Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 06/03/2020
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0004568-38.2017.4.03.6113/SP
2017.61.13.004568-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
EMBARGANTE : LEDA MARIA PITA VIANNA
ADVOGADO : LEONARDO DE CASTRO TRINDADE (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00045683820174036113 10P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CRIME PREVISTO NO ART. 19 DA LEI Nº 7.492/1986 - OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO - CONCEITO DE FINANCIAMENTO EM CONTRAPOSIÇÃO AO DE EMPRÉSTIMO - CASO CONCRETO EM QUE A EMBARGANTE CELEBROU DOIS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ("LEASING") - HIPÓTESE QUE SE SUBSOME AO CONCEITO DE FINANCIAMENTO, ATRAINDO, ASSIM, A TIPIFICAÇÃO NO BOJO DO CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PREVALÊNCIA DO POSICIONAMENTO CONSTANTE DO V. VOTO VENCEDOR - MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO.
- O cerne da questão debatida nestes Embargos Infringentes guarda relação em se perquirir se a celebração de contrato de arrendamento mercantil (leasing) teria o condão de configurar a elementar típica "financiamento" constante do art. 19 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 (Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira). Nesta toada, o posicionamento esboçado no v. voto vencido, para além de fundar a manutenção da absolvição da embargante na inferência de que as duas avenças celebradas não tiveram o condão de abalar o Sistema Financeiro Nacional, reverberou na assertiva de que a aquisição de bem de consumo por meio de contrato de arrendamento mercantil não encontraria subsunção no conceito de "financiamento". Por outro lado, o v. voto vencedor reconheceu a tipicidade das condutas então levadas a efeito, razão pela qual proveu o recurso de Apelação aviado pelo Parquet federal.
- Nos termos da Circular nº 1.273, de 29 de dezembro de 1987, de lavra do Banco Central do Brasil, empréstimos são operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos ao passo que financiamentos são operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos. Assim, dentro de tal contexto, para efeito da legislação específica (Lei nº 7.492/1986), tem-se entendido que financiamento significa a operação de crédito concedida com destinação específica, o que obriga a demonstração da aplicação de recursos, posicionamento que encontra o beneplácito da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça.
- Aplicando influxos da jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal que assentiu com a tributação de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS em sede de operações de arrendamento mercantil (pois elas possuiriam núcleo essencial de financiamento e não uma prestação de dar), tanto o C. Superior Tribunal de Justiça como esta E. Corte Regional decidiram, de forma reiterada, ser plenamente possível a subsunção no art. 19 da Lei nº 7.492/1986 de situação fática consistente na obtenção, de forma fraudulenta, de contrato de arrendamento mercantil (leasing) junto a instituição financeira na justa medida em que referido negócio jurídico se subsome na elementar típica "financiamento" contida do tipo penal mencionado.
- Adentrando ao caso concreto, depreende-se que a embargante celebrou 02 (dois) contratos de arrendamento mercantil (leasing) junto à instituição financeira "BV Leasing Arrendamento Mercantil S/A", empregando, para tanto, o meio fraudulento consistente em se passar por outra pessoa, sendo que em ambos os negócios jurídicos visava-se a aquisição de veículo automotor. Nesse diapasão, comprovadas tanto a materialidade como a autoria delitivas em seu desfavor, razão pela qual de rigor a manutenção de sua condenação às penas do art. 19 da Lei nº 7.492/1986, em continuidade delitiva, nos termos constantes do v. voto vencedor.
- Negado provimento aos Embargos Infringentes opostos por LEDA MARIA PITA VIANNA.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por LEDA MARIA PITA VIANNA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 20 de fevereiro de 2020.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0004568-38.2017.4.03.6113/SP
2017.61.13.004568-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal FAUSTO DE SANCTIS
EMBARGANTE : LEDA MARIA PITA VIANNA
ADVOGADO : LEONARDO DE CASTRO TRINDADE (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00045683820174036113 10P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:


Trata-se de Embargos Infringentes opostos por LEDA MARIA PITA VIANNA com o objetivo de que prevaleça o v. voto vencido proferido pelo Eminente Desembargador Federal Mauricio Kato, que mantinha sua absolvição afeta às imputações da prática do delito previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/1986 (fls. 507/508) - a propósito, colhe-se do r. provimento judicial, especificamente no que tange ao ponto sob análise:


