Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 13/03/2020
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002401-38.2014.4.03.6118/SP
2014.61.18.002401-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME
ADVOGADO : SP232700 THIAGO ALVES LEONEL (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00024013820144036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGOS 38, 38-A E 48 DA LEI DE CRIMES AMBIENTAIS. CONSTRUÇÃO DE UMA CASA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. CONDUTA TÍPICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO APLICÁVEL. CONSUNÇÃO. CRIMES-MEIO ABSORVIDOS PELO CRIME-FIM. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA AQUELA PREVISTA NO ARTIGO 64 DA LEI 9.605/1998. CRIME DE MENOR POTENCIALIDADE OFENSIVA. EVENTUAL PROPOSTA DE TRANSAÇAÕ OU SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.
- No trato das questões que envolvem o meio ambiente, há de se ter extrema cautela na aplicação do princípio da insignificância. Como bem reconhecido em diversos precedentes jurisprudenciais, em matéria ambiental, esta deve ficar reservada a situações excepcionalíssimas, em que sejam ínfimas a ofensividade e a reprovabilidade social da conduta e nas quais os princípios de precaução e prevenção possam ser mitigados.
- Na natureza, nada é isolado ou independente, tudo depende de tudo e se interrelaciona com o todo, de modo que um dano que, isoladamente, pareça ínfimo, pode se revelar capaz de alcançar todo um ecossistema, por exemplo. Ademais, não se deve perder de vista que o escopo da norma é impedir a atitude lesiva ao meio ambiente, devendo-se evitar que a impunidade leve à proliferação de condutas a ele danosas. O objetivo é proteger não apenas as gerações presentes, mas também as futuras (inteligência do art. 225, caput, da CF), de modo que a aplicação do princípio da insignificância deve se restringir a casos efetivamente diminutos.
- A denúncia descreve que o réu, em data não especificada, compreendida entre agosto de 2012 a 13 de agosto de 2013, realizou intervenção ambiental ilegal (construção de uma casa) em área de preservação permanente do Bioma da Mata Atlântica, situada à margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, sem licença ou autorização de órgão competente. Diante disso, imputou-lhe as condutas delitivas previstas nos artigos 38, 38-A e 48 da Lei de Crimes Ambientais.
- Dos elementos colhidos, entretanto, verifica-se que a degradação ambiental na área ocorreu única e exclusivamente com o intuito de construir no local uma casa para a moradia do acusado e sua família, o que amolda sua conduta perfeitamente àquela prevista no artigo 64 da Lei de Crimes Ambientais.
- Assim, no caso concreto, a suposta destruição da vegetação nativa mostrou-se como mera etapa inicial do único crime pretendido de construção em local não edificável (in casu, em área de preservação permanente e do Bioma da Mata Atlântica), razão pela qual incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida. O mesmo ocorre com relação ao delito de impedir a regeneração natural da flora, que configura mero exaurimento do crime de edificação indevida a partir do efetivo gozo da coisa construída.
- Não há qualquer ação autônoma de destruir floresta ou impedir sua regeneração, mas tão somente o ato de promover construção em local de edificação proibida. A destruição mostra-se, assim, condição necessária para a realização da obra no local e o impedimento à regeneração, pós fato impunível pela fruição natural da construção realizada.
- Assim, mostra-se mais acertada a aplicação do princípio da consunção dos delitos do artigo 38, 38-A e 48 da Lei de Crimes Ambientais, e a desclassificação da conduta do acusado para o crime-fim previsto no artigo 64 da mesma Lei.
- Esse foi o entendimento proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça em precedente de caso bastante semelhante, no qual também entendeu que o crime de destruir área de preservação permanente e o pós fato impunível de impedir sua regeneração tratam-se tão somente de crime-meio para o crime-fim de construir em local não edificável. Devendo ser, assim, aplicado o princípio da consunção e classificada a conduta do acusado como incurso tão somente no art. 64 da Lei nº 9.605/1998.Precedente.
- Sendo o réu ALEXANDRE primário e, diante da desclassificação de sua conduta para o delito previsto no artigo 64 da Lei de Crimes Ambientais, cuja pena prescrita é de 06 (seis) meses a 01 (um) ano de detenção, configurando, portanto, crime de menor potencial ofensivo, é de rigor que seja oportunizada a manifestação do Ministério Público Federal sobre o eventual cabimento dos benefícios da Lei Federal nº 9.099/1995.
Nesse sentido, diversos precedentes, inclusive das C. Cortes Superiores, já se manifestaram para declarar a nulidade das sentenças que, ao mudar a classificação jurídica da denúncia ou absolver parcialmente o réu da imputação inicialmente prevista, deixaram de dar vista dos autos ao Ministério Público Federal passando diretamente à condenação e dosimetria da pena de delitos que, em tese, fazem jus aos benefícios da Lei Federal nº 9.099/1995.
- Procedida a desclassificação da conduta do réu para aquela amoldada no artigo 64 da Lei de Crimes Ambientais, devem os autos ser remetidos ao r. juízo de origem com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal para que se manifeste acerca da eventual possibilidade de oferecimento de proposta de transação ou suspensão condicional do processo, atentando-se ao prazo prescricional.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal, para afastar a tese de atipicidade da conduta praticada por ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME e, DE OFÍCIO, proceder à desclassificação de sua conduta para aquela amoldada no artigo 64 da Lei de Crimes Ambientais, determinando-se a remessa dos autos ao r. juízo de origem, com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal, para que se manifeste acerca da eventual possibilidade de oferecimento de proposta de transação ou suspensão condicional do processo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 13 de fevereiro de 2020.
MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002401-38.2014.4.03.6118/SP
2014.61.18.002401-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME
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No. ORIG. : 00024013820144036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

