D.E. Publicado em 17/04/2020 |
|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação de NATAL TENÓRIO DA SILVA para absolvê-lo da imputação referente ao art. 2º da Lei Federal nº 8.167/1991, e, quanto ao delito remanescente previsto no art. 55 da Lei Federal nº 9.605/1998, remeter os autos ao r. juízo de com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal para que se manifeste acerca da possível pertinência de oferecimento da suspensão condicional do processo, ficando, por ora, prejudicado o exame das razões do apelo que se referem à eventual condenação quanto ao delito do art. 55 da Lei Federal nº 9.605/1998, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 30/03/2020 10:05:33 |
|
|
|
|
|
VOTO-VISTA
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI. Registro, de início, que o relatório pertinente ao feito em exame consta das fls. 536/537, e a ele me reporto para fins descritivos.
Na sessão de julgamento, realizada no dia 13 de fevereiro de 2020, o e. relator, Des. Fed. Fausto de Sanctis, proferiu o seguinte voto:
Pedi vista dos autos para analisar com detença os fatos e o plexo normativo pertinente à matéria.
Após a análise dos autos, acompanho integralmente o e. relator, no tocante à absolvição do apelante da prática do delito previsto no art. 2º da Lei n.º 8.176/1991, pelos mesmos fundamentos por ele adotados, que descrevo, in verbis:
De outra parte, ao ouvir o depoimento de todas as testemunhas em juízo, as quais são uníssonas em afirmar que, no dia da fiscalização ambiental, a extração de areia não estava sendo realizada com finalidade econômica, mas sim com o objetivo de fazer um teste na embarcação, que havia sofrido um acidente no dia anterior, chego à conclusão de que o apelante também deve ser absolvido da prática do delito previsto no art. 55, da Lei n.º 9.605/1998, por ausência de dolo em sua conduta. Vejamos.
O art. 55 da Lei n.º 9.605/1998 assim dispõe:
A meu ver, o dolo previsto nas condutas tipificadas no art. 55 da lei de crimes ambientais também não está dissociado da finalidade econômica.
Conforme se extrai da obra "Direito Penal do Ambiente" (Luiz Regis Prado, 6ª edição, RT, pág 319), o tipo subjetivo do referido delito é representado pelo dolo, consistente na consciência e vontade dirigidas à pesquisa, lavra ou extração tipificadas.
A respeito da tipicidade das condutas previstas no art. 55 da Lei n.º 9.605/98 (ob cit pág 317):
No mesmo sentido de que a extração de recursos minerais não está dissociada de seu aproveitamento econômico, dispõe o art. 4º do Decreto-Lei 227/1967, in verbis:
Nestes termos, a defesa comprovou que a embarcação utilizada pela empresa representada pelo apelante sofreu abalroamento no dia anterior aos fatos e havia a suspeita de um furo em seu casco. Em razão desta suspeita, o apelante determinou que um teste de extração de areia fosse realizado, perto do porto, por questão de segurança, com o objetivo de colocar peso na embarcação para que esta afundasse e fosse possível localizar e, consequentemente, reparar o furo. Ao término do teste, a areia seria devolvida ao rio.
Tais fatos podem ser confirmados pelo depoimento das testemunhas, descritos na própria sentença apelada (fls. 421v/422), in verbis:
Portanto, os elementos dos autos indicam que o apelante não estava praticando, dolosamente, nenhuma das condutas previstas no art. 55 da lei de crimes ambientais, pois ficou comprovado que, na data dos fatos, estava sendo realizado apenas um teste.
Além disso, extrai-se do último depoimento, acima descrito, que o apelante, antes de realizar o referido teste, entrou em contato, via telefone, com o engenheiro ambiental da empresa, para indagar-lhe a respeito desta possibilidade (pois a intenção seria fazê-lo próximo ao porto, "porque se precisasse de socorro tinha como fazer"), sendo que o engenheiro acenou em sentido positivo. Tal procedimento, a meu ver, ratifica a ausência de dolo em sua conduta.
Nestes termos, DOU PROVIMENTO à apelação de NATAL TENÓRIO DA SILVA para absolvê-lo das imputações feitas na denúncia.
É como voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064 |
Nº de Série do Certificado: | 11DE1812176AF96B |
Data e Hora: | 13/03/2020 17:49:20 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Apelação Criminal interposta pela defesa de NATAL TENÓRIO DA SILVA (nascido em 27.12.1970) contra a sentença proferida pelo Exmo. Juiz Federal Dasser Lettiere Junior (4ª Vara Federal de São José do Rio Preto- 6ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo) (fls. 418/425) que julgou PROCEDENTE a inicial acusatória, condenando o acusado coo incurso nos artigos 55, caput, da Lei nº 9.605/1998 e 2º da Lei nº 8.176/1991, na forma do artigo 70 do Código penal, à pena unificada de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção, a ser cumprida no regime inicial aberto, acrescida de 20 (vinte) dias-multa, no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos cada dia-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direito, quais sejam, prestação pecuniária no valor de 02 (dois) salários mínimos, no valor vigente à época de seu pagamento, a ser destinada a entidade filantrópica daquele município, e uma pena de multa, no valor de 100 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Consta da denúncia (fls. 123/124) que, em 18 de agosto de 2014, por volta das 9hs, policiais militares deslocaram-se até a "Fazenda Córrego do Paiol", à margem do Rio Grande, no município de Orindiúva/SP, onde constataram que NATAL TENORIO DA SILVA, encarregado da empresa "Mineração Água Vermelha Ltda", realizava, de forma livre e consciente, a extração de areia que sabia não estar autorizado, posto que em área diversa da constante em licença concedida pelo órgão competente, in casu, 6km de distância da área para a qual possuía a necessária licença. Segundo consta, da análise das informações oriundas da JUCESP sobre os atos constitutivos da empresa, verificou-se que os representantes legais da empresa da "Mineração Água Vermelha Ltda" tratavam-se de Lucineia Aparecida de lima Scamatti e Marcela Amendola Scamatti, que figuravam como sócias e administradoras da empresa. Contudo, interrogado perante a autoridade policial, NATAL TENORIO DA SILVA teria afirmado ser o encarregado de produção da mencionada empresa e que possuía autonomia para realizar atos rotineiros às atividades operacionais, alegando, ainda, que, na data dos fatos, estava realizando testes com a embarcação, e que as sócias não tinham conhecimento de tal fato. No mesmo sentido, Lucineia Aparecida de Lima Scamatti e Marcela Amendola Scamatti teriam afirmado que são sócias administradoras da empresa "Mineração Água Vermelha Ltda", porém confirmaram que NATAL TENÓRIO DA SILVA possui certa autonomia para executar as atividades de extração de areia, sendo enfáticas ao afirmar que não autorizaram o acusado a extrair areia de área não prevista na licença ambiental. Diante disso, NATAL TENÓRIO DA SILVA foi denunciado pelo delito do artigo 2º da Lei nº 8.176/1991, em concurso formal com o artigo 55 da Lei nº 9.605/1998.
