, com o fito de evitar a fiscalização rodoviária. Tal atitude, de fato, revela maior grau de organização e planejamento do agente delitivo para a prática do delito, e consequentemente, de ofensa ao bem jurídico tutelado.
Quanto à personalidade do agente, considerada desfavorável na sentença em virtude do cometimento de crime mesmo diante da existência das condenações anteriores, entendo ser cabível a reformulação da pena em razão da aludida circunstância. Isso porque a personalidade do acusado refere-se ao seu caráter, e sua avaliação deve estar assentada em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos (o que, frise-se, não se verifica no presente caso), não servindo para tal fim o argumento sustentado na sentença.
Destarte, deve ser afastada a valoração negativa da personalidade do agente e mantida aquela concernente às circunstâncias do crime e aos maus antecedentes, razão pela qual a pena-base é estipulada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.
Na segunda etapa da dosagem, estão presentes a atenuante da confissão espontânea, visto que o réu admitiu a prática delitiva em juízo, bem como a agravante da reincidência (conforme se registrou acima), as quais devem ser compensadas, com fundamento em julgado do C. Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.341.370 - MT, de Relatoria do Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13 de abril de 2013, cuja ementa se colaciona:
Desse modo, a pena intermediária se mantém em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.
Na terceira e última fase, não há causas de aumento ou de diminuição, razão pela qual a pena definitiva é estabelecida no patamar de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.
O valor unitário do dia-multa é estabelecido no mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, ante a condição financeira do réu.
Tendo em vista o concurso material dos crimes, que resultou na cumulação das penas cominadas, acompanho o e. Relator quanto ao regime inicial fechado, fixado nos moldes do artigo 33, §2º, "a", do Código Penal.
Ante o exposto, divergindo em parte do e. Relator, dou parcial provimento ao recurso da acusação, apenas para condenar o réu ANDERSON OLBIEDO SOARES pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.
É como voto.
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RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela Defesa constituída por ANDERSON OLBIEDO SOARES (nascido em 07.11.1984), contra a r. sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Substituto Bruno Santhiago Genovez (1ª Vara Federal da 12ª Subseção Judiciária de Presidente Prudente) (fls. 300/305) que, julgando PROCEDENTE o pedido formulado na r. denúncia, CONDENOU o réu ao cumprimento, em regime inicial FECHADO, da pena definitiva de 09 (nove) anos de reclusão e ao pagamento de 1.080 (mil e oitenta) dias-multa, cada qual fixado no mínimo legal de 1/30 (um trinta avos) do valor do salário mínimo vigente na data dos fatos, pela prática do delito descrito no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, em concurso material com o artigo 180, caput, do Código Penal, bem como à pena definitiva de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, pela prática do delito descrito no artigo 70 da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962.
Consta da denúncia (fls. 95/100) que:
No dia 13 de novembro de 2016, por volta das 02h00min, na avenida Cuiabá, no município de Teodoro Sampaio-SP, nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente, constatou-se que o imputado ANDERSON OLBIEDO SOARES, agindo com consciência e vontade, recebeu e conduziu, em proveito próprio e alheio, coisa que sabia ser produto de crime, notadamente um veículo IX35, com placas falsas PJY 8684, objeto de roubo/furto, conforme laudo pericial de fls. 61/65 e importou, recebeu, trouxe consigo, guardou, ocultou, transportou, com finalidade de entrega a consumo de terceiros, 648,100 kg (seiscentos e quarenta e oito quilogramas e cem gramas), de substância entorpecente/psicotrópica, notadamente Cannabis Sativa Linneu, conhecida popularmente por maconha, droga alucinógena, que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, já que referida substância se encontra relacionada na Lista de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas de Uso Proscrito no País (Lista F1), constante da portaria SVS nº 344, de 12 de maio de 1998, bem como na Resolução da Diretoria colegiada - RDC nº 6, de 18 de fevereiro de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, conforme Auto de Apresentação e Exibição de fls. 16/18 e Laudo de Química Forense de fls. 45/53 e ainda desenvolveu clandestinamente atividades de telecomunicações, ao fazer uso de aparelho radiocomunicador fora das especificações de homologação, com comunicação contínua com veículo batedor, que o alertou durante todo o trajeto acerca de fiscalização policial, de modo a garantir o êxito no transporte do entorpecente.