VOTO-VISTA

Pedi vista dos autos para melhor analisar o conjunto probatório.

Registro, de início, que o relatório pertinente ao feito em exame consta das fls. 248/249, e a ele me reporto para fins descritivos.

Após analisar com detença os fatos e o plexo normativo pertinente à matéria, acompanho integralmente as conclusões do e. Relator.

É o voto.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002401-38.2014.4.03.6118/SP
2014.61.18.002401-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME
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No. ORIG. : 00024013820144036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

RELATÓRIO

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:

 

Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 215/225) contra a r. sentença proferida pela Exma. Juíza Federal Tatiana Cardoso de Freitas (18ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo) (fls. 210/213) que, julgando IMPROCEDENTE o pedido formulado na r. denúncia, ABSOLVEU o réu ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME (nascido aos 18.11.1979) da prática dos crimes previstos nos artigos 38, 38-A e 48, todos da Lei Federal nº 9.605/1998, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, por entender pela atipicidade da conduta do réu em razão do princípio da insignificância.

 

Consta da denúncia (fls. 139/141) que:


Em data não especificada, compreendida entre agosto de 2012 a 13 de agosto de 2014, na rua Três, nº 162, Chácara Agrícolas, Guaratinguetá/SP, ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME, agindo de forma livre e consciente, destruiu floresta, em formação, considerada de preservação permanente.

Na mesma data e local supracitados, ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME, agindo de forma livre e consciente, destruiu ou danificou vegetação primária ou secundária, em estágio médio de regeneração, do Bioma da Mata Atlântica.

No mesmo contexto espacial indicado acima, em data que perdura até os dias atuais, Alexandre da Silva Santos Leme, agindo de forma livre e consciente, vem impedindo a regeneração natural de florestas e demasi formas de vegetação, pela finalização e manutenção da edificação erguida no local.

Consta do presente inquérito policial que, em 14 de agosto de 2014, policiais militares ambientais, a fim de atender comunicado anônimo de degradação em decorrência da existência de construção civil em área de risco, regeneração das formas de vegetação nativa comuns às margens do Rio Paraiba do Sul, área esta de preservação permanente e integrante do Bioma da Mata Atlântica, na medida de 0,019ha. O local em que ocorreu o dano, identificado sob as coordenadas 22º46'48,7" e 22º46'48,9", inseria-se em um imóvel de propriedade de Alexandre da Silva Santos Leme, o qual acompanhou a autuação.

A conduta descrita no parágrafo anterior implicou a lavratura, pelos policiais miliares ambientais, do auto de infração ambiental (AIA) nº 312509 (f. 14), termo de embargo (f. 12), termo de advertência, boletim de ocorrência ambiental (BOA) nº 141943 (fl. 10/11). Deu ensejo ainda ao termo circunstanciado nº 99/3/2014, lavrado pelo 3º Distrito Policial de Guaratinguetá/SP, para apuração de prática de crime ambiental por parte de Alexandre da Silva Santos Leme.

Ouvido no 3º Distrito Policial de Guaratinguetá (f. 17), Alexandre da Silva Santos Leme declarou ter adquirido um terreno de 18mx75m, e disse que, a época da aquisição, já havia um muro que fechava as laterais e a frente do terreno, o qual, no fundo, era cercado por uma tela.

Alegou que, posteriormente, com a lavratura da escritura pública, iniciou a construção de uma casa para sua moradia, e argumentou que não fora informado de que não poderia construir no local.

Com esta construção, Alexandre da Silva Santos Leme realizou uma intervenção ambiental ilegal em uma área de preservação permanente, atingindo vegetação do Bioma da Mata Atlântica, sem licença ou autorização de órgão competente.

