Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 17/04/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011146-54.2016.4.03.6112/SP
2016.61.12.011146-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00111465420164036112 1 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. RECEPTAÇÃO CULPOSA. INSTALAÇÃO OU UTILIZAÇÃO DE TELECOMUNICAÇÕES, SEM OBSERVÂNCIA DA LEI OU REGULAMENTOS. AFASTADA A PRELIMINAR DE NULIDADE PARCIAL DA R. SENTENÇA. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA PRESERVADOS. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI Nº 9.427/1997 PARA O ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/1962 MANTIDA. USO NÃO REITERADO DO RÁDIO TRANSMISSOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA BEM AFASTADO. CONDUTA QUE AFETA GRAVEMENTE O BEM JURÍDICO TUTELADO. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 180, CAPUT, DO CP, PARA O CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA (ART. 180, § 3º, CP). DOSIMETRIA DA PENA. CRIME DO ART. 70 DA LEI Nº 4.117/1962. PRIMEIRA FASE. NEGATIVAÇÃO DA PERSONALIDADE AFASTADA. PRECEDENTES DO STJ. MANTIDA A PENA-BASE FIXADA PELO JUÍZO A QUO. AUSÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. SEGUNDA FASE. REINCIDÊNCIA. CONFISSÃO. COMPENSAÇÃO. TERCEIRA FASE. AUSÊNCIA DE CAUSAS DE AUMENTO OU DIMINUIÇÃO. CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA. PRIMEIRA FASE. DUAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. SEGUNDA FASE. REINCIDÊNCIA. CONFISSÃO. COMPENSAÇÃO. TERCEIRA FASE. AUSÊNCIA DE CAUSAS DE AUMENTO OU DIMINUIÇÃO. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. PRIMEIRA FASE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS. NATUREZA E GRANDE QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA (MAIS DE 600 KG DE MACONHA). AUMENTO DA PENA-BASE. NEGATIVAÇÃO DA PERSONALIDADE AFASTADA. PRECEDENTES DO STJ. SEGUNDA FASE. REINCIDÊNCIA. CONFISSÃO. COMPENSAÇÃO. TERCEIRA FASE. TRANSNACIONALIDADE BEM RECONHECIDA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS BEM AFASTADA. RÉU REINCIDENTE ESPECÍFICO. CONCURSO MATERIAL. REGIME INICIAL FECHADO.
- Afastada a preliminar arguida pela douta Procuradoria Regional da República, que pleiteou a nulidade parcial da r. sentença penal condenatória, sob o argumento de prejuízo à ampla defesa do Recorrente, por entender que a decisão judicial que recebeu a r. Denúncia limitou-se ao delito de tráfico transnacional de drogas, de modo que a defesa do réu foi construída somente em relação a este crime.
- Em primeiro lugar, verifica-se que o mandado de citação direcionado ao réu foi acompanhado de cópia da r. Denúncia, permitindo-se ciência de todas as imputações contra si formuladas e, consequentemente, preservando-se o contraditório e o exercício da ampla defesa quando da apresentação de defesa preliminar. Em seu interrogatório, o próprio réu afirma que leu a cópia da r. denúncia (aproximadamente 24 minutos da mídia digital à fl. 228). Outrossim, antes do oferecimento da defesa preliminar, a advogada constituída pelo réu fez carga do processo, oportunidade em que teve acesso a todo o seu conteúdo, o que também preservou o direito ao contraditório e à ampla defesa constitucionalmente assegurado. Além disso, da Audiência de Instrução, Debates e Julgamento, participou o advogado do réu, que teve amplo acesso aos autos e oportunidade de entrevistar-se com seu cliente, orientando-o de todo o processado. Consta ainda da mídia digital, mais precisamente aos 08 minutos, que o magistrado leu para o réu todas as imputações formuladas na denúncia, permitindo-se, mais uma vez, o exercício do contraditório e da ampla defesa. Por fim, extrai-se do interrogatório que o réu leu o processo, pois disse ao magistrado que viu nos autos o documento de devolução do carro receptado.
- Em sentença, quanto à imputação da prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, o magistrado desclassificou a conduta para o artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, fundamentando, em síntese, que o réu utilizou pontualmente o aparelho de comunicação, apenas para proveito próprio, e não da maneira reiterada exigida pelo artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.
- As Cortes Superiores consolidaram entendimento no sentido de que o artigo 183 da Lei nº 9.742/1997 não revogou o artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 quanto à radiodifusão, contudo a tipificação penal dependerá da habitualidade da atividade de radiodifusão: 1) uma vez reconhecida a atividade clandestina de telecomunicações habitual, o réu deve ser condenado como incurso no art. 183 da Lei nº 9.742/1997, ou seja, caso haja comportamento reiterado do agente; e 2) caso seja constatada apenas a conduta de instalação e utilização de rádio clandestina eventual ou funcionamento de rádio devidamente autorizada, mas em desacordo com os regulamentos, restará tipificada a conduta insculpida no artigo 70 da Lei nº 4.117 /1962.
- No caso dos autos, não há comprovação de utilização do equipamento de forma habitual ou costumeira pelo réu. De seu interrogatório judicial extrai-se que foi a primeira vez que teve contato com o veículo e com o rádio comunicador. Com efeito, ele afirmou que foi contratado para realizar o transporte das drogas por uma pessoa cuja qualificação completa ignora, mas que conheceu quando do cumprimento de pena corporal por outra condenação. Receberia a importância financeira da ordem de quinze mil reais. Assumiu a direção do carro apenas em Ponta Porã/MS, já abastecido com a Maconha, e tinha que entregá-lo em São Paulo/SP. Não viu quem lhe entregou o carro no Mato Grosso do Sul, tampouco conhecia os responsáveis por realizar a escolta na estrada (batedores).
- Afastado pedido de aplicação do princípio da insignificância formulado pela Defesa. Mostra-se impertinente o pleito de incidência do postulado da bagatela, tendo em vista que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se independentemente da ocorrência de dano - desta feita, diante de mácula a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.
- Consigne-se, ademais, que a mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea, embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em razão do aparecimento de frequências espúrias, razão pela qual, além de presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que age ao arrepio das normas de regência.
- O réu foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 180, em sua forma fundamental, do Código Penal (receptação dolosa). A defesa recorre pleiteando a edição de um decreto de natureza absolutória, por entender que o réu não tinha ciência acerca da procedência espúria do bem (dolo direto). De maneira subsidiária, pede a desclassificação ao delito de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do Código Penal).
- É o caso de reformar-se a sentença para desclassificar a conduta inicialmente capitulada (art. 180, caput, do CP) para o crime de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do CP).
- Não está comprovado que o réu agiu imbuído do dolo direto, exigido para a consumação do crime. De seu interrogatório judicial extrai-se que ele recebeu o automóvel em Ponta Porã/MS, fronteira com o Paraguai, de um indivíduo cuja identidade não quis revelar, mas que lhe forneceu a documentação de porte obrigatório correspondente (CRLV). Acreditou que o carro era regular, porquanto o documento era aparentemente autêntico e, inclusive, continha as mesmas placas identificatórias daquelas ostentadas pelo veículo. Em outras palavras, o réu não tinha a certeza (exigida pelo tipo penal) de que o carro era furtado. A propósito, a cópia reprográfica do referido CRLV está anexada à fl. 11 e, embora não haja perícia técnica, trata-se aparentemente de documento em suporte materialmente autêntico, o que dificulta ainda mais a percepção de que o veículo era produto de crime. Outrossim, os policiais federais que atenderam a ocorrência, testemunha supranominadas, em momento algum afirmaram que o réu admitiu ter ciência acerca da origem espúria do automóvel, o que reforça a tese de que ele não agiu com o necessário dolo direto.
- Pela natureza da coisa (veículo utilizado para o transporte de drogas), aliado à condição de quem a ofereceu (notadamente um traficante de drogas aliado a organizações criminosas internacionais), deveria o réu presumir (indicativo de culpa, na modalidade imprudência) que fora obtida por meios criminosos. De acordo com Guilherme de Souza Nucci, presumir é suspeitar, desconfiar, conjecturar ou imaginar, tornando a figura compatível com a falta do dever objetivo de cuidado, caracterizador da imprudência (ob. cit., página 1102).
- Dosimetria da pena. Crime previsto no artigo 70 da Lei 4.117/1962. Primeira fase. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que condenações pretéritas não se prestam ao aumento da pena pela negativação da personalidade do agente. Ademais, tratando-se de condenações já utilizadas pelo magistrado para aumentar a pena, em razão dos antecedentes e da reincidência, mostra-se indevida a valoração negativa também da personalidade.
- Ainda que afastada a personalidade do agente como circunstância judicial negativa, verifico que o quantum de exasperação da pena (dois meses) está adequado e proporcional, considerando-se a gravidade do caso concreto. Manutenção da pena-base.
- Segunda fase. O magistrado sentenciante compensou a agravante genérica da reincidência com a atenuante genérica da confissão espontânea, o que deve ser mantido, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ 1.341.370/MT).
- Do delito de receptação dolosa. Dosimetria da pena. Primeira fase. O réu ostenta antecedentes criminais pela prática do crime de roubo majorado e tráfico de drogas em concurso com o crime de receptação. Desse modo, utiliza-se uma das condenações para elevar a pena-base e a outra na segunda etapa da dosimetria da pena (reincidência). Outrossim, a utilização do veículo para efetuar o transporte de grande quantidade de drogas, assim como o uso de batedores especialmente destacados para avisar a iminente fiscalização rodoviária, revelam meticuloso planejamento da empreitada criminosa e autorizam a exasperação da pena pela reprovação das circunstâncias do delito.
- Segunda fase. Na segunda fase da dosimetria da pena, verifica-se a existência da atenuante da confissão espontânea, porquanto o réu admitiu que recebeu o veículo para efetuar o transporte das drogas, sem adotar diligência para verificar a real procedência do bem, conforme anotados nas linhas anteriores. Por outro lado, o réu é reincidente específico, razão pela qual compensa-se a atenuante genérica com a confissão espontânea, nos termos do supracitado Recurso Especial Repetitivo (STJ 1.341.370/MT).
- Do crime de tráfico transnacional de drogas. Dosimetria da pena. Primeira fase. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que condenações pretéritas não se prestam ao aumento da pena pela negativação da personalidade do agente. Por outro lado, considerando os patamares usados por esta Turma em casos semelhantes, verifico que assiste razão à acusação ao aduzir que o quantum da exasperação da pena-base foi incompatível com a gravidade do caso que ora se examina. Dessa forma, considerando-se a grande quantidade de drogas (mais de 600 quilos de Maconha) e a presença de outras duas circunstâncias judiciais negativas, entendo como razoável a fixação da pena-base em 13 (treze) anos e 08 (oito) meses e o pagamento de 1.366 (um mil trezentos e sessenta e seis) dias-multa.
- Segunda fase. O magistrado sentenciante compensou a agravante genérica da reincidência com a atenuante genérica da confissão espontânea, o que se mantém, nos termos do supracitado precedente do STJ.
- Terceira fase. O r. juízo aumentou a pena intermediária em 1/6 (um sexto), em razão da transnacionalidade do delito, com espeque no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006. Deixou-se de reconhecer o benefício previsto no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas. A douta defesa pleiteou a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
- A despeito dos argumentos da defesa, o conjunto probatório desvela a transnacionalidade do tráfico. O caráter transnacional do delito não depende, necessariamente, de os próprios autores do tráfico terem transposto fronteiras estatais no curso de sua conduta, mas sim de um vínculo de internacionalidade que a envolva de maneira minimamente próxima. Assim, se o transporte interno de drogas se dá em circunstâncias tais que demonstrem que se trata de um processo uno e iniciado no exterior (ainda que algumas pessoas tenham estritamente importado a droga, com breve armazenamento e subsequente distribuição dos carregamentos rumo a centros de consumo), ou a ele destinado, tem-se delito de caráter transnacional (mesmo que as etapas do processo cumpridas pelos réus se deem exclusivamente em solo pátrio).
- Da causa especial de diminuição de pena (artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas). Além do réu ser reincidente em delito da mesma natureza (tráfico de drogas), o que, por si só, já afasta a aplicação do benefício telado, denota-se, do contexto fático, indícios de que sua contribuição para a logística de distribuição do narcotráfico internacional não se deu de forma ocasional, mas vinha ocorrendo de maneira contumaz, de modo a evidenciar que ele se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa.
- Note-se, ainda, que o réu transportava quantidade vultosa de drogas (mais de 600 kg de maconha) e também revelou, perante a autoridade judicial, que havia sido contratado para fazer o transporte do entorpecente por R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com expressivo investimento financeiro por parte da organização criminosa, o que demonstra que o contratante tinha plena confiança no acusado.
- Com efeito, tais circunstâncias, bem como o modus operandi utilizado (utilização de carro roubado, batedores e rádio transmissor) demonstram a sofisticação da empreitada delitiva, além da reiteração da conduta, afastando a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006, que deve ser aplicada ao traficante incipiente.
- Concurso material. Considerando-se que o réu, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou três crimes distintos, que protegem bens jurídicos diversos, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que incorreu, ressalvando-se que a pena de reclusão deve será executada antes da de detenção.
- Regime inicial. A sentença fixou corretamente o regime inicial FECHADO, tendo em vista que a pena aplicada é superior a 08 (oito) anos de reclusão (art. 33, §2º, "a", do Código Penal) e o réu é reincidente. Improvido o recurso da defesa no que tange à diminuição da reprimenda, o regime deve ser mantido.
- Saliente-se que a detração de que trata o artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 12.736/2012, não influencia no regime já que, ainda que descontado o período da prisão preventiva entre a data dos fatos (13.11.2016) e a data da sentença (31.05.2017), a pena remanescente continua superando 08 (oito) anos de reclusão.
- Apelações da Defesa e da Acusação providas em parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa, apenas para considerar neutra a personalidade do agente, bem como desclassificar a conduta de receptação dolosa para o crime de receptação culposa, e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da Acusação, apenas para elevar o quantum de aumento da pena em relação ao tráfico transnacional de drogas, fixando-se, por conseguinte, as penas totais e definitivas de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa, estabelecendo-se o regime FECHADO, nos termos do voto do Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu manter a desclassificação do delito previsto no artigo 183 da Lei n.º 9.472/1997 para a conduta do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 e fixar a pena definitiva em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator, com quem votou a Juíza Federal Convocada Raecler Baldresca.