A denúncia foi recebida em 16.10.2015 (fl. 125).
Processado regularmente o feito, sobreveio a sentença, cuja baixa em Secretaria deu-se em 12.06.2017 (fl. 426).
Apelação de NATAL TENÓRIO DA SILVA (fls. 477/510) pleiteia a absolvição do acusado, nos termos do art. 386, II e III, do Código de Processo Penal pelo reconhecimento: 1) da ausência de materialidade do delito; 2) da atipicidade da conduta; 3) do crime impossível por meio absolutamente ineficaz para a consumação dos crimes; 4) da ausência de dolo.
Às fls. 516/518, o Ministério Público Federal deixou de apresentar contrarrazões recursais, pois, "nos casos em que o acusado se reserva ao direito de arrazoar o recurso de Apelação perante o E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, as contrarrazões respectivas devem ser apresentadas por Procurador Regional da República oficiante em 2ª instância, com fundamento nos artigos 68 e 70, ambos da Lei Complementar nº 75/93, conforme entendimento esposado pela Colenda 2ª CÃMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÂO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL". Requereu, portanto, "o retorno nos autos ao E. TRF, a fim de que as contrarrazões recursais sejam apresentadas em superior instância, por Procurador Regional da República distinto daquele que apresente parecer na qualidade de custos legis".
Às fls. 523/529, a Procuradoria Regional da República emitiu parecer, aduzindo, preliminarmente que, diante da ausência de prejuízo a defesa, o feito deveria prosseguir sem as contrarrazões do Ministério Público Federal. No mérito, manifestou-se pelo não provimento do recurso defensivo, com a manutenção da sentença a quo em seus exatos termos.
À fl. 531, os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional da República para apresentação de contrarrazões por membro diverso do DD. Procurador Regional subscritor do parecer, o que foi prontamente atendido, com a juntada de contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 532/534.
É o relatório.
À revisão.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 19/12/2019 17:44:00 |
|
|
|
|
|
VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
DA IMPUTAÇÃO
Consta da denúncia (fls. 123/124) que, em 18 de agosto de 2014, por volta das 9hs, policiais militares deslocaram-se até a "Fazenda Córrego do Paiol", à margem do Rio Grande, no município de Orindiúva/SP, onde constataram que NATAL TENORIO DA SILVA, encarregado da empresa "Mineração Água Vermelha Ltda", realizava, de forma livre e consciente, a extração de areia que sabia não estar autorizado, posto que em área diversa da constante em licença concedida pelo órgão competente, in casu, 6km de distância da área para a qual possuía a necessária licença. Segundo consta, da análise das informações oriundas da JUCESP sobre os atos constitutivos da empresa, verificou-se que os representantes legais da empresa da "Mineração Água Vermelha Ltda" tratavam-se de Lucineia Aparecida de Lima Scamatti e Marcela Amendola Scamatti, que figuravam como sócias e administradoras da empresa. Contudo, interrogado perante a autoridade policial, NATAL TENORIO DA SILVA teria afirmado ser o encarregado de produção da mencionada empresa e que possuía autonomia para realizar atos rotineiros às atividades operacionais, alegando, ainda, que, na data dos fatos, estava realizando testes com a embarcação, e que as sócias não tinham conhecimento de tal fato. No mesmo sentido, Lucineia Aparecida de Lima Scamatti e Marcela Amendola Scamatti teriam afirmado que são sócias administradoras da empresa "Mineração Água Vermelha Ltda", porém confirmaram que NATAL TENÓRIO DA SILVA possui certa autonomia para executar as atividades de extração de areia, sendo enfáticas ao afirmar que não autorizaram o acusado a extrair areia de área não prevista na licença ambiental.
Diante disso, NATAL TENÓRIO DA SILVA foi denunciado pelo delito do artigo 2º da Lei Federal nº 8.176/1991, em concurso formal com o artigo 55 da Lei Federal nº 9.605/1998.
DO DELITO PREVISTO NO ART. 2º DA LEI N.º 8.176/1991
O art. 2º, caput, da Lei n.º 8.176/1991 assim dispõe:
Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo. |
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa. |
Nos termos desse dispositivo, constitui crime contra o patrimônio público, na modalidade usurpação, explorar, sem autorização legal, matérias-primas pertencentes à União, as quais devem ser entendidas como substâncias em estado bruto, principal e essencial, com as quais algo pode ser fabricado ou, em outras palavras, substâncias destinadas à obtenção de produto técnico por meio de processo químico, físico ou biológico. Inserem-se, pois, no conceito de matérias-primas pertencentes à União, os recursos minerais em geral, inclusive os do subsolo (inteligência do art. 20, IX da CF), dentre os quais se incluem terra e/o areia, recursos que podem ser utilizados, p. ex., como matéria-prima para a fabricação de vidro ou para a construção civil. Em se constatando a exploração, sem a necessária autorização legal, de terra e/ou areia, como matéria-prima, restará caracterizado, em princípio, o delito previsto no art. 2º da Lei n.º 8.176/1991.