De acordo com o Laudo 298/2016 - UTEC/DPF/SJK (f. 103), foram constatados os seguintes danos ambientais, todos localizados em APP no rio Paraíba do Sul:

- remoção de vegetação nativa local (em fase inicial ou temporária de sucessão ecológica secundária) para a implementação das edificações e muros;

- impermeabilização e compactação do solo com introdução das edificações e constante ocupação da área;

- impedimento do processo de sucessão ecológica secudária (regeneração natural) resultante de introdução de edificações;

- constante remoção de vegetação em processo de sucessão ecológica (limpeza de área examinada por capina), dificultando o processo;

-favorecimento de processos erosivos;

- manutenção de resíduos sólidos no solo (resto de material de construção civil e outros.

Não obstante a obra ter sido embargada no dia da fiscalização realizada pela polícia militar ambiental (f. 30), é possível extrair da comparação das imagens de fl. 45 (Laudo 413853/14 da Polícia Técnico- Científica) com a imagem de fl. 106, que, mesmo após autuado e advertido, Alexandre da Silva Santos Leme deu andamento à obra, finalizando a estrutura do telhado, instalação de janelas, colocação de reboco externo e a construção de um muro que dividiu o terreno.

Ainda, à fl. 68 e 70, informou a Coordenadoria de fiscalização Ambiental que o réu não compareceu para a formalização de termo de compromisso de recuperação ambiental, seguindo a área sem qualquer medida de reversão do dano, o qual ainda persiste nos dias atuais.

Dessa forma, embora a área afetada possa ser recuperada, Alexandre da Silva Santos Leme ainda impede o processo de sucessão ecológica secundária (regeneração natural), e que não adotou qualquer medida a fim de reparar o dano causado.

 

Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 48 da Lei nº 9.605/1998 e dos artigos 38 e 38-A, ambos da mesma Lei (em concurso formal, nos termos do artigo 70 do Código Penal).

 

A denúncia foi recebida em 05 de maio de 2017 (fl. 143).


Processado regularmente o feito, sobreveio a r. sentença absolutória (fls. 210/213), cuja baixa em Secretaria deu-se em 15.02.2019 (fl. 214).

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apela (fls. 215/225), pleiteando a condenação do acusado, nos exatos termos da denúncia.

 

Contrarrazões da Defesa às fls. 229/231, pelo desprovimento da Apelação da acusação.

 

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo provimento integral do Recurso da acusação, condenando-se o réu, nos termos da inicial acusatória (fls. 233/238).

 

É o relatório.

 

Dispensada a revisão, na forma regimental.


MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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Data e Hora: 29/11/2019 17:17:47



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002401-38.2014.4.03.6118/SP
2014.61.18.002401-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
APELANTE : Justica Publica
APELADO(A) : ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME
ADVOGADO : SP232700 THIAGO ALVES LEONEL (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00024013820144036118 1 Vr GUARATINGUETA/SP

VOTO

A JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MONICA BONAVINA:


DA IMPUTAÇÃO


Consta da denúncia (fls. 139/141) que:


Em data não especificada, compreendida entre agosto de 2012 a 13 de agosto de 2014, na rua Três, nº 162, Chácara Agrícolas, Guaratinguetá/SP, ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME, agindo de forma livre e consciente, destruiu floresta, em formação, considerada de preservação permanente.
Na mesma data e local supracitados, ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME, agindo de forma livre e consciente, destruiu ou danificou vegetação primária ou secundária, em estágio médio de regeneração, do Bioma da Mata Atlântica.
No mesmo contexto espacial indicado acima, em data que perdura até os dias atuais, Alexandre da Silva Santos Leme, agindo de forma livre e consciente, vem impedindo a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, pela finalização e manutenção da edificação erguida no local.
Consta do presente inquérito policial que, em 14 de agosto de 2014, policiais militares ambientais, a fim de atender comunicado anônimo de degradação em decorrência da existência de construção civil em área de risco, regeneração das formas de vegetação nativa comuns às margens do Rio Paraíba do Sul, área esta de preservação permanente e integrante do Bioma da Mata Atlântica, na medida de 0,019ha. O local em que ocorreu o dano, identificado sob as coordenadas 22º46'48,7" e 22º46'48,9", inseria-se em um imóvel de propriedade de Alexandre da Silva Santos Leme, o qual acompanhou a autuação.
A conduta descrita no parágrafo anterior implicou a lavratura, pelos policiais miliares ambientais, do auto de infração ambiental (AIA) nº 312509 (f. 14), termo de embargo (f. 12), termo de advertência, boletim de ocorrência ambiental (BOA) nº 141943 (fl. 10/11). Deu ensejo ainda ao termo circunstanciado nº 99/3/2014, lavrado pelo 3º Distrito Policial de Guaratinguetá/SP, para apuração de prática de crime ambiental por parte de Alexandre da Silva Santos Leme.
Ouvido no 3º Distrito Policial de Guaratinguetá (f. 17), Alexandre da Silva Santos Leme declarou ter adquirido um terreno de 18mx75m, e disse que, a época da aquisição, já havia um muro que fechava as laterais e a frente do terreno, o qual, no fundo, era cercado por uma tela.
Alegou que, posteriormente, com a lavratura da escritura pública, iniciou a construção de uma casa para sua moradia, e argumentou que não fora informado de que não poderia construir no local.
Com esta construção, Alexandre da Silva Santos Leme realizou uma intervenção ambiental ilegal em uma área de preservação permanente, atingindo vegetação do Bioma da Mata Atlântica, sem licença ou autorização de órgão competente.
De acordo com o Laudo 298/2016 - UTEC/DPF/SJK (f. 103), foram constatados os seguintes danos ambientais, todos localizados em APP no rio Paraíba do Sul:
- remoção de vegetação nativa local (em fase inicial ou temporária de sucessão ecológica secundária) para a implementação das edificações e muros;
- impermeabilização e compactação do solo com introdução das edificações e constante ocupação da área;
- impedimento do processo de sucessão ecológica secundária (regeneração natural) resultante de introdução de edificações;
- constante remoção de vegetação em processo de sucessão ecológica (limpeza de área examinada por capina), dificultando o processo;
-favorecimento de processos erosivos;
- manutenção de resíduos sólidos no solo (resto de material de construção civil e outros.
Não obstante a obra ter sido embargada no dia da fiscalização realizada pela polícia militar ambiental (f. 30), é possível extrair da comparação das imagens de fl. 45 (Laudo 413853/14 da Polícia Técnico- Científica) com a imagem de fl. 106, que, mesmo após autuado e advertido, Alexandre da Silva Santos Leme deu andamento à obra, finalizando a estrutura do telhado, instalação de janelas, colocação de reboco externo e a construção de um muro que dividiu o terreno.
Ainda, à fl. 68 e 70, informou a Coordenadoria de fiscalização Ambiental que o réu não compareceu para a formalização de termo de compromisso de recuperação ambiental, seguindo a área sem qualquer medida de reversão do dano, o qual ainda persiste nos dias atuais.
Dessa forma, embora a área afetada possa ser recuperada, Alexandre da Silva Santos Leme ainda impede o processo de sucessão ecológica secundária (regeneração natural), e que não adotou qualquer medida a fim de reparar o dano causado.

Diante disso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 48 da Lei nº 9.605/1998 e dos artigos 38 e 38-A, ambos da mesma Lei (em concurso formal, nos termos do art. 70 do Código Penal).


DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA


A sentença a quo absolveu o réu ALEXANDRE DA SILVA LEME baseando-se no argumento de que a conduta descrita na denúncia revelar-se-ia materialmente atípica pelo princípio da insignificância, sendo a simples remoção das construções, possível no âmbito estritamente administrativo, suficiente para a completa reparação de eventual dano ambiental. Ressaltou, ainda, que o imóvel adquirido pelo réu encontra-se em um bairro residencial urbano da cidade de Guaratinguetá/SP.


O Ministério Público Federal, em suas razões de Apelação, pleiteou o afastamento do reconhecimento do princípio da insignificância com a consequente condenação do réu.


De fato, no caso concreto, não há que se falar na atipicidade da conduta em razão do princípio da insignificância.


No trato das questões que envolvem o meio ambiente, há de se ter extrema cautela na aplicação do princípio da insignificância. Como bem reconhecido em diversos precedentes jurisprudenciais, em matéria ambiental, esta deve ficar reservada a situações excepcionalíssimas, em que sejam ínfimas a ofensividade e a reprovabilidade social da conduta e nas quais os princípios de precaução e prevenção possam ser mitigados.


Nesse sentido:


PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO ESPECIAL. PESCA EM LOCAL E ÉPOCA PROIBIDA. NÃO APREENSÃO DE PEIXES. APREENSÃO DE PETRECHOS PROIBIDOS NA ATIVIDADE DE PESCA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A atipicidade material, no plano da insignificância, pressupõe a concomitância de mínima ofensividade da conduta, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. É entendimento desta Corte que somente haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado indicar que é ínfimo o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado, isto porque não deve-se considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas deve-se levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta. Precedente. 3. O acórdão recorrido está de acordo com o entendimento desta Corte, no sentido de que não é insignificante a conduta de pescar em local e época proibida, e com petrechos proibidos para pesca, ainda que não tenha sido apreendido qualquer peixe em poder do recorrente. 4. Recurso especial improvido."(REsp 1620778/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 27/09/2016 - grifei)


Com efeito, na natureza, nada é isolado ou independente, tudo depende de tudo e se interrelaciona com o todo, de modo que um dano que, isoladamente, pareça ínfimo, pode se revelar capaz de alcançar todo um ecossistema, por exemplo. Ademais, não se deve perder de vista que o escopo da norma é impedir a atitude lesiva ao meio ambiente, devendo-se evitar que a impunidade leve à proliferação de condutas a ele danosas. O objetivo é proteger não apenas as gerações presentes, mas também as futuras (inteligência do art. 225, caput, da CF), de modo que a aplicação do princípio da insignificância deve se restringir a casos efetivamente diminutos.