São Paulo, 12 de março de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011146-54.2016.4.03.6112/SP
2016.61.12.011146-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00111465420164036112 1 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

VOTO-VISTA

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

Registro, de início, que o relatório pertinente ao feito em exame consta das fls. 417/418v, e a ele me reporto para fins descritivos:


"Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela Defesa constituída por ANDERSON OLBIEDO SOARES (nascido em 07.11.1984), contra a r. sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Substituto Bruno Santhiago Genovez (1ª Vara Federal da 12ª Subseção Judiciária de Presidente Prudente) (fls. 300/305) que, julgando PROCEDENTE o pedido formulado na r. denúncia, CONDENOU o réu ao cumprimento, em regime inicial FECHADO, da pena definitiva de 09 (nove) anos de reclusão e ao pagamento de 1.080 (mil e oitenta) dias-multa, cada qual fixado no mínimo legal de 1/30 (um trinta avos) do valor do salário mínimo vigente na data dos fatos, pela prática do delito descrito no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, em concurso material com o artigo 180, caput, do Código Penal, bem como à pena definitiva de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, pela prática do delito descrito no artigo 70 da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962.
Consta da denúncia (fls. 95/100) que:
No dia 13 de novembro de 2016, por volta das 02h00min, na avenida Cuiabá, no município de Teodoro Sampaio-SP, nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente, constatou-se que o imputado ANDERSON OLBIEDO SOARES, agindo com consciência e vontade, recebeu e conduziu, em proveito próprio e alheio, coisa que sabia ser produto de crime, notadamente um veículo IX35, com placas falsas PJY 8684, objeto de roubo/furto, conforme laudo pericial de fls. 61/65 e importou, recebeu, trouxe consigo, guardou, ocultou, transportou, com finalidade de entrega a consumo de terceiros, 648,100 kg (seiscentos e quarenta e oito quilogramas e cem gramas), de substância entorpecente/psicotrópica, notadamente Cannabis Sativa Linneu, conhecida popularmente por maconha, droga alucinógena, que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, já que referida substância se encontra relacionada na Lista de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas de Uso Proscrito no País (Lista F1), constante da portaria SVS nº 344, de 12 de maio de 1998, bem como na Resolução da Diretoria colegiada - RDC nº 6, de 18 de fevereiro de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, conforme Auto de Apresentação e Exibição de fls. 16/18 e Laudo de Química Forense de fls. 45/53 e ainda desenvolveu clandestinamente atividades de telecomunicações, ao fazer uso de aparelho radiocomunicador fora das especificações de homologação, com comunicação contínua com veículo batedor, que o alertou durante todo o trajeto acerca de fiscalização policial, de modo a garantir o êxito no transporte do entorpecente.
Na data dos fatos, diante de informação recebida de que um veículo IX35, de placas PJY 8684, vinha transportando grande quantidade de entorpecentes, policiais federais deslocaram-se para o município de Teodoro Sampaio, onde por volta de 02h00min, avistaram o carro suspeito adentrando a cidade pela avenida central, realizando-se a abordagem do veículo no momento em que esse parou no semáforo. O condutor do veículo foi identificado como sendo ANDERSON OLBIEDO SOARES, verificando-se que o mesmo estava transportando grande quantidade de maconha, acondicionada em cima do banco dianteiro e traseiro e no porta-malas, razão pela qual os policiais federais deram voz de prisão ao imputado.
Apurou-se que ANDERSON OLBIEDO SOARES foi contratado por uma pessoa não identificada, mediante promessa de recompensa, tendo sido oferecido a ele a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para realizar o recebimento e transporte da droga, utilizando-se de carro roubado/furtado, mediante o uso de aparelho de telecomunicação.
Assim, no dia 11 de novembro de 2016, o denunciado ANDERSON OLBIEDO SOARES recebeu ao lado do Posto Fazendário de Ponta Porã, na fronteira entre Brasil e Paraguai, o veículo IX35, de placas PJY 8684, objeto de crime anterior, já que se trata de carro roubado/furtado, o que tinha ele total conhecimento, carregado com a maconha, tendo o acusado anuído e participado, em alguma etapa do processo de internação da droga em território nacional, ficando encarregado de transportá-la até São Paulo-SP, onde a carga seria entregue a terceiros não identificados, o que fez com o auxílio de veículos batedores, com a utilização sistemática de rádio comunicador não homologado.
Evidencia o tráfico de entorpecentes e sua transnacionalidade a quantidade de droga apreendida, modo de transporte, destino e finalidade comercial, aliada ao fato de que a droga foi entregue ao imputado nas proximidades da fronteira do Brasil/Paraguai, o que comprova a importação da maconha.
(...)
Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou ANDERSON OLBIEDO SOARES pela prática do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006, em concurso material com o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 e artigo 180, caput, do Código Penal.
A r. denúncia foi recebida em 20.02.2017 (fl. 186).
Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença (fls. 300/305), cuja baixa em Secretaria deu-se em 31.05.2017 (fl. 306).
O Ministério Público Federal apela (fls. 307/319), pleiteando, em síntese: 1) a condenação do réu nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997; 2) a exasperação da pena-base, em patamar não inferior a 10 (dez) anos de reclusão, no que se relaciona à condenação pelo tráfico transnacional de drogas; 3) o reconhecimento da agravante genérica da reincidência, que deve preponderar sobre a atenuante genérica da confissão espontânea; 4) a manutenção da exasperação da pena, uma vez reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas; 5) a manutenção do decote da causa de diminuição de pena previsto no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas.
A Defesa constituída pelo réu apela (fls. 341/361), pleiteando, em síntese: 1) a aplicação do princípio da insignificância, no que se refere ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/1962; 2) a absolvição, no que se relaciona ao delito de receptação dolosa, por ausência do elemento subjetivo do tipo (dolo direto) ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para o parágrafo 3º do artigo 180 do Código Penal e; 3) o decote da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, com remessa dos autos à Justiça Estadual." (grifei)

Na sessão de julgamento, realizada no dia 12 de dezembro de 2019, o e. Relator Desembargador Federal Fausto De Sanctis proferiu o seguinte voto:

"Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa, apenas para considerar neutra a personalidade do agente, bem como desclassificar a conduta de receptação dolosa para o crime de receptação culposa, e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da Acusação, apenas para elevar o quantum de aumento da pena em relação ao tráfico transnacional de drogas, fixando-se, por conseguinte, as penas totais e definitivas de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa, e, ainda, 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, estabelecendo-se o regime FECHADO como forma de cumprimento das sanções impostas, mantendo-se, no mais, a sentença a quo.".

Consigno que acompanho integralmente o e. Relator quanto ao mérito e dosimetria dos crimes de tráfico transnacional de drogas, previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, e de receptação culposa, descrito no artigo 180, § 3º, do Código Penal.

Pedi vista dos autos para melhor refletir a respeito da classificação jurídica relativa ao uso do rádio transceptor no caso em apreço, tipificado pelo e. Relator nos moldes do artigo 70 da Lei nº 4.117/62.

Em seu voto, o e. Relator salientou que a distinção atinente aos tipos penais do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 e do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 se dá pela verificação do requisito da habitualidade na atividade de radiodifusão, de modo que, consistindo em exploração habitual do serviço de telecomunicação, configurar-se-ia a infração penal do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, caso contrário, restaria caracterizado o delito do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962. Como, no caso dos autos, não se comprovou o uso habitual do rádio transceptor, o voto concluiu que a conduta se subsome ao tipo do artigo 70 da Lei nº 4.117/1962.

Com a devida vênia, ouso discordar do e. Relator, eis que o pleito da acusação pela subsunção da conduta de utilizar rádios transmissores ao artigo 183 da Lei nº 9.472/97 deve prosperar. Explico.

Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. É embasada na instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto em lei e nos regulamentos, apenada com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

O delito do aludido artigo 183 da Lei nº 9.472/97, por sua vez, tipifica a conduta consistente em desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação, ao qual é cominada a pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro.

Desse modo, qualquer equipamento que opere com transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras telecomunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros etc.

Conforme previsão constitucional, a radiodifusão sonora, de sons e imagens são serviços explorados diretamente pela União, ou mediante concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo (artigo 21, inciso XII, alínea "a", com redação dada pela Emenda nº 8, de 15/08/95, e artigo 223, ambos da Constituição Federal).

Permanece assente o entendimento de que a radiodifusão é espécie do gênero telecomunicações. Todavia, necessita de prévia autorização da ANATEL para funcionamento.

O tipo penal definido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 reafirmou a ilicitude da atividade de radiodifusão clandestina, sendo até então prevista no artigo 70 da Lei nº 4.117/62 a utilização de telecomunicação sem observância do disposto em lei e nos regulamentos.

Assim, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183 da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento, sem a competente autorização da ANATEL, aparelho radiocomunicador instalado no veículo IX35, de placas PJY 8684, que conduzia naquela data. O mesmo diploma legal define o que seria a atividade clandestina:


"Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;
II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.
Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite." (grifei)

Os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça corroboram este entendimento:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RÁDIO INSTALADA EM VEÍCULO SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO. DELITO TIPIFICADO NO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.
- Esta Corte possui o entendimento pacífico de que "a prática de atividade de telecomunicação sem a devida autorização dos órgãos públicos competentes subsome-se no tipo previsto no art. 183 da Lei 9.472/97; divergindo da conduta descrita no art. 70 da Lei 4.117/62, em que se pune aquele que, previamente autorizado, exerce a atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e aos regulamentos" (CC 101.468/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 10.9.2009).
- O recorrido foi condenado por fazer uso de rádio comunicador, desenvolvendo clandestinamente atividade de telecomunicação, pois operava rádio em veículo sem a devida autorização da autoridade competente, o que atrai a incidência do art. 183 da Lei n. 9.472/1997. Precedentes. Agravo regimental desprovido.". (AgRg no REsp 1.464.640/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Ericson Maranho, Desembargador Convocado do TJ/SP, j. 18.12.2014, DJe 06.02.2015);
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. PRETENSA DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997 PARA O ART. 70 DA LEI N. 4.117/1962. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE QUE EXPLORAVA ATIVIDADE DE RADIODIFUSÃO SEM AUTORIZAÇÃO. HABITUALIDADE NA INSTALAÇÃO. UTILIZAÇÃO CLANDESTINA. TIPIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O art. 183 da Lei n. 9.472/97 não revogou o art. 70 da Lei n. 4.117/62, haja vista a distinção dos tipos penais. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a prática habitual de atividade de telecomunicação sem a prévia autorização do órgão público competente subsume-se ao tipo descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97, enquanto a conduta daquele que, previamente autorizado, exerce atividade de telecomunicação de forma contrária aos preceitos legais e regulamentares encontra enquadramento típico-normativo no art. 70 da Lei n. 4.117/62. 2. No caso, correto o acórdão proferido pelo Tribunal de origem que, verificando a conduta do agente em explorar e exercer, de forma habitual, os serviços de telecomunicação de radiodifusão sem a autorização do órgão competente, o condena pelo crime descrito no art. 183 da Lei n. 9.472/97. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.". (AGRESP 201300943890, MARCO AURÉLIO BELLIZZE, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:20/11/2013).

Nesse sentido, o entendimento desta E. Décima Primeira Turma:


"PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. INCIDÊNCIA NO ARTIGO 183 DA LEI 9.472/97. ARTIGO 70 DA LEI 4.117/92 NÃO REVOGADO, MAS INAPLICÁVEL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. SÚMULA 444 DO STJ. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE DO ART. 62, IV, DO CP. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. COMPENSAÇÃO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE. MANTIDA INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou sua jurisprudência no sentido de que o uso clandestino de rádio transceptor subsume-se ao tipo penal do art. 183 da Lei nº 9.472/97, e não àquele previsto no art. 70 da Lei nº 4.117/62. 2. É entendimento pacífico no âmbito desta Corte que a consumação do crime de contrabando prescinde da utilização clandestina de equipamentos de telecomunicações. Estes, em verdade, funcionam como instrumentos facilitadores da prática daquele delito, não exaurindo sua potencialidade lesiva com a consecução do contrabando. São, portanto, condutas autônomas, não havendo que se falar em absorção do crime do art. 183 da Lei 9.472/97 por aquele previsto no art. 334-A do Código Penal. 3. Materialidade, autoria e dolo comprovados pelo conjunto fático-probatório carreado aos autos. 4. Reexame da dosimetria da pena. Afastadas as circunstâncias judiciais desfavoráveis relativas à conduta social e à personalidade do réu. Redução da pena-base de ambos os crimes. 5. Mantida a inabilitação do acusado para dirigir veículos pelo prazo da pena privativa de liberdade fixada. 6. Apelação parcialmente provida." (TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71829 - 0009168-48.2016.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO, julgado em 06/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/03/2018 - grifei).