Na data dos fatos, diante de informação recebida de que um veículo IX35, de placas PJY 8684, vinha transportando grande quantidade de entorpecentes, policiais federais desloacaram-se para o município de Teodoro Sampaio, onde por volta de 02h00min, avistaram o carro suspeito adentrando a cidade pela avenida central, realizando-se a abordagem do veículo no momento em que esse parou no semáforo. O condutor do veículo foi identificado como sendo ANDERSON OLBIEDO SOARES, verificando-se que o mesmo estava transportando grande quantidade de maconha, acondicionada em cima do banco dianteiro e traseiro e no porta-malas, razão pela qual os policiais federais deram voz de prisão ao imputado.
Apurou-se que ANDERSON OLBIEDO SOARES foi contratado por uma pessoa não identificada, mediante promessa de recompensa, tendo sido oferecido a ele a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para realizar o recebimento e transporte da droga, utilizando-se de carro roubado/furtado, mediante o uso de aparelho de telecomunicação.
Assim, no dia 11 de novembro de 2016, o denunciado ANDERSON OLBIEDO SOARES recebeu ao lado do Posto Fazendário de Ponta Porã, na fronteira entre Brasil e Paraguai, o veículo IX35, de placas PJY 8684, objeto de crime anterior, já que se trata de carro roubado/furtado, o que tinha ele total conhecimento, carregado com a maconha, tendo o acusado anuído e participado, em alguma etapa do processo de internação da droga em território nacional, ficando encarregado de transportá-la até São Paulo-SP, onde a carga seria entregue a terceiros não identificados, o que fez com o auxílio de veículos batedores, com a utilização sistemática de rádio comunicador não homologado.
Evidencia o tráfico de entorpecentes e sua transnacionalidade a quantidade de droga apreendida, modo de transporte, destino e finalidade comercial, aliada ao fato de que a droga foi entregue ao imputado nas proximidades da fronteira do Brasil/Paraguai, o que comprova a importação da maconha.
(...)
Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou ANDERSON OLBIEDO SOARES pela prática do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006, em concurso material com o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 e artigo 180, caput, do Código Penal.
A r. denúncia foi recebida em 20.02.2017 (fl. 186).
Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença (fls. 300/305), cuja baixa em Secretaria deu-se em 31.05.2017 (fl. 306).
O Ministério Público Federal apela (fls. 307/319), pleiteando, em síntese: 1) a condenação do réu nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997; 2) a exasperação da pena-base, em patamar não inferior a 10 (dez) anos de reclusão, no que se relaciona à condenação pelo tráfico transnacional de drogas; 3) o reconhecimento da agravante genérica da reincidência, que deve preponderar sobre a atenuante genérica da confissão espontânea; 4) a manutenção da exasperação da pena, uma vez reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas; 5) a manutenção do decote da causa de diminuição de pena previsto no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas.
A Defesa constituída pelo réu apela (fls. 341/361), pleiteando, em síntese: 1) a aplicação do princípio da insignificância, no que se refere ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/1962; 2) a absolvição, no que se relaciona ao delito de receptação dolosa, por ausência do elemento subjetivo do tipo (dolo direto) ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para o parágrafo 3º do artigo 180 do Código Penal e; 3) o decote da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, com remessa dos autos à Justiça Estadual.
Contrarrazões pela Defesa (fls. 353/361) e pelo Ministério Público Federal (fls. 363/373).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pela nulidade parcial da sentença relativa aos crimes de telecomunicações e de receptação, pelo desprovimento da apelação da defesa e pelo parcial provimento do recurso da acusação, reformando-se a sentença a fim de que seja majorada a pena base do tráfico de entorpecentes, fixando-a em 10 anos de reclusão, quanto ao aumento em razão de transnacionalidade do tráfico, afastada a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, a majoração da pena base e o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11343/06 (fl. 379).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
DA IMPUTAÇÃO
Em sentença, quanto à imputação da prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, o magistrado desclassificou a conduta para o artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, fundamentando, em síntese, que o réu utilizou pontualmente o aparelho de comunicação, apenas para proveito próprio, e não da maneira reiterada exigida pelo artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.
