Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 30/06/2020
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0002827-75.2017.4.03.6108/SP
2017.61.08.002827-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : ANTONIO DIAS FILHO
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00028277520174036108 2 Vr BAURU/SP

EMENTA

PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA. CÓDIGO PENAL, ART. 297, §§ 3º E 4º. FALSA ANOTAÇÃO EM CTPS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.
1. A Lei n. 9.983/00 acrescentou os § 3º e o § 4º ao art. 297 do Código Penal, definindo as condutas criminais de falsidade ideológica em documentos e papéis relacionados com a Previdência Social, tendo o Supremo Tribunal Federal estabelecido a competência da Justiça Federal para julgar tais delitos. A Súmula n. 62 do Superior Tribunal de Justiça, editada em 19.11.92, estabelecia a competência da Justiça Estadual para julgar o crime de falsa anotação em CTPS e não resta revogada. Entretanto, a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sido no sentido de reconhecer a competência da Justiça Federal para julgar tais delitos. Portanto, revejo meu entendimento para reconhecer que o delito do art. 297, § 4º, do Código Penal, que sanciona a conduta de omitir anotações na CTPS, ofende diretamente os interesses da União, uma vez que protege a Previdência Social e, apenas de forma reflexa, o trabalhador, a determinar a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito, entendimento já adotado para a inserção de dados falsos na CTPS para fazer constar período de trabalho inexistente, de modo a computar tempo de serviço para obtenção de benefício previdenciário (CP, art. 293, § 3º) (STF, RE n. 757.770/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.11.13; STJ, AgRg no CC n. 148.963, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 10.04.19; CC n. 127.706, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 09.04.14).
2. Conforme consta da denúncia, "o acusado omitiu dados que produzem efeitos perante a previdência social, com o fim de eximir-se da incidência das contribuições previdenciárias e demais verbas trabalhistas que são inerentes ao contrato de trabalho". Tendo em vista que a conduta de omitir anotações na CTPS, ofende diretamente os interesses da União, uma vez que protege a Previdência Social, deve ser reconhecida a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito.
3. Recurso em sentido estrito provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para determinar o prosseguimento do feito na Justiça Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 22 de junho de 2020.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0002827-75.2017.4.03.6108/SP
2017.61.08.002827-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : ANTONIO DIAS FILHO
ADVOGADO : SP123887 CARMEN LUCIA CAMPOI PADILHA (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00028277520174036108 2 Vr BAURU/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão de fl. 115 que declinou da competência para a Justiça Estadual de Bauru (SP), ao fundamento de que não compete à Justiça Federal processar e julgar falsa anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, por ser de interesse somente do empregado na espera trabalhista, em conformidade com a Súmula n. 62 do Superior Tribunal de Justiça e art. 109, IV, do Código Penal.

Alega-se, em síntese, o quanto segue:

a) o recorrido foi denunciado pelo delito do art. 297, § 3º, II, c. c. § 4º, do Código Penal, porque entre 23.03.15 e 17.07.15, deixou de efetuar anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de Rodrigo César Miguel;
b) os autos já estavam conclusos para sentença, quando o Juízo a quo converteu os autos em diligência para que as partes se manifestassem sobre a competência da Justiça Federal para conhecer e julgar esta ação penal;
c) as partes se manifestaram pela competência da Justiça Federal, entretanto, o Juízo a quo entendeu ser incompetente e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual;
d) a materialidade e autoria estão comprovadas, sendo que a ausência das devidas anotações na CTPS, omitindo dados que produzem efeitos perante a previdência social é crime e compete a Justiça Federal processar e julgar crimes de falsificação de documento público previsto no art. 297, § 3º, II, do Código Penal, conforme disposto no art. 109, IV, da Constituição da República (fls. 117/128).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 134/138).

A decisão foi mantida à fl. 139.

