D.E. Publicado em 19/03/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, REJEITAR A QUESTÃO PRELIMINAR e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO à apelação, e, DE OFÍCIO, reduzir a pena de multa, ficando a pena definitivamente fixada em 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 20 (vinte) dias-multa, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, tendo a Juíza Federal Convocada Monica Bonavina acompanhado com ressalva de seu entendimento quanto à pena de multa.
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RELATÓRIO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por NELSON TETSUO SAKAGUSHI em face da sentença proferida pela 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP que o condenou, como incurso no art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86, à pena de 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 150 (cento e cinquenta) dias-multa, no valor unitário de 1/6 (um sexto) do salário mínimo.
Otávio Luiz Apóstolo Valeiro e Danilo Tadeu de Amorim Mainente foram absolvidos da imputação de prática dos crimes previstos nos arts. 5º e 10 da Lei nº 7.492/86, com fundamento no art. 386, V, do Código de Processo Penal; Luiz Vicente Barros Mattos Júnior e Leocádio Geraldo Rocha foram absolvidos da imputação de prática do crime previsto no art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal; e foi declarada extinta a punibilidade de Jayme Marques de Souza, em razão do seu falecimento.
A denúncia (fls. 02/30), recebida em 26.09.2003 (fls. 8.623/8.628), narra, em síntese, que as investigações se iniciaram por representação criminal apresentada pelos ex-controladores do Banco Noroeste S/A à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, noticiando desvios de aproximadamente US$ 242.000.000,00 (duzentos e quarenta e dois milhões de dólares) dos ativos da instituição financeira. Conforme essa representação criminal, a área internacional do banco era gerida pelo réu NELSON TETSUO SAKAGUCHI, que teria desviado US$ 190.000.000,00 (cento e noventa milhões de dólares) por meio da Agência Grand Cayman do Banco Noroeste; US$ 17.000.000,00 (dezessete milhões de dólares), a partir dos Estados Unidos; US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares), a partir da China e US$ 52.000.000,00 (cinquenta e dois milhões de dólares) teriam sido retirados para obter suposta proteção espiritual, bem como para cobrir perdas na captação de recursos e outros prejuízos. Os desvios foram descobertos quando o banco foi vendido para o Banco Santander S.A., entre o final de 1997 e o início de 1998, tendo os controladores do Banco Noroeste assumido o prejuízo.
Ainda segundo a denúncia, foram apuradas as seguintes irregularidades pelo Banco Central do Brasil (Bacen):
A sentença (fls. 11.904/11.922) foi publicada em 15.01.2014 (fls. 11.923) e transitou em julgado para acusação em 21.01.2014 (fls. 11.932).
Em suas razões recursais (fls. 11.950/11.959), a defesa de NELSON alega, preliminarmente, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva pela pena aplicada. No mérito, pleiteia sua absolvição em razão da ausência de provas de autoria e dolo, alegando que as fraudes não poderiam ser imputadas somente ao acusado, que agia sob as ordens da diretoria e vice-presidência do Banco Noroeste S.A., sendo que tinha auxílio dos corréus Otávio Luiz Apóstolo Valeiro e Danilo Tadeu de Amorim Mainente para perpetrar as operações investigadas. Sustenta não ter enriquecido como resultado dos desvios, o que demonstraria a ausência de dolo, e argumenta que a condenação foi fundada em elementos obtidos exclusivamente na fase investigativa, pelo que requer a aplicação do princípio in dubio pro reo. Subsidiariamente, requer a fixação do regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos.
Contrarrazões a fls. 11.964/11.973.
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 11.975/11.981v).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelação interposta por NELSON TETSUO SAKAGUCHI em face da sentença que o condenou pela prática do crime do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86.
Rejeito a preliminar de prescrição da pretensão punitiva. Com efeito, o art. 110, caput, do Código Penal dispõe que a prescrição, depois de transitar em julgado a sentença condenatória para a acusação, regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no art. 109 do mesmo diploma legal.