Não me parece ser esta a hipótese dos autos, face à ofensividade da conduta e a expressividade da lesão jurídica provocada.


No caso concreto, a denúncia imputa a ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME a realização de intervenção ambiental ilegal (construção de uma casa) em área de preservação permanente do Bioma da Mata Atlântica, sem licença ou autorização de órgão competente.


De acordo com o Laudo 298/2016 - UTEC/DPF/SJK (f. 103), foram constatados os seguintes danos ambientais, todos localizados em APP no rio Paraíba do Sul:


- remoção de vegetação nativa local (em fase inicial ou temporária de sucessão ecológica secundária) para a implementação das edificações e muros;

- impermeabilização e compactação do solo com introdução das edificações e constante ocupação da área;

- impedimento do processo de sucessão ecológica secundária (regeneração natural) resultante de introdução de edificações;

- constante remoção de vegetação em processo de sucessão ecológica (limpeza de área examinada por capina), dificultando o processo;

-favorecimento de processos erosivos;

- manutenção de resíduos sólidos no solo (resto de material de construção civil e outros.


Ademais, o Laudo nº 413853/14 (fl. 37) constatou que a obra foi realizada em área de 190m², e as fotografias por satélites acostadas às fls. 107/109 permitem a comparação nítida dos danos ambientais sofridos no local, sendo impossível falar-se em aplicação do princípio da insignificância.


Da mesma forma já decidiu esta E. Corte em caso semelhante, in verbis:


PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES AMBIENTAIS. LEI N.º 9.605/1998, ARTIGOS 40 E 48. FATO OCORRIDO ÀS MARGENS DO LAGO FORMADO COM A BARRAGEM DO RIO PARANÁ, CONSIDERADO COMO BEM DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO DELITO TIPIFICADO NO ARTIGO 40 DA LEI N.º 9.605/1998. ABSOLVIÇÃO MANTIDA COM BASE EM FUNDAMENTAÇÃO DIVERSA. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 48 DA LEI N.º 9.605/1998. CRIME PERMANENTE. INFRAÇÃO PENAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. TRANSAÇÃO PENAL.

1. Compete à Justiça Federal processar e julgar crime ambiental ocorrido às margens do lago formado com a barragem do Rio Paraná, considerado como bem da União. Precedentes.

2. Não se configura o delito previsto no artigo 40 da Lei n.º 9.605/1998 se o suposto dano ambiental não atingir Unidade de Conservação de Proteção Integral (Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Monumentos Naturais e Refúgios de Vida Silvestre) ou área tratada no art. 27 do Decreto nº 99.274/ 1990.

3. O crime previsto no artigo 48 da Lei n.º 9.605/1998 é classificado como permanente (STF, 1ª Turma, RHC 83.437/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa).

4. A aplicação do princípio da insignificância em matéria ambiental deve ser feita em caráter de absoluta excepcionalidade.

5. Em um imóvel com 420m² de área total, o impedimento à regeneração da vegetação verificado em 333,5m² não pode ser considerado insignificante.

6. O delito previsto no artigo 48 da Lei n.º 9.605/1998 é classificado como de menor potencial ofensivo. Remanescendo acusação somente em relação a esse tipo penal, é de rigor oportunizar às partes a celebração de transação penal.

7. Recurso ministerial parcialmente prejudicado e, quanto ao mais, provido.

(TRF 3ª Região, SEGUNDA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 39081 - 0007778-41.2005.4.03.6106, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 22/05/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/05/2012 )



Ademais, como bem apontado pela Apelação ministerial, os danos atingiram área pertencente ao Bioma Mata Atlântica, ecossistema que constitui patrimônio ambiental nacional, de acordo com o artigo 225, § 4º, da Constituição Federal. Destarte, não há como considerar as condutas praticadas como insignificantes penais, sob pena de se incorrer em enorme retrocesso em matéria de conservação ambiental, ameaçando a proteção de um dos principais ecossistemas do nosso país, a Mata Atlântica (fl. 222).


Dessa forma, inaplicável o princípio da insignificância ao caso concreto.


DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO E DA DESCLASSIFICÃO DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU


A denúncia descreve que ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME, em data não especificada, compreendida entre agosto de 2012 a 13 de agosto de 2013, realizou intervenção ambiental ilegal (construção de uma casa) em área de preservação permanente do Bioma da Mata Atlântica, situada à margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, sem licença ou autorização de órgão competente. Diante disso, imputou-lhe as condutas delitivas previstas nos artigos 38, 38-A e 48 da Lei de Crimes Ambientais, os quais contam com a seguinte redação, in verbis:


Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.


Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.