(...) Consta da denúncia que Leda Maria Pita Vianna foi denunciada pela prática do crime previsto no artigo 19 da Lei n. 7.492/86, por duas vezes (fls. 345/348). Narra a peça acusatória que no dia 17.06.2010, na cidade de Franca/SP, na concessionária Ortovel, a acusada obteve financiamento, mediante fraude, consistente na apresentação de documento falso (fl. 135) sob o nome de 'Leda Maria Pita Vianna Storti', através de contrato de arrendamento mercantil (fls. 130/133), para aquisição do veículo automotor modelo VW Gol (fl. 38). Consta, ainda, que no dia 18.08.2010 a ré financiou outro veículo usando o mesmo artifício fraudulento, para a aquisição do veículo Renault Sandero, na concessionária Dante Renault, em Franca/SP, mediante contrato de arrendamento mercantil (fls. 262/263), firmado junto à BV Financeira, apresentando documento falso sob o nome de 'Lucila Storti' (fls. 111/113). Descreve a exordial que, no dia 11.08.2011, em cumprimento a mandado de busca e apreensão expedido pela 1ª Vara Criminal de Franca/SP (fls. 24/25), foram localizados diversos documentos falsos na residência de Leda Maria Pita Vianna e que nessa ocasião, durante interrogatório em sede policial, Leda afirmou que obteve tais documentos de 'uma pessoa até o momento não identificada e supostamente residente em Ribeirão Preto, a qual os confeccionava mediante pagamento' (fl. 346). A denúncia foi recebida em 13.06.2018 (fls. 349/351-vº). Após regular tramitação, sobreveio sentença de fls. 470/474, publicada em 26.10.2018 (fl. 475), que absolveu a ré da acusação da prática do delito previsto no artigo 19 da Lei n. 7.492/86, com fundamento no artigo 386, incisos III e VII, do Código de Processo Penal.
Analisando os autos verifica-se a não subsunção da conduta descrita ao tipo penal imputado à acusada na peça inaugural. A finalidade da Lei n. 7.492/86 é de proteger o equilíbrio do Sistema Financeiro Nacional como um todo ou um integrante desse Sistema. Os delitos previstos nesse diploma legal somente se consumam quando a conduta coloca em risco tal finalidade pela qual a lei foi criada. Em especial, a norma penal insculpida no artigo 19 da Lei n. 7.492/86, relativa à obtenção de financiamento em instituição financeira mediante fraude, visa tutelar o patrimônio desta instituição, bem como a inviolabilidade e a credibilidade do Sistema Financeiro, de forma a amparar as suas operações. Dessa forma, o legislador objetivou tipificar aquela conduta que, assemelhada à do tipo penal do estelionato, especificamente possui o condão de ser sobremaneira relevante perante o Sistema Financeiro Nacional.
É preciso, então, verificar as particularidades e o alcance da operação realizada para delimitar a ofensa ao bem jurídico atingido. Diante desta particularidade, entendo que nem todo financiamento fraudulento obtido será capaz de lesar o bem jurídico protegido pela norma em questão. É dizer: somente haverá a subsunção dos fatos à norma do artigo 19 da Lei n. 7.492/86 quando restar indubitavelmente o abalo ao Sistema Financeiro Nacional.
Posto isto, é possível identificar, através dos elementos trazidos aos autos, que a ré, mediante documentação falsa, obteve dois financiamentos para aquisição de carros nos valores de R$ 20.798,22 (vinte mil, setecentos e noventa e oito reais e vinte e dois centavos) e R$ 31.212,22 (trinta e um mil, duzentos e doze reais e vinte e dois centavos) (fls. 134 e 262). A questão discutida nos autos tem origem, portanto, em algo pontual e restrito, mais precisamente na obtenção de um aporte bancário de pequena monta para a aquisição de bem móvel, o qual reflete a natureza privada do negócio jurídico realizado.
Na realidade, é possível perceber que esse tipo de operação possui características muito mais próximas às pertinentes ao empréstimo do que do 'financiamento' propriamente dito, com a ausência da atividade estatal empreendedora e sem o cumprimento de exigentes regras para a disponibilidade financeira. A distinção entre financiamento e empréstimo está definida no Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF), criado pela Circular nº 1.273/87, do Banco Central do Brasil: (...). Estamos diante, portanto, de contrato que possui como objeto um bem destinado ao mero consumo (veículo), diferente das relações com finalidade empreendedora ou de fomento. Eventual fraude nas circunstâncias tratadas nos autos alcança tão somente o patrimônio privado das instituições financeiras.
Cabe aqui observar que as instituições financeiras acabam, muitas vezes, por emprestar dinheiro sem critérios satisfatórios de segurança, até mesmo por meio de terceiros, por exemplo, deixando de realizar uma correta análise dos documentos apresentados ou a devida verificação da capacidade econômica da parte interessada a contrair o financiamento. Assim sendo, segundo o princípio da lesividade ou ofensividade, não há infração penal quando a conduta não tiver oferecido, ao menos, perigo de lesão ao bem jurídico tutelado. Por esses motivos, considero que a conduta descrita na denúncia não possui potencialidade lesiva, pois não foi capaz de produzir ou causar uma situação danosa para a coletividade, a instituição ou o Sistema Financeiro Nacional como um todo.
Não se olvida a existência de julgados que confirmam a subsunção de fatos similares ao dos autos à norma do artigo 19 da Lei n. 7.492/86 (STJ, CC 151.188/SP, Rel. Ministro Antônio Saldanha Palheiro, 3ª Seção, julgado em 14.06.2017). Todavia, saliento que esta mesma Corte já se manifestou no sentido de não configurar o delito do artigo 19 da Lei n. 7.492/86 em casos envolvendo contrato de leasing bancário (3ª Seção - CC 18959/SP, Rel. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 09.04.1997) e empréstimo consignado (CC 120.016/SP, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira, julgado em 26.09.2012), por exemplo, espécies que também envolvem operações de essência privada.
Dessa maneira, fragilizadas as provas e argumentos da acusação, torna-se imperioso o reconhecimento da atipicidade da conduta. Nesses termos, mantenho a absolvição de Leda Maria Pita Vianna da prática do ilícito penal tipificado no artigo 19 da Lei 7.492/86, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (...).