Nesse passo, convém lembrar Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (in Crimes Contra a Natureza de Acordo com a Lei 9.605/1998. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, fl. 58), que mencionam o seguinte:
A exploração dos recursos minerais é uma das mais importantes atividades econômicas. Entre esses recursos podemos citar as jazidas de águas minerais, negócio em franca expansão, e a extração de pedras preciosas, petróleo e areia para uso nas construções. Esses bens pertencem à União, conforme dispõe o art. 20, inc. IX, § 1º, da Constituição Federal, e, para que possam ser explorados, exige-se autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, entidade autárquica regulada pela Lei 8.876, de 02.05.1994. A exploração e a simples utilização sob formas variadas dos minerais constitui crime previsto no art. 2º da Lei 8.176/91, punido com detenção de até 5 (cinco) anos e multa.
Para a caracterização do delito em questão, a matéria-prima deve ter sido explorada sem a autorização do órgão competente, vale dizer, sem (ou em desacordo com) a autorização emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral-DNPM, autarquia federal instituída pela Lei nº 8.876, de 02.05.1994, que, em seu art. 3º, estatui: a autarquia DNPM terá como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional, na forma do que dispõe o Código de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislação que os complementa, competindo-lhe, em especial: (...) III- acompanhar, analisar e divulgar o desempenho da economia mineral brasileira e internacional, mantendo serviços de estatística da produção e do comércio de bens minerais; VI - fiscalizar a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e a comercialização dos bens minerais, podendo realizar vistorias, autuar infratores e impor as sanções cabíveis, na conformidade do disposto na legislação minerária; (...) IX - baixar normas e exercer fiscalização sobre a arrecadação da compensação financeira pela exploração de recursos minerais, de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal(...).
In casu, restou devidamente demonstrado que o réu NATAL TENORIO DA SILVA era o responsável pela atividade de lavra que estava em curso em área próxima ao porto, fora dos limites autorizados pela Licença de Operação n. 5100511 (fls. 08/10), outorgada à empresa "Mineração Água Vermelha Ltda.".
Com relação à finalidade do produto extraído, o r. juízo sentenciante, ao condenar o acusado pelo delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991, não logrou encontrar indícios de que a extração de areia no local irregular estava sendo efetuada com fins econômicos. Sua condenação deu-se com base no argumento de que o dolo necessário ao tipo penal é genérico e, portanto seria "irrelevante a existência ou não de finalidade comercial".
Ocorre que, existe posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o crime de usurpação de produto ou matéria-prima da União exige, para sua configuração, a finalidade comercial do produto extraído, não bastando a mera extração mineral sem a devida autorização, devendo restar demonstrado, portanto, o fim lucrativo da extração (...), isto é, para o enquadramento da conduta no tipo do art. 2º, não basta a mera configuração de extração mineral sem a devida autorização, exigindo-se, ainda, a utilização comercial ou venda do produto; em outras palavras, a finalidade especial de exploração de matéria-prima a caracterizar usurpação contra o patrimônio da União (in PAULSEN, Leandro, Crimes Federais, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 183).
Válida, nesse passo, a menção ao seguinte julgado que adotou o mesmo entendimento:
DIREITO PENAL. CONCURSO FORMAL. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. ART. 2º DA LEI Nº 8.176/91. USURPAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. EXPLORAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA PERTENCENTE À UNIÃO NÃO CARACTERIZADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. CRIME AMBIENTAL. ART. 55 DA LEI Nº 9.605/98. EXTRAÇÃO DE SUBSTÂNCIAS MINERAIS SEM A COMPETENTE AUTORIZAÇÃO, PERMISSÃO, CONCESSÃO OU LICENÇA. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS FEDERAIS. |
A conduta de explorar recursos minerais sem a respectiva autorização ou licença dos órgãos competentes pode configurar crime contra a natureza, pela degradação ao meio ambiente (art. 55 da Lei nº 9.605/98) e também crime contra o patrimônio da União, em face da usurpação do bem público (art. 2º da Lei nº 8.176/91). Assim, tratando-se de tipos penais que tutelam objetos jurídicos diversos, não há falar em aplicação do princípio da especialidade. Precedentes da Quarta Seção deste Regional. |
Hipótese em que se conclui pela atipicidade da conduta, porquanto não demonstrada a finalidade especial de exploração de matéria-prima a caracterizar o crime de usurpação contra o patrimônio da União. |
Remanescendo a denúncia apenas quanto ao crime previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/98, está se a tratar de infração de menor potencial ofensivo, devendo o feito ser processado e julgado perante o Juizado Especial Federal Criminal (art. 2º, §2º, da Lei nº 10.25 9/2001), cuja competência é absoluta, por força do disposto no art. 98, inciso I, da CF/88. |
(TRF4, ACR 200472080059752, TADAAQUI HIROSE, SÉTIMA TURMA, DJ 20/09/2006 PÁGINA: 1047.) |
PENAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO. ART. 2º DA LEI Nº 8.176/91. CRIME AMBIENTAL. ART. 55 DA LEI Nº 9.605/98 EXTRAÇÃO DE SAIBRO. TERRAPLANAGEM. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE FINALIDADE COMERCIAL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. |
O delito do art. 2º da Lei nº 8.176/91 tem como bem jurídico protegido o patrimônio da União e exige, para sua configuração, a finalidade comercial do produto extraído, não bastando a mera extração mineral sem a devida autorização. Para caracterizar usurpação contra o patrimônio da União, bem tutelado pela norma penal, deve haver o fim lucrativo da extração. |
(...) |
Comprovada nos autos a ausência de finalidade comercial da extração do saibro no local e a ocorrência da terraplanagem com o fim de abertura da via, impõe-se a absolvição do réu dos crimes ambiental e contra a ordem econômica, nos termos do artigo 386, III, do Código de Processo Penal, pela atipicidade do fato. |
(TRF4, ACR 5004397- 24.2013.4.04.7207/SC, RODRIGO KRAVETZ, SÉTIMA TURMA, JUNTADO AOS AUTOS em 20/01/2016) |
Assim, com relação à finalidade comercial do produto extraído, entendo não ter restado comprovada no caso concreto, o que desautoriza sua condenação no delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991.