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Álvaro Luiz de Mattos Stipp, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 141/143).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


VOTO

Código Penal, art. 297, §§ 3º e 4º. Falsa anotação em CTPS. Competência da Justiça Federal. A Lei n. 9.983/00 acrescentou os § 3º e o § 4º ao art. 297 do Código Penal, definindo as condutas criminais de falsidade ideológica em documentos e papéis relacionados com a Previdência Social, tendo o Supremo Tribunal Federal estabelecido a competência da Justiça Federal para julgar tais delitos:

Trata-se de recurso extraordinário interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que declarou a competência da Justiça estadual para conhecer da ação penal e julgá-la. Ação Penal foi ajuizada para apurar a suposta prática de falsidade ideológica e de omissão de registro de dados relativos a vínculo empregatício na CTPS e no Livro de Registro de Empregados.
(...)
A Lei 9.983/2000, ao acrescentar o § 3º e o § 4º ao art. 297 do Código Penal, teve com escopo incriminar condutas de falsidade ideológica em documentos e papéis relacionados com a Previdência Social, em substituição ao art. 95, g, h e i, da Lei 8.213/91, e, como objeto jurídico, proteger a fé pública de documentos relacionados à Previdência Social. Assim, o sujeito passivo primário é o Estado e, em caráter subsidiário, o segurado e os dependentes que vierem a ser prejudicados.
Evidencia-se, então, a existência de interesse específico da União, à vista do dano potencial que a prática da conduta penalmente tipificada poderá causar ao patrimônio e aos serviços de seguridade social prestados pelo INSS, autarquia federal.
Inegável, portanto, a aplicação do art. 109, IV, da Constituição Federal.
Nesse sentido são os seguintes precedentes: ACO 1.479/PR, Rel. Min. Dias Toffoli; ACO 1.440/PR e 1851/SP, Rel. Min. Celso de Mello; ACOs 1.316/SP, 1.310/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia; e ACO 1.262/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa.
Isso posto, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC, aplicável ao processo penal ex vi do disposto no art. 3º do CPP, conheço do recurso extraordinário e lhe dou provimento, declarando a competência da Justiça Federal para conhecer da ação penal.
(STF, RE n. 757.770/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.11.13)

A Súmula n. 62 do Superior Tribunal de Justiça, editada em 19.11.92, estabelecia a competência da Justiça Estadual para julgar o crime de falsa anotação em CTPS e não resta revogada.

Entretanto, a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sido no sentido de reconhecer a competência da Justiça Federal para julgar tais delitos.

Portanto, revejo meu entendimento para reconhecer que o delito do art. 297, § 4º, do Código Penal, que sanciona a conduta de omitir anotações na CTPS, ofende diretamente os interesses da União, uma vez que protege a Previdência Social e, apenas de forma reflexa, o trabalhador, a determinar a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito, entendimento já adotado para a inserção de dados falsos na CTPS para fazer constar período de trabalho inexistente, de modo a computar tempo de serviço para obtenção de benefício previdenciário (CP, art. 293, § 3º):

AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ANOTAÇÃO FALSA DE REGISTRO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. SUJEITO PASSIVO. ESTADO. INTERESSE DA UNIÃO EVIDENCIADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AGRAVO PROVIDO.
1. A partir do julgamento no conflito de competência n. 127.706/RS, de relatoria do Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, esta egrégia Terceira Seção pacificou o entendimento no sentido de que "o sujeito passivo primário do crime omissivo do art. 297, § 4.º, do Diploma Penal, é o Estado, e, eventualmente, de forma secundária, o particular, terceiro prejudicado, com a omissão das informações, referentes ao vínculo empregatício e a seus consectários da CTPS. Cuida-se, portanto de delito que ofende de forma direta os interesses da União, atraindo a competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal" (DJe 9/4/2014).
2. Aplica-se a mesma lógica para o delito do art. 297, § 3º, inciso II, do Código Penal. Assim, compete à Justiça Federal processar e julgar o crime de falsificação de documento público, consistente na anotação de período de vigência do contrato de trabalho inexistente de empregado em sua CTPS. Precedentes.
3. Na hipótese, além de tratar-se de crime contra fé pública e que tem como sujeito passivo o Estado, há indícios de que as condutas apuradas visavam à obtenção de benefícios previdenciários fraudulentos, razão pela qual não há como afastar a competência da Justiça Federal para a análise do pleito.
4. Agravo regimental provido para declarar competente o Juízo Federal da 1ª Vara de Campos dos Goytacazes - SJ/RJ.
(STJ, AgRg no CC n. 148.963, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 10.04.19)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A FÉ PÚBLICA. OMISSÃO DE DADOS NA CTPS. ART. 297,§ 4º, DO CÓDIGO PENAL. JUSTIÇA ESTADUAL E JUSTIÇA EDERAL. SUJEITO PASSIVO PRIMÁRIO DA CONDUTA: O ESTADO. LESÃO DIRETA A INTERESSE, BENS E SERVIÇOS DA UNIÃO. ART. 109, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. Omitir o nome ou a qualificação do segurado, a quantia paga a título de salários e verbas acessórias, bem como o prazo do contrato de trabalho (ou a informação de que se trata de contrato por prazo indeterminado) em documento destinado à Previdência Social tipifica o crime do artigo 297, § 4º, do Código Penal.
2. O dispositivo legal incrimina a conduta omissiva de deixar de inserir em qualquer um daqueles documentos relacionados nos incisos do § 3º do art. 297 o nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviço. A omissão criminosa é restrita a esses dados, não exigindo o tipo a obtenção de qualquer outra informação.
3. O sujeito passivo primário do crime omissivo do art. 297, § 4º, do Diploma Penal é o Estado, e, eventualmente, de forma secundária, o particular, terceiro prejudicado, com a omissão das informações, referentes ao vínculo empregatício e a seus consectários da CTPS. Cuida-se, portanto de delito que ofende de forma direta os interesses da União, atraindo a competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal.
5. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da Vara das Execuções Fiscais e Criminais de Caxias do Sul - SJ/RS, ora suscitado.
(STJ, CC n. 127.706, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 09.04.14)

O Juízo a quo declinou da competência para a Justiça Estadual nos seguintes termos:

Fls.107 e 108/114: considerando-se que a falsa anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, restringe-se somente aos interesses do empregado na esfera trabalhista, sem afetar bens, serviços ou interesses da União ou de suas autarquias, em conformidade com a Súmula 62 do STJ e artigo 109, inciso IV da CP, competente para processar e julgar este processo a Justiça Estadual em Bauru, inclusive em harmonia com a jurisprudência já apresentada às fls.100/102, remetam-se estes autos à Justiça Estadual em Bauru, dando-se baixa na distribuição (sic, fl. 115)

O Ministério Público Federal recorreu da decisão, ao fundamento, em síntese, de que a ausência das devidas anotações na CTPS, omitindo dados que produzem efeitos perante a previdência social é crime e compete a Justiça Federal processar e julgar crimes de falsificação de documento público previsto no art. 297, § 3º, II, do Código Penal, conforme disposto no art. 109, IV, da Constituição da República.

Assiste-lhe razão.

A denúncia teve como origem o julgamento do Processo Trabalhista n. 0011362-53.2015.5.15.0091, no qual figurou como autor Rodrigo César Miguel e como reclamada a empresa Antônio Dias Filho Construções - ME, representada por Antônio Dias Filho, no qual restou apurado que, entre 23.03.15 a 17.07.15, o ora recorrido Antônio deixou de efetuar anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS de Rodrigo (fls. 4/6, dos autos em apenso).

Conforme consta da denúncia, "o acusado omitiu dados que produzem efeitos perante a previdência social, com o fim de eximir-se da incidência das contribuições previdenciárias e demais verbas trabalhistas que são inerentes ao contrato de trabalho" (sic, fl. 8).

Tendo em vista que a conduta de omitir anotações na CTPS, ofende diretamente os interesses da União, uma vez que protege a Previdência Social, deve ser reconhecida a competência da Justiça Federal para o julgamento do feito.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para determinar o prosseguimento do feito na Justiça Federal.

É o voto.

Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050
Nº de Série do Certificado: 273F20032060A109
Data e Hora: 23/06/2020 08:58:01