Por sua vez, o v. voto vencedor, proferido pelo Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes, deu provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal para condenar a embargante como incursa no art. 19 da Lei nº 7.492/1986, em continuidade delitiva, fixando reprimenda na casa de 02 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, e de 11 dias-multa, cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituindo a pena corporal por duas reprimendas restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade e em prestação pecuniária no importe de 05 salários mínimos (fls. 510/512):

(...) Inicialmente, destaco a estima e a admiração que nutro pelo E. Relator do presente feito, Desembargador Federal Maurício Kato. O voto do E. Relator foi no sentido de negar provimento ao recurso de apelação da acusação, mantendo a absolvição de Leda Maria Pita Vianna da prática do ilícito penal tipificado no artigo 19 da Lei 7.492/1986, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Não obstante, com a devida vênia, divirjo do E. Relator no tocante à atipicidade da conduta, sendo de rigor o provimento do recurso de apelação da acusação, com a condenação de Leda Maria Pita Vianna no crime do artigo 19 da Lei 7.492/1986.
Consta dos autos que Leda Maria Pita Vianna, no dia 17 de junho de 2010, na cidade de Franca/SP, na concessionária Ortovel, obteve financiamento, mediante fraude, consistentes na apresentação de documento falso, sob o nome de 'Leda Maria Pita Vianna Storti', por meio de contrato de arrendamento mercantil, para aquisição de veículo automotor modelo VW Gol. Ademais, em 18 de agosto de 2010, narra a inicial acusatória que a ré financiou outro veículo usando o mesmo o modo fraudulento, para aquisição de veículo Renault Sandero, na concessionária Dante Renault, em Franca/SP, mediante contrato de arrendamento mercantil firmado junto à BV Financeira, apresentando documento falso em nome de 'Lucila Storti'.
Com efeito, a Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, dispõe em seu artigo 19: (...). O tipo limita-se a obtenção de financiamento mediante fraude. No caso, qualquer fraude é suficiente para caracterizar o crime, ainda que não se constitua em crime autônomo de falsidade. Além disso, a determinação da autoria da falsificação do documento, uma vez comprovada a sua utilização para obtenção do financiamento com o conhecimento do agente, é irrelevante. A conduta, em si, deve conter ou envolver o elemento 'fraude', mas não se exige que dela advenha algum prejuízo específico ou outro resultado. Basta a própria obtenção do financiamento (por meio fraudulento) junto a instituição financeira. Portanto, a consumação do delito não envolve o ganho de vantagem ilícita material pelo agente ou a existência de prejuízo material/econômico à instituição financeira credora. Por derradeiro, a consumação dá-se com a obtenção do financiamento, ou seja, no momento da assinatura do contrato. Nesse sentido: Nesse sentido, a jurisprudência a seguir colacionada: (...).
Ademais, a materialidade do crime restou demonstrada nos autos por meio do Boletim de Ocorrência (fls. 4/6), Auto de Exibição e Apreensão (fls. 7/12), dos contratos de arrendamento mercantil relativos aos veículos Gol City e Sandero Authentique (fls. 137/139 e 267/268), dos laudos de exames periciais grafotécnicos que constataram a falsidade dos documentos (RG e CPF) (fls. 176/178) e que Leda Maria Pita Vianna teria assinado os contratos de leasing em nome de outras pessoas (fls. 239/241 e 262/264). A autoria, da mesma forma, está comprovada pelos laudos grafotécnicos (fls. 176/178, 239/241 e 262/264). A ré confirmou ter comprado o veículo Sandero com documento falso, usando nome de 'Lucila Storti', informando que emprestou para Márcio Natal Duarte da Silva, bem como que, em julho de 2010, dirigiu até a concessionária Ortovel, onde adquiriu um automóvel financiado (Gol), tendo usado documento falso (CPF) e o RG do Estado de Minas Gerais em nome de 'Leda Maria Pita Viana Storti' e que tal veículo foi vendido para Márcio Natal Duarte da Silva no começo do mês de agosto de 210, pelo valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) (fl. 31 e mídia de fl. 425). Ainda, em busca e apreensão realizada na residência da ré (fls. 7/12) foi possível verificar que foram apreendidos documentos, talões de cheque, cartões de banco, emitidos em nome de diversas pessoas.
Desta feita, sendo típica a conduta e havendo provas suficientes da materialidade e autoria de Leda Maria Pita Vianna, imperiosa a sua condenação no crime do artigo 19 da Lei 7.492/1986 (...).