NATAL TENORIO DA SILVA, quando ouvido perante a autoridade policial (fl. 112), contou que, "um dia antes da fiscalização realizada pela polícia ambiental, empregados da empresa passaram por um canal estreito e o casco da mesma se chocou com rochas que havia no local; QUE não foi possível identificar o local do 'furo e, por esse motivo, no dia seguinte, o declarante resolveu levar a embarcação para um local próximo mais raso a fim de realizar um teste de segurança. QUE para efetuar tal teste, foi necessário extrair areia do rio para que a embarcação 'calasse', ou seja, que afundasse até um limite, em que chegaram ao local policiais ambientais, que solicitaram a licença ambiental para extração de areia naquele local; Que, naquela ocasião, explicou aos policiais ambientais que estava apenas realizando um teste e que a areia extraída naquele momento seria imediatamente devolvida ao rio".
Em juízo, reafirmou enfaticamente que se tratava tão somente de um teste porque no dia anterior uma das embarcações havia sido batida. Segundo seu relato, tinham que "tirar areia, colocar na embarcação, afundar, pra gente poder ver onde estava o furo, retirar a areia e encostar no barranco para consertar o furo. (...) A estrutura da embarcação é uma chapa interna. Por fora tem a chaparia externa, que faz o corpo do barco. Então, uma chapa é sobreposta à outra e não dá pra ver onde era o furo. Então tinha que fazer afundar, a pressão aumentar, pra ver a água sair do local, a gente ia descartar, voltar para beira do barranco, fazer o reparo (...) Quando tem uma chapa uma perto da outra, pode ser que uma vede a outra. Quando a embarcação está vazia, ela não tem pressão em cima dela para que entre a água. Quando você põe peso em cima dela, ela vai afundar, a pressão aumenta e vai começar a vazar. Você vai ver que ela está vazando". Sobre o local escolhido para fazer o referido teste, o réu afirmou que ali o rio tinha aproximadamente 03 metros de profundidade e estava próximo à beira do barranco, o que assegurava maior segurança à embarcação e tripulação, pois, se tentassem fazer o teste na poligonal autorizada (06 quilômetros de distância do porto), a embarcação afundaria, como efetivamente ocorreu no dia seguinte (fl. 421).
As testemunhas arroladas pela acusação e defesa também foram uníssonas ao aduzir que, no dia da fiscalização ambiental, a mera extração de areia não estava sendo realizada para exploração e posterior comercialização, mas sim que se tratava de um teste de uma das embarcações que havia sofrido um acidente nos dias anteriores.
Em seu Termo de Declarações perante a autoridade policial (fls. 99/100), Lucineia Aparecida de Lima, sócia administradora da empresa, afirmou que o encarregado da empresa era o réu NATAL TENORIO DA SILVA, o qual detém certa autonomia para executar as atividades de extração de areia, sempre de acordo com o determinado pela legislação ambiental e as respectivas licenças. Com relação aos fatos ora em questão, a testemunha narrou que, segundo NATAL lhe informou, "no momento da fiscalização, ele e outros funcionários estavam realizando um teste em uma área distante 7km daquela prevista na licença ambiental; QUE referido teste foi feito em local mais raso do rio, em razão de um furo no casco da embarcação que era utilizada na extração; QUE assim, caso ocorresse algum problema com a embarcação, eles estariam em um local mais seguro; QUE o endereço de Natal pode ser obtido por meio de seus defensores; Que deseja esclarecer que o teste acima mencionado foi interrompido pela fiscalização da polícia ambiental, não tendo havido extração de areia; QUE esclarece, ainda, que no dia seguinte ao da fiscalização, a embarcação que era utilizada no teste afundou". No mesmo sentido as declarações de Marcela Amendola Scamatti, outra sócia administradora da empresa (fl. 101).
Sinval Hauk Macedo, comandante da referida embarcação, confirmou que efetivamente sofreu um acidente com o barco, pois o rio estava abaixo do nível normal, e que, no dia da fiscalização, estavam procedendo um teste perto do porto, no leito do rio, por razões de segurança. Também segundo ele, o procedimento requeria que houvesse a extração de areia, colocando-se uma carga no barco para ver se tinha vazamento.
Os demais funcionários ouvidos em juízo, que também prestavam serviços à empresa Mineração Água Vermelha, Guilherme Augusto Tobal, Reinaldo Batista, Rodrigo Fernandes Santos e Rodrigo Torres Ribas, igualmente confirmaram que a extração de areia na data dos fatos tinha como objetivo a realização do teste da embarcação acidentada.
Inclusive, Rodrigo Torres Ribas, engenheiro ambiental responsável pelos licenciamentos da empresa desde 2010, alegou que "em agosto de 2014, o leito do rio estava baixo, era período de seca. No dia do acidente, o senhor Natal fez contato comigo pra ter minha opinião sobre realizar o teste no rio porque a embarcação estava com defeito. Ele comentou comigo que a embarcação estava com vazamento (...) tinha que colocar areia na embarcação pra causar um peso e verificar se ela começaria a afundar ou não. A intenção era realizar o teste próximo ao porto porque se precisasse de socorro tinha como fazer (...) O teste consiste em colocar areia na embarcação e devolver ela para o rio. Sim, um dia após a embarcação veio a afundar; Eu não participei, só via telefone. Ele só pediu informação referente ao teste (...) Não é comum fazer os testes, só se perceber um vazamento. Eu falei que só poderia fazer o teste" (fl. 422).