Postos os fundamentos acima, a conduta do réu descrita na denúncia, consistente em usar rádio transceptor sem qualquer autorização da autoridade competente, caracteriza o crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97. Sendo assim, divirjo do voto do e. Relator no particular, apenas para dar provimento ao recurso do Ministério Público Federal nesse ponto e condenar o réu ANDERSON OLBIEDO SOARES nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/97.

Nesse âmbito, relevante destacar também que o delito em apreço é formal e de perigo abstrato, consumando-se independentemente da ocorrência de danos. Assim, configurada a clandestinidade da atividade de telecomunicação, é irrelevante a pequena potência do aparelho transmissor, não sendo plausível se falar em ausência de lesão ao bem jurídico. No sentido da desnecessidade de demonstração concreta do prejuízo causado na hipótese do crime em apreço e, consequentemente, da inviabilidade de aplicação do princípio da insignificância, colaciono os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:


"PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXPLORAÇÃO CLANDESTINA DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES. DELITO FORMAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Encontra-se pacificado nesta Corte Superior o entendimento no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância ao delito previsto no art. 183 da Lei 9.472/97, por tratar-se de crime formal, de perigo abstrato, o que torna irrelevante a ocorrência de dano concreto causado pela conduta do agente (AgRg nos EREsp 1.177.484/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2015, DJe 15/12/2015).
2. Agravo regimental improvido.". (AgRg no REsp 1555104/PE, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 03/04/2018);
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CAMINHÃO EQUIPADO COM RÁDIO -COMUNICADOR. VEÍCULO UTILIZADO PARA O TRANSPORTE DE CIGARROS CONTRABANDEADOS. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. RECURSO DESPROVIDO.
1. O acórdão recorrido não contraria a jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual o princípio da insignificância não se aplica ao art. 183 da Lei 9.472/1997, pois "o referido crime é considerado formal, de perigo abstrato, tendo como bem jurídico tutelado a segurança e o regular funcionamento dos meios de comunicação" (AgRg no AREsp 1043239/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2018, DJe 16/02/2018). Precedentes.
2. Ademais, segundo a instância ordinária, "o aparelho estava instalado de forma oculta no interior do painel do veículo de que fazia uso para transportar 425.000 (quatrocentos e vinte e cinco mil) maços de cigarros estrangeiros, razoável concluir que havia ligação entre as duas práticas criminosas, uma para assegurar o resultado da outra" (e-STJ 668).
3. O que justificaria, então, o reconhecimento da circunstância agravante do art. 61, II, "b", do CP - não o será por força do princípio do non reformatio in pejus -, afasta, por si só, todos os vetores indicados pelo STF como condição para a aplicação do princípio da insignificância - (i) mínima ofensividade da conduta;
(ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada.
4. Agravo regimental desprovido.".
(AgRg no AREsp 1223080/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe 02/04/2018).

Passo a analisar a materialidade e a autoria delitivas, bem assim o dolo no caso em tela.

A materialidade restou demonstrada pelo Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/06) e pelo Laudo Pericial de fls. 57/60, o qual atesta que no interior do veículo Hyundai/IX35, placas PJY-8684, foi encontrado o transceptor móvel de marca YAESU, modelo FT-1900R, número de série 5L241957, de origem chinesa, com microfone do tipo PTT (push to talk), sem antena, instalado no painel do referido veículo e desprovido da competente autorização da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL.

Constatou-se que o equipamento em tela opera em FM com potência de transmissão de até 55W na faixa de frequências de 136 a 174 MHz. Segundo o laudo, originalmente, a transmissão do aparelho se dá na faixa restrita entre 144 a 148 MHz, contudo, devido à alteração verificada em seu circuito, é possível transmitir em maior faixa de frequências, de 136 a 174 MHz, sendo que o transceptor apreendido estava configurado para operar em 148,9125 MHz. Os peritos assinalaram que o equipamento em apreço poderia causar interferência em outros equipamentos transmissores ou receptores de ondas eletromagnéticas que utilizem as mesmas radiofrequências na área de influência das transmissões envolvidas, implicando obstrução, degradação ou interrupção dos serviços realizados, tornando assim segura a materialidade delitiva.

No tocante à autoria delitiva, Roberto Rodolfo Fonseca e Luiz Felipe Soares Júnior, agentes da Polícia Federal que realizaram a prisão em flagrante de ANDERSON, foram ouvidos em juízo (mídia digital de fl. 228) e, sob o crivo do contraditório, confirmaram que o rádio transceptor estava ligado no momento em que abordaram o acusado, sendo possível ouvir outra pessoa que tentava se comunicar com o réu. De sua vez, o acusado ANDERSON confessou, perante o magistrado a quo, que realizava o transporte da droga e que utilizava o aparelho radiotransmissor para comunicação.

Destarte, entendo que está comprovada, de forma suficiente, a materialidade e a autoria delitiva, bem como a presença do elemento subjetivo do tipo na conduta de ANDERSON OLBIEDO SOARES quanto à prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.

Passo a dosar a pena a ser imposta ao réu, de acordo com o preceito secundário do mencionado tipo penal.

Na primeira fase da dosimetria, verifico que o acusado ostenta maus antecedentes. Com efeito, conforme constou do voto do e. Relator, ANDERSON possui duas condenações definitivas anteriores, pela prática do crime de roubo majorado (fl. 266) e pelo crime de tráfico de drogas em concurso material com o delito de receptação dolosa (fl. 239), de modo que, enquanto a primeira é utilizada para exasperar a pena-base, a segunda será usada para agravar a pena intermediária.

Conforme se consignou no voto do e. Relator, é cabível na hipótese a valoração negativa das circunstâncias do crime, tendo em vista que o rádio transceptor foi utilizado para manter comunicação com batedores durante o transporte de grande quantidade de substância entorpecente, com o fito de evitar a fiscalização rodoviária. Tal atitude, de fato, revela maior grau de organização e planejamento do agente delitivo para a prática do delito, e consequentemente, de ofensa ao bem jurídico tutelado.

Quanto à personalidade do agente, considerada desfavorável na sentença em virtude do cometimento de crime mesmo diante da existência das condenações anteriores, entendo ser cabível a reformulação da pena em razão da aludida circunstância. Isso porque a personalidade do acusado refere-se ao seu caráter, e sua avaliação deve estar assentada em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos (o que, frise-se, não se verifica no presente caso), não servindo para tal fim o argumento sustentado na sentença.

Destarte, deve ser afastada a valoração negativa da personalidade do agente e mantida aquela concernente às circunstâncias do crime e aos maus antecedentes, razão pela qual a pena-base é estipulada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.

Na segunda etapa da dosagem, estão presentes a atenuante da confissão espontânea, visto que o réu admitiu a prática delitiva em juízo, bem como a agravante da reincidência (conforme se registrou acima), as quais devem ser compensadas, com fundamento em julgado do C. Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.341.370 - MT, de Relatoria do Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13 de abril de 2013, cuja ementa se colaciona:


"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART.543-C DO CPC). PENAL. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA E REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência.
2. Recurso especial provido."

Desse modo, a pena intermediária se mantém em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.

Na terceira e última fase, não há causas de aumento ou de diminuição, razão pela qual a pena definitiva é estabelecida no patamar de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.

O valor unitário do dia-multa é estabelecido no mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, ante a condição financeira do réu.

Tendo em vista o concurso material dos crimes, que resultou na cumulação das penas cominadas, acompanho o e. Relator quanto ao regime inicial fechado, fixado nos moldes do artigo 33, §2º, "a", do Código Penal.



Ante o exposto, divergindo em parte do e. Relator, dou parcial provimento ao recurso da acusação, apenas para condenar o réu ANDERSON OLBIEDO SOARES pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa.


É como voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011146-54.2016.4.03.6112/SP
2016.61.12.011146-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00111465420164036112 1 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

RELATÓRIO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela Defesa constituída por ANDERSON OLBIEDO SOARES (nascido em 07.11.1984), contra a r. sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Substituto Bruno Santhiago Genovez (1ª Vara Federal da 12ª Subseção Judiciária de Presidente Prudente) (fls. 300/305) que, julgando PROCEDENTE o pedido formulado na r. denúncia, CONDENOU o réu ao cumprimento, em regime inicial FECHADO, da pena definitiva de 09 (nove) anos de reclusão e ao pagamento de 1.080 (mil e oitenta) dias-multa, cada qual fixado no mínimo legal de 1/30 (um trinta avos) do valor do salário mínimo vigente na data dos fatos, pela prática do delito descrito no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, em concurso material com o artigo 180, caput, do Código Penal, bem como à pena definitiva de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, pela prática do delito descrito no artigo 70 da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962.


Consta da denúncia (fls. 95/100) que:


No dia 13 de novembro de 2016, por volta das 02h00min, na avenida Cuiabá, no município de Teodoro Sampaio-SP, nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente, constatou-se que o imputado ANDERSON OLBIEDO SOARES, agindo com consciência e vontade, recebeu e conduziu, em proveito próprio e alheio, coisa que sabia ser produto de crime, notadamente um veículo IX35, com placas falsas PJY 8684, objeto de roubo/furto, conforme laudo pericial de fls. 61/65 e importou, recebeu, trouxe consigo, guardou, ocultou, transportou, com finalidade de entrega a consumo de terceiros, 648,100 kg (seiscentos e quarenta e oito quilogramas e cem gramas), de substância entorpecente/psicotrópica, notadamente Cannabis Sativa Linneu, conhecida popularmente por maconha, droga alucinógena, que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, já que referida substância se encontra relacionada na Lista de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas de Uso Proscrito no País (Lista F1), constante da portaria SVS nº 344, de 12 de maio de 1998, bem como na Resolução da Diretoria colegiada - RDC nº 6, de 18 de fevereiro de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, conforme Auto de Apresentação e Exibição de fls. 16/18 e Laudo de Química Forense de fls. 45/53 e ainda desenvolveu clandestinamente atividades de telecomunicações, ao fazer uso de aparelho radiocomunicador fora das especificações de homologação, com comunicação contínua com veículo batedor, que o alertou durante todo o trajeto acerca de fiscalização policial, de modo a garantir o êxito no transporte do entorpecente.


Na data dos fatos, diante de informação recebida de que um veículo IX35, de placas PJY 8684, vinha transportando grande quantidade de entorpecentes, policiais federais desloacaram-se para o município de Teodoro Sampaio, onde por volta de 02h00min, avistaram o carro suspeito adentrando a cidade pela avenida central, realizando-se a abordagem do veículo no momento em que esse parou no semáforo. O condutor do veículo foi identificado como sendo ANDERSON OLBIEDO SOARES, verificando-se que o mesmo estava transportando grande quantidade de maconha, acondicionada em cima do banco dianteiro e traseiro e no porta-malas, razão pela qual os policiais federais deram voz de prisão ao imputado.


Apurou-se que ANDERSON OLBIEDO SOARES foi contratado por uma pessoa não identificada, mediante promessa de recompensa, tendo sido oferecido a ele a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para realizar o recebimento e transporte da droga, utilizando-se de carro roubado/furtado, mediante o uso de aparelho de telecomunicação.


Assim, no dia 11 de novembro de 2016, o denunciado ANDERSON OLBIEDO SOARES recebeu ao lado do Posto Fazendário de Ponta Porã, na fronteira entre Brasil e Paraguai, o veículo IX35, de placas PJY 8684, objeto de crime anterior, já que se trata de carro roubado/furtado, o que tinha ele total conhecimento, carregado com a maconha, tendo o acusado anuído e participado, em alguma etapa do processo de internação da droga em território nacional, ficando encarregado de transportá-la até São Paulo-SP, onde a carga seria entregue a terceiros não identificados, o que fez com o auxílio de veículos batedores, com a utilização sistemática de rádio comunicador não homologado.


Evidencia o tráfico de entorpecentes e sua transnacionalidade a quantidade de droga apreendida, modo de transporte, destino e finalidade comercial, aliada ao fato de que a droga foi entregue ao imputado nas proximidades da fronteira do Brasil/Paraguai, o que comprova a importação da maconha.


(...)


Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou ANDERSON OLBIEDO SOARES pela prática do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006, em concurso material com o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 e artigo 180, caput, do Código Penal.


A r. denúncia foi recebida em 20.02.2017 (fl. 186).


Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença (fls. 300/305), cuja baixa em Secretaria deu-se em 31.05.2017 (fl. 306).


O Ministério Público Federal apela (fls. 307/319), pleiteando, em síntese: 1) a condenação do réu nas penas do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997; 2) a exasperação da pena-base, em patamar não inferior a 10 (dez) anos de reclusão, no que se relaciona à condenação pelo tráfico transnacional de drogas; 3) o reconhecimento da agravante genérica da reincidência, que deve preponderar sobre a atenuante genérica da confissão espontânea; 4) a manutenção da exasperação da pena, uma vez reconhecida a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas; 5) a manutenção do decote da causa de diminuição de pena previsto no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas.


A Defesa constituída pelo réu apela (fls. 341/361), pleiteando, em síntese: 1) a aplicação do princípio da insignificância, no que se refere ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/1962; 2) a absolvição, no que se relaciona ao delito de receptação dolosa, por ausência do elemento subjetivo do tipo (dolo direto) ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para o parágrafo 3º do artigo 180 do Código Penal e; 3) o decote da causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, com remessa dos autos à Justiça Estadual.


Contrarrazões pela Defesa (fls. 353/361) e pelo Ministério Público Federal (fls. 363/373).


A Procuradoria Regional da República manifestou-se pela nulidade parcial da sentença relativa aos crimes de telecomunicações e de receptação, pelo desprovimento da apelação da defesa e pelo parcial provimento do recurso da acusação, reformando-se a sentença a fim de que seja majorada a pena base do tráfico de entorpecentes, fixando-a em 10 anos de reclusão, quanto ao aumento em razão de transnacionalidade do tráfico, afastada a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, a majoração da pena base e o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11343/06 (fl. 379).


