D.E. Publicado em 06/03/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por SUN SEOB KO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 28/02/2020 10:11:03 |
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Embargos Infringentes opostos por SUN SEOB KO com o objetivo de que prevaleça o v. voto vencido proferido pelo Eminente Desembargador Federal Maurício Kato, que negava provimento ao apelo ministerial e, assim, mantinha a sua absolvição por meio do reconhecimento e da aplicação do princípio da insignificância em sede do crime de descaminho - fls. 313/314 - a propósito, colhe-se do r. provimento judicial, especificamente no que tange ao ponto sob análise:
Por sua vez, o v. voto vencedor, proferido pelo Eminente Desembargador Federal Andre Nekatschalow, deu provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal para condenar o embargante a 01 ano e 02 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, em razão da perpetração do crime previsto no art. 334 do Código Penal (em sua redação original), por 06 vezes, e pelo delito estampado no art. 334, caput, do Código Penal (na redação dada pela Lei nº 13.008/2014), por 03 vezes, tendo sido a pena corporal substituída por 02 penas restritivas de direito consistentes em prestação pecuniária de 01 salário mínimo em favor de entidade beneficente e em prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas (fls. 316/319):
DO CRIME DE DESCAMINHO - ART. 334 DO CÓDIGO PENAL (TANTO NA REDAÇÃO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI Nº 13.008, DE 26 DE JUNHO DE 2014, COMO EM DECORRÊNCIA DA SOBREVINDA DE MENCIONADA LEGISLAÇÃO) - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - PARÂMETROS GERAIS PARA A SUA INCIDÊNCIA DE ACORDO COM A JURISPRUDÊNCIA DE NOSSOS C. TRIBUNAIS SUPERIORES - CRITÉRIOS ESPECÍFICOS PARA INCIDÊNCIA NA SEARA DO CRIME DE DESCAMINHO: VALOR TOTAL DO TRIBUTO ILUDIDO E REITERAÇÃO DELITIVA - ANÁLISE DO CASO CONCRETO - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO IMPOSTA AO EMBARGANTE
(a) Generalidades teóricas acerca do princípio da insignificância
O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima ratio. Com efeito, o Direito Penal não pode ser a primeira opção prevista no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta (daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da última fronteira para restabelecer a paz social). Em outras palavras, entende-se que o Direito Penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo para tolher sua autonomia ou sua liberdade na justa medida em que determinados fatos ou determinadas situações ensejam a incidência de outros ramos do Direito (que se mostram aptos a afastar a crise que se instaurou) - na falta de solução adequada à lide instaurada na sociedade (não resolvida, portanto, pela atuação dos demais segmentos do Direito), tem cabimento ser chamado à baila o legislador pátrio a fim de que a conduta não pacificada seja tipificada como delito por meio da edição de uma lei penal incriminadora.
Dentro de tal contexto, a insignificância surge como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal), afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, a adequação do fato à lei penal incriminadora.
Consigne-se que a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. Logo, depreende-se que a incidência da bagatela demanda análise criteriosa caso a caso.
(b) Princípio da insignificância em sede de crimes perpetrados contra a ordem tributária lato senso (englobando, assim, o delito de descaminho)
Especificamente no que tange aos crimes perpetrados contra a ordem tributária (a englobar, também, o delito de descaminho), nota-se que o legislador quis proteger, em um primeiro momento, valores que a Fazenda Pública tem direito de perceber (inclusive a credibilidade de sua atuação), bem como a regularidade na obtenção de suas receitas (evitando-se manobras fraudulentas), e, em um segundo plano, a capacidade da máquina estatal de fomentar as políticas públicas que garantem o bem estar de todos os cidadãos (interesse público primário - objetivo de assegurar redistribuição de riqueza por meio de uma política fiscal que obtêm recursos para o atendimento das necessidades sociais).