O Ministério Público Federal apela pedindo a condenação nas sanções do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, argumentando que é sobremodo comum e rotineiro a utilização de rádios transceptores para a comunicação entre os criminosos, com o propósito de despistar a fiscalização de órgãos de repressão, possibilitando e viabilizando as práticas delitivas. Assim, descabida a desclassificação para a infração do art. 70 da Lei n. 4.117/1962, que se aplica ao agente que utiliza de atividade de telecomunicações sem habitualidade, mas apenas uma vez e de modo não rotineiro, o que afasta a sua incidência nos casos em que caracterizada a habitualidade delitiva.
É o caso de manter-se a desclassificação operada pelo magistrado sentenciante.
O artigo 70 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações) criminaliza a atividade de telecomunicações sem a competente autorização do poder público, bem como as atividades legalmente admitidas, porém exercidas em desrespeito aos regulamentos (como é o caso de utilizar tais meios de comunicação para prática de um crime). O artigo 10 da citada Lei estabelece a competência privativa da União para manter e explorar os serviços que integram o Sistema Nacional de Telecomunicações, bem como de fiscalizar os serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.
A Carta Magna manteve o domínio privativo da União das telecomunicações e, em seu art. 223, enfatizou ser indispensável a autorização estatal, mediante outorga ou renovação pelo Poder Executivo, para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Quando da sua promulgação, o inciso XI do art. 21 da CF, assegurava a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado, contudo através da rede pública de telecomunicações explorada pela União.
Com a edição da Emenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 1995, as redações dos incisos XI e XII, alínea 'a', do artigo 21 foram modificadas, in verbis:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;
XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
Por sua vez, a Lei n.º 9.472/1997 foi editada para complementar as disposições constitucionais, nos termos da Emenda Constitucional n.º 8, de 1995, sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais. Citada lei definiu e estabeleceu parâmetros para a exploração dos serviços de telecomunicações, inclusive a radiofrequência, cuja utilização no âmbito privado depende de prévia autorização da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), inteligência dos artigos 131 e 163.
Com a edição da Lei n.º 9.472/1997, a Lei n.º 4.117/1962 não foi revogada em sua integralidade, pois, consoante dispõe seu art. 215, houve revogação da referida lei, salvo quanto à matéria penal não tratada na norma, bem como quanto aos preceitos relativos à radiodifusão.
Nesse contexto, necessário se faz perquirir a respeito da matéria penal que subsiste no bojo da referida lei.
De seu turno, prescreve o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997:
Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:
Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.
É sabido que desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicações é conduta que caracteriza delito de natureza permanente, cuja consumação se protrai no tempo, caracterizando, assim, sua habitualidade, que somente se interrompe com a cessação da conduta.
Nesse contexto, as Cortes Superiores consolidaram entendimento no sentido de que o artigo 183 da Lei nº 9.742/1997 não revogou o artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 quanto à radiodifusão, contudo a tipificação penal dependerá da habitualidade da atividade de radiodifusão: 1) uma vez reconhecida a atividade clandestina de telecomunicações habitual, o réu deve ser condenado como incurso no art. 183 da Lei nº 9.742/1997, ou seja, caso haja comportamento reiterado do agente; e 2) caso seja constatada apenas a conduta de instalação e utilização de rádio clandestina eventual ou funcionamento de rádio devidamente autorizada, mas em desacordo com os regulamentos, restará tipificada a conduta insculpida no artigo 70 da Lei nº 4.117 /1962.
Nesse mesmo sentido, arestos dos Pretórios Excelsos e deste E. Tribunal:
No caso dos autos, não há comprovação de utilização do equipamento de forma habitual ou costumeira pelo réu. De seu interrogatório judicial (fl. 226 e mídia digital à fl. 228) extrai-se que foi a primeira vez que teve contato com o veículo e com o rádio comunicador. Com efeito, ele afirmou que foi contratado para realizar o transporte das drogas por uma pessoa cuja qualificação completa ignora, mas que conheceu quando do cumprimento de pena corporal por outra condenação. Receberia a importância financeira da ordem de quinze mil reais. Assumiu a direção do carro apenas em Ponta Porã/MS, já abastecido com a Maconha, e tinha que entregá-lo em São Paulo/SP. Não viu quem lhe entregou o carro no Mato Grosso do Sul, tampouco conhecia os responsáveis por realizar a escolta na estrada (batedores).
