D.E. Publicado em 06/03/2020 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por LEDA MARIA PITA VIANNA, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
Nº de Série do Certificado: | 11A217042046CDD3 |
Data e Hora: | 28/02/2020 10:10:57 |
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VOTO
O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:
Trata-se de Embargos Infringentes opostos por LEDA MARIA PITA VIANNA com o objetivo de que prevaleça o v. voto vencido proferido pelo Eminente Desembargador Federal Mauricio Kato, que mantinha sua absolvição afeta às imputações da prática do delito previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/1986 (fls. 507/508) - a propósito, colhe-se do r. provimento judicial, especificamente no que tange ao ponto sob análise:
Por sua vez, o v. voto vencedor, proferido pelo Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes, deu provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal para condenar a embargante como incursa no art. 19 da Lei nº 7.492/1986, em continuidade delitiva, fixando reprimenda na casa de 02 anos e 04 meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, e de 11 dias-multa, cada qual no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, substituindo a pena corporal por duas reprimendas restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade e em prestação pecuniária no importe de 05 salários mínimos (fls. 510/512):
DO CRIME PREVISTO NO ART. 19 DA LEI Nº 7.492/1986 - OBTENÇÃO FRAUDULENTA DE FINANCIAMENTO - CONCEITO DE FINANCIAMENTO EM CONTRAPOSIÇÃO AO DE EMPRÉSTIMO - CASO CONCRETO EM QUE A EMBARGANTE CELEBROU DOIS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ("LEASING") - HIPÓTESE QUE SE SUBSOME AO CONCEITO DE FINANCIAMENTO, ATRAINDO, ASSIM, A TIPIFICAÇÃO NO BOJO DO CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - PREVALÊNCIA DO POSICIONAMENTO CONSTANTE DO V. VOTO VENCEDOR
O cerne da questão debatida nestes Embargos Infringentes guarda relação em se perquirir se a celebração de contrato de arrendamento mercantil (leasing) teria o condão de configurar a elementar típica "financiamento" constante do art. 19 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 (Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira). Nesta toada, o posicionamento esboçado no v. voto vencido, da lavra do Eminente Desembargador Federal Mauricio Kato, para além de fundar a manutenção da absolvição da embargante na inferência de que as duas avenças celebradas não tiveram o condão de abalar o Sistema Financeiro Nacional, reverberou na assertiva de que a aquisição de bem de consumo por meio de contrato de arrendamento mercantil não encontraria subsunção no conceito de "financiamento". Por outro lado, o v. voto vencedor, proferido pelo Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes, reconheceu a tipicidade das condutas então levadas a efeito, razão pela qual proveu o recurso de Apelação aviado pelo Parquet federal.
(a) O contrato de arrendamento mercantil ou leasing
O contrato de arrendamento mercantil (leasing) é conceituado doutrinariamente como sendo uma (...) locação caracterizada pela faculdade conferida ao locatário de, ao seu término, optar pela compra do bem locado. Em termos de disciplina das relações de direito privado, isto é, no tocante às obrigações que as partes assumem uma com a outra em virtude do arrendamento mercantil, inexiste tipificação legal do negócio. Assim, rege-se este pelas cláusulas pactuadas entre os contratantes. O locatário, por ato unilateral, dependente de sua exclusiva vontade, ao fim do prazo locatício, pode adquirir o bem locado, tendo o direito de amortizar no preço da aquisição os valores pagos a título de aluguel (...) (in Manual de Direito Comercial - Direito de Empresa, Fábio Ulhoa Coelho, 25ª edição, Editora Saraiva, 2013, págs. 520/521).
À luz do ideário conceitual acima transcrito, nota-se a abrangência de agentes que podem pactuar a avença, pouco importando, de início, se ela será entabulada entre pessoas jurídicas, entre pessoas físicas ou entre uma e outra. Nesse contexto e diante da repercussão que tal contrato poderia ter no mundo dos fatos (principalmente se levado a efeito entre duas pessoas físicas), entendeu por bem o legislador defini-lo, para fins tributários, nos termos constantes do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974 (que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil e dá outras providências), alterado em razão da edição da Lei nº 7.132, de 26 de outubro de 1983 - a propósito, colhe-se do artigo legal mencionado: considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta (destaque nosso).