Como se vê, não apenas o caráter patrimonial é resguardado pela tipificação de uma conduta atentatória à ordem tributária de modo que, neste ponto, cumpre ressalvar o entendimento pessoal deste relator acerca da impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância em sede de crime de sonegação fiscal, porquanto, ainda que se possa em determinados casos considerar pequena a expressão do valor sonegado, não há que se falar no reduzido grau de reprovabilidade da conduta típica, tampouco na inexpressividade da lesão jurídica, considerando que o delito em comento atinge igualmente o interesse público.
A despeito de tal apontamento, imperioso ressaltar que o C. Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Representativo da Controvérsia (que adiante será mencionado), de observância obrigatória sob o pálio do disposto no art. 927, III, do Código de Processo Civil, e que também tem sido adotado por este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assentou a possibilidade de aplicação do postulado da bagatela na senda de crimes tributários.
Feitas tais considerações, tem-se que a Administração Tributária edita normas sobre o valor mínimo que permite inscrição em dívida ativa de modo que se tem entendido que, se a Fazenda não executa civilmente importe até certo patamar, não haveria justificativa a permitir a existência de persecução penal - dentro desse contexto, adviria desta constatação a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância que, analisado em conjunto com os postulados da fragmentariedade e da mínima intervenção estatal na seara penal, teria o condão de afastar a tipicidade penal em determinadas situações. Ressalte-se, por oportuno, que o quantum fixado pela Fazenda Nacional para fins de arquivamento das execuções fiscais vem sendo adotado como parâmetro para fins de aplicação do princípio da bagatela - sob tal viés, o valor a ser considerado deve ser aquele aferido no momento da constituição definitiva do crédito tributário, excluídos os juros e a multa aplicados ao importe do tributo sonegado já no momento da inscrição do crédito em dívida ativa.
Anteriormente, a importância delimitadora da significância penal girava em R$ 10.000,00 (dez mil reais) com fundamento no art. 20 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, com a redação dada pela Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, e pelo art. 14 da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Todavia, tal importe foi elevado por força da edição da Portaria nº 75, de 22 de março de 2012, do Ministério da Fazenda, a saber: Art. 1º. Determinar: I - a não inscrição na Dívida Ativa da União de débito de um mesmo devedor com a Fazenda Nacional de valor consolidado igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais); e II - o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
No âmbito do E. Superior Tribunal de Justiça, a questão já foi objeto de discussão no Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.112.748/TO, oportunidade em que se firmou orientação no sentido de que incide o princípio da insignificância aos crimes federais contra a ordem tributária e ao de descaminho na hipótese de o débito tributário não ultrapassar a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) nos termos do art. 20 da Lei nº 10.522/2002. Vale colacionar o aresto, frise-se, de observância obrigatória:
Em tal ocasião, verificou-se que tanto o C. Supremo Tribunal Federal como o E. Superior Tribunal de Justiça adotavam a possibilidade de aplicação do princípio em tela com base no parâmetro estatuído no art. 20 da Lei nº 10.522/2002.
Entretanto, com o advento da edição das Portarias nºs 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, a 3ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça revisou a tese fixada no paradigma mencionado (REsp nº 1.112.748/TO) a fim de adequá-la ao entendimento externado pela E. Suprema Corte no sentido de considerar o parâmetro estabelecido nestes atos infralegais, que estabeleceram o patamar de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), como limite para aplicação do princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho. Eis a ementa do acórdão:
Assim, a teor do predominante entendimento jurisprudencial sobre a matéria, tem pertinência a aplicação do postulado da bagatela acaso o tributo sonegado ou iludido não exceda ao valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
(c) Incompatibilidade de aplicação do princípio da insignificância quando caracterizada a contumácia delitiva do agente
Conforme exposto anteriormente, para a aplicação do princípio da insignificância, exige-se a presença dos pressupostos da mínima ofensividade da conduta do agente, da ausência de periculosidade social da ação, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e da inexpressividade da lesão causada ao bem jurídico tutelado, sob pena de, na ausência de qualquer destes aspectos, restar caracterizada a relevância material do fato formalmente típico.