Assim, de seu interrogatório extrai-se que o réu foi contratado de forma pontual e específica para a prática do crime. Não há qualquer prova de que ele já praticou o tráfico de drogas com o uso de rádio transmissor no passado, a demonstrar a habitualidade exigida pelo tipo penal previsto no artigo 183 da Lei Federal nº 9.742/1997.
É imperioso ressaltar que as testemunhas Roberto Rodolfo Fonseca e Luiz Felipe Soares Júnior, Agentes da Polícia Federal, regularmente inquiridos em pretório (fls. 224/225 e mídia digital à fl. 228), apenas afirmaram que o radiocomunicador foi encontrado ligado quando da abordagem policial, não fazendo qualquer menção de indicativo de seu uso frequente ou reiterado.
Desse modo, não há comprovação de utilização dos equipamentos de forma habitual ou costumeira pelo réu. Portanto, a conduta narrada na denúncia se subsome ao tipo descrito no artigo 70 da Lei n.º 4.117/1962, referente ao uso irregular de transceptor não autorizado, devendo ser mantido os termos estabelecidos em sentença.
Do pedido de aplicação do princípio da insignificância
Com esteio nesses fundamentos, afasto o pedido de aplicação do princípio da insignificância formulado pela defesa.
Da materialidade e autoria delitivas
DO DELITO DE RECEPTAÇÃO DOLOSA
Da autoria e materialidade delitivas
DO CRIME DE TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS
Autoria e materialidade delitiva
DOSIMETRIA DA PENA
Deve o magistrado, ao calcular a reprimenda a ser imposta ao réu, respeitar os ditames insculpidos no art. 68 do Código Penal, partindo da pena-base a ser aferida com supedâneo no art. 59 do mesmo Diploma, para, em seguida, incidir na espécie as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena.
Primeira Fase
O Juízo a quo, na primeira fase, elevou a pena para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, levando-se em consideração que o réu ostenta duas condenações com trânsito em julgado (sendo que uma delas foi utilizada na segunda fase da dosimetria da pena).
Outrossim, considerou o magistrado sentenciante que o réu possui personalidade voltada para a prática do crime, visto que voltou a delinquir mesmo após as sobreditas condenações.
Por fim, as circunstâncias em que praticado o crime também foram consideradas reprovável pelo d. magistrado, por tratar-se de mais de meia tonelada de Maconha, que vinha sendo transportada por batedores.
De fato, o réu ostenta antecedentes criminais pela prática dos crimes de roubo majorado (cfr. fl. 266) e tráfico de drogas, este último praticado em concurso material com o crime de receptação dolosa. A utilização de uma das condenações para elevar a pena-base e da outra para agravar a segunda fase da dosimetria da pena é aceita pelo Superior Tribunal de Justiça: é permitido ao julgador utilizar-se de condenações anteriores do acusado para exasperar a pena, em um primeiro momento, considerando como desfavorável circunstância judicial e, num segundo, considerando outra condenação anterior, fazer incidir a agravante da reincidência, não existindo, pois, afronta ao princípio ne bis in idem (STJ - HC: 194765 SP 2011/0009784-6, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 11/03/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2014).
Outrossim, a utilização dos aparelhos de rádio para efetuar o transporte de grande quantidade de drogas, assim como o seu uso para comunicar-se com batedores especialmente destacados para avisar a iminente fiscalização rodoviária, revelam meticuloso planejamento da empreitada criminosa e maior ofensa ao bem jurídico tutelado, já que as chances de sucesso eram grandes. Portanto, está autorizada a exasperação da pena pela reprovação das circunstâncias do delito.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que condenações pretéritas não se prestam ao aumento da pena pela negativação da personalidade do agente. Ademais, tratando-se de condenações já utilizadas pelo magistrado para aumentar a pena, em razão dos antecedentes e da reincidência, mostra-se indevida a valoração negativa também da personalidade. Nesse sentido:
Por outro lado, ainda que afastada a personalidade do agente como circunstância judicial negativa, verifico que o quantum de exasperação da pena (dois meses) está adequado e proporcional, considerando-se a gravidade do caso concreto.
É importante ressaltar que a proibição da reformatio in pejus não implica necessariamente na manutenção de todas as considerações utilizadas pelo r. juízo sentenciante, desde que a situação final do acusado não seja agravada quando existente recurso exclusivo da defesa.