É o relatório.


À revisão.




FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 07/10/2019 10:07:56



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0011146-54.2016.4.03.6112/SP
2016.61.12.011146-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : OS MESMOS
APELADO(A) : Justica Publica
: ANDERSON OLBIEDO SOARES reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00111465420164036112 1 Vr PRESIDENTE PRUDENTE/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


DA IMPUTAÇÃO


Consta da denúncia (fls. 95/100) que:

No dia 13 de novembro de 2016, por volta das 02h00min, na avenida Cuiabá, no município de Teodoro Sampaio-SP, nesta Subseção Judiciária de Presidente Prudente, constatou-se que o imputado ANDERSON OLBIEDO SOARES, agindo com consciência e vontade, recebeu e conduziu, em proveito próprio e alheio, coisa que sabia ser produto de crime, notadamente um veículo IX35, com placas falsas PJY 8684, objeto de roubo/furto, conforme laudo pericial de fls. 61/65 e importou, recebeu, trouxe consigo, guardou, ocultou, transportou, com finalidade de entrega a consumo de terceiros, 648,100 kg (seiscentos e quarenta e oito quilogramas e cem gramas) de substância entorpecente/psicotrópica, notadamente Cannabis Sativa Linneu, conhecida popularmente por maconha, droga alucinógena, que determina dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, já que referida substância se encontra relacionada na Lista de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas de Uso Proscrito no País (Lista F1), constante da portaria SVS nº 344, de 12 de maio de 1998, bem como na Resolução da Diretoria colegiada - RDC nº 6, de 18 de fevereiro de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, conforme Auto de Apresentação e Exibição de fls. 16/18 e Laudo de Química Forense de fls. 45/53 e ainda desenvolveu clandestinamente atividades de telecomunicações, ao fazer uso de aparelho radiocomunicador fora das especificações de homologação, com comunicação contínua com veículo batedor, que o alertou durante todo o trajeto acerca de fiscalização policial, de modo a garantir o êxito no transporte do entorpecente.

Na data dos fatos, diante de informação recebida de que um veículo IX35, de placas PJY 8684, vinha transportando grande quantidade de entorpecentes, policiais federais deslocaram-se para o município de Teodoro Sampaio, onde por volta de 02h00min, avistaram o carro suspeito adentrando a cidade pela avenida central, realizando-se a abordagem do veículo no momento em que esse parou no semáforo. O condutor do veículo foi identificado como sendo ANDERSON OLBIEDO SOARES, verificando-se que o mesmo estava transportando grande quantidade de maconha, acondicionada em cima do banco dianteiro e traseiro e no porta-malas, razão pela qual os policiais federais deram voz de prisão ao imputado.

Apurou-se que ANDERSON OLBIEDO SOARES foi contratado por uma pessoa não identificada, mediante promessa de recompensa, tendo sido oferecido a ele a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) para realizar o recebimento e transporte da droga, utilizando-se de carro roubado/furtado, mediante o uso de aparelho de telecomunicação.

Assim, no dia 11 de novembro de 2016, o denunciado ANDERSON OLBIEDO SOARES recebeu ao lado do Posto Fazendário de Ponta Porã, na fronteira entre Brasil e Paraguai, o veículo IX35, de placas PJY 8684, objeto de crime anterior, já que se trata de carro roubado/furtado, o que tinha ele total conhecimento, carregado com a maconha, tendo o acusado anuído e participado, em alguma etapa do processo de internação da droga em território nacional, ficando encarregado de transportá-la até São Paulo-SP, onde a carga seria entregue a terceiros não identificados, o que fez com o auxílio de veículos batedores, com a utilização sistemática de rádio comunicador não homologado.

Evidencia o tráfico de entorpecentes e sua transnacionalidade a quantidade de droga apreendida, modo de transporte, destino e finalidade comercial, aliada ao fato de que a droga foi entregue ao imputado nas proximidades da fronteira do Brasil/Paraguai, o que comprova a importação da maconha.

(...)

Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou ANDERSON OLBIEDO SOARES pela prática do delito previsto no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei Federal nº 11.343/2006, em concurso material com o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997 e artigo 180, caput, do Código Penal.

DA PRELIMINAR ARGUÍDA

A douta Procuradoria Regional da República arguiu preliminar pleiteando a nulidade parcial da r. sentença penal condenatória, sob o argumento de prejuízo à ampla defesa do Recorrente ANDERSON, por entender que a decisão judicial que recebeu a r. Denúncia limitou-se ao delito de tráfico transnacional de drogas, de modo que a defesa do réu foi construída somente em relação a este crime.

A preliminar deve ser afastada.

Em primeiro lugar, verifica-se que o mandado de citação direcionado ao réu foi acompanhado de cópia da r. Denúncia (cfr. fl. 116), permitindo-se ciência de todas as imputações contra si formuladas e, consequentemente, preservando-se o contraditório e o exercício da ampla defesa quando da apresentação de defesa preliminar. Em seu interrogatório, o próprio réu afirma que leu a cópia da r. denúncia (aproximadamente 24 minutos da mídia digital à fl. 228).

Outrossim, antes do oferecimento da defesa preliminar, a advogada constituída pelo réu, Dra. Aline Fernanda Escarelli, fez carga do processo (cfr. fl. 179), oportunidade em que teve acesso a todo o seu conteúdo, o que também preservou o direito ao contraditório e à ampla defesa constitucionalmente assegurado.

Além disso, da Audiência de Instrução, Debates e Julgamento, participou o advogado do réu, Dr. Ewerson Silva dos Reis, que teve amplo acesso aos autos e oportunidade de entrevistar-se com seu cliente, orientando-o de todo o processado. Consta ainda da mídia digital, mais precisamente aos 08 minutos, que o magistrado leu para o réu todas as imputações formuladas na denúncia, permitindo-se, mais uma vez, o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Por fim, extrai-se do interrogatório que o réu leu o processo, pois disse ao magistrado que viu nos autos o documento de devolução do carro receptado.

Assim, embora conste erro material na decisão que recebeu a denúncia (fl. 186), porquanto limitou-se ao delito de tráfico de drogas, o réu e seus advogados estavam plenamente cientes das acusações formuladas na peça vestibular.

Cumpre destacar que o Código de Processo Penal, em seu art. 563, aduz que nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa, razão pela qual qualquer decretação de nulidade passa pela perquirição da sobrevinda de prejuízo àquele que foi prejudicado pelo ato impugnado sob o pálio do princípio pas de nullité sans grief. Ressalte-se que a jurisprudência de nossas C. Cortes Superiores, bem como deste E. Tribunal Regional Federal, acolhe a dicção do preceito transcrito, fazendo coro à disposição do legislador no sentido de que qualquer nulidade somente será decretada caso efetivamente haja a comprovação do prejuízo daquele que a requer - a propósito:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. INEXISTÊNCIA DE ARGUMENTAÇÃO APTA A MODIFICÁ-LA. MANUTENÇÃO DA NEGATIVA DE SEGUIMENTO. TESTEMUNHA INQUIRIDA MEDIANTE CARTA PRECATÓRIA. DEFENSORIA PÚBLICA ESTRUTURADA NO JUÍZO DEPRECADO. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. TESTEMUNHA QUE DESCONHECIA OS FATOS OBJETO DE APURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A LEGITIMAR A PROCLAMAÇÃO DE NULIDADE S. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 2. Inobservâncias processuais não contaminam a higidez processual na hipótese em que inocorrente prejuízo às partes. Aplicação, em matéria de nulidade s, do art. 563 do CPP, que traduz o princípio reitor em que se consagra que, sem prejuízo , não se proclamam nulidade s. (...) (STF, HC 130549 AgR, Rel. Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 28/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-243 DIVULG 16-11-2016 PUBLIC 17-11-2016)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL JULGADO PROCEDENTE. VIOLAÇÃO DA SÚMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DO ACUSADO PRESO À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. EXPEDIÇÃO DE REQUISIÇÃO PELO JUÍZO PROCESSANTE. CONCORDÂNCIA DA DEFESA NA REALIZAÇÃO DO ATO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO . INTELIGÊNCIA DO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. (...) 3. Ademais, o reconhecimento de nulidade dos atos processuais demanda, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à defesa técnica. Vale dizer, o pedido deve expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado. Sem isso, estar-se-ia diante de um exercício de formalismo exagerado, que certamente comprometeria o objetivo maior da atividade jurisdicional. Precedentes. (...) (STF, HC 119372, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 04/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 01-02-2016 PUBLIC 02-02-2016)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE NÃO EVIDENCIADA. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO DE PROVA ILÍCITA MOTIVADA. ABSOLVIÇÃO DO RÉU. IMPROPRIEDADE NA VIA DO WRIT. CONDENAÇÃO BASEADA NA PALAVRA DA VÍTIMA E EM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRODUZIDOS NOS AUTOS. AGRAVO DESPROVIDO. (...) 3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento de nulidade no curso do processo penal reclama efetiva demonstração de prejuízo , à luz do art. 563 do Código de Processo Penal, segundo o princípio pas de nullité sans grief, o que não se verifica na espécie. (...) (STJ, AgRg no HC 327.638/PA, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 21/09/2017)
APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 157, §2º, I, II, V, CP. NULIDADE POR CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. REDUÇÃO DO QUANTUM DA REINCIDÊNCIA. CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 157, §2º, III DO CP. NÃO CONFIGURAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (...) Ressalte-se que no âmbito do processo penal, em homenagem ao princípio pas de nullité sans grief, consagrado pelo legislador no artigo 563 do Código de Processo Penal, não será declarada a nulidade quando não resultar prejuízo comprovado para a parte que a alega. (...) (TRF3, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 71202 - 0006486-72.2015.4.03.6105, Rel. Des. Fed. JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 12/09/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/09/2017)
Dentro de tal contexto, não se vislumbra dos autos a presença de qualquer mácula ao contraditório e à ampla defesa constitucionalmente assegurados, tampouco prejuízo ao réu, uma vez que tinha plena ciência acerca dos delitos pelo qual foi incursionado.

Assim, afasta-se a preliminar arguida.


DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/1962

Da desclassificação do delito previsto no artigo 183 da lei nº 9.472/1997 para o artigo 70 da lei nº 4.117/1962

Em sentença, quanto à imputação da prática do delito previsto no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, o magistrado desclassificou a conduta para o artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, fundamentando, em síntese, que o réu utilizou pontualmente o aparelho de comunicação, apenas para proveito próprio, e não da maneira reiterada exigida pelo artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.


O Ministério Público Federal apela pedindo a condenação nas sanções do artigo 183 da Lei nº 9.472/1997, argumentando que é sobremodo comum e rotineiro a utilização de rádios transceptores para a comunicação entre os criminosos, com o propósito de despistar a fiscalização de órgãos de repressão, possibilitando e viabilizando as práticas delitivas. Assim, descabida a desclassificação para a infração do art. 70 da Lei n. 4.117/1962, que se aplica ao agente que utiliza de atividade de telecomunicações sem habitualidade, mas apenas uma vez e de modo não rotineiro, o que afasta a sua incidência nos casos em que caracterizada a habitualidade delitiva.


É o caso de manter-se a desclassificação operada pelo magistrado sentenciante.


O artigo 70 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações) criminaliza a atividade de telecomunicações sem a competente autorização do poder público, bem como as atividades legalmente admitidas, porém exercidas em desrespeito aos regulamentos (como é o caso de utilizar tais meios de comunicação para prática de um crime). O artigo 10 da citada Lei estabelece a competência privativa da União para manter e explorar os serviços que integram o Sistema Nacional de Telecomunicações, bem como de fiscalizar os serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.


A Carta Magna manteve o domínio privativo da União das telecomunicações e, em seu art. 223, enfatizou ser indispensável a autorização estatal, mediante outorga ou renovação pelo Poder Executivo, para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Quando da sua promulgação, o inciso XI do art. 21 da CF, assegurava a prestação de serviços de informações por entidades de direito privado, contudo através da rede pública de telecomunicações explorada pela União.


Com a edição da Emenda Constitucional nº 8, de 15 de agosto de 1995, as redações dos incisos XI e XII, alínea 'a', do artigo 21 foram modificadas, in verbis:


Art. 21. Compete à União:

(...)

XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;


Por sua vez, a Lei n.º 9.472/1997 foi editada para complementar as disposições constitucionais, nos termos da Emenda Constitucional n.º 8, de 1995, sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais. Citada lei definiu e estabeleceu parâmetros para a exploração dos serviços de telecomunicações, inclusive a radiofrequência, cuja utilização no âmbito privado depende de prévia autorização da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), inteligência dos artigos 131 e 163.


Com a edição da Lei n.º 9.472/1997, a Lei n.º 4.117/1962 não foi revogada em sua integralidade, pois, consoante dispõe seu art. 215, houve revogação da referida lei, salvo quanto à matéria penal não tratada na norma, bem como quanto aos preceitos relativos à radiodifusão.


Nesse contexto, necessário se faz perquirir a respeito da matéria penal que subsiste no bojo da referida lei.


De seu turno, prescreve o artigo 183 da Lei nº 9.472/1997:


Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.


É sabido que desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicações é conduta que caracteriza delito de natureza permanente, cuja consumação se protrai no tempo, caracterizando, assim, sua habitualidade, que somente se interrompe com a cessação da conduta.