Assim, a teor da disposição legal transcrita, ao menos para fins tributários e de conceituação legal, depreende-se que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) possui, na qualidade de arrendadora, uma pessoa jurídica, cabendo destacar que a arrendatária poderá ser tanto um ente moral como uma pessoa natural. Recorrendo novamente à doutrina especializada que se debruçou sobre o tema (in Contratos Mercantis, Waldirio Bulgarelli, 14ª edição, Editora Atlas, 2001, págs. 381/382), mostra-se possível a compreensão do contrato ora em comento:
Verifica-se, nos termos anteriormente tratados, que o negócio jurídico ora em comento constitui-se de um mecanismo negocial em que a arrendatária (pessoa jurídica ou pessoa física) viabiliza a aquisição de um dado bem ou equipamento necessário à sua mantença, pactuando tal aquisição com a arrendadora (necessariamente pessoa jurídica e efetiva proprietária do bem ou do equipamento comprado do fabricante), operação esta que se viabiliza por meio do adimplemento periódico (mensal, por exemplo) de determinado valor (a título de aluguel), o que, em última instância, pode ser enxergado como uma forma (ainda que peculiar) de obtenção de um financiamento, ressaltando-se, ademais, que a arrendadora somente poderá comprar aquele bem ou aquele equipamento que a arrendatária indicou como imperioso para o desiderato almejado.
Aliás, a inferência acima concatenada, vale dizer, de que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) é uma forma da arrendatária se financiar ou se capitalizar para a finalidade de aquisição de um certo bem ou equipamento, não passou ao largo da doutrina:
(b) A diferenciação entre financiamento e empréstimo para fins de tipificação de uma conduta no art. 19 da Lei nº 7.492/1986
Nos termos da Circular nº 1.273, de 29 de dezembro de 1987, de lavra do Banco Central do Brasil, empréstimos são operações realizadas sem destinação específica ou vínculo à comprovação da aplicação dos recursos ao passo que financiamentos são operações realizadas com destinação específica, vinculadas à comprovação da aplicação dos recursos. Assim, dentro de tal contexto, para efeito da legislação específica (Lei nº 7.492/1986), tem-se entendido que financiamento significa a operação de crédito concedida com destinação específica, o que obriga a demonstração da aplicação de recursos, posicionamento que encontra o beneplácito da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:
(c) Entendimento pretoriano acerca da natureza jurídica do contrato de arrendamento mercantil (leasing) no que tange à classificação entre financiamento e empréstimo para fins de tipificação de conduta no art. 19 da Lei nº 7.492/1986
Sem prejuízo do que já foi exposto tendo como supedâneo o posicionamento prevalente na doutrina a indicar que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) pode ser compreendido como verdadeiro financiamento ao arrendatário, cumpre perquirir se a jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores, bem como desta E. Corte Regional, aquiesce com tal entendimento.
Com efeito, de início, importante ser trazido à baila julgado do C. Supremo Tribunal Federal que se debruçou sobre o assunto, porém sob a perspectiva tributária, para fins de aferição se operações leasing financeiro teriam o condão de ser fato gerador do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS, cuja competência tributária foi deferida aos Municípios nos termos do art. 156, III, da Constituição. Ressalte-se que o precedente ora em comento, a despeito do enfoque do que restou decidido não guardar relação direta com a seara criminal, tem o condão de jogar luz sobre a discussão (inclusive no campo penal) na justa medida em que houve a prevalência de posicionamento no sentido de que o contrato de arrendamento mercantil possuiria como núcleo essencial uma operação de financiamento (e não uma prestação de dar) a ponto de ser possível a tributação pelo ente municipal - a propósito:
Na linha do que restou assentado pelo C. Pretório Excelso, também o E. Superior Tribunal de Justiça enxerga no contrato de arrendamento mercantil (leasing) viés a apontá-lo como uma forma do arrendatário financiar-se no exato sentido de que, ainda que tal avença tenha suas peculiaridades, o valor empregado pela arrendadora tem finalidade precípua e inerente à operação, qual seja, a aquisição daquele (e somente daquele) bem previamente escolhido pelo arrendatário, o que corporifica, via de consequência, o conceito de "financiamento" contido na elementar típica do art. 19 da Lei nº 7.492/1986 - nesse sentido:
Fazendo coro à jurisprudência anteriormente colacionada, também este E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região enquadra o contrato de arrendamento mercantil (leasing) como uma espécie, ainda que lato senso, de financiamento a culminar no implemento da elementar "financiamento" para fins de configuração de crime contra o Sistema Financeiro Nacional:
Nesse diapasão, plenamente possível a subsunção no art. 19 da Lei nº 7.492/1986 de situação fática consistente na obtenção, de forma fraudulenta, de contrato de arrendamento mercantil (leasing) junto a instituição financeira na justa medida em que referido negócio jurídico se subsome na elementar típica "financiamento" contida do tipo penal mencionado.