DO CRIME PREVISTO NO ART. 19 DA LEI Nº 7.492/1986 - OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO - CONCEITO DE FINANCIAMENTO EM CONTRAPOSIÇÃO AO DE EMPRÉSTIMO - CASO CONCRETO EM QUE A EMBARGANTE CELEBROU DOIS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ("LEASING") - HIPÓTESE QUE SE SUBSOME AO CONCEITO DE FINANCIAMENTO, ATRAINDO, ASSIM, A TIPIFICAÇÃO NO BOJO DO CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PREVALÊNCIA DO POSICIONAMENTO CONSTANTE DO V. VOTO VENCEDOR


O cerne da questão debatida nestes Embargos Infringentes guarda relação em se perquirir se a celebração de contrato de arrendamento mercantil (leasing) teria o condão de configurar a elementar típica "financiamento" constante do art. 19 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 (Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira). Nesta toada, o posicionamento esboçado no v. voto vencido, da lavra do Eminente Desembargador Federal Mauricio Kato, para além de fundar a manutenção da absolvição da embargante na inferência de que as duas avenças celebradas não tiveram o condão de abalar o Sistema Financeiro Nacional, reverberou na assertiva de que a aquisição de bem de consumo por meio de contrato de arrendamento mercantil não encontraria subsunção no conceito de "financiamento". Por outro lado, o v. voto vencedor, proferido pelo Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes, reconheceu a tipicidade das condutas então levadas a efeito, razão pela qual proveu o recurso de Apelação aviado pelo Parquet federal.


(a) O contrato de arrendamento mercantil ou leasing


O contrato de arrendamento mercantil (leasing) é conceituado doutrinariamente como sendo uma (...) locação caracterizada pela faculdade conferida ao locatário de, ao seu término, optar pela compra do bem locado. Em termos de disciplina das relações de direito privado, isto é, no tocante às obrigações que as partes assumem uma com a outra em virtude do arrendamento mercantil, inexiste tipificação legal do negócio. Assim, rege-se este pelas cláusulas pactuadas entre os contratantes. O locatário, por ato unilateral, dependente de sua exclusiva vontade, ao fim do prazo locatício, pode adquirir o bem locado, tendo o direito de amortizar no preço da aquisição os valores pagos a título de aluguel (...) (in Manual de Direito Comercial - Direito de Empresa, Fábio Ulhoa Coelho, 25ª edição, Editora Saraiva, 2013, págs. 520/521).


À luz do ideário conceitual acima transcrito, nota-se a abrangência de agentes que podem pactuar a avença, pouco importando, de início, se ela será entabulada entre pessoas jurídicas, entre pessoas físicas ou entre uma e outra. Nesse contexto e diante da repercussão que tal contrato poderia ter no mundo dos fatos (principalmente se levado a efeito entre duas pessoas físicas), entendeu por bem o legislador defini-lo, para fins tributários, nos termos constantes do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974 (que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências), alterado em razão da edição da Lei nº 7.132, de 26 de outubro de 1983 - a propósito, colhe-se do artigo legal mencionado: considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta (destaque nosso).


Assim, a teor da disposição legal transcrita, ao menos para fins tributários e de conceituação legal, depreende-se que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) possui, na qualidade de arrendadora, uma pessoa jurídica, cabendo destacar que a arrendatária poderá ser tanto um ente moral como uma pessoa natural. Recorrendo novamente à doutrina especializada que se debruçou sobre o tema (in Contratos Mercantis, Waldirio Bulgarelli, 14ª edição, Editora Atlas, 2001, págs. 381/382), mostra-se possível a compreensão do contrato ora em comento:


(...) O leasing, todos estão conformes, é uma operação complexa, exprimindo-se por vários atos ligados ontológica e teologicamente, constituindo-se num verdadeiro procedimento. Basicamente, o chamado 'leasing financeiro' ('financial leasing'), que se tem entendido como o verdadeiro leasing, pressupõe três participantes: o fabricante, o intermediário ('leasing broker' ou 'leasing banker', entre nós, empresa especializada) e o arrendatário. A operação desdobra-se em 5 fases: 1. a preparatória, ou seja, a proposta do arrendatário à empresa leasing ou vice-versa; 2. essencial, constituída pelo acordo de vontades entre ambas; 3. complementar, em que a empresa leasing compra o bem ou equipamento ajustado com o arrendatário; 4. também essencial, que é o arrendamento propriamente dito, entregando a empresa leasing ao arrendatário o bem ou equipamento; 5. a tríplice opção do usuário, ou seja, ao termo do contrato de arrendamento, continuar o arrendamento, dá-lo por terminado, ou adquirir o objeto do arrendamento, compensando as parcelas pagas a título de arrendamento e feita a depreciação (...).

Verifica-se, nos termos anteriormente tratados, que o negócio jurídico ora em comento constitui-se de um mecanismo negocial em que a arrendatária (pessoa jurídica ou pessoa física) viabiliza a aquisição de um dado bem ou equipamento necessário à sua mantença, pactuando tal aquisição com a arrendadora (necessariamente pessoa jurídica e efetiva proprietária do bem ou do equipamento comprado do fabricante), operação esta que se viabiliza por meio do adimplemento periódico (mensal, por exemplo) de determinado valor (a título de aluguel), o que, em última instância, pode ser enxergado como uma forma (ainda que peculiar) de obtenção de um financiamento, ressaltando-se, ademais, que a arrendadora somente poderá comprar aquele bem ou aquele equipamento que a arrendatária indicou como imperioso para o desiderato almejado.