Nesse contexto, as Cortes Superiores consolidaram entendimento no sentido de que o artigo 183 da Lei nº 9.742/1997 não revogou o artigo 70 da Lei nº 4.117/1962 quanto à radiodifusão, contudo a tipificação penal dependerá da habitualidade da atividade de radiodifusão: 1) uma vez reconhecida a atividade clandestina de telecomunicações habitual, o réu deve ser condenado como incurso no art. 183 da Lei nº 9.742/1997, ou seja, caso haja comportamento reiterado do agente; e 2) caso seja constatada apenas a conduta de instalação e utilização de rádio clandestina eventual ou funcionamento de rádio devidamente autorizada, mas em desacordo com os regulamentos, restará tipificada a conduta insculpida no artigo 70 da Lei nº 4.117 /1962.


Nesse mesmo sentido, arestos dos Pretórios Excelsos e deste E. Tribunal:


HABEAS CORPUS. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÕES CONTRA O DISPOSTO EM LEI. TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA. ART. 70 DA LEI N° 4.117 /62. IMPOSSIBILIDADE. HABITUALIDADE DA CONDUTA. INCIDÊNCIA DO ART. 183 DA LEI N° 9.472/97. ORDEM DENEGADA. 1. A diferença entre a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações e a do art. 183 da nova lei de Telecomunicações está na habitualidade da conduta. 2. Quando a atividade clandestina de telecomunicações é desenvolvida de modo habitual, a conduta tipifica o disposto no art. 183 da Lei n° 9.472/97, e não o art. 70 da Lei n° 4.117 /62, que se restringe àquele que instala ou utiliza sem habitualidade a atividade ilícita em questão. 3. A denúncia narrou o uso ilegal das telecomunicações de modo habitual pelo réu, sendo correta a tipificação que lhe foi dada. 4. Ordem denegada. (STF, HC nº 93870/SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, DJe: 10.09.2010) -g.n.
PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE TELECOMUNICAÇÕES. ART. 70 DA LEI N. 4.117/62. HABITUALIDADE NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A Corte de origem entendeu comprovado que o rádio transceptor instalado no veículo não caracterizou o desenvolvimento habitual de atividade clandestina de telecomunicações, de forma que a conduta do recorrido enquadra-se no crime previsto no art. 70 da Lei n. 4.117 /62. 2. As duas Turmas que integram o col. STF já decidiram que '[...] a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de Telecomunicações por força do requisito da habitualidade' (HC 120602, Primeira Turma, DJe de 18/3/2014) (HC n. 128.567/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 23/9/2015) (AgRg no REsp 1546511/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 24/02/2016). 3. Agravo regimental improvido. (STJ, AGRESP nº 201401143887, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJE: 28.08.2017) - g.n.
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO DO ART. 70 DA LEI Nº 4.117 /62. IMPOSSIBILIDADE. HABITUALIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO INCONTROVERSOS. DOSIMETRIA DA PENA. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PENA MANTIDA NO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231 DO STJ. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, NOS TERMOS DO ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus nº 93870/SP, em 24/04/2010, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, assentou que a conduta tipificada no art. 70 da Lei nº 4.117 /62 diferencia-se daquela prevista no art. 183 da Lei nº 9.472/97 por força do requisito da habitualidade. 2. No caso em tela, o apelante desenvolvia de forma habitual e clandestina a atividade de telecomunicação multimídia (internet via rádio), o que tipifica o delito previsto no art. 183 da Lei 9.472/1997 e não aquele previsto no art. 70 da lei 4.117 /1962. Portanto, não há que se falar em desclassificação jurídica da ação delitiva.(...) 7. Recurso parcialmente provido. (TRF3, AC nº 70125, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Paulo Fontes, e-DJF3: 29.09.2017. Fonte_Republicação)

No caso dos autos, não há comprovação de utilização do equipamento de forma habitual ou costumeira pelo réu. De seu interrogatório judicial (fl. 226 e mídia digital à fl. 228) extrai-se que foi a primeira vez que teve contato com o veículo e com o rádio comunicador. Com efeito, ele afirmou que foi contratado para realizar o transporte das drogas por uma pessoa cuja qualificação completa ignora, mas que conheceu quando do cumprimento de pena corporal por outra condenação. Receberia a importância financeira da ordem de quinze mil reais. Assumiu a direção do carro apenas em Ponta Porã/MS, já abastecido com a Maconha, e tinha que entregá-lo em São Paulo/SP. Não viu quem lhe entregou o carro no Mato Grosso do Sul, tampouco conhecia os responsáveis por realizar a escolta na estrada (batedores).


Assim, de seu interrogatório extrai-se que o réu foi contratado de forma pontual e específica para a prática do crime. Não há qualquer prova de que ele já praticou o tráfico de drogas com o uso de rádio transmissor no passado, a demonstrar a habitualidade exigida pelo tipo penal previsto no artigo 183 da Lei Federal nº 9.742/1997.


É imperioso ressaltar que as testemunhas Roberto Rodolfo Fonseca e Luiz Felipe Soares Júnior, Agentes da Polícia Federal, regularmente inquiridos em pretório (fls. 224/225 e mídia digital à fl. 228), apenas afirmaram que o radiocomunicador foi encontrado ligado quando da abordagem policial, não fazendo qualquer menção de indicativo de seu uso frequente ou reiterado.


Desse modo, não há comprovação de utilização dos equipamentos de forma habitual ou costumeira pelo réu. Portanto, a conduta narrada na denúncia se subsome ao tipo descrito no artigo 70 da Lei n.º 4.117/1962, referente ao uso irregular de transceptor não autorizado, devendo ser mantido os termos estabelecidos em sentença.


Do pedido de aplicação do princípio da insignificância


O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima ratio. Com efeito, o Direito Penal não pode ser a primeira opção prevista no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta (daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da última fronteira para restabelecer a paz social). Em outras palavras, entende-se que o Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo para tolher sua autonomia ou sua liberdade na justa medida em que determinados fatos ou determinada situação ensejam a incidência de outros ramos do Direito (que se mostram aptos a afastar a crise que se instaurou) - na falta de solução adequada à lide instaurada na sociedade (não resolvida, portanto, pela atuação dos demais segmentos do Direito), tem cabimento ser chamado à baila o legislador pátrio a fim de que a conduta não pacificada seja tipificada como delito por meio da edição de uma lei penal incriminadora.

Dentro de tal contexto, a insignificância surge como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal), afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, a adequação do fato à lei penal incriminadora.

Consigne-se que a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Logo, depreende-se que a incidência da bagatela demanda análise criteriosa caso a caso.

Especificamente no que tange ao crime previsto no artigo 70 da Lei Federal nº 4.117/1962, mostra-se impertinente o pleito de incidência do postulado da bagatela, tendo em vista que o delito mencionado visa tutelar a segurança e a higidez do sistema de telecomunicação presente no país, a permitir, inclusive, o controle e a fiscalização estatal sobre tal atividade econômica, caracterizando-se por ser infração penal formal e de perigo abstrato, ou seja, consumando-se independentemente da ocorrência de dano - desta feita, diante de mácula a bem jurídico de suma importância, impossível cogitar-se de mínima periculosidade social da ação e de reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.

Consigne-se, ademais, que a mera instalação ou a mera utilização de aparelhagem em desacordo com as exigências legais, bem como a existência de atividade clandestina de telecomunicações, já tem o condão de causar sérias interferências prejudiciais em serviços de telecomunicações regularmente instalados (como, por exemplo, polícia, ambulância, bombeiro, navegação aérea, embarcação, bem como receptores domésticos adjacentes à emissora) em razão do aparecimento de frequências espúrias, razão pela qual, além de presumida a ofensividade da conduta pela edição da lei, inquestionável a alta periculosidade social da ação, também sob tal viés, daquele que age ao arrepio das normas de regência.

Ressalte-se que a jurisprudência pátria é uníssona em não permitir o reconhecimento do princípio da insignificância (pelos motivos anteriormente declinados), conforme se infere das ementas que seguem (g.n.):

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME DO ART. 70 DA LEI Nº 4.117/62. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PENA BASE. SÚMULA Nº 444 DO STJ. APONTAMENTO CRIMINAL POSTERIOR. CRIME CONTINUADO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O bem jurídico tutelado pela norma é a segurança das telecomunicações, razão pela qual, caracterizada a clandestinidade da atividade, não se cogita de mínima ofensividade da conduta e consequente exclusão da tipicidade por aplicação do princípio da insignificância. 2. A Súmula nº 444 do STJ obsta a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para análise desfavorável dos antecedentes, conduta social ou personalidade do agente. 3. Inviável o uso de apontamento criminal relacionado a fatos posteriores aos apreciados. Precedente: STJ, 5ª Turma, HC nº 268.762/SC, Min. Regina Helena Costa, DJe 29.10.2013. 4. Para a configuração do crime continuado, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: a) pluralidade de ações ou omissões; b) prática de dois ou mais crimes da mesma espécie e c) relação de continuidade demonstrada pela semelhança entre as condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras análogas. 5. Recurso da defesa parcialmente provido.
(TRF-3 - ACR: 00037005520064036110 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, Data de Julgamento: 23/01/2017, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/01/2017)
PENAL. PROCESSO PENAL. DESCAMINHO. ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 70 DA LEI N. 4.117/62 E ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. DISTINÇÃO. HABITUALIDADE. EMENDATIO LIBELLI PARA DAR O RÉU COMO INCURSO NAS PENAS DO ART. 70 DA LEI N. 4.117/62. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA. DÉBITO TRIBUTÁRIO NÃO EXCEDENTE A R$ 20.000,00. LEI N. 9.430/96. INAPLICABILIDADE. DOSIMETRIA. APELO PROVIDO EM PARTE. 1. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é no sentido de que subsiste a vigência tanto do art. 70 da Lei n. 4.117/62 quanto do art. 183 da Lei n. 9.472/97. A tipificação dependerá, quanto ao primeiro, da inexistência do caráter habitual da conduta, enquanto a do segundo, inversamente, quando se caracteriza a habitualidade (STF, HC n. 128.567, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 08.09.15; STF, HC n. 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.12.13; STF, HC n. 93.870, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 20.04.10; STJ, AgRg no Agravo em REsp n. 743.364, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 19.04.16). No caso dos autos, à míngua de prova da habitualidade, configurou-se o delito previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/62, como reconhecido pelo Juízo a quo. 2. Malgrado a acusação de que os réus desenvolviam atividade clandestina de telecomunicação, há na denúncia apenas a descrição de utilização do dispositivo na data da prisão em flagrante, sem indicativo satisfatório de habitualidade da conduta, de modo que o fato melhor se ajusta ao tipo penal previsto no art. 70 da Lei n. 4.117/62. Logo, com base no disposto no art. 383, caput, do Código de Processo Penal, realizo a emendatio libelli para tipificar os fatos relacionados à utilização do rádio transceptor no crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62. 3. Não é aplicável o princípio da insignificância ao crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62, pois, independentemente de grave lesão ou dolo, trata-se de crime de perigo, com emissão de sinais no espaço eletromagnético à revelia dos sistemas de segurança estabelecidos pelo Poder Público. O simples funcionamento de aparelho de telecomunicação sem autorização legal, independentemente de ser em baixa ou alta potência, coloca em risco o bem comum e a paz social (TRF da 3ª Região, ACr n. 2008.61.12.002022-1-SP, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 18.05.09). 4. Revejo meu entendimento para aplicar o princípio da insignificância ao delito de descaminho quando o valor do débito tributário não exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/02, com as alterações introduzidas pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, consoante restou assentado pelas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal 5. Ao contrário do que sucede com o delito de sonegação fiscal, cuja natureza material exige a constituição definitiva do crédito tributário para instauração da ação Penal (STF, Súmula Vinculante n. 24), o delito de contrabando ou descaminho é de natureza formal, não sendo necessário o prévio esgotamento da instância administrativa (TRF da 3ª Região, ACR n. 200261810065925, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvio Gemaque, unânime, j. 29.06.10; TRF da 3ª Região, HC n. 201003000138852, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvia Rocha, unânime, j. 06.07.10; TRF da 3ª Região, ACR n. 200261810067120, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, unânime, j. 29.09.09; TRF da 3ª Região, HC n. 200803000042027, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, unânime, j. 24.09.09; TRF da 3ª Região, HC n. 200903000243827, Rel. Juiz. Fed. Conv. Marcio Mesquita, unânime, j. 25.08.09). 6. Deve ser excluído o aumento da pena decorrente das ações penais em curso como indicativas de má conduta social, o que é vedado conforme a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça. 7. Apelação da defesa parcialmente provida.
(TRF-3 - ApCrim: 00008032120154036116 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, Data de Julgamento: 09/09/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/09/2019)

Com esteio nesses fundamentos, afasto o pedido de aplicação do princípio da insignificância formulado pela defesa.


Da materialidade e autoria delitivas


Quanto à autoria e materialidade do delito previsto no artigo 70 da Lei nº 4.117/1962, deve ser ressaltado que não houve qualquer impugnação nas Apelações. Não existente tampouco qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal, de rigor, portanto, a manutenção da condenação do réu quanto a este delito.

Cite-se, apenas a título de acréscimo, que o réu foi flagrado quando transportava, na condução do veículo marca Hyundai, modelo IX35, a quantidade de 648,100kg (seiscentos e quarenta e oito quilos e cem gramas) da substância entorpecente denominada Maconha, sendo certo que no mencionado automóvel havia um transceptor móvel da marca YAESU, modelo FT 1900-R, número de série 5L241957, de origem chinesa, com o microfone do tipo PTT (push to talk), o que foi corroborado pelas testemunhas Roberto Rodolfo Fonseca e Luiz Felipe Soares Júnior, agentes da polícia federal regularmente inquiridos em juízo (mídia digital à fl. 228), sob o crivo do contraditório. As testemunhas ainda relataram que o aparelho radiotransmissor estava ligado quando da abordagem policial e era utilizado para a comunicação com outro carro que escoltava as drogas. O próprio réu confessou, em juízo, o transporte das substâncias entorpecentes e o uso do mencionado aparelho de comunicação. Tais aspectos, ainda que de forma resumida, permitem afiançar com a certeza necessária o cometimento da infração em tela (cuja materialidade e autoria sequer foram objeto de recurso por parte do condenado, conforme anteriormente aduzido).