No caso, a sentença que condenou o réu à pena de 6 (seis) anos de reclusão transitou em julgado para a acusação em 21.01.2014 (fls. 11.932). A prescrição da pena igual ou superior a 4 (quatro) anos e que não exceda a 8 (oito) anos ocorre em 12 (doze) anos (CP, art. 109, III). A gestão fraudulenta imputada ao réu cessou em 31.01.1998 (fls. 02/29), (ii) o recebimento da denúncia deu-se em 26.09.2003 (fls. 8.628) e (iii) a sentença condenatória foi publicada em 15.01.2014 (fls. 11.923). Portanto, não foi superado o período de 12 (doze) anos entre os marcos interruptivos da prescrição; nem mesmo entre a data da publicação da sentença condenatória e a data deste voto.
Previamente à análise do mérito, faz-se necessária uma breve digressão para contextualizar os fatos que são objeto desta ação penal.
As investigações tiveram início por meio de representação criminal apresentada pelos ex-controladores da instituição financeira (Banco Noroeste S.A.) perante a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo.
Segundo a denúncia dos ex-controladores, o Banco Noroeste S.A. foi vendido ao Banco Santander S.A. em agosto de 1997 e, como parte do processo de transição, foi realizada auditoria pelo grupo do Banco Santander no final daquele ano.
No início de 1998, foi solicitado detalhamento quanto à conta de depósitos em moeda estrangeira (DEME) do Banco Noroeste, na qual constava como saldo aproximadamente US$ 240.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de dólares). Contudo, quando questionada a área internacional a respeito do valor, descobriu-se que havia em disponibilidade apenas US$ 7.000.000,00 (sete milhões de dólares), conforme depoimento à Polícia Civil de Leo Wallace Cochrane Júnior (fls. 909/914), um dos ex-controladores do Banco Noroeste, corroborado pelo depoimento em juízo de Otto Steiner, diretor jurídico do Banco Noroeste (CD fls. 11.392).
Após análise feita pelos funcionários do banco e por auditores da empresa Price Waterhouse, que realizava as auditorias externas da Agência Cayman, parte integrante da área internacional do banco, foi descoberto o desvio de US$ 242.000.000,00 (duzentos e quarenta milhões de dólares).
A área internacional do Banco Noroeste era gerenciada pelo diretor NELSON TETSUO SAKAGUCHI, que reportava suas atividades a Luiz Vicente Barros Mattos Júnior, vice-presidente executivo do banco, e Leocádio Geraldo Rocha, diretor-geral da área de câmbio. Subordinados a NELSON, trabalhavam Otávio Luiz Apostolo Valero, superintendente de relações bancárias internacionais, e Danilo Tadeu de Amorim Mainente, assessor de Otávio.
Consoante a denúncia, foram desviados da área internacional, através da Agência Cayman, US$ 190.294.401,11 (cento e noventa milhões, duzentos e noventa e quatro mil quatrocentos e um dólares e onze centavos) por meio de transferências ao exterior via sistema SWIFT; US$ 9.994.926,26 (nove milhões, novecentos e noventa e quatro mil novecentos e vinte e seis dólares e vinte e seis centavos) por meio de saques em moeda estrangeira para beneficiários diversos; US$ 12.246.820,02 (doze milhões, duzentos e quarenta e seis mil oitocentos e vinte dólares e dois centavos) por meio de saques em moeda estrangeira em espécie ou via cabo, tendo como beneficiária Maria Rodrigues da Silva; US$ 8.791.918,22 (oito milhões, setecentos e noventa e um mil novecentos e dezoito dólares e vinte e dois centavos) por meio de ganhos/perdas com operações de arbitragem de moeda.
Foram ainda verificadas como irregularidades: US$ 22.491.440,50 (vinte e dois milhões, quatrocentos e noventa e um mil quatrocentos e quarenta dólares e cinquenta centavos) em lançamentos contábeis, com o escopo de ocultar os desfalques; US$ 324.393,86 (trezentos e vinte e quatro mil trezentos e noventa e três dólares e oitenta e seis centavos) em pendências de clientes e, por fim, US$ 1.662.856,95 (um milhão, seiscentos e sessenta e dois mil oitocentos e cinquenta e seis dólares e noventa e cinco centavos) em lançamentos não identificados, totalizando o desfalque de US$ 242.481.043,02 (duzentos e quarenta e dois milhões, quatrocentos e oitenta e um mil e quarenta e três dólares e dois centavos) - fls. 10/11.