Os policiais ambientais que participaram da abordagem, por sua vez, limitaram-se a aduzir que estava em curso a extração de areia fora dos limites estabelecidos pela Licença de Operação, porém em nada acrescentaram sobre evidências dos fins comerciais da atividade.
Vê-se, assim, que, ainda que não haja prova contundente de que efetivamente não havia um objetivo comercial, não se pode ignorar o relato de mais de 07 (sete) testemunhas reafirmando que, no dia dos fatos, se estava realizando um teste com a embarcação para simplesmente para aderir-se automaticamente à versão acusatória de que a extração de areia estava sendo feita no local com fins de comercialização. Ademais, o réu manteve a mesma versão dos fatos, tanto no inquérito policial, como perante o juízo.
Ressalto que não desconheço o contexto probatório indiciário que pesa em desfavor do réu, porém, considero de maior relevo a certeza que deve pairar sobre a decisão do julgador ao condená-lo. A prova indiciária quando indicativa de mera probabilidade, como ocorre in casu, não serve como prova substitutiva e suficiente de autoria não apurada de forma concludente no curso da instrução criminal.
A doutrina é firme a respeito da certeza na convicção do julgador ao emitir decreto condenatório. Confira-se sobre o assunto, os comentários de Guilherme de Souza Nucci ao artigo 386 do Código de Processo Penal (in "Código de Processo Penal Comentado", 15ª Edição, ano 2016, Editora Revista dos Tribunais, pág. 857):
Prova insuficiente para a condenação: é outra consagração do princípio da prevalência do interesse do réu-in dubio pro reu. Se o Juiz não possui provas sólidas para a formação de seu convencimento, sem poder indica-las na fundamentação da sua sentença, o melhor caminho é a absolvição. Logicamente, neste caso, há possibilidade de se propor ação indenizatória na esfera cível. |
Assim, a r. sentença que condenou o réu merece ser reformada para que seja absolvido do crime previsto no artigo 2º da Lei nº 8.176/1991, por ausência de prova suficiente para condenação, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, uma vez que não restou devidamente comprovado o fim comercial da atividade.
DA MATERIALIDADE E DA TIPICIDADE DA CONDUTA DO ACUSADO QUANTO AO DELITO PREVISTO NO ART. 55 DA LEI N.º 9.605/1998
O art. 55 da Lei n.º 9.605/1998 assim dispõe:
Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida: |
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. |
Nos termos deste dispositivo, constitui crime ambiental a extração de recursos minerais sem (ou em desacordo com) a competente autorização, permissão, concessão ou licença, sendo o bem jurídico tutelado a preservação do patrimônio natural, especialmente solo, subsolo e vegetação existente sobre a área, bem como a preservação do meio ambiente como um todo, ou seja, como direito difuso, inerente a todos os brasileiros.
Ensina Leandro Paulsen que recursos minerais são as substâncias inorgânicas que, sendo encontradas na crosta terrestre (solo ou subsolo), são passíveis de extração para exploração econômica como produto ou matéria-prima (...) e que, entre os minérios do subsolo, pode-se citar, e.g., petróleo, carvão, areia, ferro, zinco (in PAULSEN, Leandro, Crimes Federais, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 411).
NO CASO CONCRETO, o Termo de Vistoria Ambiental (fls. 04/05), o Relatório de Inspeção (fls. 62/63), a Licença de Operação (fls. 62/63), bem como os depoimentos das testemunhas, evidenciam que realmente estava sendo extraída areia irregularmente do local, caracterizando, de plano, o delito mencionado.
As teses da defesa acerca da ausência de materialidade e atipicidade da conduta, por sua vez, restaram isoladas nos autos e não se mostraram críveis.
Primeiramente, a alegação defensiva no sentido de que a extração de areia não se havia iniciado, tratando-se tão somente de meros atos preparatórios, portanto, impuníveis, não se mostrou verossímil. Tanto os policiais ambientais que participaram da fiscalização, como os próprios funcionários da empresa foram enfáticos ao alegar que a extração de areia em local indevido já havia iniciado quando da chegada da polícia.
Com tal constatação, afasta-se, ademais, a alegação defensiva de crime impossível pelo fato de a embarcação em questão ostentar um furo. O reconhecimento da hipótese de crime impossível requer a absoluta ineficácia do meio ou absoluta impropriedade do objeto (inteligência do art. 17 do CP), o que não se verificou in casu, tanto que a areia já havia, inclusive, começado a ser extraída.
Atente-se que, diferentemente do que ocorre no art. 2º da Lei nº 8.176/1991, o artigo 55 da Lei nº 9.605/1998 criminalizou o perigo ao meio ambiente, não havendo, in casu, a preocupação em tutelar o patrimônio da União. As condutas descritas no tipo referem-se à retirada dos recursos e não à sua utilização econômica, de modo que não por acaso se exige dupla autorização para que se extrair recursos minerais, quais sejam, a da autarquia federal (DNPM) e a de órgãos de proteção ao meio ambiente. Inclusive, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado de São Paulo por meio da Resolução nº 04, de 22.01.1999, disciplina o procedimento para o licenciamento ambiental integrado das atividades minerais e em seu artigo 4º estatui que: os pedidos de licença ambiental de empreendimentos minerários serão protocolizados, mediante a apresentação de Relatório de Controle Ambiental - RCA - e Plano de Controle Ambiental - PCA - em duas vias na Agência Ambiental da CETESB em que se localizar a área objeto da exploração, desde que estejam simultaneamente enquadrados nas seguintes situações: I - Tratar se de extração de: a) areias, cascalhos, saibros e outros materiais de empréstimo para utilização imediata na construção civil (...), demonstrando a nítida preocupação com a qualidade ambiental.