Esse sentido é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça em precedente no qual autoriza, inclusive, que, diante do efeito devolutivo amplo da Apelação, instada a rever a individualização da pena, a Corte revalore negativamente novas circunstâncias, desde que a situação final do réu não seja agravada. In verbis:
Com esteio nesses fundamentos, mantenho a pena corporal em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, no que se refere ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/1962.
Segunda Fase
Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado compensou a agravante genérica da reincidência com a atenuante genérica da confissão espontânea, mantendo-se a pena em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção.
CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA
Primeira Fase
Conforme analisado nos tópicos antecedentes, o delito de receptação dolosa foi desclassificado, neste v. Acórdão, para o crime de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do Código Penal), porquanto não evidenciado o dolo direto pelo agente. Assim, passa-se à dosimetria da pena.
O réu ostenta antecedentes criminais pela prática do crime de roubo majorado e tráfico de drogas em concurso com o crime de receptação, conforme sobredito. Desse modo, utiliza-se uma das condenações para elevar a pena-base e a outra na segunda etapa da dosimetria da pena (reincidência).
Outrossim, a utilização de um veículo produto de anterior subtração patrimonial, com placas adulteradas, dificulta a fiscalização da polícia rodoviária, já que eventuais consultas apenas pelas placas do carro resultam negativas para eventuais ilícitos, inibindo a abordagem policial e permitindo-se, assim, maior chance de sucesso da empreitada criminosa. Tais circunstâncias autorizam a exasperação da pena pela reprovação das circunstâncias do delito.
Considerando a existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena corporal em 04 (quatro) meses de detenção, suficientes para a ressocialização do réu.
Segunda Fase
Na segunda fase da dosimetria da pena, verifica-se a existência da atenuante da confissão espontânea, porquanto o réu admitiu que recebeu o veículo para efetuar o transporte das drogas, sem adotar diligência para verificar a real procedência do bem, conforme anotados nas linhas anteriores.
Por outro lado, o réu é reincidente específico, razão pela qual compensa-se a atenuante genérica com a confissão espontânea, nos termos do supracitado Recurso Especial Repetitivo (STJ 1.341.370/MT).
Assim, mantém-se a pena corporal em 04 (quatro) meses de detenção.
TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS
Primeira Fase
O Juízo a quo, na primeira fase, elevou a pena para 06 (seis) anos de reclusão e pagamento, levando-se em consideração que o réu ostenta duas condenações com trânsito em julgado (sendo que uma delas foi utilizada na segunda fase da dosimetria da pena).
Outrossim, considerou o magistrado sentenciante que o réu possui personalidade voltada para a prática do crime, visto que voltou a delinquir mesmo após as sobreditas condenações.
Por fim, as circunstâncias em que praticado o crime também foram consideradas reprováveis pelo d. magistrado, por tratar-se de mais de meia tonelada de Maconha, que vinha sendo transportada com o auxílio de batedores.
O Ministério Público Federal recorre para que a pena seja exasperada no patamar mínimo de 10 (dez) anos de reclusão.
Assiste razão ao parquet federal.
O réu também ostenta antecedentes criminais pela prática do crime de roubo majorado e tráfico de drogas em concurso com o crime de receptação. A utilização de uma das condenações para elevar a pena-base e da outra para agravar a segunda fase da dosimetria da pena é aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme anotado linhas acima.
Outrossim, a utilização dos aparelhos de rádio transmissor para efetuar o transporte de grande quantidade de drogas, assim como o uso de batedores especialmente destacados para avisar a iminente fiscalização rodoviária, revelam meticuloso planejamento da empreitada criminosa e autorizam a exasperação da pena pela reprovação das circunstâncias do delito.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que condenações pretéritas não se prestam ao aumento da pena pela negativação da personalidade do agente. Ademais, tratando-se de condenações já utilizadas pelo magistrado para aumentar a reprimenda, em razão dos antecedentes e da reincidência, mostra-se indevida a valoração negativa também da personalidade. Nesse sentido:
Considerando os patamares usados por esta Turma em casos semelhantes, verifico que assiste razão à acusação ao aduzir que o quantum da exasperação da pena-base foi incompatível com a gravidade do caso que ora se examina.
Dessa forma, considerando-se a grande quantidade de drogas e a presença de outras duas circunstâncias judiciais negativas (maus antecedentes e uso de batedores com o auxílio de radiotransmissor), entendo como razoável a fixação da pena-base em 13 (treze) anos e 08 (oito) meses e o pagamento de 1.366 (um mil trezentos e sessenta e seis) dias-multa.