Com esteio nesses fundamentos, de rigor a manutenção da condenação do Apelante nas sanções do artigo 70 da Lei Federal nº 4.117/1962.


DO DELITO DE RECEPTAÇÃO DOLOSA


Da autoria e materialidade delitivas


O réu foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 180, em sua forma fundamental, do Código Penal (receptação dolosa). A defesa recorre pleiteando a edição de um decreto de natureza absolutória, por entender que o réu não tinha ciência acerca da procedência espúria do bem (dolo direto). De maneira subsidiária, pede a desclassificação ao delito de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do Código Penal).

É o caso de reformar-se a sentença para desclassificar a conduta inicialmente capitulada (art. 180, caput, do CP) para o crime de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do CP).

O delito previsto no artigo 180, caput, do Código Penal, exige, para a sua consumação, elemento subjetivo do tipo específico, qual seja, o dolo direto, isto é, a nítida intenção de tomar, para si ou para outrem, coisa alheia originária da prática de um delito. Além disso, deve-se destacar outra particularidade deste tipo penal: no contexto das duas condutas criminosas alternativas ("adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar" e "influir para que terceiro a adquiria, receba ou oculte") somente pode incidir o dolo direto, evidenciado pela expressão "que sabe ser produto de crime" (Nucci, Guilherme de Souza. Código Penal comentado - 17ª ed. rev. atual. E ampl. - Rio de Janeiro, 2017 - página 1.091 - g.n.).

No caso dos autos, o réu foi denunciado pela prática de receptação dolosa, porquanto recebeu e conduziu o veículo marca Hyundai, modelo IX35, ano de fabricação/modelo 2015/2016, cor predominante cinza, produto de anterior subtração patrimonial (roubo ou furto - fl. 64).

É importante destacar que o Laudo de Exame Pericial registrado sob o número 471/2016, oriundo da Unidade Técnico-Científica da Polícia Federal em Presidente Prudente/SP, é conclusivo no sentido de que o mencionado veículo é, realmente, produto de anterior subtração patrimonial (fl. 64). O perito signatário esclareceu ainda que as placas identificatórias originais do carro são PJQ 2244 - Salvador/BA (no momento da abordagem o carro ostentava as placas PJY 8684 - Feira de Santana -BA), bem como é originário o chassis nº NIV 95PJU81DBGB030215 (no momento da abordagem o carro ostentava o chassis NIV 95PJU81DBHBO36641).

No entanto, não está comprovado que o réu agiu imbuído do dolo direto, exigido para a consumação do crime. De seu interrogatório judicial extrai-se que ele recebeu o automóvel em Ponta Porã/MS, fronteira com o Paraguai, de um indivíduo cuja identidade não quis revelar, mas que lhe forneceu a documentação de porte obrigatório correspondente (CRLV). Acreditou que o carro era regular, porquanto o documento era aparentemente autêntico e, inclusive, continha as mesmas placas identificatórias daquelas ostentadas pelo veículo.

Em outras palavras, o réu não tinha a certeza (exigida pelo tipo penal) de que o carro era furtado.

A propósito, a cópia reprográfica do referido CRLV está anexada à fl. 11 e, embora não haja perícia técnica, trata-se aparentemente de documento em suporte materialmente autêntico, o que dificulta ainda mais a percepção de que o veículo era produto de crime.

Outrossim, os policiais federais que atenderam a ocorrência, testemunha supranominadas, em momento algum afirmaram que o réu admitiu ter ciência acerca da origem espúria do automóvel, o que reforça a tese de que ele não agiu com o necessário dolo direto.

Assim, não há provas de que o réu agiu imbuído do denominado dolo específico, ou seja, de que tinha a certeza acerca da procedência espúria do automóvel. Nesse sentido já se pronunciou esta E. Turma Julgadora:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO E USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO (CRLV). ART. 180 E ART. 304 C/C ART. 299, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CP. MATERIALIDADE COMPROVADA. CRLV IDEOLOGICAMENTE ADULTERADO. VEÍCULO OBJETO DE FURTO. RECEPTAÇÃO CULPOSA RECONHECIDA. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO FALSO. AUSÊNCIA DE DOLO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO ACUSATÓRIO DESPROVIDO. RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O réu foi preso em flagrante delito quando, em fiscalização de rotina, constatou-se que o veículo que conduzia era produto de furto pretérito e que o documento CRLV apresentado exibia sinais de falsidade. 2. A materialidade dos crimes de receptação e uso de documento público falso (CRLV) restou suficientemente demonstrada nos autos, conforme Auto de Prisão em Flagrante, Auto de Exibição e Apreensão e Laudos Periciais, além das oitivas colhidas em sede inquisitiva e juízo. 3. A falsificação documental não se revelou grosseira, sobretudo diante da constatação de que se tratou de falsidade ideológica, ou seja, os aspectos extrínsecos próprios do documento público correspondiam aos congêneres legítimos. 4. Receptação culposa, prevista no art. 180, § 3º, do Código Penal, reconhecida, conforme pleiteado pela defesa. O tipo penal do art. 180, caput, do Código Penal pressupõe dolo direto acerca da ilicitude do objeto da receptação, situação que não se evidenciou. As provas acostadas e circunstâncias extrínsecas à conduta, em tese, criminosa, não informaram certeza inequívoca da procedência criminosa do veículo por parte do réu. Presente tão somente juízo de presunção da origem criminosa, mas não de certeza inequívoca, tem-se consubstanciada a modalidade culposa do delito de receptação, nos termos do art. 180, § 3º, do Código Penal. 5. De rigor, portanto, sua condenação como incurso nas penas do art. 180, § 3º, do Código Penal. Prejudicado, o pedido defensivo referente à absolvição da prática do delito de receptação própria por ausência de dolo. 6. Os elementos concretos igualmente não informaram o dolo no que concerne ao crime de uso de documento público falso (CRLV), cuja prática foi imputada ao réu no contexto de estar pretensamente acobertando o delito de receptação. A absolvição se impõe, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal. 7. Dosimetria da pena. O réu ostenta maus antecedentes, tendo em vista condenações com trânsito em julgado posterior ao cometimento do crime destes autos, porém relativas a fatos anteriores a ele (STJ - HC: 210787 RJ 2011/0144485-8, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 10/09/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/09/2013). Pena-base majorada em 1/6 (um sexto). Ausentes agravantes e atenuantes, e causas de aumento e de diminuição, a pena foi fixada em definitivo em 1 (um) mês e 5 (cinco) dias de detenção, em regime inicial aberto. 8. Substituída a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, nos termos do art. 44, I, § 2º do Código Penal, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, conforme especificação do Juízo das Execuções Penais. 9. Mencione-se que o afastamento da multa como alternativa de pena prevista no preceito secundário da receptação culposa e também no art. 44, § 2º do Código Penal, no que se refere às penas restritivas de direitos substitutivas, é devido em razão do reconhecimento da situação de hipossuficiência econômica que a defesa do réu sustentou em razões recursais (fl. 334). 10. Quanto ao pedido da Procuradoria Regional da República pela execução provisória da pena, considerando-se a recente decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal, consigno que deverá ser realizado no momento oportuno, isto é, após a publicação do acórdão e esgotadas as vias ordinárias. 11. Recurso da acusação desprovido. 12. Recurso da defesa parcialmente provido.
(TRF-3 - ApCrim: 00090906120154036119 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, Data de Julgamento: 26/08/2019, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/09/2019)

Desse modo, é o caso de desclassificar-se a conduta inicialmente capitulada para o crime de receptação culposa, previsto no artigo 180, § 3º, do Código Penal. Isso porque, pela natureza da coisa (veículo utilizado para o transporte de drogas), aliado à condição de quem a ofereceu (notadamente um traficante de drogas aliado a organizações criminosas internacionais), deveria o réu presumir (indicativo de culpa, na modalidade imprudência) que fora obtida por meios criminosos. De acordo com Guilherme de Souza Nucci, presumir é suspeitar, desconfiar, conjecturar ou imaginar, tornando a figura compatível com a falta do dever objetivo de cuidado, caracterizador da imprudência (ob. cit., página 1102).

Desse modo, desclassifica-se a conduta de receptação dolosa para a receptação culposa. A pena será dosada ao final.


DO CRIME DE TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS


Autoria e materialidade delitiva


Quanto à autoria e materialidade do delito do art. 33 da Lei 11.343/2006, deve ser ressaltado que não houve qualquer impugnação nas Apelações. Não existente tampouco qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal, de rigor, portanto, a manutenção da condenação do réu quanto a este delito.

Cite-se que o Apelante foi flagrado quando transportava, no veículo modelo IX35, quantidade superior a seiscentos quilos de Maconha, o que foi corroborado pelas testemunhas ouvidas em juízo (agentes da polícia federal supranominados). Inclusive, o próprio réu confessou a prática delitiva em juízo, aduzindo que foi contratado para levar as drogas de Ponta Porã/MS até São Paulo/SP, pelo que receberia a importância financeira de quinze mil reais.

Tais aspectos, ainda que de forma resumida, permitem afiançar com a certeza necessária o cometimento da infração em tela (cuja materialidade e autoria sequer foram objeto de recurso por parte do condenado, conforme anteriormente aduzido).

De rigor, portanto, a manutenção da condenação do apelante quanto ao delito do art. 33, caput, c.c. o artigo 40, inciso I, da Lei Federal nº 11.343/2006.

DOSIMETRIA DA PENA


Deve o magistrado, ao calcular a reprimenda a ser imposta ao réu, respeitar os ditames insculpidos no art. 68 do Código Penal, partindo da pena-base a ser aferida com supedâneo no art. 59 do mesmo Diploma, para, em seguida, incidir na espécie as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e de aumento de pena.


DO CRIME PREVISTO NO ARTIGO 70 DA LEI Nº 4.117/1962

Primeira Fase


O Juízo a quo, na primeira fase, elevou a pena para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, levando-se em consideração que o réu ostenta duas condenações com trânsito em julgado (sendo que uma delas foi utilizada na segunda fase da dosimetria da pena).


Outrossim, considerou o magistrado sentenciante que o réu possui personalidade voltada para a prática do crime, visto que voltou a delinquir mesmo após as sobreditas condenações.


Por fim, as circunstâncias em que praticado o crime também foram consideradas reprovável pelo d. magistrado, por tratar-se de mais de meia tonelada de Maconha, que vinha sendo transportada por batedores.


De fato, o réu ostenta antecedentes criminais pela prática dos crimes de roubo majorado (cfr. fl. 266) e tráfico de drogas, este último praticado em concurso material com o crime de receptação dolosa. A utilização de uma das condenações para elevar a pena-base e da outra para agravar a segunda fase da dosimetria da pena é aceita pelo Superior Tribunal de Justiça: é permitido ao julgador utilizar-se de condenações anteriores do acusado para exasperar a pena, em um primeiro momento, considerando como desfavorável circunstância judicial e, num segundo, considerando outra condenação anterior, fazer incidir a agravante da reincidência, não existindo, pois, afronta ao princípio ne bis in idem (STJ - HC: 194765 SP 2011/0009784-6, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 11/03/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/03/2014).


Outrossim, a utilização dos aparelhos de rádio para efetuar o transporte de grande quantidade de drogas, assim como o seu uso para comunicar-se com batedores especialmente destacados para avisar a iminente fiscalização rodoviária, revelam meticuloso planejamento da empreitada criminosa e maior ofensa ao bem jurídico tutelado, já que as chances de sucesso eram grandes. Portanto, está autorizada a exasperação da pena pela reprovação das circunstâncias do delito.


Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que condenações pretéritas não se prestam ao aumento da pena pela negativação da personalidade do agente. Ademais, tratando-se de condenações já utilizadas pelo magistrado para aumentar a pena, em razão dos antecedentes e da reincidência, mostra-se indevida a valoração negativa também da personalidade. Nesse sentido:


HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE.CULPABILIDADE. ELEMENTO INTEGRANTE DA PRÓPRIA ESTRUTURA DO CRIME.IMPOSSIBILIDADE. ANTECEDENTES E CONDUTA SOCIAL. FUNDAMENTAÇÃOCONCRETA. EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÕES DEFINITIVAS ANTERIORES.PERSONALIDADE VOLTADA PARA A PRÁTICA DE DELITOS. BIS IN IDEM.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADO. 1. Argumentos inerentes à culpabilidade em sentido estrito -elemento integrante da estrutura do crime, em sua concepçãotripartida - não autorizam a exasperação da pena-base, a pretexto deculpabilidade desfavorável. 2. Não há como afastar a conclusão acerca dos maus antecedentes e da má conduta social quando verificada a existência de duas condenações definitivas anteriores em desfavor do paciente, indicativas de que seu envolvimento com o ilícito não é esporádico, a justificar a exasperação da pena-base. 3. Verificando-se que as duas condenações definitivas anteriores já foram sopesadas como maus antecedentes e conduta social desajustada, mostra-se indevida a valoração negativa também da personalidade do agente, sob pena de incorrer no inadmissível bis in idem. 4. Ordem concedida em parte, para reduzir a pena-base imposta ao paciente, tornando a sua reprimenda definitiva em 3 anos e 10 meses de reclusão e pagamento de 60 dias-multa.
(STJ - HC: 176198 RS 2010/0108466-8, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 29/03/2012, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2012)

Por outro lado, ainda que afastada a personalidade do agente como circunstância judicial negativa, verifico que o quantum de exasperação da pena (dois meses) está adequado e proporcional, considerando-se a gravidade do caso concreto.