Assim, in casu, mesmo ao considerar-se como verdadeira a alegação de que se estava realizando um teste e não a exploração econômica da areia, há a perfeita subsunção ao tipo penal do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais. De fato, para a caracterização de tal delito, pouco importa qual era a destinação a ser dada à areia, inclusive, se tal areia fosse eventualmente devolvida ao riacho, sendo necessário tão somente o perigo ao bem jurídico tutelado de proteção ao meio ambiente, independentemente, inclusive, da ocorrência de efetivo dano.
Isto porque o art. 55 da Lei nº 9.605/1998 trata-se de delito formal, de perigo abstrato, bastando para as suas configurações que o agente tenha iniciado as atividades de extração irregular. O dano ao meio ambiente consiste em mero exaurimento do crime.
Nesse sentido, seguintes precedentes:
PENAL E PROCESSUAL. EXTRAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS MINERAIS. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO (LEI 8.176/91, ART. 2º). CRIME AMBIENTAL (LEI 9.605/98, ART. 55). MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PRODUÇÃO DE LAUDO PERICIAL. PRESCINDIBILIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CONCURSO FORMAL DE CRIMES (CP, ART. 70). PENA DE MULTA. APLICAÇÃO DISTINTA E INTEGRAL (CP, ART. 72). 1. Conforme dispõe o art. 400, § 1º, do CPP, é permitido ao juiz "indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias", de modo que descabe falar em nulidade quando a perícia indeferida não se mostra necessária ao deslinde do feito. Logo, não ocorreu o alegado cerceamento de defesa. 2. Considerando a inexistência de hierarquia de provas, ou mesmo de prova tarifada, no direito processual penal, tem-se que, se comprovada a materialidade da infração penal por outros meios de prova, como no caso concreto, mostra-se prescindível a produção de laudo pericial. Não custa acrescentar que a atividade de exploração e extração de minérios - que configuram bens da União (Lei 8.176/91, art. 2º)- sem a necessária autorização é crime de perigo abstrato, de natureza formal, assim como o é o crime ambiental (Lei 9.605/98, art. 55), sendo desnecessário comprovar os prejuízos resultantes do crime praticado, eliminando qualquer necessidade de prova pericial destinada à mensuração detalhada dos danos patrimoniais e ambientais. 3. Muito embora deva prevalecer o entendimento pela inaplicabilidade do princípio da insignificância em crimes contra o patrimônio público e o meio ambiente, o registro de habitualidade na conduta do condenado tem sim relevância para afastar eventual reconhecimento da atipicidade material de sua conduta. 4. A jurisprudência dominante se posiciona pelo reconhecimento de concurso formal - na conduta de explorar recursos minerais sem a respectiva autorização ou licença dos órgãos competentes - entre os crimes previstos no art. 2º da Lei 8.176/91 e no art. 55 da Lei 9.605/98, porquanto tutelam objetos jurídicos diversos - o patrimônio da União e o meio ambiente -, não sendo caso de aplicação do princípio da especialidade. 5. Tendo em vista que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente (CP, art. 72), a pena de multa deve ser fixada em 20 dias-multa, resultado da soma dos mínimos de 10 dias-multa para cada um dos crimes, reduzindo-se, assim, a quantidade de dias-multa estabelecida na sentença, que levou em conta a proporcionalidade aumento da pena privativa de liberdade total imposta, solução diversa da apresentada no pedido da defesa, porém. 6. Apelação parcialmente provida. |
(TRF-4 - ACR: 50024430420174047109 RS 5002443-04.2017.4.04.7109, Relator: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Data de Julgamento: 04/12/2019, OITAVA TURMA) |
No que se refere ao pleito defensivo de reconhecimento da atipicidade em razão da ausência do dolo, verifico que este tampouco merece prosperar.
O acusado trabalha no ramo da mineração há 20 (vinte) anos, segundo afirmou em seu interrogatório judicial, tendo, portanto, plena ciência e mais conhecimento que o homem médio acerca da legislação ambiental e da necessidade de Licença para a extração de areia.
Inclusive, a alegação de ausência de dolo resta ainda mais inverossímil, tendo em vista o Termo de Compromisso assinado pelo acusado em 01 de julho de 2014, aproximadamente um mês antes do fato relacionado aos presentes autos, no qual "os funcionários da empresa Mineração Água Vermelha Ltda., comprometem-se a não mais realizar testes de operação em locais que não estão sujeitos a autorização determinada pelo órgão ambiental, ou seja, fora dos marcos de concreto referentes a poligonal determinada para a exploração da atividade minerária (processo DNPM 821.127/1999)".
Consigno, por fim, que, no trato das questões que envolvem o meio ambiente, deve-se ter extrema cautela com a aplicação do princípio da insignificância, devendo esta ficar reservada a situações excepcionalíssimas, em que sejam ínfimas a ofensividade e a reprovabilidade social da conduta. Com efeito, na natureza, nada é isolado ou independente, tudo depende de tudo e se relaciona com tudo, de modo que um dano que, isoladamente, possa parecer ínfimo, pode se revelar capaz de alcançar todo um ecossistema, por exemplo. Ademais, não se deve perder de vista que o escopo da norma é impedir a atitude lesiva ao meio ambiente, devendo-se evitar que a impunidade leve à proliferação de condutas a ele danosas. O objetivo é proteger não apenas as gerações presentes, mas também as futuras (inteligência do art. 225, caput, da CF), de modo que a aplicação do princípio da insignificância deve se restringir a casos efetivamente diminutos.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO ESPECIAL. PESCA EM LOCAL E ÉPOCA PROIBIDA. NÃO APREENSÃO DE PEIXES. APREENSÃO DE PETRECHOS PROIBIDOS NA ATIVIDADE DE PESCA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. A atipicidade material, no plano da insignificância, pressupõe a concomitância de mínima ofensividade da conduta, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. É entendimento desta Corte que somente haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado indicar que é ínfimo o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado, isto porque não deve-se considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas deve-se levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta. Precedente. 3. O acórdão recorrido está de acordo com o entendimento desta Corte, no sentido de que não é insignificante a conduta de pescar em local e época proibida, e com petrechos proibidos para pesca, ainda que não tenha sido apreendido qualquer peixe em poder do recorrente. 4. Recurso especial improvido.(REsp 1620778/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 27/09/2016) |
A conduta do acusado, portanto, mostra-se típica, e amolda-se perfeitamente ao tipo penal do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais.