Tais valores foram apurados no bojo de processo administrativo nº 9800877832 instaurado pelo Banco Central - Bacen para investigar a origem e responsabilidade dos desvios descobertos quando da venda ao Banco Santander.
Ainda em decorrência do desfalque da Agência Cayman, NELSON foi preso nos Estados Unidos e extraditado para a Suíça, onde respondeu pelo crime de lavagem de dinheiro, tendo como delito antecedente os fatos ora apurados. Foi condenado à pena de 30 (trinta) meses de reclusão e 10 (dez) anos de expulsão do território suíço (fls. 11.152/11.173 e 11.174/11.192).
Feita a contextualização, passo ao exame do mérito.
Não houve insurgência quanto à materialidade delitiva, que ficou suficientemente comprovada pela correspondência da empresa de auditoria Price Waterhouse (fls. 429/434), pelo processo administrativo nº 9800877832 instaurado no Bacen (fls. 2.712/2.723, 3.926/3.942 e 4.796/4.812), corroborado pelo depoimento judicial de Daniel Franco Valladão, analista do Bacen (fls. 10.223/10.228) e pelos depoimentos em juízo dos demais funcionários do Banco Noroeste.
Concluiu-se que, entre dezembro de 1992 e novembro de 1994, foram realizadas operações de arbitragem de moedas estrangeira que geraram perdas ao Banco Noroeste. Essas operações eram feitas de forma casada entre o Banco Noroeste e uma instituição financeira no exterior (normalmente o Continental International Bank em Chicago e o Chemical Bank em Nova York) e concomitantemente entre essa instituição financeira e a Agência Cayman.
A instituição estrangeira comprava moeda do Banco Noroeste, que, em seguida, vendia o mesmo montante à Agência Cayman por valores inferiores ao valor de mercado. O mesmo montante era então vendido pela Agência no valor do mercado e o ganho auferido pela Agência Cayman não era creditado em contas de resultado do Banco Noroeste. Ao contrário, ficava em caixa, disponível para saque.
A ausência de registro contábil dos referidos ganhos permitiu o saque indevido de US$ 10.221.222,00 (dez milhões, duzentos e vinte e um mil duzentos e vinte e dois dólares) entre dezembro de 1992 a dezembro de 1994.
Já no início de 1995, os desvios passaram a ser perpetrados principalmente por meio de transferências via SWIFT, além dos saques realizados na boca do caixa, sem que houvesse a devida contabilização destas operações.
Os saques em espécie e transferências via cabo tinham como principal destinatária Maria Rodrigues da Silva, sob a anotação de "oferendas" (fls. 09 e 83), o que foi confirmado pela análise dos extratos bancários da conta corrente nº 8.172-8, de titularidade de Maria no Banco Bradesco (fls. 4.345/4.392 e 8.821/8.866), obtidos mediante autorização judicial (fls. 4.199).
A Polícia Federal concluiu pela movimentação de valor superior a US$ 4.000.000,00 (quatro milhões de dólares) entre 1995 e 1999 (fls. 4.393). Imediatamente após os depósitos dos significativos valores, nos dias subsequentes, praticamente todo o montante era retirado em espécie, em pequenos saques.
Já as remessas realizadas ao exterior via SWIFT eram, em grande parte, destinadas a empresas offshore, como a Pentagon Co. Ltd. e a Stanton Development Corporation. Foram realizadas 93 (noventa e três) operações de transferências via SWIFT entre maio de 1995 e janeiro de 1998, totalizando mais de US$ 190.000.000,00 (cento e noventa milhões de dólares).
Com o intuito de evitar a descoberta dos desvios perpetrados, foram engendradas fraudes na contabilidade da instituição financeira. Os saques eram contabilizados a débito na conta de depósito mantida pela Agência Cayman junto ao banco Chase Manhattan em Nova York e a crédito na conta de depósito junto à matriz, de onde eram sacados os recursos.
Para fins de contabilidade, eram fornecidos os extratos da conta da Agência Cayman com defasagem de alguns dias, o que evitava a constatação de pendência, quando realizada a conciliação das contas. A referida conciliação era efetuada mediante a comparação entre os débitos constantes nos extratos com os créditos nos lançamentos contábeis, e os créditos constantes nos extratos com os débitos no lançamento contábil. As transferências e saques eram feitos nos últimos dias do mês, após o fornecimento desse extrato à contabilidade, de modo que, na conferência entre extrato e registro contábil, não havia pendência.