Segunda Fase
Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado compensou a agravante genérica da reincidência com a atenuante genérica da confissão espontânea.
Assim, operada a compensação entre a reincidência específica e a confissão espontânea, mantém-se a pena corporal em 13 (treze) anos e 08 (oito) meses e o pagamento de 1.366 (um mil trezentos e sessenta e seis) dias-multa.
Na terceira fase da dosimetria penal, o r. juízo aumentou a pena intermediária em 1/6 (um sexto), em razão da transnacionalidade do delito, com espeque no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006. Deixou-se de reconhecer o benefício previsto no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas. A douta defesa pleiteou a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
Da transnacionalidade do delito (art. 40, inciso I, da Lei de Drogas)
A despeito dos argumentos da defesa, o conjunto probatório desvela a transnacionalidade do tráfico.
Com efeito, como bem ressaltou a sentença a quo, a transnacionalidade do delito restou comprovada de maneira satisfatória durante a instrução processual. O réu foi flagrado em rodovia que acessa o Paraguai, em plena atividade delitiva, o que foi confirmado pelos policiais federais supranominados. Além disso, ele próprio admite, em sede de interrogatório judicial, que assumiu a direção do veículo abastecido com drogas em Ponta Porã/MS, na fronteira com o país vizinho, denotando-se que a droga é originária do Paraguai, sobretudo porquanto este país é conhecido mundialmente pela produção de Maconha em larga escala.
Ressalta-se que o fato de ter buscado o veículo no lado brasileiro ou paraguaio da fronteira com o país vizinho, no entanto, é irrelevante, in casu.
Isso porque o caráter transnacional do delito não depende, necessariamente, de os próprios autores do tráfico terem transposto fronteiras estatais no curso de sua conduta, mas sim de um vínculo de internacionalidade que a envolva de maneira minimamente próxima.
Como se sabe, e consoante o artigo 40, I, da Lei n° 11.343/2006, é necessário somente que a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciem a transnacionalidade do delito, e não que haja a efetiva transposição de fronteiras entre os países, para que se reconheça o caráter transnacional da conduta.
Assim, se o transporte interno de drogas se dá em circunstâncias tais que demonstrem que se trata de um processo uno e iniciado no exterior (ainda que algumas pessoas tenham estritamente importado a droga, com breve armazenamento e subsequente distribuição dos carregamentos rumo a centros de consumo), ou a ele destinado, tem-se delito de caráter transnacional (mesmo que as etapas do processo cumpridas pelos réus se deem exclusivamente em solo pátrio). Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, considerando-se o novo cálculo de pena neste v. Acórdão, fixa-se a reprimenda em 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa.
Da causa especial de diminuição de pena (artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas)
De fato, além do réu ser reincidente em delito da mesma natureza (tráfico de drogas), o que, por si só, já afasta a aplicação do benefício telado, denota-se, do contexto fático, indícios de que sua contribuição para a logística de distribuição do narcotráfico internacional não se deu de forma ocasional, mas vinha ocorrendo de maneira contumaz, de modo a evidenciar que ele se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa.
Note-se, ainda, que o réu transportava quantidade vultosa de drogas (mais de 600 kg de maconha) e também revelou, perante a autoridade judicial, que havia sido contratado para fazer o transporte do entorpecente por R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com expressivo investimento financeiro por parte da organização criminosa, o que demonstra que o contratante tinha plena confiança no acusado.
Com efeito, tais circunstâncias, bem como o modus operandi utilizado (utilização de carro roubado, batedores e rádio transmissor) demonstram a sofisticação da empreitada delitiva, além da reiteração da conduta, afastando a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006, que deve ser aplicada ao traficante incipiente.
É de se destacar que não se está aqui considerando a quantidade da droga apreendida, já valorada na primeira-fase da dosimetria, mas a vultuosa operação e seu meticuloso planejamento, o que permite afastar a causa de diminuição em tela.