Aliás, a inferência acima concatenada, vale dizer, de que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) é uma forma da arrendatária se financiar ou se capitalizar para a finalidade de aquisição de um certo bem ou equipamento, não passou ao largo da doutrina:


(...) No tocante à discussão sobre a sua natureza bancária, é inequívoco que o exercício da opção de compra pelo arrendatário importa a caracterização do pagamento dos aluguéis como verdadeiro financiamento (...) (in Manual de Direito Comercial - Direito de Empresa, Fábio Ulhoa Coelho, 25ª edição, Editora Saraiva, 2013, pág. 523).
(...) O leasing, assim, afasta-se da concepção de uma simples locação com opção de compra, não só pela triangularidade, ou seja, a intermediação de um agente que financia a operação (o que tem levado a doutrina em grande parte a considera-lo essencialmente como operação financeira), mas também pelas peculiaridades que apresenta, tanto em relação à tríplice opção assegurada ao arrendatário como também pela técnica de acerto em caso de opção de compra (...) (in Contratos Mercantis, Waldirio Bulgarelli, 14ª edição, Editora Atlas, 2001, pág. 382).
(...) Entende-se por arrendamento mercantil ou leasing o contrato segundo o qual uma pessoa jurídica arrenda a uma pessoa física ou jurídica, por tempo determinado, um bem comprado pela primeira de acordo com as indicações da segunda, cabendo ao arrendatário a opção de adquirir o bem arrendado findo o contrato, mediante um preço residual previamente fixado. Verifica-se, assim, no contrato de arrendamento mercantil ou leasing as seguintes ocorrências: a) o arrendatário indica à arrendadora um bem que deverá ser por essa adquirido; b) uma vez adquirido o bem, a sua proprietária arrenda-o à pessoa que pediu a aquisição; c) findo o prazo do arrendamento, o arrendatário tem a opção de adquirir o bem, por um preço menor do que o de sua aquisição primitiva. Caso não deseje comprar o bem, o arrendatário poderá devolvê-lo ao arrendador ou prorrogar o contrato, mediante o pagamento de alugueres muito menores do que o do primeiro arrendamento. O arrendamento mercantil ou leasing aparece, assim, como uma modalidade de financiamento ao arrendatário, facilitando-lhe o uso e gozo de um bem de sua necessidade sem ter esse de desembolsar inicialmente o valor desse bem, e com a opção de, findo o prazo estipulado para a vigência do contrato, tornar-se o mesmo proprietário do bem, pagando nessa ocasião um preço calcado no valor residual do mesmo (...) (in Contratos e Obrigações Comerciais, Fran Martins, 16ª edição, Editora Gen Forense, 2010, pág. 411).

(b) A diferenciação entre financiamento e empréstimo para fins de tipificação de uma conduta no art. 19 da Lei nº 7.492/1986


Nos termos da Circular nº 1.273, de 29 de dezembro de 1987, de lavra do Banco Central do Brasil, empréstimos são operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos ao passo que financiamentos são operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos. Assim, dentro de tal contexto, para efeito da legislação específica (Lei nº 7.492/1986), tem-se entendido que financiamento significa a operação de crédito concedida com destinação específica, o que obriga a demonstração da aplicação de recursos, posicionamento que encontra o beneplácito da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:


PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EMPRÉSTIMO. OPERAÇÃO DE CRÉDITO SEM DESTINAÇÃO ESPECÍFICA OU VÍNCULO À COMPROVAÇÃO DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS. CARACTERIZAÇÃO, EM TESE, DO DELITO DESCRITO NO ART. 171 DO CÓDIGO PENAL - CP. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. (...) 5. Tendo em vista que o empréstimo fraudulento para capital de giro, empréstimos pessoais e adiantamento a depositantes não caracterizam financiamento com destinação específica (Circular n° 1.273/87 do Banco Central, item 1.6.1), mas sim operações de crédito sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos, o caso em análise trata, em tese, de crime de estelionato, tipificado no art. 171 do Código Penal - CP. (...) (STJ, CC 165.727/SP, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2019, DJe 30/10/2019) - destaque nosso.
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. JUSTIÇA ESTADUAL X JUSTIÇA FEDERAL ESPECIALIZADA. DELITO DE ESTELIONATO X CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ABERTURA DE CONTAS BANCÁRIAS MEDIANTE FRAUDE. SAQUE DOS VALORES DISPONIBILIZADOS COMO LIMITE. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. NÃO CONFIGURAÇÃO DE FINANCIAMENTO. EMPRÉSTIMO PESSOAL. TIPO PENAL DE ESTELIONATO. PRECEDENTES. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DO DEPARTAMENTO DE INQUÉRITOS POLICIAIS E POLÍCIA JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO - DIPO, O SUSCITADO. 1. Verifica-se que não houve a obtenção de financiamento propriamente dito mas sim de empréstimo. Com efeito, houve o saque dos valores disponibilizados a título de limite bancário, não se verificando a vinculação do dinheiro a destinação específica. Trata-se, portanto, de mero empréstimo fraudulento, o que configura crime de estelionato e não contra o sistema financeiro nacional. (...) (STJ, CC 116.160/SP, Rel. Min. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/10/2014, DJe 30/10/2014) - destaque nosso.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME DE ESTELIONATO. ART. 171 DO CÓDIGO PENAL. OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, PARA DESCONTO NA FOLHA DE PAGAMENTO DE SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. INOCORRÊNCIA DE VINCULAÇÃO A DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA DE CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. AFASTAMENTO DA TIPO PREVISTO NO ART. 19 DA LEI 7.492/86. PRECEDENTES DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no que tange ao art. 19 da Lei 7.492/86, tem advertido que, '(...) a mera obtenção fraudulenta de empréstimo pessoal junto a instituição financeira não caracteriza crime contra o Sistema Financeiro Nacional, mas sim, delito de estelionato, porquanto não se trata de contrato de financiamento, visto que não se exige destinação específica, tampouco comprovação da aplicação dos recursos' (STJ, CC 119.304/SE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 04/12/2012). (...) (STJ, CC 125.061/MG, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2013, DJe 17/05/2013) - destaque nosso.