DO OFERECIMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Considerando-se que na presente Apelação o acusado foi absolvido da imputação prevista no art. 2º da Lei nº 8.176/1991, remanescendo tão somente a imputação do art. 55 da Lei de Crimes Ambientais, cuja pena prescrita é de 06 (seis) meses a 01 (um) ano de detenção, é de rigor que seja oportunizada a manifestação do Ministério Público Federal sobre o eventual cabimento do benefício da suspensão condicional do processo previsto no art. 89 da Lei Federal nº 9.099/1995, que prevê, in verbis:
Nesse sentido, diversos precedentes, inclusive das C. Cortes Superiores, já se manifestaram para declarar a nulidade das sentenças que, ao mudar a classificação jurídica da denúncia ou absolver parcialmente o réu da imputação inicialmente prevista, deixaram de dar vista dos autos ao Ministério Público Federal passando diretamente à condenação e dosimetria da pena de delitos que, em tese, fazem jus aos benefícios da Lei nº 9.099/1995.
Veja-se, in verbis:
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. |
A via eleita se revela inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. |
2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo penal. |
FAVORECIMENTO REAL E QUADRILHA. CONCURSO MATERIAL. DELITOS CUJAS PENAS ULTRAPASSAM OS LIMITES PREVISTOS NA LEI 9.099/1995. IMPOSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL OU DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO QUANDO DEFLAGRADA A AÇÃO PENAL. ENUNCIADO 231 DA SÚMULA DO SUPERIOR DE JUSTIÇA. COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. |
1. Nos termos do enunciado 243 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, "o benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano". |
2. O mesmo entendimento é aplicável à transação penal, que não pode ser ofertada aos acusados de crimes cuja pena máxima, considerado o concurso material, ultrapasse 2 (dois) anos, limite para que se considere a infração de menor potencial ofensivo. Precedente. |
3. No caso dos autos, a paciente foi denunciada pela prática dos delitos previstos nos 349-A e 288 do Código penal, em concurso material, cujas penas máximas são, respectivamente, de 1 (um) ano de detenção e de 3 (três) anos de reclusão, as quais, somadas, ultrapassam os limites previstos na Lei 9.099/1995, o que demonstra que, quando iniciada a ação penal em apreço, não fazia jus aos benefícios d transação penal ou da suspensão condicional do processo. |
SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA ABSOLVENDO A ACUSADA DO DELITO DE QUADRILHA. SUBSISTÊNCIA DE CRIME QUE PERMITE A APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS PREVISTOS NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. AUSÊNCIA DE ABERTURA DE VISTA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA SE MANIFESTAR SOBRE A QUESTÃO. NULIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. |
Este Sodalício possui entendimento consolidado no sentido de que absolvido o réu de parte das imputações que lhe foram feitas, e sendo cabível o oferecimento dos benefícios previstos na Lei 9.099/1995 quanto aos ilícitos remanescentes, cumpre ao magistrado abrir vista dos autos ao Ministério Público a fim de que sobre eles se manifeste. Enunciado 337 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. |
Não tendo o togado sentenciante remetido os autos ao órgão ministerial a fim de que se pronunciasse sobre a possibilidade de propositura dos institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/1995 à paciente, afastando-a de pronto e passando à dosimetria da pena, constata-se a nulidade do feito. |
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, mantida a absolvição da paciente quanto ao delito de quadrilha, oportunizar ao Ministério Público que se manifeste sobre a possibilidade de oferecimento de suspensão condicional do processo à paciente. |
(HC 309.975/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 25/03/2015- destaque nosso) |
|
|
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de Wander Gonçalves Mota, contra acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou provimento ao Agravo Regimental nos autos do Agravo em Recurso Especial 904.165/MG. Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática dos delitos descritos nos artigos 28 e 37 da Lei 11.343/2006 à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos; bem como à medida educativa de comparecimento a programa ou cursos educativos, pelo prazo de 6 meses. Irresignada, a defesa interpôs apelação criminal no Tribunal de Justiça mineiro, postulando, em suma, a absolvição pelo crime previsto no artigo 37 da Lei de Drogas por atipicidade da conduta. Alternativamente, pugnou pelo reconhecimento da confissão espontânea em relação ao delito de posse de entorpecentes para consumo pessoal, bem como pela redução da medida educativa aplicada ao réu. O recurso foi parcialmente provido para absolver o réu do delito descrito no artigo 37 da Lei de Drogas por falta de provas, bem como para, em relação ao crime de posse de entorpecentes para consumo pessoal, reconhecer a atenuante da confissão espontânea e assim reduzir a pena imposta ao apelante, concretizando-a em comparecimento a programa ou curso educativo pelo prazo de 2 meses. Eis a ementa desse julgado: APELAÇÃO CRIMINAL COLABORAÇÃO COM GRUPO, ORGANIZAÇÃO OU ASSOCIAÇÃO DESTINADOS AO TRÁFICO ILÍCITO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES PROVA INSUFICIENTE ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE POSSE DE ENTORPECENTES PARA CONSUMO PESSOAL AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS CONDENAÇÃO MANTIDA REPRIMENDA EXARCERBADA REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. 01. Inexistindo prova segura de que o réu colaborava, como informante, com grupo, organização ou associação constituídos para o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, a absolvição é medida que se impõe (art. 386, VII, do CPP). 02. Demonstradas, quantum satis , a materialidade e a autoria do crime de posse de entorpecentes para consumo pessoal, a condenação do réu, à falta de causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, é medida que se impõe. 