Observe-se que se utilizava de artifício de conciliação de informações com datas bases diferentes; assim, as transferências não eram identificadas pela auditoria externa.
Para regularizar esses saques, antes do final do mês e após o fornecimento dos extratos da agência Cayman para contabilidade, eram lançados débitos na conta de depósito à vista (DEMAND) do Banco Noroeste na Agência Cayman. No início do mês subsequente, o lançamento era revertido para que não constasse nova pendência e empréstimos do tipo "Clean" de agência para matriz eram usados para que não constasse saldo devedor na conta DEMAND. Na contabilidade do Banco Noroeste, estes valores estavam lançados na conta de Depósitos no Exterior em Moedas Estrangeiras - DEME, conta essa que não tinha rendimentos e, por isso, chamou a atenção do Banco Santander, que solicitou esclarecimentos a Jayme Marques de Souza, responsável pela área de auditoria interna do Banco Noroeste, e levou à descoberta do desfalque, consoante interrogatório judicial de Jayme Marques de Souza (fls. 8.779/8.783) e depoimento de Otto Steiner, diretor jurídico do Banco Noroeste (CD fls. 11.392).
Tais mecanismos encontram-se descritos na inicial do processo administrativo nº 9800877832, cujo teor transcrevo a seguir:
As conclusões do processo administrativo no Bacen foram corroboradas pelo depoimento judicial de Daniel Franco Valladão, analista do Bacen que elaborou o parecer a respeito dos fatos ora apurados:
Portanto, não há dúvida quanto à materialidade do delito de gestão fraudulenta.
No que toca à autoria, o apelante negou em juízo que fosse o responsável pelos atos irregulares e fraudulentos narrados na denúncia (CD fls. 11.392). Sustenta a ausência de provas de dolo, pleiteando, por isso, a aplicação do princípio in dubio pro reo.
NELSON disse em juízo que nada sabia acerca dos desvios ou da Operação Nigéria, alegando, de maneira genérica, que quem teria ordenado as transações irregulares teria sido o "Banco", sem especificar quem efetivamente seria o mandante. Argumentou que o repasse de valores tão significativos não poderia passar despercebido por seus superiores e disse ignorar os motivos dos repasses para Maria Rodrigues da Silva, a quem disse conhecer, mas que se limitava a contribuir com doações de montantes irrisórios de R$ 100,00 (cem reais) - CD fls. 11.392.
Tal versão, todavia, não encontra amparo nos elementos probatórios coligidos.
Com efeito, consoante organograma do Banco Noroeste, NELSON era diretor da área internacional da instituição, que englobava a Agência Cayman, captações externas, tratadas como caixa único (Banco Noroeste e Cayman), aplicações, funções administrativas e contábeis, detendo completa autonomia operacional e de controle sobre a área (fls. 2.713 e 2.724).
A fls. 2.751/2.766, encontram-se as procurações outorgadas pelo Banco Noroeste para o apelante representar a Agência Grand Cayman, demonstrando estar caracterizada a condição de administrador da referida agência, nos termos do art. 25 da Lei nº 7.492/86.
Ainda segundo o organograma, NELSON era subordinado ao Vice-Presidente do Banco, Luiz Vicente Barros Mattos Júnior e ao diretor da carteira de câmbio, Leocádio Geraldo Rocha. Tinha como funcionários diretos Otávio Luiz Apostolo Valero, superintendente de relações bancárias internacionais, e Danilo Tadeu Amorim Mainente, assessor de Otávio.
Nas duas oportunidades em que foram interrogados pelo juízo de primeiro grau, Otávio Luiz Apostolo Valero (fls. 8.761/8.765 e CD fls. 11.392) e Danilo Tadeu Amorim Mainente (fls. 8.752/8.756 e CD fls. 11.392) confirmaram que possuíam a senha necessária para realização das transferências via SWIFT, bem como que realizavam diversas transações por comunicação verbal ou com rascunho de próprio punho do apelante. A fls. 2.773/2.811 estão juntadas autorizações de saques no caixa e via cabo firmadas por Otávio ou Danilo e, a fls. 2.812/2.816, está listada a utilização de senhas tanto de Otávio quanto de Danilo para autorização de transferências via SWIFT, identificadas com fraudulentas.