(c) Entendimento pretoriano acerca da natureza jurídica do contrato de arrendamento mercantil (leasing) no que tange à classificação entre financiamento e empréstimo para fins de tipificação de conduta no art. 19 da Lei nº 7.492/1986


Sem prejuízo do que já foi exposto tendo como supedâneo o posicionamento prevalente na doutrina a indicar que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) pode ser compreendido como verdadeiro financiamento ao arrendatário, cumpre perquirir se a jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores, bem como desta E. Corte Regional, aquiesce com tal entendimento.


Com efeito, de início, importante ser trazido à baila julgado do C. Supremo Tribunal Federal que se debruçou sobre o assunto, porém sob a perspectiva tributária, para fins de aferição se operações leasing financeiro teriam o condão de ser fato gerador do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, cuja competência tributária foi deferida aos Municípios nos termos do art. 156, III, da Constituição. Ressalte-se que o precedente ora em comento, a despeito do enfoque do que restou decidido não guardar relação direta com a seara criminal, tem o condão de jogar luz sobre a discussão (inclusive no campo penal) na justa medida em que houve a prevalência de posicionamento no sentido de que o contrato de arrendamento mercantil possuiria como núcleo essencial uma operação de financiamento (e não uma prestação de dar) a ponto de ser possível a tributação pelo ente municipal - a propósito:


RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se dá provimento (STF, RE 547245, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 02/12/2009, DJe-040 DIVULG 04-03-2010 PUBLIC 05-03-2010 EMENT VOL-02392-04 PP-00857 RT v. 99, n. 897, 2010, p. 143-159 LEXSTF v. 32, n. 376, 2010, p. 175-200) - destaque nosso.

Na linha do que restou assentado pelo C. Pretório Excelso, também o E. Superior Tribunal de Justiça enxerga no contrato de arrendamento mercantil (leasing) viés a apontá-lo como uma forma do arrendatário financiar-se no exato sentido de que, ainda que tal avença tenha suas peculiaridades, o valor empregado pela arrendadora tem finalidade precípua e inerente à operação, qual seja, a aquisição daquele (e somente daquele) bem previamente escolhido pelo arrendatário, o que corporifica, via de consequência, o conceito de "financiamento" contido na elementar típica do art. 19 da Lei nº 7.492/1986 - nesse sentido:


CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA ESTADUAL E A JUSTIÇA FEDERAL. INQUÉRITO POLICIAL. TENTATIVA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PARA A AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. FINANCIAMENTO COM DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. CARACTERIZAÇÃO, EM TESE, DO DELITO DESCRITO NO ART. 19 DA LEI N. 7.492/86. AUSÊNCIA DE NECESSIDADE DE POTENCIAL ABALO DO SISTEMA FINANCEIRO COMO UM TODO PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. POSSE DE DROGA. CONEXÃO COM A FALSIDADE E USO DO DOCUMENTO FALSO. SÚMULA 122 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. DESCOBERTA FORTUITA. AUSÊNCIA DE CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. (...) 3. No caso dos autos, tendo em vista que o investigado teria tentado obter financiamento bancário com a destinação específica para adquirir automóvel - leasing -, resta caracterizada a competência da Justiça Federal, na esteira da pacífica jurisprudência do STJ. Precedentes. (...) (STJ, CC 158.548/PI, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/06/2018, DJe 01/08/2018) - destaque nosso.
PENAL E PROCESSO PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 1. JUSTIÇA ESTADUAL X JUSTIÇA FEDERAL ESPECIALIZADA. COMPRA DE VEÍCULO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. UTILIZAÇÃO DE FRAUDE. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO X ESTELIONATO. CONFIGURAÇÃO DO TIPO PENAL DO ART. 19 DA LEI N. 7.492/1986. FINANCIAMENTO EM SENTIDO AMPLO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL ESPECIALIZADA. PRECEDENTES. 2. CONFLITO CONHECIDO PARA RECONHECER A COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL DA 2ª VARA CRIMINAL ESPECIALIZADA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO/SP, O SUSCITANTE. 1. É assente no Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido de que, embora o contrato de leasing - também denominado arrendamento mercantil - possua particularidades próprias, revela, na prática, verdadeiro tipo de financiamento bancário, para aquisição de bem específico, em instituição financeira. Dessa forma, tem-se que os fatos narrados se subsumem, ao menos em tese, ao tipo penal do art. 19 da Lei n. 7.492/1986, o que determina a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 26 da referida lei. (...) (STJ, CC 114.030/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 02/04/2014) - destaque nosso.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL, NA MODALIDADE DE LEASING FINANCEIRO, JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, MEDIANTE FRAUDE, PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO ESPECÍFICO. ADEQUAÇÃO TÍPICA. ART. 19 DA LEI 7.492/86. PRECEDENTES DA 3ª SEÇÃO DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, VI, DA CF/88 E ART. 26 DA LEI 7.492/86. I. De acordo com a jurisprudência da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, não obstante o contrato de leasing financeiro tenha suas peculiaridades, não há como negar que essa modalidade de arrendamento mercantil envolve financiamento, para aquisição de bem específico, e instituição financeira, consoante definição do art. 1º da Lei 7.492/86, o que atrai o tipo penal previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, quando obtido mediante fraude. II. Com efeito, 'na esteira de julgados da Terceira Seção desta Corte, o tipo penal do art. 19 da Lei 7.492/86 exige para o financiamento vinculação certa, distinguindo-se do empréstimo que possui destinação livre. No caso, conforme apurado, os contratos celebrados mediante fraude envolviam valores com finalidade certa, qual seja a aquisição de veículos automotores. A conduta em apreço, ao menos em tese, se subsume ao tipo previsto no art. 19 da Lei n° 7.492/86, que, a teor do art. 26 do mencionado diploma, deverá ser processado perante a Justiça Federal' (STJ, CC 112.244/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, DJe de 16/09/2010). (...) (STJ, CC 123.967/SP, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 19/04/2013) - destaque nosso.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. 'LEASING'. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. FRAUDE EM CONTRATO DE 'LEASING'. ARTIGO 19 DA LEI Nº 7.492/1986. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O contrato de arrendamento mercantil ('leasing') é espécie do gênero financiamento e a fraude, nesse contrato, caracteriza o delito previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/1986. (...) (STJ, CC 111.477/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, Rel. p/ Acórdão Min. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 11/04/2011) - destaque nosso.

Fazendo coro à jurisprudência anteriormente colacionada, também este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região enquadra o contrato de arrendamento mercantil (leasing) como uma espécie, ainda que lato senso, de financiamento a culminar no implemento da elementar "financiamento" para fins de configuração de crime contra o Sistema Financeiro Nacional:


PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. FRAUDE NA OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO. NULIDADE. INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. DESCABIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. TIPICIDADE. FRAUDE À NORMA DE REGÊNCIA DO SISTEMA FINANCEIRO. ESTADO. PRINCIPAL SUJEITO PASSIVO. ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING). FINANCIAMENTO. NÚCLEO ELEMENTAR DA RELAÇÃO JURÍDICA. DOSIMETRIA. MAGNITUDE DA OPERAÇÃO. VALOR EXCESSIVO DO DIA-MULTA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CAPACIDADE ECONÔMICA DO RÉU. (...) VI - O financiamento situa-se no cerne do contrato de arrendamento mercantil (Leasing), conforme tem decidido os Tribunais Superiores e esta Corte, restando preenchido o elemento normativo descrito do tipo penal. (...) (TRF3, SEGUNDA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 34898 - 0007715-92.1999.4.03.6181, Rel. Juíza Federal Convocada DENISE AVELAR, julgado em 23/02/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/03/2016) - destaque nosso.
PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE. ART. 19 DA LEI 7.492/86. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. CRIME COMUM, DOLO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE REDUZIDA POR CONTRARIEDADE À SÚMULA Nº 444, DO E. STJ. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. MATÉRIA PRELIMINAR AFASTADA. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. ERRO MATERIAL. (...) 2. A alegação de atipicidade da conduta deve ser afastada, vez que a operação de 'leasing' (arrendamento mercantil) também configura o núcleo do tipo penal descrito no artigo 19, da Lei nº 7.492/86. (...) (TRF3, PRIMEIRA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 38766 - 0002614-74.1999.4.03.6181, Rel. Juiz Federal Convocado WILSON ZAUHY, julgado em 15/12/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/12/2015) - destaque nosso.
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. ARGUIÇÃO DE NULIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. INOBSERVÂNCIA DE REGRA DE COMPETÊNCIA POR PREVENÇÃO. VÍCIO DE NATUREZA RELATIVA. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 19 DA LEI 7.492/86. INAPLICABILIDADE DO ART. 25. ARRENDAMENTO MERCANTIL OBTIDO MEDIANTE FRAUDE. 'LEASING' FINANCEIRO. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PRESENÇA DO ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 7. É patente a presença do elemento normativo do tipo penal do art. 19. O leasing financeiro é modalidade negocial em que predomina o caráter de financiamento (STF, RE 547.245, Relator Ministro Eros Grau). Não se cuida de 'analogia in malan partem', mas de interpretação extensiva, cabendo ao julgador conferir o devido alcance ao que está abrangido pelo significado da norma penal incriminatória. (...) (TRF3, SEGUNDA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 28706 - 0004608-69.2001.4.03.6181, Rel. Des. Fed. COTRIM GUIMARÃES, julgado em 07/05/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/05/2013) - destaque nosso.
PROCESSUAL PENAL E PENAL. AÇÃO PENAL PÚBLICA. SUPOSTA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVISIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DA DOSIMETRIA. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. LEI N.º 7.492/1986, ARTIGO 19. OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO. LEASING. CRIME COMUM. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONDENAÇÕES MANTIDAS. PENAS REDUZIDAS. RECURSOS PROVIDOS EM PARTE. (...) 3. A obtenção de crédito mediante a celebração de contratos de leasing fraudulentos configura o delito previsto no artigo 19 da Lei n.º 7.492/1986. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. (...) (TRF3, SEGUNDA TURMA, Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 32857 - 0005485-77.1999.4.03.6181, Rel. Des. Fed. NELTON DOS SANTOS, julgado em 27/11/2012, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/12/2012) - destaque nosso.