De fato, o Laudo 298/2016 - UTEC/DPF/SJK (fls. 96/112) atestou expressamente que houve degradação ambiental, uma vez que a introdução de edificações inevitavelmente provoca degradação ao meio ambiente, envolvendo a remoção de vegetação e movimentação de solo. Atestou ainda que houve impedimento ou dificultação da regeneração das formas de vegetação existentes no local, já que a introdução de edificações na área impede o processo de sucessão ecológica secundária (regeneração natural). A ocupação contínua e as ações de limpeza da área examinada (capina removendo espécies vegetais rasteiras ou arbustivas) dificultam o processo de sucessão ecológica secundária.


Em seu interrogatório judicial (mídia - fl. 193), ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME, narrou que é pedreiro, está desempregado e estudou até o ensino médio. Confirmou que, quando comprou o terreno de loteamento, com escritura, não havia nenhuma construção no local, só um muro. Narrou que efetivamente construiu no terreno a casa para moradia de sua família e, uma vez autuado, confirmou ter dado andamento à obra, pois ele, sua esposa, dois filhos, seu irmão e seus avós já viviam no local, único imóvel que possuem. Afirmou, por fim, não ter cortado nenhuma árvore de grande porte e não saber que se tratava de área de preservação permanente do Bioma da Mata Atlântica.


Dos elementos colhidos, portanto, verifica-se que a degradação ambiental na área ocorreu única e exclusivamente com o intuito de construir no local uma casa para a moradia do acusado e sua família, o que amolda sua conduta perfeitamente àquela prevista no art. 64 da Lei de Crimes Ambientais, que prevê:


Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:

Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.


Assim, no caso concreto, a suposta destruição da vegetação nativa mostrou-se como mera etapa inicial do único crime pretendido de construção em local não edificável (in casu, em área de preservação permanente e do Bioma da Mata Atlântica), razão pela qual incide a absorção do crime-meio de destruição de vegetação pelo crime-fim de edificação proibida.


O mesmo ocorre com relação ao delito de impedir a regeneração natural da flora, que configura mero exaurimento do crime de edificação indevida a partir do efetivo gozo da coisa construída.


Não há qualquer ação autônoma de destruir floresta ou impedir sua regeneração, mas tão somente o ato de promover construção em local de edificação proibida. A destruição mostra-se, assim, condição necessária para a realização da obra no local e o impedimento à regeneração, pós fato impunível pela fruição natural da construção realizada.


Assim, mostra-se mais acertada a aplicação do princípio da consunção dos delitos do art. 38, 38-A e 48 da Lei de Crimes Ambientais, e a desclassificação da conduta do acusado para o crime-fim previsto no art. 64 da mesma Lei.


Esse foi o entendimento proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça em precedente de caso bastante semelhante, no qual também entendeu que o crime de destruir área de preservação permanente e o pós fato impunível de impedir sua regeneração tratam-se tão somente de crime-meio para o crime-fim de construir em local não edificável. Devendo ser, assim, aplicado o princípio da consunção e classificada a conduta do acusado como incurso tão somente no art. 64 da Lei nº 9.605/1998.


Veja-se, in verbis:


PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. ARTS. 48 E 64 DA LEI N. 9.605/98. CONSUNÇÃO. ABSORVIDO O CRIME MEIO DE DESTRUIR ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE E O PÓS-FATO IMPUNÍVEL DE IMPEDIR SUA REGENERAÇÃO. CRIME ÚNICO DE CONSTRUIR EM LOCAL NÃO EDIFICÁVEL. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. Ocorre o conflito aparente de normas quando há a incidência de mais de uma norma repressiva numa única conduta delituosa, sendo que tais normas possuem entre si relação de hierarquia ou dependência, de forma que somente uma é aplicável. 2. O crime de destruir área de preservação permanente dá-se como meio necessário da realização do único intento de construir edificação em solo não edificável, sendo o crime-meio de destruição de vegetação absorvido pelo crime-fim de edificação proibida. 3. Recurso especial improvido.

(STJ - REsp: 1376670 SC 2013/0119375-3, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 16/02/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/05/2017)


Ademais, conforme o mencionado laudo, apesar de estar inserido no Bioma da Mata Atlântica e em área de preservação permanente da margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, o terreno está situado em área que possui urbanização precária e não apresenta características rurais (fl. 104). Inclusive, o exame pericial destacou que na área existem diversas outras edificações e estruturas em APP, incluindo as estradas de acesso (rua três e outras perpendiculares) e rede elétrica, o que é possível de comprovar-se claramente diante da fotografia acostada à fl. 105. Dessa forma, tratando-se de área urbana, ainda mais pertinente a aplicação do art. 64 da Lei de Crimes Ambientais, presente na Seção IV - Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural da referida Lei.