Nesse sentido:
Habeas corpus. Processo Penal e Penal. Tráfico de drogas (art. 33 , caput, da Lei nº 11.343/06). Impetração dirigida contra o indeferimento pelo Superior Tribunal de Justiça de medida liminar requerida pelos impetrantes. Pena. Dosimetria. Pretendido reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 33 , § 4º, da Lei de Drogas. Valoração negativa da quantidade e da diversidade de drogas na primeira e na terceira fases da dosimetria. Inadmissibilidade. Hipótese, contudo, em que também se valoraram negativamente as circunstâncias da apreensão da droga, concluindo-se que o paciente se dedicava a atividades criminosas. Fundamento suficiente, por si só, para negar o redutor de pena em questão. Inexistência de flagrante ilegalidade. Incidência da Súmula nº 691 da Suprema Corte. Não conhecimento do habeas corpus. |
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal veda a consideração cumulativa da quantidade e da natureza da droga na primeira e na terceira fases da dosimetria da pena (Repercussão Geral no ARE nº 666. 33 4, Plenário, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 6/6/14). |
2. A instância ordinária, após valorar negativamente a quantidade e a diversidade de drogas apreendidas na primeira fase da dosimetria, sopesou negativamente essas mesmas circunstâncias na terceira fase, de |
modo que, se a tanto se tivesse limitado, efetivamente estaria caracterizado indevido bis in idem na dosimetria da pena. |
3. Ocorre que, na terceira fase, em acréscimo, também valoraram-se negativamente as circunstâncias da apreensão das drogas, concluindo-se |
que o paciente se dedicava a atividades criminosas. |
4. Logo, abstraindo-se a valoração negativa, na terceira fase da dosimetria, da quantidade e da diversidade de drogas, ainda assim subsiste fundamento suficiente, por si só, para negar o redutor de pena em questão. |
5. A Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal somente admite mitigação na presença de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, o que não se verifica na hipótese em exame. Precedentes. |
6. Habeas corpus do qual não se conhece. |
(HC 126971/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, j. 02/06/2015, DJe-128, publ. 01-07-2015) |
No mesmo sentido: (STF - HC 125429 AgR-ED/MS, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, j. 28/04/2015, DJe-092, publ. 19-05-2015).
Importante ressaltar que, para o afastamento da causa de diminuição em comento, não se exige a comprovação da habitualidade presente na figura típica do art. 35 da Lei nº 11.343/2006. Bastam elementos que indiquem vínculo mínimo com a organização criminosa e que sua participação no narcotráfico não ocorreu de maneira eventual e específica, como é o caso das chamadas "mulas", contratadas de forma absolutamente ocasional e pontual para realizar o transporte de droga.
Destaque-se, ademais, que os fins econômicos demonstram a existência de uma atividade ou de uma organização criminosa necessariamente subjacente, o que tem o condão de excluir a incidência do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Diferente seria a hipótese daquele que transporta drogas para entregar a terceiros por questões divorciadas de qualquer sentido econômico, situação que, em tese, ensejaria a aplicação da causa de diminuição em questão.
Assim, mantém-se a pena em 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa.
DO CONCURSO MATERIAL (art. 69, do Código Penal)
Considerando-se que o réu, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou três crimes distintos, que protegem bens jurídicos diversos, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que incorreu, ressalvando-se que a pena de reclusão deve será executada antes da de detenção.
Assim, deverá cumprir o réu a pena de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e, após, a pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção.
REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA
A sentença fixou corretamente o regime inicial FECHADO, tendo em vista que a pena aplicada é superior a 08 (oito) anos de reclusão (art. 33, §2º, "a", do Código Penal) e o réu é reincidente. Improvido o recurso da defesa no que tange à diminuição da reprimenda, o regime deve ser mantido.
Saliente-se que a detração de que trata o artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 12.736/2012, não influencia no regime já que, ainda que descontado o período da prisão preventiva entre a data dos fatos (13.11.2016) e a data da sentença (31.05.2017), a pena remanescente continua superando 08 (oito) anos de reclusão.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa, apenas para considerar neutra a personalidade do agente, bem como desclassificar a conduta de receptação dolosa para o crime de receptação culposa, e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da Acusação, apenas para elevar o quantum de aumento da pena em relação ao tráfico transnacional de drogas, fixando-se, por conseguinte, as penas totais e definitivas de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa, e, ainda, 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, estabelecendo-se o regime FECHADO como forma de cumprimento das sanções impostas, mantendo-se, no mais, a sentença a quo.
É o voto.
Comunique-se o Juízo das Execuções Criminais.
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