Todavia, na hipótese de conduta praticada em contexto de habitualidade delitiva, visualiza-se a obstinação deliberada do agente em se portar em oposição à convivência de acordo com as normas jurídicas. Nesse diapasão, a contumácia criminosa (vale dizer, a escolha do meio de vida criminoso pelo agente) não pode importar em inexpressividade de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, em mínima ofensividade da conduta, em ausência de periculosidade social e sequer em reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima.
Especificamente em sede de crimes tributários federais e de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para que a conduta seja reputada inofensiva: há, também, que se demonstrar que o agente não atua em contumácia delitiva. A lesão cominada ao Fisco por meio de comedidos delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente, observável pelo conjunto da obra criminosa decorrente de sua habitualidade em cometer o ilícito. A propósito, a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal enfatiza a relevância penal do descaminho, independentemente do valor iludido, quando presente a reiteração delitiva:
Fazendo coro ao que acaba de ser exposto, tanto o C. Superior Tribunal de Justiça como este E. Tribunal Regional Federal da 3ªRegião também rechaçam pretensão de reconhecimento da bagatela em sede de descaminho quando demonstrada a reiteração criminosa do agente:
Desta forma, a habitualidade delitiva constitui fator idôneo ao afastamento do princípio da insignificância, ainda que a conduta criminosa não supere o referencial de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em matéria de crimes tributários federais e de descaminho. Consigne-se, por oportuno, que a existência de procedimentos administrativos fiscais em curso já possui o condão de demonstrar a reiteração infracional para fins de afastamento da bagatela (conforme julgados anteriormente colacionados).
(d) Análise do caso concreto - inferência de que o embargante é renitente na prática do crime de descaminho - impossibilidade do reconhecimento do princípio da insignificância (ainda que o valor do tributo iludido, considerado globalmente, não ultrapasse o parâmetro de R$ 20.000,00 - vinte mil reais - assentado pela jurisprudência pátria)
Adentrando ao caso concreto, verifica-se, a teor de ofício oriundo da Secretaria da Receita Federal do Brasil - Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil em Brasília (acostado às fls. 42/45), que a pessoa jurídica S.S. KO - AUTO PEÇAS - ME (CNPJ nº 15.104.935/0001-95), cuja representação encontra-se a cargo do embargante SUN SEOB KO, possui 09 (nove) procedimentos administrativos fiscais que originaram Representações Fiscais Para Fins Penais (Aduaneiras), aspecto que tem o condão de configurar a reiteração delitiva na prática do crime de descaminho.
Saliente-se que a constatação acima acaba sendo corroborada pelos documentos juntados às fls. 08/20 (Representação Fiscal para Fins Penais em decorrência de fatos ocorridos em 30 de abril de 2014), às fls. 24/33 (extratos de procedimentos administrativos de perdimento de bens pendentes contra a empresa S.S. KO - AUTO PEÇAS - ME), às fls. 49/80 (outra Representação Fiscal para Fins Penais em decorrência de fatos ocorridos em 08 de maio de 2014) e às fls. 81/100 (mais uma Representação Fiscal para Fins Penais em decorrência de fatos ocorridos em 02 de maio de 2014), tudo a confirmar a habitualidade criminosa.
Dentro de tal contexto, ainda que a importância de tributo iludido pelas condutas levadas a efeito pelo embargante SUN SEOB KO seja de aproximadamente R$ 11.800,00 (onze mil e oitocentos reais), o que, em tese, admitiria a aplicação do princípio da insignificância (nos termos da prevalente jurisprudência que enfrenta a questão exclusivamente com supedâneo no importe não recolhido ao Poder Público), a constante execução de crimes de descaminho (a culminar na comprovação de manifesta reiteração criminosa) possui o desiderato de afastar a incidência da bagatela, aspecto bem delineado e delimitado pelo v. voto vencedor da lavra do Eminente Desembargador Federal Andre Nekatschalow. Nega-se, portanto, provimento aos presentes Embargos Infringentes.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por SUN SEOB KO, nos termos anteriormente expendidos.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 28/02/2020 10:11:07 |