É importante ressaltar que a proibição da reformatio in pejus não implica necessariamente na manutenção de todas as considerações utilizadas pelo r. juízo sentenciante, desde que a situação final do acusado não seja agravada quando existente recurso exclusivo da defesa.


Esse sentido é o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça em precedente no qual autoriza, inclusive, que, diante do efeito devolutivo amplo da Apelação, instada a rever a individualização da pena, a Corte revalore negativamente novas circunstâncias, desde que a situação final do réu não seja agravada. In verbis:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. ROUBO MAJORADO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL (MOTIVOS DO DELITO) AFASTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM EM RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. PENA-BASE MANTIDA NO MESMO PATAMAR EM RAZÃO DA PERMANÊNCIA DE OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS NEGATIVAS (ANTECEDENTES E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME). SUPOSTA ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA. EFEITO DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. ELEVADO PREJUÍZO SUPORTADO PELA VÍTIMA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício
II - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria caso se trate de flagrante ilegalidade e não seja necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório. Vale dizer, "o entendimento deste Tribunal firmou-se no sentido de que, em sede de habeas corpus, não cabe qualquer análise mais acurada sobre a dosimetria da reprimenda imposta nas instâncias inferiores, se não evidenciada flagrante ilegalidade, tendo em vista a impropriedade da via eleita" (HC n. 39.030/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 11/4/2005).
III - O efeito devolutivo da apelação autoriza a Corte estadual, quando instada a se manifestar acerca da dosimetria, regime inicial e demais questões relativas às peculiaridades do crime, a examinar as circunstâncias judiciais e rever a individualização da pena, seja para manter ou reduzir a sanção final imposta ou para abrandar o regime inicial. Neste aspecto, é possível nova ponderação das circunstâncias que conduza à revaloração destas, mesmo se tratando de recurso exclusivo da defesa, sem que se incorra em reformatio in pejus, desde que a situação final do réu não seja agravada
IV - Desta forma, pode o eg. Tribunal de origem, mesmo após afastada circunstância judicial indevidamente negativada, manter a pena-base no patamar fixado pelo d. Juízo de primeiro grau, atribuindo maior valor as outras circunstâncias desfavoráveis, em razão do efeito devolutivo amplo da apelação
- No presente caso, a motivação apresentada para desabonar as consequências do crime em relação ao corréu aplica-se ao ora paciente, condenado pelo mesmo delito, tratando-se de consequências comuns à conduta de ambos
(HC 389.798/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/06/2017, DJe 30/06/2017)

Com esteio nesses fundamentos, mantenho a pena corporal em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, no que se refere ao delito previsto no artigo 70 da Lei 4.117/1962.


Segunda Fase


Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado compensou a agravante genérica da reincidência com a atenuante genérica da confissão espontânea, mantendo-se a pena em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção.


Muito se discutiu a respeito da preponderância ou não da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão, mas tal discussão restou superada em razão do julgamento, em sede de recurso repetitivo, do EREsp nº 1.341.370/MT em 10/04/2013, pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que pacificou o entendimento no sentido da inexistência de preponderância, sendo possível a compensação das duas circunstâncias.

Confira-se:

"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). PENAL. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA E REINCIDÊNCIA . COMPENSAÇÃO . POSSIBILIDADE.
1. É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência .
2. Recurso especial provido."
(REsp nº 1.341.370/MT, 3ª Seção, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 17/04/2013)

E, nesse sentido, são os julgados desta Egrégia Corte:
"PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. COMPENSAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES. USO DE TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO PARA FINS DE MERO DESLOCAMENTO. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 40, III, DA LEI 11.343/06. REGIME SEMIABERTO DE CUMPRIMENTO DE PENA.
...................................................................................
3. A Terceira Seção da Colenda Corte Superior de Justiça, após o julgamento do EREsp n.º 1.154.752/RS, pacificou o entendimento no sentido da inexistência de preponderância entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, a teor do art. 67 do Código Penal, pelo que é cabível a compensação dessas circunstâncias."
(TRF 3ª Região, ACR nº 0001031-43.2012.4.03.6005/MS, 2ª Turma, Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães, DE 19/12/2013)

Ao mesmo tempo em que a reincidência delituosa deve ser valorada negativamente por demonstrar, em certa medida, a personalidade direcionada ao crime do agente, a assunção de responsabilidade pelo crime, por aquele que tem a seu favor o direito constitucional a não se auto incriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social (e de suas consequências), não podendo, tampouco, ser dissociada da noção de personalidade.

Por fim, registre-se que o E. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que a confissão espontânea pode ser compensada com a reincidência, ainda que específica: a col. Terceira Seção deste eg. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.341.370/MT (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/4/2013), firmou entendimento segundo o qual "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com agravante da reincidência ." (STJ: HC 365963, Rel. Min. Félix Fischer, Terceira Seção, j. 14.06.2017)

Assim, operada a compensação entre a reincidência específica e a confissão espontânea, mantém-se a pena corporal em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção.

Terceira fase

Não foram constatadas causas de aumento ou diminuição que interferissem na pena, pelo que se mantem o escarmento em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção.


CRIME DE RECEPTAÇÃO CULPOSA


Primeira Fase


Conforme analisado nos tópicos antecedentes, o delito de receptação dolosa foi desclassificado, neste v. Acórdão, para o crime de receptação culposa (artigo 180, § 3º, do Código Penal), porquanto não evidenciado o dolo direto pelo agente. Assim, passa-se à dosimetria da pena.


O réu ostenta antecedentes criminais pela prática do crime de roubo majorado e tráfico de drogas em concurso com o crime de receptação, conforme sobredito. Desse modo, utiliza-se uma das condenações para elevar a pena-base e a outra na segunda etapa da dosimetria da pena (reincidência).


Outrossim, a utilização de um veículo produto de anterior subtração patrimonial, com placas adulteradas, dificulta a fiscalização da polícia rodoviária, já que eventuais consultas apenas pelas placas do carro resultam negativas para eventuais ilícitos, inibindo a abordagem policial e permitindo-se, assim, maior chance de sucesso da empreitada criminosa. Tais circunstâncias autorizam a exasperação da pena pela reprovação das circunstâncias do delito.


Considerando a existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pena corporal em 04 (quatro) meses de detenção, suficientes para a ressocialização do réu.


Segunda Fase


Na segunda fase da dosimetria da pena, verifica-se a existência da atenuante da confissão espontânea, porquanto o réu admitiu que recebeu o veículo para efetuar o transporte das drogas, sem adotar diligência para verificar a real procedência do bem, conforme anotados nas linhas anteriores.


Por outro lado, o réu é reincidente específico, razão pela qual compensa-se a atenuante genérica com a confissão espontânea, nos termos do supracitado Recurso Especial Repetitivo (STJ 1.341.370/MT).


Assim, mantém-se a pena corporal em 04 (quatro) meses de detenção.


Terceira fase

Não se constatam causas de aumento ou diminuição que interferiram na pena, pelo que se mantem o escarmento em 04 (quatro) meses de detenção.


TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS


Primeira Fase


O Juízo a quo, na primeira fase, elevou a pena para 06 (seis) anos de reclusão e pagamento, levando-se em consideração que o réu ostenta duas condenações com trânsito em julgado (sendo que uma delas foi utilizada na segunda fase da dosimetria da pena).


Outrossim, considerou o magistrado sentenciante que o réu possui personalidade voltada para a prática do crime, visto que voltou a delinquir mesmo após as sobreditas condenações.


Por fim, as circunstâncias em que praticado o crime também foram consideradas reprováveis pelo d. magistrado, por tratar-se de mais de meia tonelada de Maconha, que vinha sendo transportada com o auxílio de batedores.


O Ministério Público Federal recorre para que a pena seja exasperada no patamar mínimo de 10 (dez) anos de reclusão.


Assiste razão ao parquet federal.


De fato, a natureza e a quantidade total da substância ou do produto (mais de seiscentos quilos de Maconha), nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, devem ser consideradas para exasperação da pena-base. Nesse sentido colaciono julgado do Supremo Tribunal Federal:

Habeas corpus. Penal e Processual Penal. tráfico transnacional de drogas. Artigo 33, caput; c/c o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006. Pena-base. Majoração. Valoração negativa da natureza e da quantidade da droga. Admissibilidade. Vetores a serem considerados na dosimetria, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/06. Pretendida aplicação do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. Impossibilidade de utilização do habeas corpus para revolver o contexto fático-probatório e glosar os elementos de prova em que se amparou a instância ordinária para afastar essa causa de diminuição de pena. Precedentes. Regime inicial fechado. Imposição, na sentença, com fundamento exclusivamente no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. Manutenção do regime prisional mais gravoso pelo Tribunal Regional Federal, em recurso exclusivo da defesa, com base nas circunstâncias do crime. Utilização de fundamentos inovadores. Reformatio in pejus caracterizada. Ratificação desse entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça, com outros fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. Ilegalidade flagrante. Ordem parcialmente concedida, para determinar ao juízo das execuções criminais que fixe, de forma fundamentada, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, e do art. 42 da Lei nº 11.343/06, o regime inicial condizente de cumprimento da pena.
A natureza e a quantidade de droga apreendida justificam, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/06, a majoração da pena-base, ainda que as demais circunstâncias judiciais sejam favoráveis ao agente. Precedentes.
(...)
6. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida, para determinar ao juízo das execuções criminais competente que fixe, de forma fundamentada, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas e do art. 33, § 3º, do Código Penal, o regime inicial condizente para o cumprimento da pena.
(STF - HC 125781 / SP - Relator: Min. DIAS TOFFOLI - Segunda Turma - Dje 27-04-2015).

Ressalte-se, ainda, que o indivíduo que aceita transportar substância entorpecente de um país para outro, tendo-a recebido de um terceiro, assume o risco de transportar qualquer quantidade e em qualquer grau de pureza, motivo pelo qual tais circunstâncias devem ser consideradas para majoração da pena-base.

O réu também ostenta antecedentes criminais pela prática do crime de roubo majorado e tráfico de drogas em concurso com o crime de receptação. A utilização de uma das condenações para elevar a pena-base e da outra para agravar a segunda fase da dosimetria da pena é aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme anotado linhas acima.


Outrossim, a utilização dos aparelhos de rádio transmissor para efetuar o transporte de grande quantidade de drogas, assim como o uso de batedores especialmente destacados para avisar a iminente fiscalização rodoviária, revelam meticuloso planejamento da empreitada criminosa e autorizam a exasperação da pena pela reprovação das circunstâncias do delito.


Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que condenações pretéritas não se prestam ao aumento da pena pela negativação da personalidade do agente. Ademais, tratando-se de condenações já utilizadas pelo magistrado para aumentar a reprimenda, em razão dos antecedentes e da reincidência, mostra-se indevida a valoração negativa também da personalidade. Nesse sentido:


HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE.CULPABILIDADE. ELEMENTO INTEGRANTE DA PRÓPRIA ESTRUTURA DO CRIME.IMPOSSIBILIDADE. ANTECEDENTES E CONDUTA SOCIAL. FUNDAMENTAÇÃOCONCRETA. EXISTÊNCIA DE CONDENAÇÕES DEFINITIVAS ANTERIORES.PERSONALIDADE VOLTADA PARA A PRÁTICA DE DELITOS. BIS IN IDEM.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EM PARTE EVIDENCIADO. 1. Argumentos inerentes à culpabilidade em sentido estrito -elemento integrante da estrutura do crime, em sua concepçãotripartida - não autorizam a exasperação da pena-base, a pretexto deculpabilidade desfavorável. 2. Não há como afastar a conclusão acerca dos maus antecedentes e da má conduta social quando verificada a existência de duas condenações definitivas anteriores em desfavor do paciente, indicativas de que seu envolvimento com o ilícito não é esporádico, a justificar a exasperação da pena-base. 3. Verificando-se que as duas condenações definitivas anteriores já foram sopesadas como maus antecedentes e conduta social desajustada, mostra-se indevida a valoração negativa também da personalidade do agente, sob pena de incorrer no inadmissível bis in idem. 4. Ordem concedida em parte, para reduzir a pena-base imposta ao paciente, tornando a sua reprimenda definitiva em 3 anos e 10 meses de reclusão e pagamento de 60 dias-multa.
(STJ - HC: 176198 RS 2010/0108466-8, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 29/03/2012, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2012)

Considerando os patamares usados por esta Turma em casos semelhantes, verifico que assiste razão à acusação ao aduzir que o quantum da exasperação da pena-base foi incompatível com a gravidade do caso que ora se examina.


Dessa forma, considerando-se a grande quantidade de drogas e a presença de outras duas circunstâncias judiciais negativas (maus antecedentes e uso de batedores com o auxílio de radiotransmissor), entendo como razoável a fixação da pena-base em 13 (treze) anos e 08 (oito) meses e o pagamento de 1.366 (um mil trezentos e sessenta e seis) dias-multa.


Segunda Fase


Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado compensou a agravante genérica da reincidência com a atenuante genérica da confissão espontânea.


Muito se discutiu a respeito da preponderância ou não da agravante da reincidência sobre a atenuante da confissão, mas tal discussão restou superada em razão do julgamento, em sede de recurso repetitivo, do EREsp nº 1.341.370/MT em 10/04/2013, pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que pacificou o entendimento no sentido da inexistência de preponderância, sendo possível a compensação das duas circunstâncias.