Ambos os funcionários descreveram com detalhes como as ordens para as transferências e saques partiam diretamente de NELSON, que assegurava ter toda documentação necessária para embasar as operações. Em diversas ocasiões, ele ficava ao lado de digitadores, ditando os termos das transferências, o que evidencia que comandava pessoalmente todas as operações que levaram aos desvios.
O apelante apresentou variadas justificativas para o desfalque durante as investigações.
Jayme Marques de Souza, Otto Steiner Júnior e Pedro de Carvalho, este último diretor de contabilidade do Banco Noroeste, narraram de forma harmônica, em seus depoimentos em juízo (fls. 8.779/8.783, CDs de fls. 11.392 e 11.143), que, quando foi descoberto o desfalque, NELSON confirmou o desvio, mas afirmou que o dinheiro retornaria com lucro para o banco, pois teria sido investido na construção de um aeroporto na Nigéria. No dia seguinte, ele ainda apresentou documentação que, em tese, daria suporte a esse investimento e estava guardada em sua residência.
As declarações dos ex-funcionários do Banco Noroeste são corroboradas pela defesa prévia apresentada pelo próprio acusado perante o Ministério Público Estadual (fls. 810/811), na qual consta que foi proposta uma operação de financiamento da construção de um aeroporto internacional na Nigéria, em abril de 1995, o que demandaria a remessa de milhões de dólares mensalmente.
Perante a Justiça Criminal da Suíça, o apelante também trouxe a versão de que o dinheiro fora desviado com o propósito do investimento. Confira-se (fls. 11.183):
O apelante apresentou documentação para os demais funcionários do banco Noroeste que, supostamente, seria a comprovação de que o dinheiro fora enviado à Nigéria para a construção do aeroporto. Contudo, além de se tratarem de cópias de fax, apurou-se durante a investigação que as assinaturas lançadas de "Rasheed Rafindade", que alegadamente seria o nigeriano que teria negociado o investimento, foram apostas pelo próprio réu, consoante laudo de exame documentoscópico (fls. 5.709/5.714).
Tal fato, aliado à informação de que a Stanton Development Corporation, empresa offshore cujo representante legal era o apelante, foi uma das maiores beneficiárias das transferências via SWIFT, denotam que o apelante tinha plena ciência de que os desvios não se destinavam a nenhum investimento, mas que, em realidade, NELSON procurou escusar-se da sua responsabilidade pelo desfalque, fabricando a história da construção do aeroporto. A assinatura forjada nos documentos que supostamente comprovavam a existência da Operação Nigéria é demonstração inequívoca de que o apelante perpetrou fraudes até o último momento, na tentativa de se esquivar de sua responsabilização pelo crime cometido.
Quanto aos depósitos feitos para Maria Rodrigues da Silva, não obstante o apelante negue ter pagado significativos valores a ela, os extratos bancários da conta corrente nº 8.172-8, de titularidade de Maria no Banco Bradesco (fls. 4.345/4.392 e 8.821/8.866), apontam para a movimentação de vultosa quantia, originária de transferências ou depósitos compatíveis com as anotações e planilhas com a marcação de "oferendas" encontradas na Agência Cayman (fls. 83, por exemplo).
Os demais funcionários do banco envolvidos diretamente na auditoria interna que descobriu os desvios afirmaram em juízo que, quando questionado a respeito do saque de aproximadamente US$ 12.000.000,00 (doze milhões de dólares), NELSON informou ter utilizado o montante para pagar uma mãe de santo pelos serviços espirituais prestados ao banco (fls. 8.752/8.756, 8.761/8.765, 8.772/8.776, 8.779/8.783, 10.386/10.392, CD fls. 11.392).
Ademais, Otávio e Danilo confirmaram que fizeram diversos saques sem nenhum suporte documental por ordem de NELSON (fls. 8.761/8.765, fls. 8.752/8.756 e CD fls. 11.392).