DO OFERECIMENTO DA TRANSAÇÃO PENAL


Sendo o réu ALEXANDRE primário e, diante da desclassificação de sua conduta para o delito previsto no art. 64 da Lei de Crimes Ambientais, cuja pena prescrita é de 06 (seis) meses a 01 (um) ano de detenção, configurando, portanto, crime de menor potencial ofensivo, é de rigor que seja oportunizada a manifestação do Ministério Público Federal sobre o eventual cabimento dos benefícios da Lei Federal nº 9.099/1995.


Nesse sentido, diversos precedentes, inclusive das C. Cortes Superiores, já se manifestaram para declarar a nulidade das sentenças que, ao mudar a classificação jurídica da denúncia ou absolver parcialmente o réu da imputação inicialmente prevista, deixaram de dar vista dos autos ao Ministério Público Federal passando diretamente à condenação e dosimetria da pena de delitos que, em tese, fazem jus aos benefícios da Lei nº 9.099/1995.


Veja-se, in verbis:


HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.

A via eleita se revela inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.

2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo penal.

FAVORECIMENTO REAL E QUADRILHA. CONCURSO MATERIAL. DELITOS CUJAS PENAS ULTRAPASSAM OS LIMITES PREVISTOS NA LEI 9.099/1995. IMPOSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL OU DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO QUANDO DEFLAGRADA A AÇÃO PENAL. ENUNCIADO 231 DA SÚMULA DO SUPERIOR DE JUSTIÇA. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE.

1. Nos termos do enunciado 243 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, "o benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano".

2. O mesmo entendimento é aplicável à transação penal, que não pode ser ofertada aos acusados de crimes cuja pena máxima, considerado o concurso material, ultrapasse 2 (dois) anos, limite para que se considere a infração de menor potencial ofensivo. Precedente.

3. No caso dos autos, a paciente foi denunciada pela prática dos delitos previstos nos 349-A e 288 do Código penal, em concurso material, cujas penas máximas são, respectivamente, de 1 (um) ano de detenção e de 3 (três) anos de reclusão, as quais, somadas, ultrapassam os limites previstos na Lei 9.099/1995, o que demonstra que, quando iniciada a ação penal em apreço, não fazia jus aos benefícios d transação penal ou da suspensão condicional do processo.

SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA ABSOLVENDO A ACUSADA DO DELITO DE QUADRILHA. SUBSISTÊNCIA DE CRIME QUE PERMITE A APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS PREVISTOS NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. AUSÊNCIA DE ABERTURA DE VISTA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA SE MANIFESTAR SOBRE A QUESTÃO. NULIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.

Este Sodalício possui entendimento consolidado no sentido de que absolvido o réu de parte das imputações que lhe foram feitas, e sendo cabível o oferecimento dos benefícios previstos na Lei 9.099/1995 quanto aos ilícitos remanescentes, cumpre ao magistrado abrir vista dos autos ao Ministério Público a fim de que sobre eles se manifeste. Enunciado 337 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Não tendo o togado sentenciante remetido os autos ao órgão ministerial a fim de que se pronunciasse sobre a possibilidade de propositura dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/1995 à paciente, afastando-a de pronto e passando à dosimetria da pena, constata-se a nulidade do feito.

3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, mantida a absolvição da paciente quanto ao delito de quadrilha, oportunizar ao Ministério Público que se manifeste sobre a possibilidade de oferecimento de suspensão condicional do processo à paciente.

(HC 309.975/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 25/03/2015- destaque nosso)