03. A sanção penal, medida de exceção, deve ser, por excelência, aquela necessária e suficiente à prevenção e reprovação do injusto, eis porque, se aplicada com exagero, há que ser adequada. (eDOC 2, p. 10) Sobreveio recurso especial, o qual foi obstado na origem. Impugnou-se a decisão por meio de agravo no Superior Tribunal de Justiça. O recurso não foi conhecido, nos termos da jurisprudência da Corte Especial. No presente writ, a DPU insiste na alegação de nulidade do feito em razão da não abertura de vista ao Ministério Público para manifestar-se acerca da transação penal. Requer, liminarmente, a suspensão da tramitação da ação penal até o julgamento final deste mandamus. Em 28.2.2018, deferi a liminar, para determinar a suspensão dos efeitos da condenação. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do pedido. (eDOC 18) É o relatório. Passo a decidir. Conforme registrei na decisão pretérita, a despeito de, originalmente, ter sido o paciente denunciado ainda por outro delito (artigo 37 da Lei de Drogas), circunstância que afastava o cabimento da suspensão em face da somatória das penas (acima do mínimo legal de 1 ano exigido pelo artigo 89 da Lei 9.099/1995), operou-se em grau de recurso a absolvição pelo segundo delito. Neste caso, o crime remanescente, quanto à pena, autorizava a proposta de suspensão do processo. Existem precedentes do próprio STJ consignando a viabilidade do oferecimento da proposta de suspensão pelo Ministério Público, conforme, dentre outros, o seguinte julgado: (...) |
O mesmo STJ acabou editando a Súmula 337 permitindo aludido benefício processual em hipótese semelhante ao destes autos: Súmula 337. STJ: é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva. Acerca da tese ministerial, segundo a qual a transação penal traria consequência mais gravosa que a sanção imposta ao paciente, verifico tratar-se de matéria afeta à sua própria deliberação. É que a Defensoria busca, através do presente writ, que seja ofertada, ao paciente, a transação penal, o que não significa que ele vá aceitá-la. E mais: até que esta Corte julgue o RE 635.659, de minha relatoria, o entendimento atual é no sentido de que não houve abolitio criminis do crime de posse de droga para uso pessoal, mas apenas sua despenalização, de modo que a condenação havida pode gerar reincidência e demais consequências processuais. Dito isso, tenho que, ao contrário do que alega a PGR, a condenação por infração ao art. 28 da Lei de Drogas pode ser mais gravosa que a aceitação da transação penal. Ante os fundamentos expostos, concedo a ordem para confirmar a liminar deferida e determinar seja ofertada ao paciente a transação penal, nos termos da Lei 9.099/95. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 24 de agosto de 2018. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente (HC 151688, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Supremo Tribunal Federal, julgado em 24/08/2018, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 27/08/2018 PUBLIC 28/08/2018) |
Inclusive, a Súmula 337 do C. Superior Tribunal de Justiça prevê a possibilidade de oferecimento dos benefícios da Lei Federal nº 9.099/1995 ao crime remanescente ao prever que é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva, o que se amolda ao caso ora em questão.
Válido frisar que o fato de a absolvição do delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991 ter se operado tão somente em grau de recurso não impede que, em esse momento, seja concedida a possibilidade de suspensão condicional do processo.
A esse respeito, veja-se precedente do C. Superior Tribunal de Justiça em caso bastante semelhante, no qual a sentença em primeira instância igualmente havia condenado o paciente às penas dos artigos 55 da Lei de Crimes Ambientais e art. 2º da Lei nº 8.176/1998, e, em sede de Apelação, foi declarada a extinção da punibilidade do primeiro delito, remanescendo o outro, que, em tese, possibilitava a aplicação do benefício da suspensão condicional do processo. In verbis:
Ressalte-se que, ainda que no caso concreto a eventual condenação do réu permitiria a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos, é importante apontar que a condenação penal gera efeitos outros, como a reincidência e os antecedentes criminais, e, portanto, deve ser oportunizada ao menos a possibilidade de que o Ministério Público Federal analise a possibilidade de propositura de tais benefícios despenalizadores, o que pode, ou não, ser aceito pelo acusado.
Válido mencionar que as teses defensivas com relação ao art. 55 da Lei de Crimes Ambientais combatidas no presente voto atingiam a materialidade e tipicidade da conduta e, portanto, precediam a análise da eventual aplicação do benefício previsto no art. 89 da Lei nº 9.099/1995. Por tal razão, ainda que não se deva adentrar, por ora, ao mérito quanto ao delito remanescente sem antes conferir a possibilidade de manifestação do Ministério Público Federal sobre a suspensão condicional do processo, mostrava-se necessário que sua tipicidade fosse perquerida na presente Apelação.
Assim, devem os autos ser remetidos ao r. juízo de origem com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal para que se manifeste acerca da possível pertinência de oferecimento da suspensão condicional do processo, atentando-se ao prazo prescricional, ficando, por ora, prejudicado o exame das razões do apelo que se referem à eventual condenação quanto ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/1998.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, voto por DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação de NATAL TENÓRIO DA SILVA para absolvê-lo da imputação referente ao art. 2º da Lei Federal nº 8.167/1991, e, quanto ao delito remanescente previsto no art. 55 da Lei Federal nº 9.605/1998, remeter os autos ao r. juízo de com posterior encaminhamento ao Ministério Público Federal para que se manifeste acerca da possível pertinência de oferecimento da suspensão condicional do processo, ficando, por ora, prejudicado o exame das razões do apelo que se referem à eventual condenação quanto ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/1998.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 14/02/2020 16:30:08 |