Independentemente das alegadas motivações para os desvios, seja para investimento na construção de aeroporto na Nigéria, seja para pagamento de serviços espirituais, não há dúvida quanto à participação direta e dolosa do apelante nas práticas fraudulentas que resultaram no desfalque de mais de US$ 242.000.000,00 (duzentos e quarenta e dois milhões de dólares).
Aliás, não é crível que o apelante, profissional experiente na área internacional do banco, aceitaria fazer um investimento de tamanho aporte sem qualquer documento comprobatório de que, de fato, seria construído um aeroporto, tampouco que o Comitê de Crédito de um banco com anos de tradição de mercado aprovaria tal transação, conforme asseverado por Otto Steiner Júnior em seu depoimento judicial (CD fls. 11.392).
Mesmo a justificativa de pagamento de serviços espirituais prestados ao banco configura mera tentativa de se eximir da responsabilidade dos desvios, tentando atribuir as operações a seus superiores hierárquicos no Banco.
Embora não se negue que a cúpula do Banco Noroeste, em especial o vice-presidente Luiz Vicente Barros Mattos Júnior, tenha sido omissa, não há qualquer prova nos autos de que os superiores hierárquicos do apelante tivessem ciência das operações que ele estava realizando.
Todos os funcionários do banco ouvidos perante as autoridades policiais e em juízo, desde o vice-presidente até os empregados da área internacional, foram unânimes em alegar que o apelante detinha excelente reputação e conceito na área internacional, tanto que viajava acompanhado do vice-presidente para reuniões com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em razão dos seus conhecimentos técnicos e de inglês (fls. 5.765/5.774, declarações de Luiz Vicente Barros Mattos Júnior na Polícia Federal e CD fls. 11.392, depoimento de Otto Steiner Júnior).
No âmbito do processo administrativo nº 9800877832, que tramitou perante o Bacen, somente NELSON foi condenado por sua conduta dolosa, uma vez que se apurou que possuía total liberdade de atuação na área internacional, fato esse confirmado em juízo pelo analista Daniel Franco Valladão (fls. 10.223/10.228).
É oportuna a transcrição do parecer subscrito por Daniel Franco Valladão e das conclusões do processo administrativo que culminaram na aplicação da pena de 20 (vinte) anos de inabilitação em desfavor do acusado (fls. 4.812):
Outrossim, ainda no âmbito administrativo, Jayme Marques de Souza e Luiz Vicente de Barros Júnior e Leocádio Geraldo Rocha, diretor da área contábil e vice-presidente executivo, respectivamente, foram condenados em primeira instância por negligência na gestão do banco, na esteira do parecer elaborado pelo analista Daniel Franco Valladão, observe-se:
Destaco que, em sede de recurso administrativo, as penalidades de Jayme e de Luiz Vicente foram abrandadas, sob o fundamento de que ambos foram omissos, porém não participaram ativamente das fraudes perpetradas. Leocádio Geraldo Rocha, diretor de câmbio do banco, foi absolvido, diante da conclusão de que os fatos se referem a operações realizadas no exterior e sua atribuição era somente nas operações de câmbio locais (fls. 11.361/11.364 e 11.762/11.766).
Desse modo, extrai-se do processo administrativo que os superiores hierárquicos do apelante não tinham ciência das transações por ele realizadas, não obstante tivessem a obrigação de zelar e fiscalizar pela sua atuação, de modo que foram negligentes e omissos.
No entanto, o crime de gestão fraudulenta não comporta modalidade culposa, consoante já decidido por esta Décima Primeira Turma, confira-se:
Por outro lado, é inegável que o apelante precisava do auxílio de outras pessoas para perpetrar os desvios, em razão da sistemática de segurança do banco, que exigia a utilização de senhas que ele não tinha. Otávio e Danilo eram detentores dessas senhas, tendo ambos admitido em juízo terem efetuado diversas transferências via SWIFT, as quais, posteriormente, foram apontadas como fraudulentas.
Causa estranheza que um funcionário com uma posição de poder dentro da área internacional, isto é, superintendente de relações bancárias internacionais, como era o caso de Otávio, tenha realizado tantas operações sem o lastro documental necessário. Entretanto, não cabem aqui maiores digressões a respeito ante a ausência de recurso da acusação quanto à sentença que absolveu Otávio Luiz Apostolo Valero.