Trata-se de habeas corpus com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de Wander Gonçalves Mota, contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou provimento ao Agravo Regimental nos autos do Agravo em Recurso Especial 904.165/MG. Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática dos delitos descritos nos artigos 28 e 37 da Lei 11.343/2006 à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos; bem como à medida educativa de comparecimento a programa ou cursos educativos, pelo prazo de 6 meses. Irresignada, a defesa interpôs apelação criminal no Tribunal de Justiça mineiro, postulando, em suma, a absolvição pelo crime previsto no artigo 37 da Lei de Drogas por atipicidade da conduta. Alternativamente, pugnou pelo reconhecimento da confissão espontânea em relação ao delito de posse de entorpecentes para consumo pessoal, bem como pela redução da medida educativa aplicada ao réu. O recurso foi parcialmente provido para absolver o réu do delito descrito no artigo 37 da Lei de Drogas por falta de provas, bem como para, em relação ao crime de posse de entorpecentes para consumo pessoal, reconhecer a atenuante da confissão espontânea e assim reduzir a pena imposta ao apelante, concretizando-a em comparecimento a programa ou curso educativo pelo prazo de 2 meses. Eis a ementa desse julgado: APELAÇÃO CRIMINAL COLABORAÇÃO COM GRUPO, ORGANIZAÇÃO OU ASSOCIAÇÃO DESTINADOS AO TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES PROVA INSUFICIENTE ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE POSSE DE ENTORPECENTES PARA CONSUMO PESSOAL AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS CONDENAÇÃO MANTIDA REPRIMENDA EXARCERBADA REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. 01. Inexistindo prova segura de que o réu colaborava, como informante, com grupo, organização ou associação constituídos para o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, a absolvição é medida que se impõe (art. 386, VII, do CPP). 02. Demonstradas, quantum satis , a materialidade e a autoria do crime de posse de entorpecentes para consumo pessoal, a condenação do réu, à falta de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, é medida que se impõe. 03. A sanção penal, medida de exceção, deve ser, por excelência, aquela necessária e suficiente à prevenção e reprovação do injusto, eis porque, se aplicada com exagero, há que ser adequada. (eDOC 2, p. 10) Sobreveio recurso especial, o qual foi obstado na origem. Impugnou-se a decisão por meio de agravo no Superior Tribunal de Justiça. O recurso não foi conhecido, nos termos da jurisprudência da Corte Especial. No presente writ, a DPU insiste na alegação de nulidade do feito em razão da não abertura de vista ao Ministério Público para manifestar-se acerca da transação penal. Requer, liminarmente, a suspensão da tramitação da ação penal até o julgamento final deste mandamus. Em 28.2.2018, deferi a liminar, para determinar a suspensão dos efeitos da condenação. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do pedido. (eDOC 18) É o relatório. Passo a decidir. Conforme registrei na decisão pretérita, a despeito de, originalmente, ter sido o paciente denunciado ainda por outro delito (artigo 37 da Lei de Drogas), circunstância que afastava o cabimento da suspensão em face da somatória das penas (acima do mínimo legal de 1 ano exigido pelo artigo 89 da Lei 9.099/1995), operou-se em grau de recurso a absolvição pelo segundo delito. Neste caso, o crime remanescente, quanto à pena, autorizava a proposta de suspensão do processo. Existem precedentes do próprio STJ consignando a viabilidade do oferecimento da proposta de suspensão pelo Ministério Público, conforme, dentre outros, o seguinte julgado: (...)

O mesmo STJ acabou editando a Súmula 337 permitindo aludido benefício processual em hipótese semelhante ao destes autos: Súmula 337. STJ: é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva. Acerca da tese ministerial, segundo a qual a transação penal traria consequência mais gravosa que a sanção imposta ao paciente, verifico tratar-se de matéria afeta à sua própria deliberação. É que a Defensoria busca, através do presente writ, que seja ofertada, ao paciente, a transação penal, o que não significa que ele vá aceitá-la. E mais: até que esta Corte julgue o RE 635.659, de minha relatoria, o entendimento atual é no sentido de que não houve abolitio criminis do crime de posse de droga para uso pessoal, mas apenas sua despenalização, de modo que a condenação havida pode gerar reincidência e demais consequências processuais. Dito isso, tenho que, ao contrário do que alega a PGR, a condenação por infração ao art. 28 da Lei de Drogas pode ser mais gravosa que a aceitação da transação penal. Ante os fundamentos expostos, concedo a ordem para confirmar a liminar deferida e determinar seja ofertada ao paciente a transação penal, nos termos da Lei 9.099/95. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 24 de agosto de 2018. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente(HC 151688, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Supremo Tribunal Federal, julgado em 24/08/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 27/08/2018 PUBLIC 28/08/2018)

Inclusive, a Súmula 337 do C. Superior Tribunal de Justiça prevê a possibilidade de oferecimento dos benefícios da Lei 9.099/1995 ao crime remanescente ao prever que é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva, o que se amolda ao caso ora em questão.


Ressalte-se que, ainda que no caso concreto a condenação do réu permitiria a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos, é importante apontar que a condenação penal gera efeitos outros, como a reincidência e os antecedentes criminais, e, portanto, deve ser oportunizada ao menos a possibilidade de que o Ministério Público Federal analise a eventual propositura de tais benefícios despenalizadores, o que pode, ou não, ser aceito pelo acusado.


Assim, procedida a desclassificação da conduta do réu para aquela amoldada no artigo 64 da Lei de Crimes Ambientais, devem os autos ser remetidos ao r. juízo de origem com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal para que se manifeste acerca da eventual possibilidade de oferecimento da transação ou suspensão condicional do processo, atentando-se ao prazo prescricional.


DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal, para afastar a tese de atipicidade da conduta praticada por ALEXANDRE DA SILVA SANTOS LEME e, DE OFÍCIO, proceder à desclassificação de sua conduta para aquela amoldada no artigo 64 da Lei de Crimes Ambientais, determinando-se a remessa dos autos ao r. juízo de origem, com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal, para que se manifeste acerca da eventual possibilidade de oferecimento de proposta de transação ou suspensão condicional do processo, nos termos do relatório e voto ora proferidos.


É o voto.








MONICA BONAVINA
Juíza Federal Convocada


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