Nesse diapasão, plenamente possível a subsunção no art. 19 da Lei nº 7.492/1986 de situação fática consistente na obtenção, de forma fraudulenta, de contrato de arrendamento mercantil (leasing) junto a instituição financeira na justa medida em que referido negócio jurídico se subsome na elementar típica "financiamento" contida do tipo penal mencionado.


(d) Análise do caso concreto


Conforme bem pontuado pelo Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes em seu v. voto vencedor, a embargante LEDA MARIA PITA VIANNA celebrou 02 (dois) contratos de arrendamento mercantil (leasing) junto à instituição financeira "BV Leasing Arrendamento Mercantil S/A", empregando, para tanto, o meio fraudulento consistente em se passar por outra pessoa, sendo que em ambos os negócios jurídicos visava-se a aquisição de veículo automotor - a propósito:


(d.1) Fls. 130/139 - Contrato de Arrendamento Mercantil nº 00247385-10: nos idos de 17 de junho de 2010, a embargante, passando-se por uma pessoa de nome "Leda Maria Pita Vianna Storti", firmou arrendamento mercantil com a "BV Leasing" com o fito de que esta adquirisse o veículo Volkswagen Gol City 1.0 MI (Geração 04), 2008/2009, cor branca, possuidor das placas NKO 0425, assumindo o compromisso financeiro mensal (60 - sessenta - meses) de R$ 499,01 (quatrocentos e noventa e nove reais e um centavo). Importante ser dito, a teor do laudo pericial grafotécnico acostado às fls. 234/236, que foi constatada que a assinatura aposta no instrumento contratual partiu do punho da embargante, aspecto que tem o condão de referendar a autoria delitiva;


(d.2) Fls. 262/263 e 397/400 - Contrato de Arrendamento Mercantil nº 00256714-10: nos idos de 18 de agosto de 2010, a embargante, passando-se por uma pessoa de nome "Lucila Storti", firmou arrendamento mercantil com a "BV Leasing" com o fito de que esta adquirisse o veículo Renault Sandero Authentique 1.0 16V, 2010/2011, cor vermelha, assumindo o compromisso financeiro mensal (60 - sessenta - meses) de R$ 753,01 (setecentos e cinquenta e três reais e um centavo). Importante ser dito, a teor do laudo pericial grafotécnico acostado às fls. 256/259, que foi constatada que a assinatura aposta no instrumento contratual partiu do punho da embargante, aspecto que tem o condão de referendar a autoria delitiva.


Dentro de tal contexto, plenamente comprovadas tanto a materialidade como a autoria delitivas em desfavor da embargante na justa medida em que ela, LEDA MARIA PITA VIANNA, em 02 (duas) oportunidades distintas, porém a ponto de configurar continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), obteve, fraudulentamente (passando-se por pessoa inexistente), financiamento (por meio da celebração de contrato de arrendamento mercantil - leasing) em instituição financeira, sendo assim de rigor a manutenção de sua condenação nos termos constantes do v. voto vencedor.


Consigne-se, ao cabo, não proceder o argumento absolutório fundado na ilação de que o Sistema Financeiro Nacional não teria sido maculado com as condutas perpetradas pela embargante. Ainda que este relator tenha o entendimento de que condutas como a descrita nos autos, de fato, não teriam o condão de ofender o bem jurídico tutelado pela Lei nº 7.492/1986 (Sistema Financeiro Nacional) tanto que no âmbito da Décima Primeira Turma deste E. Tribunal Regional sempre suscita preliminar de incompetência com o fito de que a questão seja apreciada pela Justiça Estadual como se crime de estelionato fosse, impossível anuir com a conclusão de que deveria ser mantida a absolvição da embargante por ausência de lesividade ao bem jurídico.


Na realidade, houve, sim, mácula a bem tutelado e protegido pelo Direito Penal (tanto que a Quinta Turma proveu o apelo ministerial, posicionamento referendado por este voto), não sendo pertinente, ante a devolutividade inerente ao recurso de Embargos Infringentes (art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal), o espraiamento da discussão para fins de eventual desclassificação para delito de competência da Justiça Bandeirante.


DISPOSITIVO


Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por LEDA MARIA PITA VIANNA, nos termos anteriormente expendidos.


FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal


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