Confira-se:

"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). PENAL. DOSIMETRIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA E REINCIDÊNCIA . COMPENSAÇÃO . POSSIBILIDADE.
1. É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência .
2. Recurso especial provido."
(REsp nº 1.341.370/MT, 3ª Seção, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe 17/04/2013)

E, nesse sentido, são os julgados desta Egrégia Corte:
"PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. COMPENSAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES. USO DE TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO PARA FINS DE MERO DESLOCAMENTO. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 40, III, DA LEI 11.343/06. REGIME SEMIABERTO DE CUMPRIMENTO DE PENA.
...................................................................................
3. A Terceira Seção da Colenda Corte Superior de Justiça, após o julgamento do EREsp n.º 1.154.752/RS, pacificou o entendimento no sentido da inexistência de preponderância entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea, a teor do art. 67 do Código Penal, pelo que é cabível a compensação dessas circunstâncias."
(TRF 3ª Região, ACR nº 0001031-43.2012.4.03.6005/MS, 2ª Turma, Relator Desembargador Federal Cotrim Guimarães, DE 19/12/2013)

Ao mesmo tempo em que a reincidência delituosa deve ser valorada negativamente por demonstrar, em certa medida, a personalidade direcionada ao crime do agente, a assunção de responsabilidade pelo crime, por aquele que tem a seu favor o direito constitucional a não se auto incriminar, revela a consciência do descumprimento de uma norma social (e de suas consequências), não podendo, tampouco, ser dissociada da noção de personalidade.

Por fim, registre-se que o E. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que a confissão espontânea pode ser compensada com a reincidência , ainda que específica: a col. Terceira Seção deste eg. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.341.370/MT (Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 17/4/2013), firmou entendimento segundo o qual "é possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da atenuante da confissão espontânea com agravante da reincidência ." (STJ: HC 365963, Rel. Min. Félix Fischer, Terceira Seção, j. 14.06.2017)

Assim, operada a compensação entre a reincidência específica e a confissão espontânea, mantém-se a pena corporal em 13 (treze) anos e 08 (oito) meses e o pagamento de 1.366 (um mil trezentos e sessenta e seis) dias-multa.


Terceira fase

Na terceira fase da dosimetria penal, o r. juízo aumentou a pena intermediária em 1/6 (um sexto), em razão da transnacionalidade do delito, com espeque no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006. Deixou-se de reconhecer o benefício previsto no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas. A douta defesa pleiteou a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.


Da transnacionalidade do delito (art. 40, inciso I, da Lei de Drogas)


A despeito dos argumentos da defesa, o conjunto probatório desvela a transnacionalidade do tráfico.


Com efeito, como bem ressaltou a sentença a quo, a transnacionalidade do delito restou comprovada de maneira satisfatória durante a instrução processual. O réu foi flagrado em rodovia que acessa o Paraguai, em plena atividade delitiva, o que foi confirmado pelos policiais federais supranominados. Além disso, ele próprio admite, em sede de interrogatório judicial, que assumiu a direção do veículo abastecido com drogas em Ponta Porã/MS, na fronteira com o país vizinho, denotando-se que a droga é originária do Paraguai, sobretudo porquanto este país é conhecido mundialmente pela produção de Maconha em larga escala.


Ressalta-se que o fato de ter buscado o veículo no lado brasileiro ou paraguaio da fronteira com o país vizinho, no entanto, é irrelevante, in casu.


Isso porque o caráter transnacional do delito não depende, necessariamente, de os próprios autores do tráfico terem transposto fronteiras estatais no curso de sua conduta, mas sim de um vínculo de internacionalidade que a envolva de maneira minimamente próxima.


Como se sabe, e consoante o artigo 40, I, da Lei n° 11.343/2006, é necessário somente que a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciem a transnacionalidade do delito, e não que haja a efetiva transposição de fronteiras entre os países, para que se reconheça o caráter transnacional da conduta.


Assim, se o transporte interno de drogas se dá em circunstâncias tais que demonstrem que se trata de um processo uno e iniciado no exterior (ainda que algumas pessoas tenham estritamente importado a droga, com breve armazenamento e subsequente distribuição dos carregamentos rumo a centros de consumo), ou a ele destinado, tem-se delito de caráter transnacional (mesmo que as etapas do processo cumpridas pelos réus se deem exclusivamente em solo pátrio). Nesse sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça:


PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. TRÁFICO INTERNACIONAL. DOSIMETRIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. EXASPERAÇÃO CONCRETAMENTE FUNDAMENTADA. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA - 4 (QUATRO) QUILOS DE COCAÍNA. 2. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. INCIDÊNCIA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06. IMPOSSIBILIDADE. AGENTE QUE SE DEDICA À PRÁTICA DO TRÁFICO NA CONDIÇÃO DE MULA. CONCLUSÃO EM SENTIDO CONTRÁRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 3. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, I, DA LEI N. 11.343/2006. PRESCINDIBILIDADE DE EFETIVA TRANSPOSIÇÃO DE FRONTEIRAS. 4. VIOLAÇÃO AO ART. 40, III, DA LEI N. 11.343/06. OCORRÊNCIA. UTILIZAÇÃO DE TRANSPORTE PÚBLICO. DIFICULDADE DE FISCALIZAÇÃO. DESNECESSIDADE DE OFERECER A DROGA. REVISÃO DE ENTENDIMENTO. 5. IMPRESCINDIBILIDADE DE MAIOR VULNERAÇÃO DO BEM JURÍDICO TUTELADO. PROTEÇÃO A LOCAIS COM MAIOR NÚMERO DE PESSOAS. NECESSIDADE DE COMERCIALIZAÇÃO. PRECEDENTES DO STF. 6. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Devidamente justificada a majoração da pena-base em 10 (dez) meses, diante da valoração negativa da culpabilidade - o que não foi impugnado pelo recorrente - e da quantidade e qualidade da droga (4 quilos de cocaína), em observância ao que disciplinam os arts. 59 do Código Penal e 42 da Lei de Drogas.
2. Tendo as instâncias ordinárias reconhecido que o agravante se dedica ao comércio ilícito de entorpecente s, mostra-se inviável a aplicação da causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Outrossim, não é dado na via eleita desconstituir as conclusões firmadas com base em fatos e provas carreados aos autos, haja vista o óbice do enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.
3. Como é cediço, para reconhecimento da transnacionalidade do tráfico , não há necessidade da efetiva transposição das fronteiras nacionais, bastando que as circunstâncias do fato a evidenciem.
4. Entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a simples utilização de transporte público como meio para concretizar o tráfico de drogas, por si só, já caracteriza a causa de aumento, que não merece prevalecer.
6. As causas de aumento da pena estão relacionadas à maior vulneração do bem jurídico tutelado, devendo, portanto, ser levada em consideração a maior reprovabilidade da conduta, o que apenas se verifica quando o transporte público é utilizado para difundir drogas ilícitas a um número maior de pessoas. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.
7. Agravo regimental a que se dá parcial provimento para decotar a causa de aumento descrita no art. 40, inciso III, da Lei de Drogas, redimensionando a pena para 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mantidos os demais termos da condenação.
(STJ - Agrg no Aresp n° 225357, Dje 27/03/2014.)
No caso dos autos, as circunstâncias demonstram haver elementos sólidos não só no sentido de que o entorpecente proveio do exterior, mas também, de que há um vínculo fático entre a internalização e o posterior transporte da droga para distribuição.
Logo, aplicada com acerto a causa de aumento da internacionalidade, prevista no art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).

Assim, considerando-se o novo cálculo de pena neste v. Acórdão, fixa-se a reprimenda em 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa.


Da causa especial de diminuição de pena (artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas)


De fato, além do réu ser reincidente em delito da mesma natureza (tráfico de drogas), o que, por si só, já afasta a aplicação do benefício telado, denota-se, do contexto fático, indícios de que sua contribuição para a logística de distribuição do narcotráfico internacional não se deu de forma ocasional, mas vinha ocorrendo de maneira contumaz, de modo a evidenciar que ele se dedica a atividades criminosas ou integra organização criminosa.


Note-se, ainda, que o réu transportava quantidade vultosa de drogas (mais de 600 kg de maconha) e também revelou, perante a autoridade judicial, que havia sido contratado para fazer o transporte do entorpecente por R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com expressivo investimento financeiro por parte da organização criminosa, o que demonstra que o contratante tinha plena confiança no acusado.


Com efeito, tais circunstâncias, bem como o modus operandi utilizado (utilização de carro roubado, batedores e rádio transmissor) demonstram a sofisticação da empreitada delitiva, além da reiteração da conduta, afastando a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006, que deve ser aplicada ao traficante incipiente.


É de se destacar que não se está aqui considerando a quantidade da droga apreendida, já valorada na primeira-fase da dosimetria, mas a vultuosa operação e seu meticuloso planejamento, o que permite afastar a causa de diminuição em tela.


Nesse sentido:


Habeas corpus. Processo Penal e Penal. Tráfico de drogas (art. 33 , caput, da Lei nº 11.343/06). Impetração dirigida contra o indeferimento pelo Superior Tribunal de Justiça de medida liminar requerida pelos impetrantes. Pena. Dosimetria. Pretendido reconhecimento da causa de diminuição de pena do art. 33 , § 4º, da Lei de Drogas. Valoração negativa da quantidade e da diversidade de drogas na primeira e na terceira fases da dosimetria. Inadmissibilidade. Hipótese, contudo, em que também se valoraram negativamente as circunstâncias da apreensão da droga, concluindo-se que o paciente se dedicava a atividades criminosas. Fundamento suficiente, por si só, para negar o redutor de pena em questão. Inexistência de flagrante ilegalidade. Incidência da Súmula nº 691 da Suprema Corte. Não conhecimento do habeas corpus.

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal veda a consideração cumulativa da quantidade e da natureza da droga na primeira e na terceira fases da dosimetria da pena (Repercussão Geral no ARE nº 666. 33 4, Plenário, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 6/6/14).

2. A instância ordinária, após valorar negativamente a quantidade e a diversidade de drogas apreendidas na primeira fase da dosimetria, sopesou negativamente essas mesmas circunstâncias na terceira fase, de

modo que, se a tanto se tivesse limitado, efetivamente estaria caracterizado indevido bis in idem na dosimetria da pena.

3. Ocorre que, na terceira fase, em acréscimo, também valoraram-se negativamente as circunstâncias da apreensão das drogas, concluindo-se

que o paciente se dedicava a atividades criminosas.

4. Logo, abstraindo-se a valoração negativa, na terceira fase da dosimetria, da quantidade e da diversidade de drogas, ainda assim subsiste fundamento suficiente, por si só, para negar o redutor de pena em questão.

5. A Súmula nº 691 do Supremo Tribunal Federal somente admite mitigação na presença de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, o que não se verifica na hipótese em exame. Precedentes.

6. Habeas corpus do qual não se conhece.

(HC 126971/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, j. 02/06/2015, DJe-128, publ. 01-07-2015)


No mesmo sentido: (STF - HC 125429 AgR-ED/MS, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, j. 28/04/2015, DJe-092, publ. 19-05-2015).


Importante ressaltar que, para o afastamento da causa de diminuição em comento, não se exige a comprovação da habitualidade presente na figura típica do art. 35 da Lei nº 11.343/2006. Bastam elementos que indiquem vínculo mínimo com a organização criminosa e que sua participação no narcotráfico não ocorreu de maneira eventual e específica, como é o caso das chamadas "mulas", contratadas de forma absolutamente ocasional e pontual para realizar o transporte de droga.


Destaque-se, ademais, que os fins econômicos demonstram a existência de uma atividade ou de uma organização criminosa necessariamente subjacente, o que tem o condão de excluir a incidência do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Diferente seria a hipótese daquele que transporta drogas para entregar a terceiros por questões divorciadas de qualquer sentido econômico, situação que, em tese, ensejaria a aplicação da causa de diminuição em questão.


Assim, mantém-se a pena em 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa.


DO CONCURSO MATERIAL (art. 69, do Código Penal)


Considerando-se que o réu, mediante mais de uma ação ou omissão, praticou três crimes distintos, que protegem bens jurídicos diversos, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que incorreu, ressalvando-se que a pena de reclusão deve será executada antes da de detenção.


Assim, deverá cumprir o réu a pena de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e, após, a pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção.


REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA


A sentença fixou corretamente o regime inicial FECHADO, tendo em vista que a pena aplicada é superior a 08 (oito) anos de reclusão (art. 33, §2º, "a", do Código Penal) e o réu é reincidente. Improvido o recurso da defesa no que tange à diminuição da reprimenda, o regime deve ser mantido.


Saliente-se que a detração de que trata o artigo 387, §2º, do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei 12.736/2012, não influencia no regime já que, ainda que descontado o período da prisão preventiva entre a data dos fatos (13.11.2016) e a data da sentença (31.05.2017), a pena remanescente continua superando 08 (oito) anos de reclusão.


DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da Defesa, apenas para considerar neutra a personalidade do agente, bem como desclassificar a conduta de receptação dolosa para o crime de receptação culposa, e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da Acusação, apenas para elevar o quantum de aumento da pena em relação ao tráfico transnacional de drogas, fixando-se, por conseguinte, as penas totais e definitivas de 15 (quinze) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e pagamento de 1.594 (mil quinhentos e noventa e quatro) dias-multa, e, ainda, 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, estabelecendo-se o regime FECHADO como forma de cumprimento das sanções impostas, mantendo-se, no mais, a sentença a quo.


É o voto.


Comunique-se o Juízo das Execuções Criminais.



FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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