(d) Análise do caso concreto
Conforme bem pontuado pelo Eminente Desembargador Federal Paulo Fontes em seu v. voto vencedor, a embargante LEDA MARIA PITA VIANNA celebrou 02 (dois) contratos de arrendamento mercantil (leasing) junto à instituição financeira "BV Leasing Arrendamento Mercantil S/A", empregando, para tanto, o meio fraudulento consistente em se passar por outra pessoa, sendo que em ambos os negócios jurídicos visava-se a aquisição de veículo automotor - a propósito:
(d.1) Fls. 130/139 - Contrato de Arrendamento Mercantil nº 00247385-10: nos idos de 17 de junho de 2010, a embargante, passando-se por uma pessoa de nome "Leda Maria Pita Vianna Storti", firmou arrendamento mercantil com a "BV Leasing" com o fito de que esta adquirisse o veículo Volkswagen Gol City 1.0 MI (Geração 04), 2008/2009, cor branca, possuidor das placas NKO 0425, assumindo o compromisso financeiro mensal (60 - sessenta - meses) de R$ 499,01 (quatrocentos e noventa e nove reais e um centavo). Importante ser dito, a teor do laudo pericial grafotécnico acostado às fls. 234/236, que foi constatada que a assinatura aposta no instrumento contratual partiu do punho da embargante, aspecto que tem o condão de referendar a autoria delitiva;
(d.2) Fls. 262/263 e 397/400 - Contrato de Arrendamento Mercantil nº 00256714-10: nos idos de 18 de agosto de 2010, a embargante, passando-se por uma pessoa de nome "Lucila Storti", firmou arrendamento mercantil com a "BV Leasing" com o fito de que esta adquirisse o veículo Renault Sandero Authentique 1.0 16V, 2010/2011, cor vermelha, assumindo o compromisso financeiro mensal (60 - sessenta - meses) de R$ 753,01 (setecentos e cinquenta e três reais e um centavo). Importante ser dito, a teor do laudo pericial grafotécnico acostado às fls. 256/259, que foi constatada que a assinatura aposta no instrumento contratual partiu do punho da embargante, aspecto que tem o condão de referendar a autoria delitiva.
Dentro de tal contexto, plenamente comprovadas tanto a materialidade como a autoria delitivas em desfavor da embargante na justa medida em que ela, LEDA MARIA PITA VIANNA, em 02 (duas) oportunidades distintas, porém a ponto de configurar continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), obteve, fraudulentamente (passando-se por pessoa inexistente), financiamento (por meio da celebração de contrato de arrendamento mercantil - leasing) em instituição financeira, sendo assim de rigor a manutenção de sua condenação nos termos constantes do v. voto vencedor.
Consigne-se, ao cabo, não proceder o argumento absolutório fundado na ilação de que o Sistema Financeiro Nacional não teria sido maculado com as condutas perpetradas pela embargante. Ainda que este relator tenha o entendimento de que condutas como a descrita nos autos, de fato, não teriam o condão de ofender o bem jurídico tutelado pela Lei nº 7.492/1986 (Sistema Financeiro Nacional) tanto que no âmbito da Décima Primeira Turma deste E. Tribunal Regional sempre suscita preliminar de incompetência com o fito de que a questão seja apreciada pela Justiça Estadual como se crime de estelionato fosse, impossível anuir com a conclusão de que deveria ser mantida a absolvição da embargante por ausência de lesividade ao bem jurídico.
Na realidade, houve, sim, mácula a bem tutelado e protegido pelo Direito Penal (tanto que a Quinta Turma proveu o apelo ministerial, posicionamento referendado por este voto), não sendo pertinente, ante a devolutividade inerente ao recurso de Embargos Infringentes (art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal), o espraiamento da discussão para fins de eventual desclassificação para delito de competência da Justiça Bandeirante.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO aos Embargos Infringentes opostos por LEDA MARIA PITA VIANNA, nos termos anteriormente expendidos.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | FAUSTO MARTIN DE SANCTIS:10066 |
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Data e Hora: | 28/02/2020 10:11:00 |