Com efeito, o juízo de primeiro grau absolveu Otávio e Danilo sob o fundamento de que não havia provas suficientes quanto ao dolo de fraude em suas condutas.
Em seu depoimento em juízo, Daniel Franco Valladão, analista do Bacen, observou que era impossível que os dois subordinados fossem responsáveis pelos desvios, considerando a experiência de mercado do apelante (fls. 10.226).
Ademais, dos depoimentos de Otávio e Danilo, em conjunto com o narrado pelos demais funcionários da área internacional, a confiança que a diretoria executiva depositava no apelante, aliada ao seu notório conhecimento do mercado e à sua postura autoritária com seus subordinados, podem ter induzido os acusados a crerem que, mesmo que irregulares, as transações tinham o propósito de trazer lucro ao banco e que o dinheiro não estava sendo desviado.
De todo modo, a participação de Otávio e Danilo de forma consciente no desfalque não afasta nem exclui a atuação do apelante como principal executor das operações fraudulentas.
Ressalto, ainda, que o fato de o apelante supostamente não ter enriquecido como resultado dos desvios não é suficiente para afastar o dolo em sua conduta. Ao contrário, foi amplamente demonstrado na instrução criminal que o apelante, conscientemente, realizou operações que transferiram a vultosa soma de US$ 242.000.000,00 (duzentos e quarenta e dois milhões de dólares) do Banco Noroeste para diversos destinos, utilizando-se da sua posição de comando na Agência Cayman para acobertar o desfalque mediante fraudes contábeis, de modo que não há que se falar na aplicação do princípio in dubio pro reo.
Assim sendo, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo, mantenho a condenação de NELSON TETSUO SAKAGUSHI pela prática do crime previsto no art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86.
Não houve insurgência quanto à dosimetria da pena, que tampouco merece reparos em relação à pena privativa de liberdade.
Com efeito, na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base privativa de liberdade em 6 (seis) anos de reclusão, acima do mínimo legal, ponderando como negativas a culpabilidade exacerbada do acusado, que se aproveitou da sua posição hierárquica para utilizar funcionários do banco e concretizar as fraudes. As circunstâncias e as consequências do delito também são relevantes, pois o crime perdurou por 3 (três) anos, gerando um prejuízo de mais de US$ 242.000.000,00 (duzentos e quarenta e dois milhões de dólares).
Na segunda fase, o juízo de primeiro grau não reconheceu circunstâncias agravantes nem atenuantes, tampouco, na terceira fase, causas de aumento ou de diminuição da pena, o que ratifico, de modo que mantenho a pena definitiva privativa de liberdade em 6 (seis) anos de reclusão.
Considerando que a pena de multa deve ser fixada de modo proporcional à pena corporal, segundo o mesmo critério trifásico (ACR 0001788-95.2016.4.03.6005, Rel. Des. Federal José Lunardelli, j. 27.06.2017, e-DJF3 11.07.2017; ACR 0001264-66.2015.4.03.6124, Rel. Des. Federal Nino Toldo, j. 27.06.2017, e-DJF3 03.07.2017), reduzo-a, de ofício, para 20 (vinte) dias-multa, mantendo, no entanto, o valor fixado na sentença, considerando que o recurso é exclusivo da defesa.
O juízo fixou o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade. O apelante, porém, pede sua alteração para o regime aberto, com substituição dessa pena por restritivas de direitos.
O pleito não merece acolhida, tendo em vista que a pena definitiva supera 4 (quatro) anos de reclusão e, em consonância com o disposto no art. 33, § 2º, "b", do Código Penal, mantenho o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade.
Quanto à substituição dessa pena por penas restritivas de direitos, também não é possível.
Apesar de o apelante ter bons antecedentes, residência fixa, ser primário e o crime não ter sido cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, a pena de 6 (seis) anos de reclusão obsta a substituição pretendida, nos termos do art. 44, I, do Código Penal.
Posto isso, REJEITO A QUESTÃO PRELIMINAR e, no mérito, NEGO PROVIMENTO à apelação, e, DE OFÍCIO, reduzo a pena de multa, ficando a pena definitivamente fixada em 6 (seis) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 20 (vinte) dias-multa, nos termos da fundamentação supra.
É o voto.
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